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Agonia de morar: Urbanização e habitação na cidade do Rio de Janeiro (DF) : 1945/50
Agonia de morar: Urbanização e habitação na cidade do Rio de Janeiro (DF) : 1945/50
Agonia de morar: Urbanização e habitação na cidade do Rio de Janeiro (DF) : 1945/50
E-book505 páginas6 horas

Agonia de morar: Urbanização e habitação na cidade do Rio de Janeiro (DF) : 1945/50

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Sobre este e-book

A questão central deste trabalho foi discutir a crise habitacional que afetava grande parte da população carioca. Estudaram-se as condições de moradia existentes na cidade do Rio de Janeiro entre 1945/50, a distribuição desigual dos equipamentos de consumo coletivo (transporte, água, esgoto etc.) nas diversas zonas urbanas, entre outras questões.
Dentro dessa perspectiva, buscou-se traçar o dia a dia da população residente nessa cidade e suas formas de manifestação, organizada ou não, agindo individualmente ou não frente àqueles por ela identificada como os responsáveis pelos problemas da habitação.
Nesse sentido, o Estado aparecerá como o grande responsável pelos equipamentos de consumo coletivo, por ser proprietário, financiador, investidor, concessor, normalizador, legislador e fiscalizador. Procurou-se, portanto, entender a postura do Estado frente aos anseios da população na conquista de seus direitos de cidadania.
Pesquisas específicas sobre a cidade do Rio de Janeiro ainda se apresentam com nível insatisfatório no questionamento e na análise sobre as administrações municipais cariocas, sobretudo na questão habitacional e na ocupação do espaço urbano. Este trabalho buscou contribuir para a compreensão desse período pouco estudado e ajudar a preencher uma lacuna na historiografia. `Para tal, diversas fontes de informações foram utilizadas: jornais diários; jornais de várias linhas editoriais (comunista, socialista, de base governista, lacerdista etc.); revistas especializadas (engenharia, saneamento, habitação, economia, jurídica etc.), oficiais ou não. Evidentemente não foram deixadas de lado as Mensagens do Prefeito e as demais publicações informativas das diversas secretaria de Governo.
Buscou-se ter contribuído para o debate acadêmico sobre questões como: Estado com seus aparatos jurídicos e repressivos, cidadania, espaço, habitação e movimentos sociais urbanos (organizados ou não, coletivos ou não).
IdiomaPortuguês
EditoraEDUEL
Data de lançamento13 de dez. de 2021
ISBN9786589814061
Agonia de morar: Urbanização e habitação na cidade do Rio de Janeiro (DF) : 1945/50

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    Agonia de morar - Alberto Gawryszewski

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    Reitor

    Sérgio Carlos de Carvalho

    Vice-Reitor

    Décio Sabbatini Barbosa

    Diretor

    Luiz Carlos Migliozzi Ferreira de Mello

    Conselho Editorial

    Abdallah Achour Junior

    Daniela Braga Paiano

    Edison Archela

    Efraim Rodrigues

    Ester Massae Okamoto Dalla Costa

    José Marcelo Domingues Torezan

    Luiz Carlos Migliozzi Ferreira de Mello (Presidente)

    Maria Luiza Fava Grassiotto

    Otávio Goes de Andrade

    Rosane Fonseca de Freitas Martins

    A Eduel é afiliada à

    Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos

    Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina

    Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)

    Bibliotecária: Solange Gara Portello – CRB-9/1520

    G284a Gawryszewski, Alberto.

    Agonia de morar [livro eletrônico] : urbanização e habitação na cidade do Rio de Janeiro (DF) : 1945/50 / Alberto Gawryszewski. – Londrina : Eduel, 2021.

    1 Livro digital : il.

    Inclui bibliografia.

    Disponível em: http://www.eduel.com.br

    ISBN 978-65-89814-06-1

    1. Urbanização – Rio de Janeiro (RJ) – 1945-1950. 2. Espaço urbano. 3. Cidadania. 4. Movimentos sociais urbanos. 5. Habitação – Rio de Janeiro (RJ) – 1945-1950. I. Título.

    CDU 711.4(815.32)

    Direitos da tradução em Língua Portuguesa reservados à

    Editora da Universidade Estadual de Londrina

    Campus Universitário

    Caixa Postal 10.011

    86057-970 Londrina – PR

    Fone/Fax: 43 3371 4673

    e-mail: eduel@uel.br

    www.eduel.com.br

    Agradecimentos

    À Fundação Araucária, pelo patrocínio desta edição;

    À CAPES, pelo apoio financeiro;

    Ao Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá, do qual era docente, pela liberação em tempo integral para a realização desta pesquisa;

    Ao professor doutor Wilson do Nascimento Barbosa pela orientação prestada na execução desta pesquisa;

    Ao meu irmão Mário, pela acolhida na cidade de São Paulo;

    Aos funcionários das intituições de guarda de documentos: AN, AGCRJ, BN e IBGE/RJ.

    para Angelita, Yuri e Mariana

    Introdução

    A questão central deste trabalho é discutir a crise habitacional que afetava grande parte da população carioca. Pretendemos estudar as condições de moradia existentes na cidade do Rio de Janeiro entre 1945 e 1950, a distribuição desigual dos equipamentos de consumo coletivo (transporte, água, esgoto etc.) nas diversas zonas urbanas, entre outras questões.

    Dentro dessa perspectiva, buscou-se traçar o dia a dia da população residente nessa cidade e suas formas de manifestação, organizada ou não, agindo individualmente ou não frente àqueles por ela identificada como os responsáveis pelos problemas da habitação.

    Nesse sentido, o Estado aparecerá como o grande responsável pelos equipamentos de consumo coletivo acima citados, por ser proprietário, financiador, investidor, concessor, normalizador, legislador e fiscalizador. Procurou-se, portanto, entender a postura do Estado frente aos anseios da população na conquista de seus direitos de cidadania.

    A historiografia não tem se preocupado com o período do Governo Dutra. Apesar de nos últimos estar saindo das academias uma quantidade nova de estudos, esta ainda não atingiu um nível satisfatório pela sua importância política e social do período. Quanto ao cotidiano do trabalhador urbano no período pós-1930, muito pouco se tem produzido. Ambos os temas se perdem em amplas análises do populismo, getulismo, sindicalismo, Estado, entre outros. Mesmo os trabalhos que se propuseram a analisar as condições de vida dos cidadãos urbanos o fizeram partindo de análises de dados e discursos oficiais e das falas dos atendidos.

    Pesquisas específicas sobre a cidade do Rio de Janeiro apresentam-se com nível insatisfatório no questionamento e na análise sobre as administrações municipais cariocas, sobretudo na questão habitacional e na ocupação do espaço urbano.

    O estudo do Governo Dutra e de seu período se faz importante pelo momento histórico nacional e internacional em que foi gerado. De um lado, o Brasil reconquista a democracia, com eleições diretas para os poderes Executivos e Legislativos, o direito de organização popular, a aposta na cidadania por grande parte da população brasileira etc., de outro, vemos o início de um processo contrário, ou seja, a cassação do Partido Comunista do Brasil (PCB), repressão aos grevistas etc. A nível internacional, temos o mesmo quadro: de um lado, a criação da Organização das Nações Unidas, a assinatura da Declaração dos Direitos do Homem; de outro, iniciou-se a Guerra Fria, a ameaça de um novo conflito mundial etc.

    Dutra, ao perseguir comunistas, sindicalistas, estudantes, militares etc., dificultou a organização dos movimentos populares. Ao adotar uma política de desmantelamento dos sindicatos livres, de arrocho salarial, de liberdade cambial e de importações, em um primeiro momento, procurou adotar uma proposta econômica, social e política que atendia a interesses internacionais.

    A própria vitória de Getúlio Vargas em 1950, os problemas, as pressões internas e externas enfrentadas por ele em seu governo só serão compreendidos se se buscarem suas origens no curto período de 1945-50. Em síntese, por ser uma época carente de pesquisas e repletas de questões importantes, é coberta de interrogações que devem ser respondidas pela pesquisa histórica.

    Neste estudo, as esferas municipal e federal se justapõem, uma vez que, sendo capital federal, a cidade do Rio de Janeiro tinha seu Prefeito nomeado pelo Presidente da República, com a aprovação do Senado. Assim, consideramos que os projetos defendidos a nível municipal eram também os de interesse da esfera federal.

    Este trabalho busca contribuir para a compreensão desse período pouco estudado, ajudando a preencher uma lacuna na historiografia. Buscamos utilizar diversas fontes de informações. Os jornais diários, podemos dizer, formaram a base em vários capítulos. Procurando o mais amplo leque de informações, utilizamos jornais de várias linhas editoriais (comunista, socialista, de base governista, lacerdista etc.).

    Revistas especializadas, oficiais ou não, também receberam destaque como fonte de informações: de engenharia, saneamento, habitação, economia, debates jurídicos etc. Evidentemente, não poderíamos deixar de lado as Mensagens do Prefeito e as demais publicações informativas das diversas secretarias de governo.

    Letras de músicas consagradas nos carnavais do período estudado, pelo seu conteúdo, ajudaram-nos a compor a realidade vivida pelo cidadão carioca dentro da questão que procuramos abordar neste trabalho.

    Mediante essas fontes, tentamos capturar as formas de manifestações populares, coletivas ou não, suas falas de indignação diante das carências existentes nos equipamentos de consumo coletivo (especialmente em determinadas zonas da cidade), as propostas, a identificação de responsáveis etc.

    Se de um lado buscávamos capturar e analisar as falas dos cidadãos que agiam individualmente ou não, mas desorganizados, por meio do Partido Comunista do Brasil (PCB), podemos analisar a fala de cidadãos organizados em um partido político, que tinha objetivos específicos.

    Como partido de massas, o PCB tinha por meta atingir ao máximo a população. Era importante para seu desenvolvimento e expansão discutir e apresentar soluções para os principais problemas do cotidiano. Assim, pudemos compreender, por meio dessas informações, aspectos importantes da crise pela qual passava a população carioca como um todo.

    O trabalho que aqui apresentamos divide-se em sete capítulos, contando estes com subdivisões. Sucintamente, apresentaremos seus conteúdos.

    No primeiro capítulo, apontaremos para os conceitos que utilizamos em nossa pesquisa, as nossas contribuições para a compreensão desse período, como a historiografia o estudou e quais seus conceitos básicos. Também retomaremos, com mais vagar, a questão das fontes utilizadas.

    Utilizamo-nos de pensadores como Antônio Gramsci e Edward P. Thompson, com suas respectivas formas de análise e conceitos, em especial o primeiro, para auxiliar no estudo da mediação do Estado e as classes populares. Autores marxistas que abordaram a questão da ocupação do espaço urbano, da cidade como local da luta de classes, como tendo valor de uso, de troca e, portanto, sendo mercadoria, entre outros debates, foram utilizados em nosso suporte teórico. Inclui-se o papel do Estado nesse processo.

    Sociólogos e historiadores que estudaram a relação Estado/massas populares urbanas, principalmente discutindo o conceito de populismo, foram abordados. A suposta dominação dos sindicatos pelo sindicalismo corporativista pelego/estatal, a hegemonia da classe dominante localizada no Estado, manifestações populares organizadas ou não, entre outros temas, ajudaram-nos na compreensão dessa relação e nos apontaram as lacunas existentes na discussão. Procuramos contribuir, para esse debate, com este trabalho de pesquisa.

    Da mesma forma, temas como a migração, que foi analisada de diversas maneiras, receberam espaço nessa discussão teórica, na qual também buscamos trazer contribuições para o debate.

    No capítulo segundo, faremos uma análise dos transportes coletivos existentes na cidade do Rio de Janeiro, sua taxa de ocupação, qualidade, crescimento de um tipo de transporte e/ou sua substituição por outro etc., no período em questão (1945-50). Estudaremos os principais: carris elétricos (bondes), ônibus, lotações e o amigo da onça. A atuação do Estado será vista por meio da análise da normatização do trânsito, do financiamento de aquisição de ônibus, da qualidade do transporte ferroviário (sob sua responsabilidade direta), da qualidade de conservação das vias públicas etc.

    Procuraremos correlacionar o aumento do número de casas coletivas, assim como o crescimento da taxa de ocupação das então existentes e a proliferação das favelas à qualidade dos serviços de transporte coletivo existente e seu alto custo com a proximidade do mercado de trabalho.

    As manifestações populares, organizadas ou não, coletivas ou não, por meio de suas propostas frente aos serviços prestados, também serão nesse capítulo abordadas.

    O objetivo do terceiro capítulo é compreender o processo de crescimento domiciliar e populacional da cidade do Rio de Janeiro, na década de 1940, dividindo-a em quatro zonas: Suburbana, Norte, Central e Sul. Serão analisados, igualmente, os valores dos imóveis das zonas estudadas.

    A análise do mercado imobiliário por zonas nos permitirá delimitar a questão do espaço urbano como uma mercadoria e, ainda, como um espaço social disputado pelas diversas camadas sociais, seja para uso especulativo, industrial, comercial e residencial (aqui diferenciadas pelo salário e interesse de capital). A favela surgirá nesse contexto como uma alternativa encontrada pelas camadas pobres da população (que percebiam de 0 a 2 salários mínimos) para morar em áreas valorizadas, onde poderiam encontrar com mais facilidade e economia um local de trabalho.

    No capítulo quarto, analisaremos a crise habitacional. O objetivo desse capítulo é demonstrar como a relação aumento populacional versus crescimento do número de habitações não só alterou esta crise que já existia, como piorou ainda mais o quadro. A contínua migração na década de 1940; a retomada da imigração no pós-guerra; a crescente taxa de natalidade; o crescimento do número de novos casais em busca de moradias; o aumento do número de despejos (apesar da lei do inquilinato); a queda do número de habite-se etc. foram os aspectos estudados e que nos ajudarão a entender a crise habitacional pela qual passava a cidade do Rio de Janeiro.

    Diante dessa crise, a população carioca, em especial a carente de maiores recursos financeiros, viu-se obrigada a criar novas formas de moradias, já que não tinha como construir ou alugar imóvel com conforto, higiene etc. Nesse sentido, descreveremos esses tipos de moradias, muito conhecidas pela população carioca da época, e sua condição de habitação subnormal: casas de cômodos, pensões, hotéis, biras etc.

    Procuraremos abordar a atuação do Estado na criação de um aparato jurídico (leis e portarias), no sentido de controlar os custos (ou os abusos?) nas pensões e hotéis, bem como de que modo este foi encarado pela população interessada e sua eficácia.

    A favela, por receber da historiografia uma atenção especial, ter assumido dentro da imprensa, dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário um papel de destaque, e por ter características próprias etc., também mereceu em nosso trabalho uma distinção: um capítulo específico.

    No quinto capítulo estudaremos a favela carioca, dividindo-o em vários subtítulos para facilitar a análise e compreensão dos problemas enfrentados pelos moradores no seu dia a dia. A atuação do Estado frente a esse problema, suas comissões, suas propostas, o controle do carnaval etc. foram abordados. Também as propostas do Partido Comunista Brasileiro, por meio de seus vereadores e jornais, estiveram presentes nas análises. A presença das escolas de samba como locais de aglutinação, seja divertindo, seja discutindo os problemas dos favelados, também será debatida.

    O sexto capítulo tem por objetivo demonstrar a atuação do Estado (federal e municipal) no fornecimento de saneamento básico à população carioca na década de 1940. A esse aspecto, somamos a questão da saúde pública, em que verificamos os problemas surgidos com a falta de saneamento (epidemias de tifo, por exemplo) e as soluções adotadas pelo Estado. Do mesmo modo, abordaremos sua atuação na construção de habitações, diante da crise existente, pelas agências de fomento (Fundação da Casa Popular, Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAPs –, Banco Municipal etc.). Esse aspecto torna-se primordial no trabalho proposto, uma vez que poderemos visualizar a quem se destinavam os recursos dos contribuintes da previdência (no caso dos investimentos feitos pelos IAPs, CAPs e Montepio Municipal) e os recursos públicos em geral (no caso, os investimentos estatais efetuados pela União – Fundação da Casa Popular – e Município).

    No sétimo e último capítulo, pretendemos analisar as leis do inquilinato (de 1942 a 1950) pela sua suposta função reguladora na relação locador/inquilino e por seu caráter ideológico.

    Para facilitar a compreensão das modificações presentes nas leis que estudaremos, dividimos o capítulo em sete tópicos. São eles: congelamento dos aluguéis, sublocação, arbitramento, despejos, taxas, sanções penais e formas de burlas. Estes são os aspectos que consideramos os mais importantes para se entender a relação e a situação em que se encontravam proprietários/locadores, locatários/sublocadores e locatários em geral; como se deu a relação entre eles e como foi possível ao inquilino responder aos anseios de aumentos de aluguéis dos senhorios, a atuação do Estado etc.

    Enfim, buscamos com este trabalho trazer uma contribuição ao debate sobre questões como: Estado com seus aparatos jurídicos e repressivos, cidadania, espaço urbano, habitação e movimentos sociais urbanos (organizados ou não, coletivos ou não).

    Colocando os pingos nos IS

    "Você conhece o pedreiro Valdemar?

    Não conhece

    Mas eu vou lhe apresentar

    De madrugada toma o trem da Circular

    Faz tanta casa e não tem casa pra morar

    Leva a marmita embrulhada no jornal

    se tem almoço nem sempre tem jantar

    O Valdemar, que é mestre no ofício

    Constrói o edifício

    E depois não pode entrar"

    (Pedreiro Valdemar, sucesso do carnaval de 1949,

    de Roberto Martins e Wilson Batista)

    O senhor Osvaldo Mendes necessitava de uma nova moradia, pois estava morando com a família (esposa e filha) em um pequeno quarto, onde mal cabia uma cama de casal. Procurou o Jornal do Brasil, um dos que mais possuíam anúncios de aluguel, e localizou um que lhe pareceu apropriado: uma casa na rua Ibirapuita, 130, em Rocha Miranda, subúrbio carioca. Chegando lá, o proprietário, sr. Armando, já na porta, foi avisando que não se tratava de uma casa mas, sim, de um quarto e cozinha, com aluguel de trezentos e trinta cruzeiros (o salário mínimo na época era de quatrocentos e dez cruzeiros), por dois anos.

    Indignado, mandou sua história para o redator do jornal Folha Carioca (1948, p. 28)¹ e assim se expressou:

    Agora, quero chamar a atenção do Sr. general Gaspar Dutra, Presidente de todos os Brasileiros, do Sr. general Angelo Mendes de Moraes, Prefeito de todos os cariocas: os senhores PAIS, FILHOS e NETOS da PÁTRIA, por que vai haver uma revolução dos inquilinos de quebrar e botar fogo. Digo isto senhor secretário, bem constrangido porque sou brasileiro e sempre fui pela ordem do meu País.

    O que entende por revolução o senhor Osvaldo? Isso não importa, seus sentimentos na citação acima é que valem. Ficou nítido seu descontentamento com a situação geral dos inquilinos, da qual faz parte (e com a qual, principalmente, identifica-se), e a real possibilidade de descontrole daqueles, diante de sua situação.² Localizou o Estado como o responsável pela solução da crise habitacional, alertando-o da possibilidade do descontrole dos inquilinos descontentes. Colocou-se (e a seus pares) como cidadão, portanto, com direitos, e a habitação digna seria um deles.

    Só peço a DEUS dar-me mais dois anos de vida, porque eu quero ver estes resentantes do povo onde vão ficar.

    Nesta última citação, seguiu seu raciocínio o sr. Osvaldo. Agora atingiu o legislativo, responsável pela manutenção e/ou mudança da lei do inquilinato em vigência. Isso demonstra mais uma percepção política do missivista, pois vê no voto a possibilidade de os inquilinos se expressarem, destituindo dos cargos eletivos os deputados, senadores e o presidente (na forma de seu candidato) nas próximas eleições (1950).

    Deve ficar claro que, como afirmou acima, não desejava nenhuma mudança radical (revolução política/econômica), mas sim uma melhora na situação social/econômica dos inquilinos. Certamente, podemos enquadrar Seu Osvaldo na categoria de cidadão comum, ou seja, um trabalhador seguidor de uma moral, pagador de seus impostos etc.

    Vemos, portanto, nesta manifestação individual, um apelo que estaria na voz de milhares de inquilinos. Ou seja, a fala do senhor Osvaldo Mendes pode ser considerada representativa das queixas de grande parte da população que vivia em situação semelhante à sua.

    Nesse sentido, outra história parece-nos interessante relatar. Trata-se de uma frase de um preto velho, nas palavras de O Mundo, quando da ameaça de despejo de parte da favela da Praia do Pinto, no Leblon, solicitado pela Cia de Terrenos Leblon Ltda.:

    – Meu branco, a vida é assim mesmo. Esses mesmos homens que, antes das eleições aqui estiveram e solenemente juraram defender-nos, agora, comodamente instalados nos altos cargos, percebendo gordos ordenados, procuram a todo custo piorar a nossa situação. O gesto do General-prefeito, em parte foi benéfico [...] Eu já estou no fim da vida. Nada mais espero. Creio que daqui sairei diretamente para o Caju.³

    Ainda advertiu que o ato de despejo efetuado pelo Poder Executivo fora bom, pois estaria alertando os jovens, que acreditavam, piamente, nas promessas dos políticos. Deveriam, assim, pensar bem antes de votarem.

    Vemos que o idoso, desesperançoso, apontou-nos o Legislativo e o Executivo (o Prefeito era nomeado pelo Presidente eleito) como responsáveis pela situação pela qual estariam passando os favelados. Identificou também o eleitor (ingênuo), que votou em falsas promessas, como responsável. Os direitos de cidadania existiam, cabia ao Estado preservar a vida do cidadão e a este ser bem representado; para isso, deveria escolher bem quem deveria conduzir o Estado.

    Outro cidadão, utilizado pelo jornal Tribuna Popular (1946) para ilustrar o dia a dia de um operário brasileiro, vem demonstrar como o nosso pedreiro Valdemar era muito mais realidade que fruto de uma fantasia carnavalesca. Devido à extensão da reportagem, que descreveu as condições de trabalho, moradia, transporte etc., vamos selecionar algumas partes. Vejamos:

    O operário Antônio Couto é o mestre de obra da rua Almirante Gonçalves, em Copacabana, perto do posto 6. De todos é o que ganha mais. Entretanto, mesmo depois das 16 horas ainda não largou o serviço. Está fazendo horas extraordinárias e com ele muitos outros.

    Olha a porta! Fecha a porta!. Do meio da massa partem os gritos como esses, muito familiares dos passageiros dos elétricos. É que as portas já não funcionam bem. O material, pelo excesso de uso e pela ausência de conservação, já não funciona bem. Às vezes, por causa da porta aberta ou fechada surgem desentendimentos que degeneram em conflito. [...] As vítimas da crise de transportes voltam-se umas contra as outras e esquecem os verdadeiros responsáveis pela desorganização.

    Ricardo de Albuquerque não é melhor nem pior que os outros subúrbios. Logo depois da estação ruas completamente abandonadas, pois o dinheiro da Prefeitura não dá para beneficiar as zonas de habitação proletária.

    De Copacabana a Ricardo de Albuquerque o mestre de obras Couto leva mais de duas horas de viagem. No interior do carro o calor é sufocante.

    A casa de Couto é longe da estação. As ruas são escuras e enlameadas. É preciso conhecer o terreno. Mesmo assim a travessia não é fácil. Há uma pinguela perigosa. De certa altura em diante a escuridão é completa. Os moradores têm pedido a extensão de postes de iluminação.

    Finalmente, o mestre da obra da rua Almirante Gonçalves chega em casa. Ele mesmo construiu sua modesta habitação, num pequeno morro, na rua Jabotibacal. Com que sacrifícios, ganhando 1.200 cruzeiros! Quantos dias de folga roubados a um merecido repouso! Sete anos de trabalho, feito em etapas, uma peça agora, outra para daqui alguns meses. Mas é preciso não esquecer que na obra de Couto os outros operários, ganhando salários que oscilam entre 500 e 1000 cruzeiros, nem podem pensar em construir um simples barraco.

    A família de Antônio Couto não é grande. Apenas mulher e três filhas menores.

    E ainda há muitos que dormem nas obras e noutros locais de trabalho, fugindo ao suplício das viagens e ao mesmo tempo economizando o dinheiro das passagens.

    Hoje foi abolido o ‘memorandum da Central’, que deu nome a um samba de Carnaval. Mas isso não quer dizer que o atraso tenha sido abolido. A providência administrativa não visou o interesse dos passageiros. Visou apenas às aparências. Quando o trem chega à [estação] D. Pedro II, os passageiros se precipitam para os bondes e ônibus. É preciso não perder a hora. E muitos operários, que se sacrificam trabalhando em horas extraordinárias, são obrigados a viajar de lotação, cinco cruzeiros a menos no salário.

    Depois, na obra, começa um novo dia de batente. [...] Autênticos marmiteiros, mãos calozas, a pele devastada pelos efeitos corrosivos do cimento e de cal, tostados de sol, musculosos graças ao esforço do trabalho rude, magros e anêmicos devido à sub-alimentação e à fadiga acumulada, cavam alicerces, assentam lajes, erguem majestosas estruturas, entregam-se aos trabalhos de acabamentos e de instalações, constroem, em seu trabalho anônimo, maciços gigantes de cimento e ferro, grandes edifícios, luxuosos apartamentos. Eles, os construtores da Cidade Maravilhosa, são os moradores dos sombrios e longínquos barracos dos subúrbios e dos morros.

    Este trabalho pretende apresentar como os Osvaldos Mendes, os Antonios Couto, os Valdemares enfrentavam o dia a dia, com seus problemas de moradia (com sua habitabilidade), de transporte, as respostas do Estado frente aos seus anseios. Todos eles perdidos dentro de uma multidão que surgiu com o crescimento da cidade, com a industrialização etc. Estudaremos, portanto, alguns aspectos do cotidiano dos trabalhadores cariocas.

    Daremos voz aos trabalhadores, não trabalhadores, moradores de favelas, cortiços, biras etc., individual ou coletivamente. Individualmente como nas cartas dirigidas às redações de jornais e publicadas pelos mesmos (como o caso do sr. Osvaldo), ou por meio de entrevistas a esses; coletivamente pelos memoriais dirigidos aos poderes executivos e legislativos, aos jornais, entre outros.

    Este trabalho situa-se numa vertente de análise não desenvolvida pela historiografia, ou seja, procura escutar aqueles que não foram atendidos (ouvidos) pelo Estado. Nosso trabalho é diferente dos de Maura Véras (1980), Wilma Mangabeira (1986), Azevedo e Andrade (1982), entre outros, que buscaram estudar as políticas habitacionais mediante números e/ou entrevistas com moradores favorecidos por essas políticas. Analisaremos os números dos prédios construídos, mas dentro de uma perspectiva de saber se este poderia ter sido maior, considerando-se a verba despendida pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões com a burocracia, por exemplo. Analisaremos, como já escrevemos, as queixas daqueles que não foram atendidos pela política habitacional dos governos federal e municipal, moradores de favelas, cortiços, biras e outras habitações subnormais. Nosso trabalho, assim, pretende preencher uma lacuna na historiografia brasileira no trato da questão da moradia popular.

    Primeiramente, faz-se necessário definir o que entendemos por habitabilidade. Com essa propriedade consideramos aquela habitação com água, esgoto, qualidade na construção, energia elétrica, calçamento nas ruas, áreas de lazer, transporte etc. Ou seja, o conceito de habitação transcende o local de moradia. Consideramos habitabilidade sinônimo de qualidade de vida, compreendendo todas as dificuldades e implicações que o conceito apresenta.

    Os jornais serão a base dessas informações. Não temos dúvidas de que eles filtram, selecionam as informações que deveriam ser publicadas, pois representam uma linha editorial vinculada aos interesses do proprietário. No que se refere aos atos oficiais federais e municipais, evidentemente, sua produção bibliográfica é que será a base da análise.

    O jornal diário do Partido Comunista do Brasil, por exemplo, Tribuna Popular, tornou-se um dos principais veículos de informação utilizados por nós (junto com outros jornais deste mesmo partido). Temos dois momentos políticos distintos que afetaram a linha desse partido: primeiro, quando estava na legalidade (1945-7); segundo, quando o partido tornou-se ilegal (após 1947). Neste último, as críticas aos governos federal e municipal foram mais contundentes.

    Tinha esse jornal por hábito, ao transcrever os entrevistados, não manter a linguagem simples dos mesmos, colocando sua fala na língua vernácula. Isso, para nós, demonstrou uma primeira filtragem da mensagem do entrevistado, entretanto, a essência da entrevista não foi mudada. Esse ponto é, para nós, o fundamental, ou seja, evidentemente a linha editorial do jornal dava a direção das entrevistas e das reportagens, mas, acreditamos, inclusive porque utilizamos vários jornais com linhas editoriais diferentes, que a maioria das entrevistas possui um fundamento irrefutável de veracidade.

    Estas manifestações individuais, de cidadãos que reivindicavam mudanças, que demonstravam sua indignação, de maneira não organizada, buscavam, com seu protesto, a resolução de alguns problemas específicos: mudança na lei ou sua manutenção; bica, luz elétrica, escada nas favelas, melhoria nos transportes etc. Janice Perlman (1977), estudando as favelas cariocas na década de 1960, colocou-nos que os favelados apoiavam o sistema e achavam que o governo não era ruim, não dispostos a correrem riscos políticos. Podemos dizer o mesmo de muitas manifestações/organizações coletivas, ou seja, estruturavam-se tendo um fim específico.

    Um exemplo típico de ação direta da população agindo coletivamente era o ataque aos bondes (em especial quando da ameaça de aumentos do passe) e aos trens suburbanos. Um aspecto interessante é que, na cidade do Rio de Janeiro, os bondes pertenciam a uma empresa particular, mas seu preço era arbitrado pelo governo municipal, uma vez que estava subordinada a um contrato de concessão. Já as estradas de ferro eram tanto públicas quanto particulares. A estrada de ferro da Leopoldina, após a Segunda Grande Guerra, passou à propriedade do governo federal.

    Não podemos nos esquecer de que o problema do transporte não pode ser resolvido pelo trabalhador, pois é um bem industrializado e mercantilizado, de consumo coletivo.

    Moisés e colaboradores (1978) muito bem estudaram a questão dos quebra-quebras. Para este autor, as soluções encontradas, historicamente, pelas classes populares urbanas para manifestar seu descontentamento diante das contradições existentes na malha urbana, e a fim de fazer pressão reivindicatória sobre o Estado, deram-se de duas maneiras: ação organizada e ação direta.

    A primeira seria aquela levada adiante por organismos elementares de representação de amplos setores das classes populares (MOISÉS et al., 1978, p. 50-51). Citou os casos das associações/sociedades de amigos de bairros como as mais conhecidas. No período que estamos estudando, os Comitês Democráticos e Populares (CDPs), organizações do PCB, tiveram uma atuação importante, mas, com a cassação deste partido, entraram em decadência. Podemos citar outras que consideramos importantes, como as associações de favelados (aqui incluindo a atuação das escolas de samba como locais de aglutinação dos moradores) e as associações de inquilinos.

    A segunda, aquela levada a efeito pela emergência de um protesto repentino e inesperado em face da deterioração de um setor de serviços públicos (consumo coletivo) diretamente ligado às condições urbanas de reprodução da força de trabalho (MOISÉS et al., 1978, p. 50-51). Moisés citou o nosso já conhecido caso dos quebra-quebras de trens suburbanos e ônibus. Podemos acrescentar outros tipos de ação direta, coletivos, não organizados, ocorridos diante de alguma pressão/repressão estatal; por exemplo, a defesa de um morador de favela preso pela polícia ou de alguns barracos diante da ameaça de demolição. O traço comum de tais movimentos encontra-se na similitude em que se deparam dezenas, centenas e milhares de pessoas diante de determinada ameaça ou situação coletiva causadora de stress.

    Não podemos nos esquecer de que o transporte coletivo é fundamental para o barateamento do custo da força de trabalho, pela circulação de mercadorias e igualmente responsável pela sua reprodução. Assim sendo, é fator de acumulação de capital.

    Sidnei Munhoz (1994), analisando a historiografia sobre o tema de manifestações populares, de protestos não organizados nos países capitalistas, afirmou que para os estudiosos esses fenômenos não tiveram muita relevância. Para a grande maioria dos autores marxistas-ortodoxos, tais manifestações teriam duas características: primeira, seriam uma demonstração de disposição para luta; segunda, movimentos desorganizados em função da ausência de um projeto político. Por essas características teriam sido relegadas a um segundo plano por esses analistas.

    Munhoz colocou também que posteriormente uma nova corrente marxista inseriu essa multidão na história. Destaca os trabalhos de Eric Hobsbawm, George Rudé, Edward Thompson e Dieter Groh.

    Não nos interessa, neste momento, discutir os pontos de vista desses autores. Consideramos importante reafirmarmos o que já foi exposto, ou seja, organizados ou não, expressando-se individualmente ou não, ao identificar o Estado como o responsável pelo fornecimento dos equipamentos de consumo coletivo, encontramos aí a possibilidade, o surgimento de uma consciência, que podemos chamar de cidadania, não de classe – apesar da construção de uma ideologia de iguais –, em que o autor percebe seu lugar na sociedade, portanto, na história.

    Faz-se necessário apresentar nossa definição de Estado. Neste sentido, precisamos, também, verificar sua relação com as classes sociais (principalmente urbanas) e com o espaço urbano (este representando uma das facetas dessa relação). Dentro desse processo, a historiografia desenvolveu o conceito de populismo, que também veremos a seguir.

    Para Marx, o Estado era um organismo de dominação de classe, um organismo de opressão de uma classe sobre outra. Sua função, portanto, resumia-se em manter essa dominação, em manter os privilégios de uma classe.

    Gramsci (1986), entretanto, vai ampliar o conceito de Estado. Embora sem perder seu caráter de classe, nem de dominação de uma sobre outra, procurará outras formas de perceber tal dominação. O conceito de Estado para este autor, no seu quadro de referência, passou a ser a sociedade civil mais a sociedade política. O Estado propriamente dito seria a sociedade política e representaria o momento da força e da coerção, enquanto que a sociedade civil seria a rede complexa de funções educativas e ideológicas, aquilo em função do que a sociedade não é apenas comandada, mas também dirigida (por meio de um consenso).

    Assim, o Estado, em sentido orgânico, pode ser entendido como [...] o complexo de atividades práticas e teóricas com as quais a classe dirigente justifica e mantém não só o seu domínio, mas consegue obter consentimento ativo dos governados (GRAMSCI, 1968, p. 87).

    Vemos, pois, que Gramsci vê no Estado não apenas seu caráter repressivo, mas também ideológico, necessário para seu sustento. O autor, assim, distinguiu em seu interior um nível superestrutural, a hegemonia pela qual o Estado de classes exerce sua função e mantém sua liderança sobre a sociedade civil. É necessário, portanto, a construção de uma ideologia, trabalho este realizado pelos intelectuais organicamente ligados à classe dominante.

    Gramsci colocou a questão do intelectual definindo-o como o representante da hegemonia, o funcionário da superestrutura, aquele que assegura o consenso ideológico e que serve de elo entre a superestrutura e a estrutura.

    Partindo da concepção de que [...] não há organização sem intelectuais, situa-os como [...] organizadores da vida social na medida em que são o partido dirigente de uma massa ativa (GRAMSCI, 1986, p. 103). Dessa forma, a divisão do trabalho político e ideológico faz-se acompanhar da montagem de um complexo de organizações a que correspondem grupos e agentes profissionais que aí desenvolvem um trabalho específico, caracterizando-os como funcionários da ideologia.

    Em nosso estudo, as esferas municipal e federal justapõem-se, pois até 1960 a cidade do Rio de Janeiro era o Distrito Federal, ou seja, a Capital Federal, e, assim sendo, o Prefeito era nomeado pelo Presidente da República. Os projetos e interesses defendidos na esfera federal não só tinham influência, como também eram os mesmos da esfera municipal.

    Grande parte da historiografia brasileira encarou a Revolução de 30 como uma ruptura. Nesse momento, teria surgido o Estado-empresário, que conduziu a economia brasileira para o desenvolvimento industrial sem, entretanto, romper totalmente com o setor agroexportador. Foi influenciada basicamente por Weffort (1982), que, em sua teoria, afirmou que, com o problema da falta de hegemonia de qualquer grupo isolado, foi necessário encontrar uma solução de compromisso para oferecer uma base de legitimidade ao Estado. Estaria surgindo, assim, um novo personagem na história brasileira, as massas populares urbanas.

    Estamos falando do papel que o conceito de populismo recebeu da historiografia. Portanto, vejamos, inicialmente, três obras de importantes pesquisadores sociais que estudaram o tema.

    O primeiro, já citado, foi Weffort, que escreveu diversos textos que procuravam entender a emergência das massas populares na política, assim como o duplo paradoxo do populismo (setores dos grupos dominantes promovem a participação dos dominados e de massas que sirvam de suporte para um regime no qual ficarão subordinados); enfim, entender o processo social, político e econômico do surgimento do populismo. Assim, Weffort o definiu como um modo determinado e concreto de manipulação das classes populares, mas que também possibilita a expressão de suas insatisfações. Um mecanismo por meio do qual os grupos dominantes exercem seu domínio, entretanto, este é potencialmente ameaçado.

    O segundo autor seria Gisálio Cerqueira Filho (1982), que teve por objetivo em sua obra, basicamente, recortar a temática da ‘questão social’ no pensamento político brasileiro. Definiu o populismo como uma forma de supremacia burguesa em realização. Supremacia esta baseada, de um lado, nas alianças políticas entre burguesia industrial e oligarquia agrária e, de outro, na incorporação de amplos setores das camadas populares a esse pacto de dominação. O Estado estaria se antecipando às classes dominadas, desfigurando as propostas originalmente articuladas por estas.

    Por fim, o terceiro autor, Octavio Ianni (1971), em sua obra, objetivou explicar a natureza da ‘crise brasileira’ na década de 1960, por meio das relações mais importantes entre os processos políticos e econômicos. O populismo seria um dos núcleos dessa discussão. Seria a forma política assumida pela sociedade de massas do país. Foi um movimento político, antes que um partido político, para qual a crescente urbanização e as transformações ocorridas no setor agrário e industrial, principalmente, foram fatores fundamentais.

    Já citamos a questão da falta de hegemonia e da necessidade de uma solução de compromisso, em cujo equilíbrio as massas populares urbanas, que surgiram no cenário político nacional com mais força, seriam importantes. Sobre isso, os autores citados estão de acordo.

    Outro ponto concordante seria sobre a nova posição do Estado na conjuntura nacional. Este passa a ser categoria decisiva na sociedade brasileira, tornando-se o centro das decisões sobre as políticas econômicas e sociais. Estrutura-se um novo Aparelho de Estado (o Ministério do Trabalho), com efeitos ideológicos por excelência para conduzir a questão social no interior de um discurso apoiado na teoria da integração social (ocultando os conflitos entre o capital e o trabalho) e no paternalismo (autoritarismo somado ao sistema de favor).

    Não podemos nos esquecer de dois fatores importantes do populismo: o sindicato pelego e o líder carismático. Vejamos o primeiro e deixemos de lado o segundo, uma vez que relativizamos essa figura no período estudado (1945-50).

    Os sindicatos constituíram um

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