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Ideologia do branqueamento nas telenovelas brasileiras
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E-book279 páginas3 horas

Ideologia do branqueamento nas telenovelas brasileiras

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Sobre este e-book

Esta obra tem como objetivo retratar o racismo oculto que ainda existe nas telenovelas brasileiras. Procura compreender o porquê da pouca presença negra no contexto e no enredo das telenovelas, buscando discutir como as telenovelas representam os negros e quais as possíveis consequências disso no processo de identificação racial desse grupo. O livro analisa principalmente a novela Lado a Lado da Globo, transmitida em 2012.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de fev. de 2017
ISBN9788546205370
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    Ideologia do branqueamento nas telenovelas brasileiras - Maureci Moreira de Almeida

    Grosso

    Introdução

    O Brasil é considerado o país com maior população negra fora do continente africano (Pereira; White, 2001), sendo que a Nigéria é o único país da África a comportar uma população de mais de 170 milhões de habitantes. Mesmo assim, o racismo contra a população negra e a problemática racial sempre marcaram o desenvolvimento, a formação histórica e as dinâmicas sociais no Brasil. As interpretações e os diversos estudos envolvendo essa problemática, apesar de antigos, pautaram-se, com raras exceções, na crença e no discurso proferido por muitos estudiosos do assunto, embora conservadores e racistas, de que por aqui não haveria conflitos raciais (Santos, 1984) tão graves que merecessem cuidados específicos. Em conformidade com esta crença, grande parte da sociedade brasileira parece acreditar que as raças existentes em solo nacional interagem harmonicamente, mantendo contatos sociais tranquilos e sem hostilidades. Desse modo, estabelecendo um verdadeiro exemplo positivo das relações raciais para outros lugares no mundo, onde o problema racial é aberto, conflituoso e declarado. Segundo Santos, [...] a ideia de que ‘aqui não temos desses problemas’ está profundamente enraizada em nossas cabeças (Santos, 1984, p. 42, grifos do autor). Para sustentar esta negação, foi introjetado na mentalidade dos brasileiros, ao longo da história, o mito de que imperava uma fantástica democracia racial no país. No entanto, parece-nos, de acordo com os estudos dos autores e especialistas no assunto que analisamos, a democracia racial nunca existiu de fato. Sugerindo assim, que nada mais era do que (e continua sendo) uma artimanha de manutenção por parte das elites brancas em fazer permanecer o status quo, os inúmeros privilégios e os muitos interesses econômicos, políticos e sociais vinculados, desde sempre, ao segmento racial branco no Brasil.

    Inteiramente ligada ao mito da democracia racial está a ideologia do branqueamento, que se desenvolveu no final do século XIX e início do século XX, configurando-se como fonte de desejo das elites de branquear a nação brasileira, e livrá-la do problema negro, principal obstáculo, segundo alguns políticos e intelectuais da época, a impedir o país de alavancar-se em seu projeto econômico e de modernidade.

    Assim, a ideologia do branqueamento é a mais contundente marca do racismo à brasileira. Apesar de transcorrido todo esse tempo, o desejo de branqueamento do brasileiro ainda não se apagou. Parece estar expresso e representado, agora de maneira mais perspicaz e contagiante, nos meios de comunicação de massa, em especial na programação da televisão brasileira e difundido pelo principal produto audiovisual incorporado à cultura nacional, que são as telenovelas.

    Pelo que aparentam, as telenovelas brasileiras talvez sejam, ao menos no campo da cultura audiovisual, as principais inspiradoras do atual desejo de branqueamento junto à população telespectadora. A plausibilidade da afirmação tem por base o destaque que as exibições novelísticas oferecem ao fenótipo branco, associando-o à ideia de beleza, de riqueza, de prosperidade e de comportamento virtuoso, e relacionando o negro quase sempre a pobreza, ao insucesso, a criminalidade, a sensualidade e ao aspecto estético depreciativo. Isso parece desfavorecer a percepção identitária dos afro-brasileiros de forma mais afirmativa, induzindo-os a acreditar ideologicamente na supremacia branca. Em decorrência disso, sugerimos que podem suceder dois fatos: a dificuldade do reconhecimento de muitos afrodescendentes como negro e o desprestigio do fenótipo negro por esse próprio segmento racial, que assiste e se entretém com as telenovelas estruturadas na ideologia do branqueamento.

    As telenovelas na cultura contemporânea brasileira recebem demasiada influência do sistema capitalista, cujo interesse é a obtenção de lucro e manutenção dos privilégios dos que estão na situação de dominantes, como no caso das elites brancas. As telenovelas brasileiras são um produto da indústria cultural, sendo a própria expressão dos valores euro-norte-americano, que estão estritamente vinculados ao sistema econômico vigente. Esses valores ancoram-se em uma visão de mundo judaico-cristão-ocidental, que, por sua vez, parece reforçar um único padrão de referência fenotípica de pessoa, o leucodérmico, ou branco europeu (Moore, 2007), ao que é atribuído os sucessos e as virtudes necessárias para transformar e fazer avançar o mundo.

    Os filósofos frankfurtianos Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985), nesse sentido, aparentam estar em sintonia com o que foi exposto anteriormente, ao argumentarem que a indústria cultural é alimentada pelas concepções e visão da realidade conforme a sociedade na qual está inserida, mantendo uma relação dialética de troca. Por exemplo, quando os produtores das telenovelas brasileiras se inspiram na história e no sofrimento que foi a escravidão que ocorreu no Brasil, para produzirem e organizarem o enredo de suas novelas, como no caso de Xica da Silva (1996, Rede Manchete), acabam escondendo inúmeros fatos que constituíram esse episódio de nossa história, acreditando que não fariam sucesso junto ao público telespectador se abordados.

    Essa forma de produzir as telenovelas brasileiras favorece o ideário do branqueamento, pois nega, incutindo habilmente, a severidade e o drama que foi a escravidão no Brasil, disseminando uma concepção de conhecimento e valores corrompidos e romantizados desse acontecimento. Contribuindo, assim, para estabelecer uma noção de vida, cultura e comportamento na sociedade brasileira que propicia a desconsideração quanto à diversidade racial do Brasil, realizando a manutenção dos preconceitos em relação à alteridade.

    Dessa maneira, a indústria cultural, com seus produtos audiovisuais predominantemente embranquecidos, fragiliza a identidade negra. E, de que modo as telenovelas tornam ativa esta fragilização? Há uma abordagem da identidade negra na trama novelística? Quais são os estereótipos em relação ao negro recorrentes nas telenovelas? Estas são algumas questões importantes, pelo menos a nosso ver, que perpassam a compreensão do racismo à brasileira. Pois, a identidade negra veiculada pela teledramaturgia sempre foi virtual e distanciada do componente real da cultura negra brasileira. Os estereótipos criados em relação ao negro, de que é um ser carregado de energia sensual, de malandragem e de força física, são os exemplos desse distanciamento fomentado por esses rótulos raciais.

    Esse procedimento da televisão e das telenovelas revelam um pouco da situação racial brasileira, deixando evidente a negação da representação na ficção da maior parte da população, constituída por negros, que possivelmente fragilizam suas identidades.

    Nessa perspectiva, Joel Zito Araújo (2004) enuncia que o sistema de classificação e a ideologia do branqueamento dificultam o desenvolvimento do sentimento de pertencimento racial da população negra, que a televisão parece acentuar através das telenovelas.

    Araújo (2004) também alerta para outro problema na formação da identidade negra brasileira: a ideologia da mestiçagem, que é difundida pela televisão e inserida nas novelas como uma das grandes características do Brasil. Pelo que sugere o autor, essa ideologia, principal pano de fundo estruturante das relações raciais brasileiras, parece ter auxiliado na criação e na manutenção do mito da democracia racial. Sendo que a mestiçagem sempre foi concebida pelos cientistas, políticos e intelectuais brasileiros, especialmente os do início do século XX, como uma espécie de passagem, em que as raças inferiores se purificariam ao sofrer o processo de miscigenação, diluindo os aspectos fenotípicos do negro, incorporados e apagados no fenótipo da população branca (Araújo, 2006).

    Diante dessas conjecturas, como a telenovela brasileira atuaria na difusão da ideologia da mestiçagem e do mito da democracia racial? A resposta para esta indagação, de acordo com que estamos concebendo, ao tratar da representação do negro e da ideologia do branqueamento nas telenovelas, é apresentada por Araújo (2006) da seguinte maneira:

    E hoje, os mitos da raça cósmica, ou do mulato inzoneiro que resultaria na for­mação de um homem novo ideal nas Amé­ricas, revelam-se apenas como celebrações discursivas do passado, e caem por terra quando observamos as telenovelas brasilei­ras, mexicanas, colombianas, venezuelanas, ou produzidas em qualquer parte da América Latina, que funcionam como os melhores atestados de que sempre prevaleceu à ideologia da branquitude como formadora do padrão ideal de beleza e, ao mesmo tempo, como legitimadora da ideia de superioridade do segmento branco. A escolha dos galãs, dos protagonistas, celebra modelos ideais de beleza europeia, em que quanto mais nórdicos os traços físicos, mais destacado ficará o ator ou atriz na escolha do elenco. (Araújo, 2006, p. 76)

    Esses apontamentos do autor revelam que o tipo físico celebrado e idealizado pelos telespectadores de telenovelas serão os modelos fenotipicamente brancos, cuja ideia de beleza é sempre associada ao seu biótipo. Em relação aos atores e as atrizes negros e mestiços brasileiros [...] independente da fusão racial a que pertencem [...] (Araújo, 2006, p. 77), se aparentam traços acentuadamente não brancos, serão vitimados pelos estereótipos dos papéis que interpretarão nas telenovelas.

    Dessa maneira, quando o negro e o indígena aparecem nas telenovelas trazem consigo os vestígios dos estereótipos que a condição racial brasileira impõe a esses grupos: subalternidade, malandragem, aspecto estético negativo, sensualidade e ingenuidade. Esse estratagema dificulta a afirmação de uma identidade racial mais positiva da população negra.

    Aquelas identidades que social e historicamente sempre foram esquecidas, desprestigiadas e negadas, por exemplo, a negra, na teledramaturgia é condicionada a se manifestar de forma apagada e fragmentada. Desencadeando uma percepção social do segmento negro estereotipado e deslocado virtualmente das suas raízes culturais. Isso pode, em certa medida, inviabilizar e gerar uma crise na questão do reconhecimento da pertença racial.

    Entretanto, seria bom ressaltar que as telenovelas não são capazes sozinhas de produzir este efeito, já que a discriminação racial, o racismo e a ideologia do branqueamento são construções sociais forjadas ao longo da história da formação do país. O que buscamos refletir e discutir, por meio desta obra, é que as telenovelas, possivelmente, fortalecem a crise da concepção de pertencimento racial na população negra no Brasil. Em conformidade com isso, Bauman (2005) aponta que o mundo contemporâneo passa por uma crise de identidade. Sendo que as culturas subalternizadas pelas elites dominantes eurocêntricas, estão com as formas de se ver e de representar comprometidas e fragmentadas. Nesse sentido, as telenovelas exerceriam uma função ideológica, intencional ou não, subalternizando os segmentos étnicos com menor poder de representação política, cultural e social. Assim, o brasileiro cuja ascendência seja negra (pretos ou pardos) encontra dificuldade de se reconhecer como negro. É lhe imposto a todo o momento, no convívio social e pelos meios de comunicação de massa, sobretudo pela televisão e em particular pelas telenovelas, que seu modo de ser deve se aproximar e se identificar com a cultura euro-norte-americana, ou seja, com as bases ideológicas que compõem a mentalidade da elite branca brasileira.

    Por esse prisma, os produtores das novelas, querendo ou não, ajudam a camuflar, junto aos telespectadores, a percepção mais detalhada dos problemas sociais, por exemplo, a questão do racismo no Brasil, ao enfatizarem, nos enredos novelísticos, à subordinação do negro em relação ao branco. Na lógica racista da sociedade brasileira, as telenovelas parecem exercer um papel terrível ao reforçarem, como naturais, as posições sociais e os lugares ocupados pelos negros e pelos brancos. Em um detalhe sutil, sugerem que a fonte de inspiração, para a ocupação dessas posições sociais, estaria alicerçada em uma suposta hierarquia das raças, que insistem em destacar ideologicamente, sem tratar disso abertamente.

    Saber, portanto, em que estrutura ideológica está fundada, por exemplo, o conteúdo das novelas brasileiras, pode contribuir no desenvolvimento de uma consciência mais crítica em relação aos produtos audiovisuais exibidos nos canais abertos.

    A ideologia do branqueamento, nesta perspectiva, faz parte da estrutura dos produtos audiovisuais, apresentando o negro quase sempre de modo estereotipado, e com sua identidade fragilizada por concepções preconceituosas, abstratas e separadas da identificação com a cultura negra. Desconsiderando assim, o forte hibridismo dessa cultura (Canclini, 1990) na sociedade brasileira.

    Por esse ângulo, pode-se perceber como está sistematizada a indústria cultural brasileira, sendo inspirada e influenciada pelos modelos euro-norte-americano. A telenovela, dessa maneira, se torna [...] não só o elemento-chave do desenvolvimento industrial da televisão brasileira e latino-americana, como também o programa mais legítimo nas preferências populares (Araújo, 2004, p. 19). Por fazerem parte dessas preferências, as telenovelas têm grande acesso aos lares brasileiros. Nesses discursos, linguísticos e visuais, um modelo estético dominante de pessoa é construído ao apresentar o branco sempre em primeiro plano nas telenovelas, branqueando a referência identitária e fragilizando a autoafirmação de outros grupos étnicos, como os afro-brasileiros.

    A telenovela é um formato moderno dos antigos folhetins, e carrega forte carga simbólica, transmitida pela televisão aberta do Brasil com grande audiência, inclusive exportada para países da América Latina, africanos e europeus. Ela é o principal produto da indústria cultural brasileira. "E, a partir dos anos 70, ao lado do telejornal, adquiriu o status definitivo de programa de maior audiência e de sucesso com o público" (Araújo, 2004, p. 19).

    A telenovela brasileira exibe temas inspirados e originados na trama social, levando as pessoas, por muitas vezes, a se identificarem com as narrativas e os diversos debates inseridos em seus conteúdos. Entretanto, como a telenovela é um produto da cultura industrializada, há um ar de semelhança que a caracteriza, próprio da seriação dos produtos feitos para serem vendidos. Desse modo, os clichês são recorrentes e determinantes para o sucesso da audiência. Por exemplo, em quase todas as novelas os mocinhos e mocinhas, os heróis e heroínas são aqueles que espelham descendência europeia. Os serviçais, como cozinheiras, babas, faxinheiras, na sua maioria, são negros e com pouca participação na trama da novela.

    Para quem assiste em outros países as novelas brasileiras, fica a impressão de que o Brasil é constituído por uma maioria branca, podendo concluir que não há em solo nacional problemas raciais, que vivemos em uma genuína democracia racial, pois as novelas dizem implicitamente um pouco de como a sociedade brasileira é organizada social e racialmente.

    Nas telenovelas, em uma simples observação do telespectador mais interessado e antento as questões raciais, será possível perceber que o negro tem pouca participação e completa ausência em alguns programas televisivos, princiapalmente, como apresentador de destaque, ou mesmo como ator protagonista em alguma novela das principais emissororas de televisão do país.

    Nenhum dos grandes atores negros parece ter escapado do papel de escravo ou serviçal na história da telenovela brasileira, mesmo aqueles que quando chegaram à televisão já tinham um nome solidamente construído no teatro ou no cinema, como Ruth de Souza, Grande Otelo, Milton Gonçalves e Lázaro Ramos. (Araújo, 2008, p. 979)

    A teledramaturgia nacional reservou aos atores negros papéis subalternos, como se coubessem a eles apenas à representação do flagelo e humilhação que o terror da escravidão infligiu aos africanos a mais de três séculos no Brasil. Diante disso, quando o negro atua nas telenovelas apenas incorporando personagens submissos e inferiorizados socialmente (como de pessoa escravizada, empregada doméstica, pobre, favelado), atribuem-lhe um signo, uma marca que faz com que o público telespectador o identifique como negro.

    Tendo em vista esse enfoque, Guimarães, com base nos estudos de Gomes (2003) e Barth (2004), elabora sua crítica acerca de discriminação e signos.

    Para discriminar, as pessoas reconhecem quem é negro e quem é branco, mas desconhecem essas diferenças quando é para incluir, afirma Nilma Gomes (2003). Não são as diferenças objetivas que fazem com que os seres humanos se diferenciem etnicamente. São alguns signos que são escolhidos como emblemáticos, enquanto outros são ignorados. É por meio desses emblemas que as pessoas afirmam, constroem, realçam e exibem uma identidade comum (Barth apud Hofbauer, 2004). A cor da pele é um desses traços emblemáticos. E é pela categoria cor que o IBGE mostra as significativas diferenças existentes entre os grupos compostos pela cor branca e os grupos de cor negra. (Guimarães, 2010, p. 84)

    O meio pelo qual esses signos são reafirmados, posicionados com evidência e transmitidos como emblemas de uma categoria racial, no caso dos meios de comunicação de massa, teria o poder ideológico de reforçá-los. Realçando dessa forma a crença de que a cor da pele negra é inferior à cor da pele branca, ao conceder maior visibilidade em seus produtos audiovisuais, como nas telenovelas, a presença hegemônica do fenótipo caucasiano.

    No imaginário da maioria da população negra, talvez, isso possa fomentar em grande parte dos brasileiros uma:

    [...] identidade racial negativa [...] reforçada pela indústria cultural brasileira, a qual insiste simbolicamente no ideal do branqueamento, sendo um dos corolários do desejo de euro-norte-americanização [...]. (Araújo, 2004, p. 25)

    As pessoas que não se encaixam nesse padrão podem se sentir inconscientemente inferiorizadas. Para citar um exemplo disso, salientamos a questão do cabelo, tão valorizado pelas mulheres. O cabelo crespo tem uma tímida representação afirmativa nas novelas exibidas diariamente. Pois, em sua maioria, as personagens negras são forçadas, pelo menos aparentemente, a negarem sua negritude, alisando seus cabelos para se enquadrar ao padrão de referência branco.

    Assim, as telenovelas difundem o ideal de branqueamento introjetando na população negra (na classificação do IBGE a categoria negro envolve os pretos e pardos), o mal-estar de pertencer a um grupo étnico-racial com uma rica cultura, mas que reiteradamente é negada, sonegando o direito de sua representação de maneira não estereotipada e mais afirmativa.

    Subjetivamente, as telenovelas reforçam o racismo à moda brasileira, ao propagarem, por meio da sua dramaturgia, a estética branca como único padrão de referência de beleza dos brasileiros. De modo que há nas telenovelas, um apagamento da cultura e da identidade afro-brasileira. Segundo Santos (2011), a questão da identidade, da cultura negra, e como os diferentes povos africanos foram trazidos para cá, contribuindo com seu suor, sangue e lágrimas para a formação da sociedade brasileira, parecem não receber o devido valor perante as produções audiovisuais. As telenovelas, nesse sentido, cooperam de modo muito prejudicial, reforçando esses aspectos de negação da importância dos africanos e seus descendentes na consolidação do país como uma nação forte e etnicamente diversa.

    [...] a grande contribuição do negro à cultura brasileira ou era folclorizada ou era reduzida ao passado, à história "o negro deu o vatapá, o índio trouxe o gosto pelas lendas, – sempre as formas verbais pretéritas". (Santos, 1988, prefácio, apud Santos, 2011, p. 6)

    Nesse passado histórico, séculos XVI a XIX, no qual o Brasil utilizou de mão de obra de pessoas escravizadas, é sempre retomado pelas telenovelas que, persistentemente, se portam, por exemplo, no caso da Abolição, como se tivesse sido tão somente o resultado do esforço do branco, desconsiderando as revoltas e as resistências encampadas pelos africanos e afro-brasileiros que viveram nesse período de horrores imensuráveis.

    Assim, novelas como A Escrava Isaura, de 1977, e Sinhá-Moça, de 1986, ambas produzidas pela Rede Globo (Araújo, 2004), reproduziram em relação à Abolição, e aos negros escravizados, os estereótipos da passividade, da dependência e submissão ao senhor de engenho, da resignação da condição na qual viviam e da esperança de serem libertados por um herói

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