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Terapias holísticas: uma análise do sistema médico na Nova Era
Terapias holísticas: uma análise do sistema médico na Nova Era
Terapias holísticas: uma análise do sistema médico na Nova Era
E-book415 páginas5 horas

Terapias holísticas: uma análise do sistema médico na Nova Era

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Sobre este e-book

Este livro oferece um belo apanhado das terapias holísticas. Dividido em duas partes, traz, primeiro, uma discussão teórica dessas terapias, ou seja, apresenta o lugar de onde se fala; e, depois, um conjunto de estudos de caso que ilustra a complexidade do tema. Terapias holísticas, no contexto da alta modernidade, é apenas uma das designações que esse conjunto de procedimentos voltados para a saúde recebe. Esse aspecto aponta para um paradoxo enfrentado por essas medicinas ou terapêuticas: por um lado, seus esforços para obter legitimação científica e, assim, assegurarem um lugar lícito no mercado de bens da saúde; e, por outro, sua visão de mundo contramoderna, apoiada por conteúdos pré-científicos e pré-modernos, contraditórios aos requisitos desse processo de legitimação.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento15 de dez. de 2021
ISBN9786587387086
Terapias holísticas: uma análise do sistema médico na Nova Era

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    Terapias holísticas - EDUC – Editora da PUC-SP

    Capa do livro

    PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

    Reitora: Maria Amalia Pie Abib Andery

    EDITORA DA PUC-SP

    Direção: José Luiz Goldfarb

    Conselho Editorial

    Maria Amalia Pie Abib Andery (Presidente)

    Ana Mercês Bahia Bock

    Claudia Maria Costin

    José Luiz Goldfarb

    José Rodolpho Perazzolo

    Marcelo Perine

    Maria Carmelita Yazbek

    Maria Lucia Santaella Braga

    Matthias Grenzer

    Oswaldo Henrique Duek Marques

    © Fábio L. Stern e Silas Guerriero. Foi feito o depósito legal.

    Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP

    Terapias holísticas : uma análise do sistema médico na Nova Era / orgs. Fábio L. Stern, Silas Guerriero. - São Paulo EDUC, 2020. (De sapientia sanitatis)

        1. Recurso on-line: ePub

        ISBN 978-65-87387-08-6

    Disponível para ler em: todas as mídias eletrônicas.

    Acesso restrito: http://pucsp.br/educ

    Disponível no formato impresso: Terapias holísticas : uma análise do sistema médico na Nova Era / orgs. Fábio L. Stern, Silas Guerriero. - São Paulo EDUC, 2020. ISBN 978-65-87387-07-9.

       1. Medicina alternativa. 2. Saúde holística. 3. Terapas holísticas. I. Stern, Fábio L. II. Guerriero, Silas

    CDD 615.53

    Bibliotecária: Carmen Prates Valls – CRB 8A./556

    EDUC – Editora da PUC-SP

    Direção

    José Luiz Goldfarb

    Produção Editorial

    Sonia Montone

    Preparação e Revisão

    Paulo Alexandre Rocha Teixeira

    Editoração Eletrônica

    Gabriel Moraes

    Waldir Alves

    Capa

    Gabriel Moraes

    Imagem de capa: Jan mesaros por Pixabay

    Administração e Vendas

    Ronaldo Decicino

    Produção do e-book

    Waldir Alves

    Revisão técnica do e-book

    Gabriel Moraes

    Rua Monte Alegre, 984 – sala S16

    CEP 05014-901 – São Paulo – SP

    Tel./Fax: (11) 3670-8085 e 3670-8558

    E-mail: educ@pucsp.br – Site: www.pucsp.br/educ

    Frontispício

    PREFÁCIO

    Leila Marrach Basto de Albuquerque

    ¹

    Além de expressarem as concepções, experiências e observações específicas relacionadas à saúde, às doenças e aos tratamentos vigorantes em uma sociedade determinada, as medicinas também traduzem inevitavelmente, em cada cultura particular, os princípios e crenças morais, políticos e cosmológicos que presidem os demais domínios da experiência nessa sociedade. Em outras palavras, em vez de saber autônomo, objetivo e neutro, em vez de pura prática, toda terapêutica é também dispositivo de transformação de doenças em narrativas nas quais elas, as doenças, adquirem sentido. Por conseguinte, toda medicina ao mesmo tempo absorve e irradia religião, moral, política, parentesco, economia, sistema jurídico...

    (Rodrigues, 2005, p. 172)

    Este livro oferece um belo apanhado das terapias holísticas. Dividido em duas partes, traz, primeiro, uma discussão teórica dessas terapias, ou seja, apresenta o lugar de onde se fala e, depois, um conjunto de estudos de caso que ilustra a complexidade do tema.

    Expressão mais evidente do amplo movimento da Nova Era, essas terapias carregam consigo utopias, crenças, mitos, técnicas, saberes ancestrais, ciências, artes e poesia, configurando um caleidoscópio de caminhos de salvação para o corpo e para a alma, como o leitor poderá apreciar.

    A Nova Era é constantemente identificada como herdeira do movimento da Contracultura dos anos 1960. Mas não só ela. As raves, as novas espiritualidades, a orientalização da cultura ocidental, o ambientalismo, as novas corporeidades, as novas sociabilidades... reivindicam sua ascendência àquele movimento. O que as terapias holísticas carregam, ainda, daquele movimento libertário? É possível, mesmo que esquematicamente, traçar a genealogia e a motivação dessas terapias contra-hegemônicas que hoje se apresentam como alternativas à biomedicina.

    Um modo de apresentar essa discussão é pela perspectiva de Peter Berger. Ele afirma que a modernidade sempre teve que lidar com a contramodernidade, desde seu início. Seriam os descontentes da modernidade, como ele designa movimentos que procuram construir novas ou resgatar velhas solidariedades, geralmente em oposição à aceleração dos processos burocráticos e tecnológicos das sociedades modernas (Berger, Berger e Kellner, 1974, pp. 189-200).

    A Contracultura dos anos 1960 pode ser entendida deste modo. Ela é parte de um amplo movimento, iniciado nos anos 1940 nos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria e da ideologia da supremacia Americana. Configurou-se como uma forte reação aos valores do liberalismo empresarial, à sua base de sustentação na racionalização científica da organização do trabalho e no consumo das massas. A oposição à disciplina burocrática associada a esse modelo, considerada um valor em si mesmo, levou, além da racionalização do espaço, a uma racionalização do comportamento dos trabalhadores, central à eficiência da produção industrial. (Belgrad, 1998, pp. 2-4).

    A resistência aos imperativos dessa ordem social manifestou-se por meio de um movimento de vanguarda artístico definido como Estética da Espontaneidade. A poesia beat, de Allen Ginsberg e Jack Kerouac; o jazz bebop, de Miles Davis e Charlie Parker; o expressionismo abstrato, de Jackson Pollock e Willem de Kooning; a dança moderna, de Merce Cunninghan; e o living theater de Judith Malina e Julian Beck representam apenas algumas expressões desse amplo projeto cultural.

    Resultou, na verdade, em uma renovação cultural enraizada em uma metafísica alternativa que defende a intersubjetividade e o holismo corpo-mente contra a objetividade que sustenta a ordem econômica e o domínio tecnológico da natureza. Privilegiam-se o ato não premeditado e a interação entre corpo, mente e intelecto. Nesse sentido, o reino inconsciente é valorizado em oposição à mente consciente. "Os beats acreditavam [...] que o corpo era o lócus unificador de forças transpessoais que juntas constituem o self" (ibid., p. 201). Procuram modos de consciência não intelectiva e estados alterados de consciência; recorrem a substâncias psicoativas e experiências com a mente.

    Na psicanálise, a terapia gestáltica de Paul Goodman propõe substituir a disposição hierárquica e dicotômica da relação terapêutica freudiana por um encontro humanístico, intersubjetivo. O papel do terapeuta passaria, então, de uma autoridade invisível para o de um participante em uma interação dinâmica (ibid., p. 150).

    As experiências com a espontaneidade fazem emergir alguns temas importantes – as noções de campos de energia e de união mística e, também, a valorização da intuição – que vão dar novos sentidos às corporeidades.

    Consequentemente, esse movimento carrega também uma forte reação à ciência, à sua ligação com a tecnologia e à especialização das atividades no mundo moderno, o chamado regime dos especialistas. A objetividade do método científico, considerada o único acesso legítimo à realidade, estende sua influência para todos os campos de conhecimento e, assim, toda experiência humana fica submetida aos especialistas. Ao homem comum resta sentir-se desprovido de competências. A isso, Roszak (1972, p. 212) chama de mito da consciência objetiva.

    Esse movimento é herdeiro de diferentes fontes teóricas e culturais: John Dewey, Alfred North Whitehead, Carl Gustav Jung, surrealismo, existencialismo, psicologia gestáltica e zen Budismo inspiraram as experiências com a espontaneidade. A estes, juntam-se a valorização da identidade étnica indígena e incursões pelas físicas einsteiniana e quântica. Com esses recursos, a Contracultura constrói sua crítica à civilização ocidental considerada doente.

    A cultura da espontaneidade torna-se, assim, o modus vivendi de enclaves artísticos nos Estados Unidos, como o Black Mountain College, na Carolina do Norte, os boêmios de North Beach, em San Francisco, e Greenwich Village, em Nova York, e se expande pelo mundo ocidental.

    Nos anos 1960, esse movimento já está estabilizado e vai dar origem ao movimento Hippie. Os princípios de intersubjetividade e holismo corpo-mente vão acentuar valores como ambientalismo, pacifismo, comunidades alternativas, nudismo, uso de substâncias psicoativas, liberdade sexual e as jornadas ao Oriente, que envolvem viagens e retiros para Índia e Japão, em busca da cura para as patologias ocidentais através de procedimentos terapêuticos ou religiosos. A espontaneidade vai se expressar na lírica do rock and roll, na improvisação dos grupos de dança e nos happenings. Destaco que foi o tempo da guerra do Vietnã, e o lema Paz e Amor tornou-se o emblema desse movimento.

    As críticas à modernidade ocidental, à tecnocracia, à ciência e à devastação ambiental permanecem e se aprofundam, com opções por modos de vida alternativos mais voltados à natureza e ao convívio harmonioso em locais distantes dos centros urbanos. A busca por outras religiões, filosofias, terapias e modos de vida de culturas orientais e nativas intensificam-se. No seu conjunto, essa crítica expressa a procura por um estado de natureza original, sem as contaminações da história. Do ponto de vista político, o movimento contracultural poderia ser definido de natureza anarquista. Certamente, todas essas concepções incidem sobre as noções de corporeidade e a relação homem-natureza, que vão desaguar nas chamadas Terapias Alternativas.

    Assim, chegamos ao movimento da Nova Era e suas terapêuticas contra-hegemônicas, suas noções de corpo-mente informando as perspectivas da saúde, suas concepções de energia, muitas vezes compreendidas no âmbito da física quântica como uma nova variável a compor as explicações terapêuticas, a intuição e a intersubjetividade que vão fornecer novos recursos para diagnósticos e curas. A crítica ao conhecimento científico e aos processos burocráticos permanece, e há uma procura intensa de recursos terapêuticos nas tradições religiosas, sobretudo orientais e nativas. A psicologia ganha destaque com um aporte religioso e, ao mesmo tempo, fornece legitimidade ao self, valorizado como porta de entrada para a autonomia e o fortalecimento do indivíduo. Importante lembrar que, já na década de 1970, inicia-se, no Ocidente, o processo de Humanização da Medicina, perspectiva propícia a essas terapias.

    Esse conjunto delineia uma epistemologia e define noções de sujeito e de realidade com elementos das concepções vitalistas que são compatíveis com as sociedades agrárias: a ideia da existência de uma força vital que alimenta a vida da qual todos participam, homem, natureza e cosmo. Essa concepção, também, é conciliável com a procura de uma condição natural genuína, que foi perdida com o advento da cultura. Sociedades antigas manteriam, ainda, traços dessa condição.

    Essa visão de mundo confere sentido a uma terapêutica que faz uso de ervas medicinais de antigas tradições ocidentais e orientais, de benzeções, de passes, de reikis, de meditações, de recursos das medicinas chinesa e hindu e, também, da nossa cultura popular... Mas, agora, a cura tem um sentido mais abrangente e envolve também salvação, no sentido religioso: para salvar-se basta estar bem, de corpo e alma. Isto é, a salvação é neste mundo. Perspectiva que não é atributo apenas dessas terapêuticas, mas de muitas das novas religiões como a Seicho-no-ie, a igreja Messiânica, a Tenrikyo, a Soka Gakkai e outras, vindas ou não do Oriente. Note-se que são religiões inventadas na modernidade e que têm, algumas, também, traços vitalistas. E, como as terapias aqui tratadas, têm ganhado espaço em uma sociedade altamente individualista e competitiva.

    Para finalizar, quero chamar a atenção para alguns aspectos dessas terapias no contexto da alta modernidade. Terapias holísticas é apenas uma das designações que esse conjunto de procedimentos voltados para a saúde recebe. São, também, alternativas porque oferecem um outro caminho, são doces porque mais atenciosas, são complementares porque auxiliam e estão ao lado, são integrativas porque não fracionam, são holísticas porque capturam o todo. De certo modo, tais adjetivações indicam sempre uma referência à posição ou à diferença em relação à biomedicina, esta pautada pela especialização e crescentemente tecnológica e científica. Esse aspecto aponta para um paradoxo enfrentado por essas medicinas ou terapêuticas: por um lado, seus esforços para obter legitimação científica e, assim, assegurarem um lugar lícito no mercado de bens da saúde; e, por outro, sua visão de mundo contramoderna, apoiada por conteúdos pré-científicos e pré-modernos, contraditórios aos requisitos desse processo de legitimação. Mas existe outro paradoxo: a perspectiva vitalista, holística, que supõe a participação no todo humano, natural e cósmico, e a noção de self com suas aplicações, que envolvem uma perspectiva individualista, autônoma e, talvez, independente, são também contraditórias.

    Mas, se esses aspectos não têm impedido as terapias holísticas de ganharem espaço na sociedade ocidental moderna, talvez a legitimação epistemológica seja insuficiente e fique para depois. Será que o que vale mesmo é a legitimação social, ou seja, a narrativa que confere sentido às experiências de doença, cura e salvação, contaminada pela história, pela religião, pela subjetividade e pelas filosofias?

    Referências

    BELGRAD, Daniel (1998). The culture of spontaneity: improvisation and the arts in postwar America. Chicago, University of Chicago Press.

    BERGER, Peter; BERGER, Brigitte; e KELLNER; Hansfried (1974). The homeless mind: modernization and consciousness. Nova York, Vintage Books.

    RODRIGUES, José Carlos (2005). Os corpos na Antropologia. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza; COIMBRA Jr. Carlos, E. A. (orgs). Críticas e atuantes: Ciências Sociais e Humanas em saúde na América Latina. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz.

    ROSZAK, Theodore (1972). A contracultura: reflexões sobre a sociedade tecnológica e a oposição juvenil. Petrópolis, Vozes.


    Nota

    1 Graduada em Ciências Sociais pela FFCL de Rio Claro, atual Unesp; mestre e doutora em Sociologia, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; professora aposentada da Unesp, Rio Claro; e pesquisadora voluntária no Centro de Documentação e Memória (Cedem) da Unesp, São Paulo.

    Sumário

    INTRODUÇÃO

    Fábio L. Stern

    Silas Guerriero

    PARTE I

    CONSTITUINTES DO SISTEMA MÉDICO DA NOVA ERA

    1. O SISTEMA MÉDICO DA NOVA ERA

    Silas Guerriero

    2. PRINCÍPIOS DA SAÚDE NA NOVA ERA

    Fábio L. Stern

    Isadora Ferrante Boscoli de Oliveira Alves

    3. SELF, ENERGIA E CORPORALIDADE

    Diogo Virgilio Teixeira

    4. INTERFACES ENTRE CIÊNCIA E TERAPIAS HOLÍSTICAS

    Ana Luisa Prosperi Leite

    5. VISÃO NOVAERISTA DA FÍSICA E SUA RELAÇÃO COM A SAÚDE

    Fabio Mendia

    6. O APELO À PSICOLOGIA PELAS CURAS DA NOVA ERA

    Carlos Bein

    PARTE II

    ESTUDOS DE CASO

    7. TRÊS EXEMPLOS DE PSICOTERAPIAS NOVAERISTAS

    Carlos Bein

    8. MULHERES EM CÍRCULO: O SAGRADO FEMINISMO

    Ana Luisa Prosperi Leite

    9. IRMÃOS CÓSMICOS QUE CURAM: NOVA ERA E EXTRATERRESTRES

    Leonardo Breno Martins

    10. O CHACRA E O ORI, A ENERGIA E O AXÉ: PRÁTICAS ALTERNATIVAS NA INTERFACE DA UMBANDA COM A NOVA ERA

    Amurabi P. de Oliveira

    Felipe Boin

    11. XAMÃ COMO TERAPEUTA

    Fábio L. Stern

    12. A CONTRAFACE DA LEGITIMAÇÃO: OS LIMITES E OS ATOS DE REGULAÇÃO DIRIGIDOS ÀS TERAPIAS ALTERNATIVAS/COMPLEMENTARES

    Rodrigo Ferreira Toniol

    REFERÊNCIAS

    SOBRE OS AUTORES

    INTRODUÇÃO

    Fábio L. Stern

    Silas Guerriero

    O adoecimento é um processo biológico que afeta todos os seres vivos. A doença e a cura, no entanto, são processos profundamente socioculturais que acompanham a humanidade desde seus momentos iniciais. Afinal, bem-sucedido ou não, o processo de cura das mais diferentes enfermidades auxiliou na caminhada da humanidade. Embora, muitas vezes, escamoteado pela perspectiva biomédica, o mecanismo saúde-doença é repleto de significações, que não apenas identificam as doenças como também auxiliam em suas recuperações. A biomedicina, com todos os seus inegáveis avanços, procura perceber as doenças e seus respectivos tratamentos com base em uma lógica exterior aos seres humanos. Por outro lado, a humanidade conviveu, convive hoje e com certeza conviverá, em tempos futuros, com inúmeras outras concepções de saúde-doença.

    No caso das terapias holísticas, atesta-se que elas estão por toda a parte, disputando com a medicina oficial um espaço na sociedade contemporânea destinado à cura das enfermidades e ao tratamento dos doentes. Nem sempre reconhecidas como eficazes, foram e ainda são vistas por muitos como um tipo de charlatanismo. A verdade, no entanto, é que não param de se proliferar, tanto em termos de variedade quanto no acesso e utilização por parte das populações de vários países. O caso brasileiro não poderia ser diferente, embora possua especificidades.

    A recente criação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (SUS), em 2006, e o crescente número de terapias que passaram a integrar o rol das práticas autorizadas desde então nesse programa ilustram o fato de que as medicinas alternativas sempre fizeram parte da realidade brasileira. Essa presença de alternativas médicas se deu, em grande medida, pelo fato de a medicina universitária ser algo relativamente recente na história do país e pelo escasso número de médicos formados em diversas regiões do Brasil. Segundo Gurgel (2010), em 1799 não havia mais do que 12 médicos formados em todo o território brasileiro, e até o início do século XX somente dois cursos de medicina operavam no país. A própria internacionalização da medicina brasileira só começa a acontecer em 1950, e até hoje o Brasil enfrenta ampla carência de acesso à medicina em diversas regiões. Esse cenário é profícuo à difusão de outras formas de cura, que passam a preencher as lacunas que a medicina oficial não preenche.

    Para muitos médicos, porém, avessos ao reconhecimento de qualquer eficácia dessas terapias, aceita-se o programa nacional na medida em que tais práticas acalmam os pacientes e realizam uma triagem daqueles que, no entender desses profissionais, devem mesmo ser recebidos pelos médicos. Outros, no entanto, procuram conhecer mais detalhadamente essa nova realidade, visto que muitos pacientes estão buscando essas terapias alternativas, recusando, muitas vezes, aquilo que denominam como medicina fria e distante. Uma grande insatisfação com o modelo de cura da medicina oficial biomédica vem sendo notada, visto que, para muitos, ela não lida com o doente, e sim quase que exclusivamente com a doença. Essa desumanização da medicina é um dos principais motivos que tem levado muitos a procurar as terapias holísticas.

    Mas por que essa separação? Há sentido no aprofundamento desse fosso, ou a nossa sociedade caminha para uma unificação e complementariedade entre as diferentes formas de medicina? Essas são apenas algumas perguntas iniciais que estimularam a realização deste livro.

    O trabalho que aqui se apresenta é fruto de um período de dois anos de estudos e pesquisas do NEO – Núcleo de Estudos de Novas Religiões e Novas Espiritualidades, grupo de pesquisa ligado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em ciência da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ao trabalharmos com o que entendemos por movimento da Nova Era no Brasil, percebemos que as terapias holísticas são, talvez, a sua parte mais visível.

    Mais do que uma religião, a Nova Era será compreendida neste livro enquanto um ethos que perpassa a nossa sociedade. Dessa maneira, seus valores e práticas – e no caso desta obra, as diferentes terapias holísticas –, já fazem parte do cenário social e não causam estranheza. Estão disponíveis para qualquer membro de nossa sociedade, não ficando restritas apenas aos agentes novaeristas propriamente ditos. Esse acesso não diz respeito apenas aos pacientes que buscam atendimento e tratamento de saúde, mas também aos profissionais que se especializam nas diferentes técnicas e saberes holísticos. Ou seja, não se restringe ao universo da Nova Era, embora suas raízes estejam ali plantadas.

    Uma dessas raízes, fundamental para a compreensão desse fenômeno, é o mito do crescimento pessoal, um dos eixos-matriz da Nova Era. Tratamos isso como um mito não no sentido de falsidade ou ilusão, mas numa comparação direta aos mitos e narrativas presentes em qualquer religião. O mito do crescimento pessoal da Nova Era pode ser entendido como

    o formato que a salvação religiosa assume no movimento da Nova Era: afirma-se que a libertação do sofrimento e da fraqueza humana será alcançada através do desenvolvimento de nosso potencial humano, o que resulta em entrarmos cada vez mais em contato com nossa divindade interior. (Hanegraaff, 1996, p. 46; tradução nossa)

    Nesse mito, não há heróis ou seres divinizados, mas, sim, a grande divindade da Nova Era: o eu interior, o self. Trata-se de uma narrativa que aponta caminhos e serve como guia para aqueles que almejam a meta da salvação. A cura das enfermidades está diretamente relacionada a esse aspecto do crescimento pessoal, embora não o esgote. Outro elemento importante desse mito é a prosperidade, inclusive material. Cura e prosperidade podem ser alcançadas por meio do esforço pessoal, pelo pensamento positivo voltado para esses fins. A cura das enfermidades não é apenas uma questão física, mas algo que atinge integralmente o corpo, a mente e o espírito.

    Contudo, o crescimento pessoal na Nova Era pressupõe uma perspectiva religiosa, pois está relacionada à crença, não empiricamente verificável, de que o pensamento altera a realidade e que a divindade está centrada no self. Isso se manifesta, no caso da saúde, na associação inalienável entre corpo, mente e espírito. Para evoluir mental e espiritualmente, um indivíduo precisa estar com o corpo saudável. Mas como a mente cria a realidade (inclusive material) do sujeito, sua evolução depende impreterivelmente de uma mente sadia. Nesse sentido, entendemos como a autoajuda é uma prática central na Nova Era. O seu grande sucesso se dá porque os indivíduos se sentem compelidos a um trabalho constante que visa à reeducação da mente sadia. Percebe-se tal popularidade na presença constante do tema autoajuda na mídia, na produção editorial e na cultura em geral. Acredita-se que essa perspectiva, que busca o desenvolvimento físico e mental ao mesmo tempo, é o que possibilitaria o crescimento e evolução espiritual do ser.

    Por essa perspectiva, as doenças são entendidas como fruto de desequilíbrio do ser com o cosmos, com a natureza como um todo. Por isso, o objetivo das terapias e práticas holísticas não é a eliminação das enfermidades em si, mas o restabelecimento da harmonia cósmica centrada no indivíduo, o que acaba levando à resolução dos sofrimentos. Toda pessoa é considerada responsável por causar suas próprias doenças, mas é também capaz de promover suas curas. Para tanto, o sujeito precisa encontrar o significado mais profundo de seu mal-estar, para assim ser capaz de promover o seu crescimento interior. Ao contrário de vítima, ele próprio é o agente transformador de sua condição. Para Hanegraaff (1996), o conceito de autorresponsabilização da doença é central na medicina holística da Nova Era. Não se trata de uma doença abstrata, mas, sim, de um indivíduo, em sua totalidade indivisível, que está no centro da ação terapêutica.

    Nossa preocupação não é, evidentemente, perceber qual dos dois sistemas médicos é o mais eficaz ou correto. O importante é ressaltar a diversidade. A cada época ou sociedade existem diferentes sistemas médicos que buscam dar conta das aflições relacionadas aos corpos e mentes dos indivíduos de seus grupos sociais. A ciência da religião, aqui auxiliada pela ciência da antropologia, tem muito a contribuir na compreensão sobre essas práticas médicas com base em uma perspectiva que reconhece a diversidade que os grupos sociais construíram para lidar com os problemas de saúde e de doença. Trata-se de reconhecer que, em termos humanos, as dimensões sociais, emocionais e até biológicas não se separam das concepções de existência e realidade trazidas pelas religiões. Mais ainda, o mundo das crenças não se separa das dimensões da vida de qualquer indivíduo. Por isso, para melhor compreender a relação saúde-doença e os sistemas médicos das diferentes sociedades, é importante olhar também para os universos magicorreligiosos envolvidos. Não há conhecimento de qualquer sociedade, no tempo e no espaço, que não tenha criado um sistema médico que busque dar conta da morte e das enfermidades. Podemos afirmar, com o que se conhece pelos estudos antropológicos e históricos, que, na grande maioria das sociedades humanas, há sempre um componente no universo das curas que diz respeito ao campo das crenças. Mesmo a nossa sociedade altamente modernizada, dependente da tecnologia e dominada pela ciência como elemento constituidor das verdades, não se vê livre de curas religiosas. É nesse sentido que a ciência da religião pode auxiliar o campo dos saberes médicos.

    Compreender as doenças e os tratamentos, sem descartar seus processos biológicos, requer um olhar apurado ao contexto sociocultural envolvente. A cultura, com todos os seus componentes de crenças, interfere tanto na constituição e classificação das doenças como também, de maneira evidente, na construção e na percepção das curas. Ou seja, os processos de saúde e doença precisam ser compreendidos baseados nos diferentes contextos históricos, sociais, culturais e religiosos (Minayo, 1991).

    Ninguém, e nenhuma sociedade, passa incólume pela presença de uma doença. O adoecimento assusta e ameaça. Causa uma desorganização no seio do grupo social que, por sua vez, requer um controle. As doenças precisam ser tratadas, do contrário, elas colocam a sociedade, como um todo, em risco. Não se trata, aqui, de pensar no extermínio biológico do grupo simplesmente, mas na desordem simbólica instaurada pela doença. Esta requer uma explicação.

    Um tratamento médico procura, antes de tudo, restabelecer a ordem perdida, mesmo que a doença, em termos biológicos, não tenha se esvaído completamente. Reforça-se a ideia de que esse tratamento médico não é exclusivo do paradigma biomédico, mas é inerente a qualquer sistema médico, por mais diverso que possa ser.

    A realidade humana constrói-se a cada momento. As pessoas estão sempre em interação umas com as outras e a percepção do que é saúde ou doença faz parte dessa realidade. Interpretamos o que é estar doente, o que é uma doença, baseados nos parâmetros simbólicos constituídos na sociedade ao nosso redor. Compartilhamos noções de corpo, saúde e adoecimento. Percebemos o que está fora do esperado e criamos expectativas de melhora ou, no pior dos casos, de perpetuação da doença até a chegada da morte. Em outras palavras, construímos socialmente a etiologia das doenças e a consequente busca de tratamentos para elas. Esses diagnósticos, prognósticos e prescrições de tratamentos são, historicamente, localizados enquanto processos socioculturais.

    Tal não poderia ser diferente em nossa sociedade desse primeiro quarto de século. Diferente das sociedades tradicionais, em que o processo de compreensão das doenças e seus tratamentos são mais unificados, em nossa sociedade altamente complexa a noção de saúde-doença perpassa inúmeras concepções, muitas vezes, contraditórias, desde a visão biomédica e científica baseada em evidências até as mais tradicionais e mágicas, passando pelas curas religiosas de diferentes vertentes.

    O ethos da Nova Era que perpassa nossa sociedade não poderia deixar de trazer contribuições aos sistemas médicos. Há características dessa Nova Era que influenciam sobremaneira as nossas concepções sobre doença e cura. Em primeiro lugar, convém ter em mente a importância de se ser saudável, que envolve corpo e mente saudáveis. Além do mais, distante de qualquer separação entre ciência e conhecimento mágico-religioso, o ethos da Nova Era procura integrar tais saberes naquilo que, muitas vezes, é denominado como uma ciência espiritualizada. Disso resulta uma plêiade de tratamentos médicos que se dizem científicos, mas se apoiam em crenças e tradições espirituais diversas. Temos, portanto, a formação de um sistema médico novaerista – ou vários subsistemas médicos, dependendo como os enxergamos.

    Numa sociedade como a nossa, diferentes sistemas médicos podem conviver sem grandes conflitos. Isso porque o conjunto de representações coletivas presente é extremamente complexo. Há vários sistemas que, tomados em confronto direto, pareceriam contraditórios, como aceitar a ideia de que determinadas doenças sejam causadas por bactérias invisíveis e que há um conjunto de pessoas detentoras de saberes específicos que poderão aplicar drogas antibióticas que combaterão as infecções. Isso pressupõe todo um conjunto de saberes e tecnologias, além de instituições, como clínicas, laboratórios e hospitais capacitados a lidar com doenças dessa natureza. Porém, como todos esses sistemas coexistem no mesmo espaço social complexo, um indivíduo é capaz de transitar por entre esses sistemas médicos diversos, indo ao médico e ao curandeiro ou a uma igreja que promete a cura milagrosa, sem causar qualquer crise de inteligibilidade e coerência. Para cada caso, há pessoas e conhecimentos legítimos para lidar com a situação.

    A morfologia (anatomia), a dinâmica vital, a doutrina, o sistema diagnóstico e as terapias constituem as dimensões básicas de um sistema médico (Mendoza, 2010). Nesses termos, assemelha-se ao conceito de racionalidade médica elaborado por Madel Luz (2011). Há uma racionalidade que perpassa todos esses elementos, explicando o movimento vital e as origens ou causas de seu desequilíbrio.

    Se numa determinada época há um sistema que se sobressai, que ganha ares de oficialidade por meio de sua hegemonia, há vários outros dos quais as populações fazem uso, seja como complemento do tratamento ou, até mesmo, como fonte norteadora de sentido. Na nossa sociedade, a biomedicina adquiriu esse status de medicina oficial. Os serviços de saúde, estatais ou privados, oferecem uma gama de serviços que fazem parte desse sistema médico oficial. Mas vários outros sistemas disponibilizam também seus serviços, por vezes perseguidos e criminalizados, por outras vezes aceitos e, até mesmo, midiaticamente valorizados. Muitas vezes, esses sistemas entram em disputa para também fazer parte de uma aceitação oficial, como veremos em outros capítulos deste livro.

    Laplantine e Rabeyron (1989) trabalham com a ideia de que há medicinas paralelas à oficial. A medicina científica coloca-se como a portadora legítima de um saber específico e verdadeiro, desautorizando todos os demais sistemas médicos paralelos. Os saberes populares, em geral, associados a universos religiosos, de diferentes matrizes (católicas, pentecostais, afro, espíritas, indígenas, etc.), constituíram, ao longo da história do Brasil, um amplo conjunto de medicinas paralelas, sempre utilizadas por amplas parcelas da população, muitas vezes, em complemento ou substituição ao sistema oficial. Essa divisão é funcional e didática, muito embora na prática não existam práticas genuinamente isentas de qualquer conotação de crenças, nem mesmo genuinamente magicorreligiosas, mas recursos distintos que se complementam.

    A partir do momento em que elementos da Nova Era começam a se disseminar na sociedade, constituindo o ethos da Nova Era, surge também um novo sistema médico, compatível com esse novo ethos, compreendendo vários outros subsistemas em seu interior. Como veremos nesta obra, esses subsistemas só podem ser compreendidos tomados no conjunto do sistema médico novaerista que os abrange. Esse sistema traz um discurso próprio, peculiar, que procura atrelar o que se entende em senso comum por conhecimento científico com noções de crenças religiosas que não são vistas enquanto tais, mas, sim, como partes de uma sabedoria maior, de uma ciência ampliada e espiritualizada.

    Esta obra foi organizada em duas partes. Na primeira, intitulada Constituintes do sistema médico da Nova Era, apresentamos seis capítulos que tratam de temas-chave ao entendimento de como a noção de cura, saúde e terapia é sistematizada entre os círculos novaeristas. No primeiro capítulo, de Silas Guerriero, é abordada a noção de ethos da Nova Era, o que é um sistema médico e o que seria um sistema médico baseado no ethos da Nova Era. No segundo capítulo, de Fábio L. Stern e Isadora Ferrante Boscoli de Oliveira Alves, o holismo, o healing, o crescimento pessoal, o vitalismo e o apelo à física quântica são apresentados como os princípios constituíntes da noção de saúde na Nova Era. No terceiro capítulo, de Diogo Virgilio Teixeira, as

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