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Habitação social e desenvolvimento urbano em cidades médias
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E-book361 páginas4 horas

Habitação social e desenvolvimento urbano em cidades médias

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Sobre este e-book

O tema deste livro é a política de habitação social contemporânea em cidades médias do interior paulista. Trata-se de uma versão revisada, resumida e editada da dissertação "Políticas públicas de habitação social em cidades médias do interior paulista – 2000-2020", desenvolvida originalmente no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAAC/UNESP.

A política habitacional é inseparável da análise do desenvolvimento urbano porque compreende uma forma muito particular de produção do espaço, cujas competências de ordenação e planejamento têm no poder público (o Estado) um ator decisivo. Nesse sentido, as questões centrais a partir das quais este estudo se desenvolveu foram de duas ordens. Em primeiro lugar, analisar em que medida e até que ponto a política pública de Habitação de Interesse Social pode ser explicada pelos parâmetros estabelecidos pelo conceito de déficit habitacional. Em segundo lugar, compreender se o estudo comparativo de diferentes escalas urbanas (não metropolitanas) encontraria respostas e cenários originais muito diferentes da conhecida realidade dos grandes centros urbanos e regiões metropolitanas.

O estudo analisou comparativamente as características, o alcance e os impactos das políticas públicas de habitação social em quatro cidades médias do interior paulista – Piracicaba, Limeira, Bauru e Jaú –, no intervalo de 2000 a 2020, avaliando a relação entre a provisão de moradias e a evolução do déficit habitacional e da inadequação domiciliar.

De forma complementar, foram relacionados os processos históricos de desenvolvimento urbano dessas cidades com as respectivas políticas de habitação social; análise das políticas implantadas e dos resultados produzidos, bem como de seus impactos urbanísticos; apreciação da atividade imobiliária e da dinâmica contemporânea de produção do espaço urbano; por fim, foi feito um balanço da literatura sobre as políticas de habitação social (em grande medida concentrada na análise das grandes regiões metropolitanas) relacionando-a com a realidade dessas quatro cidades.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento17 de mar. de 2022
ISBN9786586030921
Habitação social e desenvolvimento urbano em cidades médias

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    Pré-visualização do livro

    Habitação social e desenvolvimento urbano em cidades médias - Bárbara Caetano Damasceno

    PREFÁCIO

    Esclareço preliminarmente que este prelúdio tem um caráter assumidamente pessoal. E a razão dessa confidência é singela: tive o prazer e o privilégio de orientar Bárbara Damasceno em sua pesquisa originalmente desenvolvida como tema de mestrado e que agora é publicada em uma nova versão, editada e revisada, no formato de livro.

    A pesquisa densa e a análise refinada da autora são um excelente retrato da admirável qualidade do conhecimento científico que se produz nas universidades públicas brasileiras. Bárbara foi bolsista na graduação (Prouni) e na pós-graduação (Capes), e os resultados que apresenta neste livro são suficientes para ratificar a relevância estrutural do sistema público de financiamento à educação, à ciência e à tecnologia em um país tão desigual como o Brasil. Não há precedente no mundo de países desenvolvidos e com patamares elevados de Índice de Desenvolvimento Humano que não tenham investido pesadamente nessas áreas, condição essencial inclusive para a expansão de direitos.

    Cidadania é a condição social e historicamente construída pelos cidadãos que habitam a cidade. Significa consciência e exercício de direitos, inclusão, dignidade humana, pertencimento. E um dos requisitos elementares para acessar direitos de toda ordem (políticos, civis e sociais) e ter uma vida digna é a habitação. Não é por outro motivo que as agências multilaterais e os foros internacionais de políticas públicas têm defendido enfaticamente a necessidade de padrões sustentáveis de desenvolvimento urbano, dedicando à habitação um status de prioridade entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Essas exigências vêm sendo sistemática e repetidamente acolhidas pela Relatoria Internacional do Direito à Moradia Adequada do Conselho de Direitos Humanos da ONU e foram consagradas na Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.

    A trajetória brasileira é o avesso desse horizonte normativo generoso. Em nossas paragens prevaleceu uma urbanização sabidamente excludente, cuja aparência de desordem oculta uma ordem muito bem engendrada por meio da qual a segregação socioespacial privilegiou poucos para privar a maioria do povo brasileiro do direito à cidade. Assim foi de forma mais radical nos sombrios tempos do sistema escravista, desde os primórdios da produção estatal de moradia, passando pela experiência do Banco Nacional da Habitação até chegar ao período contemporâneo. Enfim, um percurso errático que consumou uma urbanização tão intensa quanto predatória e excludente.

    O exame das políticas habitacionais e de desenvolvimento urbano, portanto, não pode ser apartado do caráter autoritário do Estado, da configuração socioeconômica do país e do tipo de capitalismo que aqui prevaleceu, das implicações da passagem de uma nação agrário-exportadora para um país urbano-industrial, enfim do modelo de desenvolvimento, e do formato institucional das correspondentes políticas públicas. Não só a política habitacional é parte dessa engrenagem como não se resume (ou não deveria se resumir) à produção de moradias.

    Este livro coloca o dedo em todas essas feridas. E o faz com densidade intelectual e fina capacidade de análise de dados empíricos.

    Habitação social e desenvolvimento urbano em cidades médias trata de temas recorrentes, mas tem duas grandes virtudes originais. Primeira: lida com um universo empírico ainda escassamente estudado, o da escala urbana intermediária, sobre o qual ainda se conhece pouco na literatura urbanística. A escolha pela pesquisa comparada de quatro cidades médias do interior paulista, de diferentes perfis e identidades territoriais, permite cotejar as particularidades e os aspectos comuns, tanto entre si quanto em relação às realidades metropolitanas. Segunda originalidade: examina detidamente o formato e os impactos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) nessas cidades médias, revelando que a produção deste programa transcendeu (e muito) os próprios indicadores de déficit habitacional, o que permite inferir que o PMCMV e o dinamismo do mercado imobiliário jamais tiveram como objetivo exclusivo ou prioritário a habitação social.

    Rios de tinta foram investidos na apreciação crítica do PMCMV, e em geral essas análises estavam corretas em identificar um programa de financiamento habitacional contraditório que, de um lado, destinou um enorme volume de recursos subsidiados à habitação social e, de outro, ratificou o caráter mercadológico da moradia. Esse paradoxo está na raiz do seu modelo institucional, ao conceder enorme autonomia aos agentes privados.

    Por isso mesmo é indispensável observar que o Estado – tanto ao nível da União como dos governos locais – não só formulou as bases de funcionamento do programa (formato, financiamento, seleção de áreas para implantação de empreendimentos, dentre outras atribuições) como sustentou a reprodução da lógica dispersiva que intensificou a segregação socioespacial nesses municípios. Ademais, prevaleceu amplamente uma concepção meramente quantitativa de enfrentamento do déficit habitacional, reforçado nos respectivos Planos Locais de Habitação de Interesse Social e na implantação dos diversos empreendimentos imobiliários, com a sucessiva diminuição de investimentos para as populações mais pobres com renda de até 3 salários mínimos. Além disso, o PMCMV praticamente monopolizou a produção habitacional, evidenciando-se o esvaziamento de outras políticas e programas dos governos municipais e estadual.

    Nesses tempos melancólicos de ameaças à democracia, de sistemáticos apelos fascistas e de gigantesco retrocesso nas políticas sociais, o PMCMV se tornou um zumbi, mais morto do que vivo. Talvez seja hiperbólico afirmar que éramos felizes e não sabíamos, mas seu fenecimento atualiza a pertinência de se fazer balanços e continuar insistindo na atualidade de aprimorar nossas políticas urbanas e de habitação social. Eis mais um tema da cidadania que não saiu da agenda.

    Por todas essas razões, não seria exagero dizer que Habitação social e desenvolvimento urbano em cidades médias é publicado já com o status de referência. Motivo de orgulho para este prefaciador e para o PPGARQ/UNESP.

    Fevereiro de 2022.

    Jefferson O. Goulart

    APRESENTAÇÃO

    O tema deste livro é a política de habitação social contemporânea em cidades médias do interior paulista. Trata-se de uma versão revisada, resumida e editada da dissertação Políticas públicas de habitação social em cidades médias do interior paulista – 2000-2020, desenvolvida originalmente no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAAC/UNESP.

    A política habitacional é inseparável da análise do desenvolvimento urbano porque compreende uma forma muito particular de produção do espaço, cujas competências de ordenação e planejamento têm no poder público (o Estado) um ator decisivo. Nesse sentido, as questões centrais a partir das quais este estudo se desenvolveu foram de duas ordens. Em primeiro lugar, analisar em que medida e até que ponto a política pública de Habitação de Interesse Social pode ser explicada pelos parâmetros estabelecidos pelo conceito de déficit habitacional. Em segundo lugar, compreender se o estudo comparativo de diferentes escalas urbanas (não metropolitanas) encontraria respostas e cenários originais muito diferentes da conhecida realidade dos grandes centros urbanos e regiões metropolitanas.

    O estudo analisou comparativamente as características, o alcance e os impactos das políticas públicas de habitação social em quatro cidades médias do interior paulista – Piracicaba, Limeira, Bauru e Jaú –, no intervalo de 2000 a 2020, avaliando a relação entre a provisão de moradias e a evolução do déficit habitacional e da inadequação domiciliar.

    De forma complementar, foram relacionados os processos históricos de desenvolvimento urbano dessas cidades com as respectivas políticas de habitação social; análise das políticas implantadas e dos resultados produzidos, bem como de seus impactos urbanísticos; apreciação da atividade imobiliária e da dinâmica contemporânea de produção do espaço urbano; por fim, foi feito um balanço da literatura sobre as políticas de habitação social (em grande medida concentrada na análise das grandes regiões metropolitanas) relacionando-a com a realidade dessas quatro cidades.

    O período selecionado (2000-2020) foi escolhido basicamente por duas razões: primeiro, por sua contemporaneidade, que permite examinar o quadro atual das políticas habitacionais; segundo, porque comporta analisar e comparar dois padrões institucionais de políticas de habitação social: o antecedente e o do período escolhido, no qual predominou o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV). O recorte cronológico escolhido se inscreve, portanto, num período transitório das políticas habitacionais no Brasil. Isso se deve ao fato de que, desde a extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH), em 1986, a política habitacional em âmbito federal teve diferentes percursos, como evidência de um quadro de instabilidade política e institucional. Além disso, a partir de 1988, com a aprovação da Constituição Federal, as políticas públicas sociais brasileiras passaram por um processo de descentralização que atribuiu aos níveis subnacionais de governo (estados e municípios) a responsabilidade pela implantação de boa parte dessas políticas.

    Outo aspecto a ser considerado foi a instabilidade econômica do país, que resultou em crise fiscal e na restrição dos gastos públicos. A busca obsessiva pela estabilização econômica e controle da inflação implicou na gradativa redução dos gastos públicos e afetou fortemente as políticas públicas de habitação, pela diminuição da concessão de financiamentos na produção de moradias. Tal restrição foi alterada a partir de 2006, sob a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, quando o país assumiu uma orientação econômica de progressivo aumento dos gastos públicos em programas sociais.

    Nesse novo cenário, agravado pelos efeitos da crise econômica financeira dos subprimes de 2008, foi lançado o PMCMV, que interrompeu a tendência anterior de municipalização da política habitacional. A partir de então, tem-se um inédito aporte financeiro e volumosos subsídios que permitiram o aumento expressivo da oferta de habitação social. Ademais, esse período caracterizou-se não apenas por uma retomada das políticas de habitação, mas também pela implantação de um novo marco institucional da política urbana que, caso efetivada, poderia ter representado um novo ciclo promissor.

    No plano teórico, o referencial analítico adotado parte da perspectiva de que as questões urbana e habitacional são problemas cruciais e indissociáveis da dinâmica capitalista de desenvolvimento e que a sua solução não reside no enfrentamento do problema habitacional a partir de um viés econômico, mas social. Dentre os trabalhos de referência que adotam essa perspectiva teórica, alguns autores foram especialmente relevantes: Kowarick (1993); Bolaffi (1982); Maricato (2004a); Harvey (2011); Rolnik (2019), dentre outros. Nessa trilha, foi possível verificar como, ao longo da história, as políticas públicas de habitação tenderam a reduzir ideológica e economicamente um problema social a uma questão de demanda – sobretudo, quando limitada a um problema de déficit quantitativo –, e como essa visão serviu a outros propósitos que não o de enfrentar prioritariamente as reais necessidades de moradia. Em síntese, historicamente prevaleceu um conflito entre, de um lado, a política habitacional tratada como mecanismo de reprodução das desigualdades em razão de sua natureza mercadológica e, de outro, a habitação como direito à moradia.

    Parte importante da pesquisa consistiu na análise da produção de moradias das políticas públicas habitacionais, avaliando – em sintonia com os processos de desenvolvimento urbano desses municípios – de que maneira tais políticas responderam às necessidades por moradia. Uma das descobertas fundamentais da pesquisa evidenciam como prevaleceu a ideia de enfrentamento do déficit, visto que essas políticas convergiram em uma resposta única em termos de provisão, tendo como resultado o atendimento de apenas uma parte do problema social da habitação. Nesse sentido, considerando que uma das críticas centrais do trabalho é a forma equivocada com que essas políticas reduziram o problema habitacional como uma questão de números (quanto maior a produção, supostamente maior a capacidade de atendimento do déficit habitacional), este tipo de análise possibilita elucidar a contradição desse desenho de política pública, assim como evidenciar sua incapacidade de atender às necessidades por moradia dos segmentos de baixa renda.

    O problema social da habitação na América Latina expressa uma crise histórica e estrutural, da qual o Brasil não constitui uma exceção. Historicamente, múltiplos fatores convergiram para a conformação dessa problemática nos países subdesenvolvidos, os quais remontam às origens de nossa formação social hierárquica, aos modelos de desenvolvimento adotados e aos respectivos ordenamentos territoriais. Tais problemas estão relacionados ao nosso processo de modernização capitalista, à intensa industrialização tardia, ao padrão desigual de urbanização e, notadamente, ao modelo capitalista dependente vigente nessas paragens.

    Por todas essas razões, a análise e a compreensão do problema social da habitação exigem o reconhecimento de que essa questão tampouco se resume à falta de moradias, uma vez que tal abordagem tenderia a ocultar as causas que o estruturam e que permitem sua conservação como um agudo problema social até os dias de hoje, mesmo com novos formatos institucionais de políticas públicas.

    No período recente, diversas produções acadêmicas vêm analisando as lógicas do processo de urbanização e de produção do espaço urbano (e da habitação), e também sua crescente associação às formas capitalistas contemporâneas com a finalidade de absorver o capital excedente. Não obstante, uma parcela significativa dessa literatura se debruça sobre o contexto dos grandes centros urbanos e metrópoles, de modo que ainda são incipientes os estudos sobre a questão urbana em realidades com diferentes escalas urbanas, particularmente as que permitam a caracterização das formas de produção do espaço e da problemática habitacional em cidades médias. Ocorre que, desde a segunda metade do século passado, essas cidades passaram a enfrentar problemas antes restritos às realidades metropolitanas, tornando ainda mais complexas as necessidades por moradia.

    Até meados da década de 1950, a rede urbana brasileira se apresentava de forma fragmentada, desarticulada e concentrada em poucas grandes cidades, visto que a industrialização em curso ao longo século XX resultou na explosão metropolitana, induzindo a concentração econômica e demográfica nessas mesmas regiões, uma vez que, nesse mesmo período, a interiorização do desenvolvimento ficou constrangida pelo desequilíbrio do sistema urbano brasileiro. Ademais, simultaneamente aos processos de urbanização e de industrialização, profundas transformações qualitativas e morfológicas foram observadas nos grandes centros e metrópoles do país.

    Esse quadro foi alterado a partir de 1960-1970, quando teve início um conjunto de ações e políticas urbanas e econômicas voltadas à desconcentração industrial e interiorização do desenvolvimento, o que favoreceu o desenvolvimento de aglomerações urbanas fora das redes urbanas metropolitanas mais consolidadas. No caso do interior paulista, até a metade do século XX esse era um dos poucos territórios que apresentavam um conjunto de centros intermediários articulados em rede, cuja estrutura privilegiou o espraiamento da indústria e da riqueza nacional. A propósito, essa característica induziu e facilitou que a desconcentração industrial fosse direcionada, sobretudo, para as cidades médias do interior do estado, contribuindo para a consolidação de aglomerações urbanas não metropolitanas com diferentes articulações e espacialidades.

    Cidades médias são aquelas que desempenham determinado papel na estrutura urbana e regional, com capacidade de polarizar, influenciar e articular relações de toda ordem com um número significativo de cidades menores, funcionando como anteparos e suportes às metrópoles regionais. Deste modo, o conceito aqui assumido transcende o critério estritamente demográfico.

    Nestes termos, o recorte territorial foi dividido em dois grupos de cidades: i) Piracicaba e Limeira; e ii) Bauru e Jaú. O primeiro grupo é composto por duas cidades hierarquicamente classificadas em sua rede urbana como Capitais Regionais de Nível C. O segundo grupo caracteriza-se como um Centro sub-regional C, de modo que Jaú subordina-se à rede de influência de uma Capital Regional de Nível B, Bauru. Destaca-se que os municípios selecionados integram importantes regiões do interior do estado de São Paulo: Piracicaba e Limeira são as cidades mais populosas da então Aglomeração Urbana de Piracicaba (AUP)¹, pertencente à Região Administrativa de Campinas (RAC) e à Macrometrópole Paulista (MMP), enquanto Bauru e Jaú são os dois municípios mais populosos da Região Administrativa de Bauru (RAB). Portanto, optou-se por escolher duas cidades nos limites da MMP, entretanto, com realidades não metropolitanas; além de outras duas fora dessa unidade territorial. Essa diversidade de localização espacial e as correspondentes particularidades morfológicas das quatro cidades permitiram formular um quadro comparativo mais abrangente.

    Nessas realidades urbanísticas diferentes, à medida que a precariedade urbana e habitacional foi intensificada, tornou-se cada vez evidente a responsabilidade do Estado no enfrentamento e atendimento dessas carências que rapidamente se avolumaram, principalmente a dos setores de mais baixa renda, alijados do mercado imobiliário formal e da oferta habitacional. No entanto, se as explicações sobre o problema habitacional já não são uma tarefa fácil, mais difícil ainda é sua mensuração e caracterização.

    Nessa tentativa, certamente o déficit habitacional é um dos indicadores mais utilizados no campo das políticas públicas de habitação. Não obstante, é forçoso reconhecer que, de uma perspectiva social, essa problemática não pode e não deve ser exclusivamente sinônimo de déficit. Contudo, chama atenção como um termo que, a princípio, poderia ser um importante esforço metodológico para descortinar as necessidades por moradia, reduz-se a uma questão de demanda. Isto é, reduzir a complexidade socioeconômica da problemática habitacional a uma demanda por construção de novas moradias pouco tem a contribuir para enfrentar a realidade, tendo como consequência o afastamento da moradia como categoria de serviço público para recolocá-la como uma mercadoria.

    Esse viés reducionista do problema, entretanto, acabou sendo incorporado por parcela significativa das políticas habitacionais ao longo da história. De maneira geral, conquanto o discurso hegemônico enfatize que essas políticas buscam prioritariamente equacionar o déficit habitacional, as respostas e os resultados produzidos geralmente exprimem como elas buscam, na verdade, responder a outras questões que não a da moradia, tais como o tratamento da crise econômica, o estímulo ao setor da construção civil, conservação e/ou manutenção de apoio político, dentre outras motivações.

    As políticas públicas de habitação social no Brasil firmaram suas bases sob essa contradição básica entre o direito à moradia e a habitação como mercadoria, pois abordaram o problema social da habitação como uma questão quantitativa de mercado. A despeito dessa constatação, é preciso historicizar a trajetória dessas políticas habitacionais de maneira a distinguir suas particularidades, inovações, permanências e retrocessos, pois diferentes conjunturas socioeconômicas e distintos modelos institucionais produziram resultados igualmente diversos. Isto não implica dizer, entretanto, que não existam características comuns e continuidades distintas nos diferentes períodos e modelos de políticas habitacionais, em especial quanto à forma de produção e oferta de moradias, financiamento, distribuição, forma de propriedade, atendimento e abrangência.

    Particularmente nas duas últimas décadas – recorte cronológico deste estudo –, essas políticas atingiram seu ápice, quando se verificou uma expressiva produção em massa de habitação subsidiada, com destaque para o Programa Minha Casa Minha Vida. No caso das cidades médias paulistas, com destaque para aquelas onde a atividade imobiliária já era muito acentuada, o PMCMV contratou unidades habitacionais em números inéditos, cuja explicação não reside no passivo acumulado do déficit habitacional, tampouco na demanda por novos domicílios. Pois bem, as respostas para esse cenário se encontram no papel fundamental desempenhado pela política habitacional na dinamização econômica e na produção do espaço urbano, como reflexo da expansão da atividade imobiliária e do setor financeiro. Isto é, logo que se intensifica a habitação como uma questão de mercado, consolida-se também uma dinâmica autenticamente capitalista no cerne dessas políticas públicas, que cada vez mais as distanciam da efetivação do direito à moradia.

    É precisamente por essa razão que essa produção pública de novas moradias, de forma inédita, foi capaz de se aproximar (quantitativamente) da superação do déficit de moradias num curto período de tempo, embora isto não implique necessariamente a superação da problemática habitacional nessas cidades. À vista disso, a amplitude dessa produção torna indispensável avaliar suas principais características, procurando compreender de que forma ela respondeu às necessidades por moradia nessas cidades. Nestes termos, a pergunta chave é: até que ponto essa produção habitacional de interesse social pode ser explicada a partir do déficit habitacional?

    A resposta a essa pergunta posiciona o trabalho, portanto, no campo avaliativo das políticas públicas de habitação quanto à sua produção, distribuição e consumo. Em suma, no caso da política habitacional, a relevância de sua avaliação reside, principalmente, no seu potencial de subsidiar a formulação, planejamento e organização da ação estatal na provisão de moradias. Nesses termos, é possível aferir os resultados obtidos e analisar prováveis reformulações das ações públicas que permitam uma alocação mais eficiente de recursos públicos.

    Por se tratar de pesquisa avaliativa, foram investigadas especialmente duas das funções das políticas públicas de habitação das últimas duas décadas: i) informação: como essas políticas funcionaram, em que medida a produção contemporânea de habitação atenderam as reais necessidades por moradias conforme se propunha, quais os efeitos socioespaciais por elas produzidos nessas cidades, quais os impactos dessa produção sobre os indicadores oficiais do déficit habitacional e da inadequação domiciliar; e ii) alocação: a política pública habitacional como possibilidade de investimento de capitais, como se deu a inserção dos agentes imobiliários e financeiros nessas políticas, e de que forma eles foram capazes de impactar os rumos dessa produção. Para tanto, os principais critérios de avaliação adotados foram o déficit habitacional e a produção do espaço urbano.

    O estudo focalizou principalmente o déficit habitacional (dimensão quantitativa das necessidades por moradias) por duas razões principais. A primeira delas pela importância dada a este indicador nas políticas e programas habitacionais. Ou seja, se esse realmente é o ponto basilar das ações estatais, até que ponto ele justificou a produção de moradias no intervalo de 2000 a 2020. A segunda razão fundamenta-se pela conceituação do déficit, isto é, pela análise da necessidade de reposição ou incremento do estoque. Como o levantamento realizado na pesquisa se voltou para a produção de novas moradias, seria equivocado relacioná-lo inteiramente à inadequação domiciliar, pois este indicador trata da qualificação do estoque existente. Desse modo, uma política de provisão de moradias não necessariamente deveria responder a esse indicador, com exceção de casos de remoções totais ou parciais. Ainda assim, de forma breve, serão abordadas as necessidades qualitativas, pois uma dimensão avaliativa não se realiza sem a outra. Em síntese, a política habitacional não se resume à produção de novas unidades.


    1 A divisão e aglutinação da unidade territorial correspondia, no tempo da pesquisa, à antiga Aglomeração Urbana de Piracicaba. Entretanto, em 24 de agosto de 2021, por meio da Lei Complementar Estadual n° 1.360, foi instituída a Região Metropolitana de Piracicaba (RMP). Isto posto, essa unidade será analisada em função de sua dinâmica regional, polarizada pelo município de Piracicaba.

    CAPÍTULO 1

    DESENVOLVIMENTO URBANO E CARACTERIZAÇÃO DAS CIDADES MÉDIAS

    Processo histórico de desenvolvimento urbano no interior paulista

    O processo de urbanização no Brasil se intensificou e ganhou complexidade a partir de 1950, mediante a afirmação do projeto nacional-desenvolvimentista durante a presidência de Getúlio Vargas, por meio do modelo de substituição de importações. A região Sudeste do país foi onde esse processo se apresentou de forma mais acentuada, materializando-se pela concentração industrial nos grandes centros urbanos, possibilitando grande oportunidade de acumulação de capital e crescimento econômico, que se fez combinada de um intenso fluxo migratório. Com efeito, os processos de

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