Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Jornalismo e vestiário: histórias e bastidores contados por um assessor de imprensa
Jornalismo e vestiário: histórias e bastidores contados por um assessor de imprensa
Jornalismo e vestiário: histórias e bastidores contados por um assessor de imprensa
E-book467 páginas5 horas

Jornalismo e vestiário: histórias e bastidores contados por um assessor de imprensa

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

No livro “Jornalismo e Vestiário”, João Paulo Jobim Fontoura, conhecido no meio do jornalismo esportivo como JP, escreve sobre a experiência que acumulou em quase uma década de trabalho à frente do Departamento de Futebol do Grêmio. Trata de assuntos de conhecimento público, mas também de bastidores de episódios e fatos que muitos desconhecem. Além disso, leva o leitor a reflexões sobre a prática do jornalismo esportivo. Os textos de apresentação do livro são assinados pelo jornalista esportivo José Alberto Andrade e pelo técnico de futebol Roger Machado.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de jan. de 2022
ISBN9786599292552
Jornalismo e vestiário: histórias e bastidores contados por um assessor de imprensa

Relacionado a Jornalismo e vestiário

Ebooks relacionados

Futebol para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Jornalismo e vestiário

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Jornalismo e vestiário - João Paulo Jobim Fontoura

    Capítulo 1 – Ano 2011

    Uma coincidência de fatos e datas marca a experiência deste primeiro registro de bastidores e memórias de minha passagem pelo futebol do Grêmio. Justamente no dia em que escrevo estas linhas, o programa Esporte Espetacular, da Rede Globo, finaliza uma série de reportagens especiais sobre os 40 anos de Ronaldinho Gaúcho. Detido pelas autoridades locais, juntamente com o irmão Assis, o ex-jogador passou seu último aniversário preso em Assunção, no Paraguai, enquanto boa parte do mundo também vivia tempos de isolamento social, mas pela Covid-19. O quarto e último episódio da série tratou do retorno ao futebol brasileiro daquele que, para mim, foi o maior jogador que vi jogar ao vivo.

    O final da temporada 2010 jamais será esquecido pelos gremistas. Por pelo menos três motivos distintos. Após uma campanha de recuperação no segundo turno do Campeonato Brasileiro, com a ajuda dos argentinos do Independiente que derrotaram o Goiás na final da Sul-Americana, o Tricolor conseguiu a classificação para a Libertadores do ano seguinte ao apagar das luzes. Somado a isso, poucos dias mais tarde, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, o Inter era eliminado do Mundial da Fifa ao perder por 2 x 0 para os africanos do Mazembe, na semifinal do torneio. Apesar disso tudo, da garantia de disputar novamente a maior competição do continente e da flauta histórica ao rival, o final de ano também reservou uma boa dose de expectativa e de ansiedade aos gremistas, resquícios de uma ferida aberta desde 2001.

    O possível retorno de Ronaldinho, então no Milan, da Itália, não só ao futebol brasileiro, mas ao Grêmio, era a pauta do momento nas redações. Em meio a uma série de informações, o assunto era repercutido assiduamente na imprensa. E com polêmica: afinal, a saída do craque do Grêmio, ainda em 2001, aconteceu depois de meses de uma longa batalha judicial que o levou ao PSG, da França – episódio nebuloso e que divide opiniões até hoje.

    Diante de todos esses acontecimentos, o ano de 2011 começou de forma bastante agitada nos bastidores. A semana em que o maior jogador do mundo em 2004 e 2005 dava indícios de que voltaria a Porto Alegre para morar, viver e jogar no time que lhe lançou ao estrelato foi justamente minha primeira semana como assessor de imprensa no Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense.

    Ronaldinho e Jonas

    No cartão de admissão do novo funcionário constava a data: 17/12/2010. Trocava a redação do jornal Correio do Povo e a reportagem do portal Terra para aceitar o convite do Vitor Rodriguez, meu contemporâneo de Famecos, na PUCRS, e assessor de imprensa do Grêmio desde 2008, onde, até então, atuava sozinho no setor.

    Há dois núcleos de Comunicação no clube. O institucional produz conteúdo para site, redes sociais e mídias tradicionais, como rádio e TV, além de prestar atendimento à presidência e a todas as demais pastas que não a do futebol. Esta, onde eu acabara de ingressar, está diretamente ligada ao vestiário, ao treinador e sua comissão técnica, aos dirigentes da pasta e, claro, a todos os atletas do grupo profissional. Apesar de serem gerenciados por jornalistas, os dois núcleos são, na prática, universos completamente diferentes, embora haja uma natural e inerente atmosfera de colaboração, além do fato de alguns personagens circularem nos dois ambientes. Por isso, o assessor de imprensa acaba sabendo mais do que muita gente. E saber o que fazer com aquilo que se sabe é um grande desafio pessoal e profissional.

    Na época, o departamento de futebol era composto por quatro integrantes. O homem forte do futebol, como gostamos de dizer aqui no Sul, era Antônio Vicente Martins, certamente candidato a sucessor do presidente Paulo Odone, o que não ocorreu. Além dele, os diretores eram César Cidade Dias e José Simões (precocemente falecido anos depois, em 2013), além do diretor executivo Cícero Souza, que completava a pasta mais importante do clube. O treinador era Renato Portaluppi, então em sua primeira passagem pelo clube como técnico.

    Aqueles dias iniciais foram uma verdadeira loucura. Para mim, havia particularmente o fator novidade por estar pela primeira vez do lado de cá do balcão, como se diz no jargão jornalístico. Dias antes, eu era repórter de bloco e caneta em punho querendo descobrir as notícias. Agora eu estava vendo os fatos acontecerem antes mesmo de virarem ou não notícia. Somado a isso, tinha de me ambientar, e rápido, à dinâmica e à cultura da nova casa.

    O episódio Ronaldinho traz recordações que preferia não ter, mas que, infelizmente, são bem fáceis de acessar em minha memória. Cronologicamente, a primeira que recordo é o ceticismo de duas pessoas: o médico Marcio Bolzoni e o superintendente Antônio Carlos Verardi. Em espaços de tempo distintos, mas no momento em que a ansiedade da torcida já invadia as paredes do velho Olímpico, ambos diziam para quem quisesse ouvir: O Ronaldinho não vem! Ele não vem, eu conheço!. No fim acertaram ambos, e o crédito à notícia precisa ser dado, uma vez que o contrário se desenhava.

    Eu estava entre aqueles que não queria ouvir aquilo. Queria que fosse verdade tudo o que aparentemente estava por vir à medida que a oportunidade de trabalhar com uma estrela daquele porte traria com certeza muita projeção para o nosso trabalho. Além, é claro, de poder ver o camisa 10 voltar a atuar no clube. Outras imagens que tenho são de situações que se repetiram incontáveis vezes devido à velocidade e à mudança de direção dos acontecimentos daquela pauta.

    Produzimos (ou pelo menos tentamos) várias entrevistas coletivas formais na sala de imprensa ou improvisadas no pátio do Olímpico em função do atropelo das informações que chegavam a todo o tempo, principalmente depois da notícia de que Palmeiras e Flamengo também manifestaram interesse no craque. Nessas horas, além da tensão dos questionamentos a que vemos os dirigentes serem submetidos, nós, assessores, ficamos com os celulares deles nas mãos. Nunca vi tantas ligações e mensagens pipocarem de uma só vez. Às vezes eram contatos de pessoas diretamente envolvidas nas negociações com Assis. As mãos segurando os telefones suavam ao ver alguns nomes na tela dos aparelhos, fora a ansiedade batendo nas alturas por não poder atender ou responder aos chamados.

    Logicamente, havia mais gente no vestiário que também torcia para o desfecho feliz daquela negociação. Jonas, o artilheiro do Brasil ao lado de Neymar em 2010, com 44 gols, já quando da reapresentação no início de 2011, entrava na sala de imprensa onde eu e o Vitinho trabalhávamos a todo momento para se atualizar sobre o assunto, numa época em que os celulares ainda não eram a fonte comum de acesso à informação. A cada notícia positiva, botava a língua para fora, abria um sorriso de criança e arregalava os olhos, de certo imaginando fazer dupla com o dentuço. O homem vem ou não vem?, perguntava.

    O homem não veio. E certamente o fato colaborou para que Jonas precipitasse sua saída do Grêmio dias depois, rumo ao Valência, da Espanha.

    A saída do Jonas, aliás, talvez tenha sido o meu primeiro baque de como as coisas funcionavam na prática para quem tem o dever de atender as necessidades do contratante – no caso o clube – ao mesmo tempo em que tem de atender às demandas da imprensa, por onde a informação chega ao torcedor. Controlar essa narrativa da melhor forma nem sempre é possível. As versões oficiais estão longe de serem determinantes no que diz respeito à verdade. Costumo dizer até hoje que existe a verdade e a versão oficial. Elas podem ser a mesma coisa, podem ser diferentes aqui e ali, mas jamais podem ser antagônicas sob a pena de atestar frontalmente contra o que manda a ética em comunicação e no jornalismo.

    Quando tomei conhecimento de que realmente o atacante sairia por um valor muito aquém do que representava na época, poucos dias depois de fazer dois golaços em um jogo marcado por uma briga dele com parte da torcida no início do Gauchão, pensei: Bah, o Hiltor vai relembrar essa notícia no Correio do Povo se esse negócio sair. Hiltor Mombach é há décadas o editor de Esportes do Correio do Povo, jornal que me abriu as portas em outubro de 2009. Tive o prazer de trabalhar no prédio tradicionalíssimo da Caldas Júnior, subir aquele elevador com porta de grade. Fiz algumas visitas ao andar de cima, o da Rádio Guaíba – rádio da Legalidade de Leonel Brizola –, convivi com destacados profissionais do jornalismo e vivi um pouco do centro da Capital, o que é bem diferente de estar ali de passagem.

    Na velha redação do Correio, reafirmei amizades com o Fabrício Falkowski, melhor repórter da imprensa escrita do Estado, e com o Carlos Corrêa, ambos setoristas da dupla Grenal de extrema competência e a quem sou grato por terem convencido o Hiltor a preencher uma vaga que abrira quando da criação de um Caderno de Esportes no jornal. Ainda em 2010, dei uma das poucas notícias da minha curta trajetória de repórter: a multa para que Jonas saísse do Grêmio era baixíssima e era questão de oportunidade para que se confirmasse.

    Quando se confirmou, comigo já no Grêmio, a diretoria do clube foi cobrada e, como o contrato era da gestão anterior, uma coletiva foi convocada para os atuais dirigentes justificarem ao torcedor que não havia muito a ser feito. O contrato foi exposto por Antônio Vicente Martins para que imagens fossem registradas por cinegrafistas e fotógrafos.

    O Grêmio é um clube centenário, as gestões são uma continuidade e sempre procuram fazer o melhor. Às vezes, uma renovação de contrato determina condições de diminuição do valor salarial para reduzir o valor da multa rescisória. Foi o que aconteceu com o Jonas, explica Vicente.

    E o Jonas, iria embora assim do nada? Sim, e essa foi a minha primeira lição no clube. Na minha cabeça, eu achava que ele também deveria dar uma entrevista coletiva para explicar tudo o que estava acontecendo. O que eu não sabia é que o conteúdo de uma fala nessas circunstâncias em nada contribui para o clube. Pode favorecer um nome, desagradar outro, salvar a pele de um, mas o clube corre o risco de que um ex-jogador exponha a imagem da instituição. E se isso acontecer nas dependências da agremiação com caráter formal, diante de um banner com patrocinadores, por exemplo, é um tiro no pé de quem deve pensar a comunicação da entidade. Jonas deixou o Olímpico em silêncio e sem que nenhuma imagem do seu adeus fosse registrada.

    Você é craque?

    Uma das maiores curiosidades que trazia dos tempos de arquibancada e de imprensa era como seria o ambiente do vestiário no dia de jogo. Não somente nos momentos anteriores e subsequentes às partidas, mas também no intervalo delas, o que justificaria a frequente análise de que as coisas mudaram no segundo tempo. Ao longo de centenas de jogos em que trabalhei, constatei, entretanto, serem raros os casos em que isso de fato acontece. Via de regra, um intervalo tem até um protocolo: os jogadores entram, a maioria troca o uniforme suado por um novo, o roupeiro fica para lá e para cá recolhendo e devolvendo roupas e chuteiras limpas, o treinador se fecha com os auxiliares em sua sala ou em algum canto, dependendo das instalações do local, massagistas e fisioterapeutas se colocam à disposição para ajudar com água e isotônicos, tesoura para desprender ataduras, médicos revisam todos que ali chegam etc. E isso tudo em 15 minutos, que passam voando. Nesse período, o assessor de imprensa deve se manter quieto, de rádio ligado no ouvido e celular em mãos, correndo a timeline das redes sociais. Qualquer informação pode ser importante, como veremos mais adiante. De resto, observar e aprender com a prática é o recomendável.

    Detalhes que envolvem o trabalho da assessoria de imprensa:

    - Ser leal, atento, discreto e proativo.

    - Respeitar o vestiário.

    - Ter exata noção de quem são os protagonistas no vestiário.

    - Manter postura no ambiente onde todo mundo gostaria de estar (na vitória).

    - Ter ciência da contribuição da função no vestiário e discernimento para administrar diferenças.

    Naquele ano, o Grêmio só conseguiu a classificação para a fase de grupos da Copa Libertadores após eliminar o Liverpool, do Uruguai, em um confronto direto de mata-mata. Primeira partida, empate em 2 x 2, em Montevidéu. Em Porto Alegre, o jogo de volta estava 1 x 1, com torcida e Renato descontentes com o que estava acontecendo em campo, depois do time sair atrás no marcador. Afinal, a diferença entre os clubes era e é gigantesca.

    A cena das próximas linhas ocorreu nas cadeiras espreguiçadeiras onde cada jogador fica sentado prestando atenção nos poucos minutos que o treinador tem para passar alguma instrução no intervalo da partida. Naquela noite, o Gênio da Lâmpada, apelido de Renato nos bastidores, resolveu provocar os atletas. Ao invés de instruí-los, caminhou lentamente diante de todos e, um a um, repetiu a mesma pergunta: Você é craque? Você é craque? Você é craque? Envergonhados, todos murmuravam, mexendo negativamente a cabeça baixa. Até que chegou a vez de Vinicius Pacheco. Recém-chegado ao clube, o carioca ex-jogador do Flamengo respondeu: Eu sou, sim!. Surpreso, Renato freou o passo, enquanto os demais presentes espiavam de canto de olho também com surpresa para o meia e terminavam de se ajeitar. Ah, é craque? Então vai lá e resolve!, encerrou o treinador. Vinícius voltou e resolveu, com dois gols, que deram a vitória de 3 x 1. Sua passagem, no entanto, foi breve. No meio da temporada, o jogador deixou o clube para atuar na Sérvia, indicado pelo ex-jogador Petković.

    Lição de um maluco do bem

    A ida para Huánuco, interior do Peru, em março, foi minha primeira viagem à frente da delegação na condição de assessor. A cidade, praticamente engolida pela Cordilheira dos Andes, tem como lema a afirmação de que lá se respira o melhor oxigênio do mundo. A frase, inclusive, está escrita no Estádio Heraclio Tapia, onde o Grêmio enfrentou o León de Huánuco.

    Aquela aventura não poderia ser um batismo mais tenso para um assessor de imprensa de primeira viagem. Estávamos saindo para o treino da tarde, quando uma bomba jornalística caiu no nosso colo: Renato teria conversado com o jornalista Jorge Kajuru, então no Esporte Interativo, e admitido a possibilidade de voltar para o Fluminense. Logo que soube do assunto, procurei os dirigentes, conversei com eles, com o próprio Renato e improvisei um esclarecimento aos jornalistas que aguardavam no hall do hotel alguma posição. O treinador disse que poderia ter sido vítima de um trote. Porém, no início da noite, sabedor da fala de Renato, Kajuru divulgou o conteúdo da conversa na íntegra. Dias depois, Renato admitiu o erro.

    O episódio não teve maiores repercussões, mesmo porque outro personagem que não Renato atraía a atenção da mídia. A passagem do meia Carlos Alberto naquele ano se deu como uma espécie de furacão, tamanho o manancial de acontecimentos desencadeados a partir de suas intervenções. Dentro e fora de campo. É preciso reconhecer, no entanto, que o meia demonstrou ser uma pessoa da qual todos gostavam, de bom coração, generoso e que deixou recordações no rastro de sua passagem pelo clube.

    Antes do embarque para a viagem ao Peru, no pátio do Olímpico, alguns torcedores pediram que ele imitasse o goleiro Kidiaba, do Mazembe, caso fizesse um gol na partida da Libertadores. Do banco, ele entrou no segundo tempo, fez o gol do empate em 1 x 1 e cumpriu a promessa. Como se não bastasse, entrou no vestiário e se dirigiu direto a mim: Eu que vou para a coletiva. Sem segurança e experiência, relatei para os dirigentes e treinador o acontecido na frente de todos. E como percebi que só eu pensava ser fora de propósito o cabeludo falar, o levei para a coletiva com o coração na mão. Pura ingenuidade minha. Carlos Alberto deu uma aula de sabedoria do mundo malandro da bola. Foi educado com o torcedor colorado e expôs sua infância carioca quando via pela TV as provocações de jogadores como Romário, Edmundo, Túlio e Viola, em tempos em que as rivalidades eram mais sadias. Para mim, o episódio foi também uma lição. Se há um assunto polêmico no ar, com potencial de crise adiante, trate dele imediatamente.

    Olhando para trás, como estava recém iniciando na atividade, me dou um desconto.

    Fila e choro

    A metade de 2011 marcou meu primeiro encontro com a afirmação mais óbvia, cruel, verdadeira e assertiva sobre a realidade do futebol. E, que, na verdade, também se aplica à maioria dos esportes: Se perde muito mais do que se ganha. Os momentos ruins são maioria e duram muito mais. O maior jogador de basquete de todos os tempos, Michael Jordan, tem uma frase no mesmo sentido: Errei mais de 9 mil cestas e perdi quase 300 jogos. Em 26 diferentes finais de partidas, fui encarregado de jogar a bola que venceria o jogo e falhei. Eu tenho uma história repleta de falhas e fracassos em minha vida. E é exatamente por isso que sou um sucesso.

    Pois bem. Em maio, a perda do título do Campeonato Gaúcho, dentro de casa, para o Internacional, nos pênaltis, foi marcante. Um gosto amargo que conhecia somente na condição de torcedor agora também fora sentido enquanto profissional do clube. E posso afirmar: não há antiácido que consiga ajudar na digestão de uma situação como aquela. A partir dali, não demorou muito para que Renato desse início ao seu primeiro até logo como treinador do Grêmio.

    Pelo que pude acompanhar em dez anos no clube, pouco tempo separa a tomada de decisão e a saída propriamente dita de um treinador. Vi isso se repetir de forma parecida. O que nunca mais vi foi a maneira como Renato decidiu se dirigir ao vestiário momentos antes de tentar, sem sucesso, conceder uma última entrevista em meio a uma fraca campanha no Campeonato Brasileiro no final de junho. A coletiva foi encerrada na segunda ou na terceira pergunta, porque ele não segurava mais as lágrimas. Se retirou da sala de imprensa repleta de jornalistas e de quem mais conseguiu chegar até ali perto, uma vez que o pátio do Olímpico reunia uma pequena multidão. Muitos queriam abanar para o ídolo pela última vez. Uma foto ficou marcada nos jornais: uma fã se atirando no para-brisa do carro que se dirigiria ao aeroporto.

    Na mesma sala de conferências, porém, minutos antes, todos os jogadores e funcionários do futebol se amontoaram para ouvir Renato. Estaria mentindo se reproduzisse aqui o que ele disse, pois não recordo. Lembro sim do principal: um agradecimento tocante ao Seu Verardi, a quem Renato tratou sempre como pai. O veio Verardi, escorado na parede, levava a mão com lenço aos olhos, enquanto a outra segurava os óculos. Como sempre, o treinador agradeceu aos jogadores, dizendo ter muito orgulho de comandá-los, boa parte desde 2010, quando saiu da zona do rebaixamento para a Libertadores. O capitão Fábio Rochemback, conhecido pela coragem e firmeza fora do comum, também debulhou-se em lágrimas. A poucos metros dali, no portão de ferro da saída do vestiário, uma enorme fila estava formada. Eram os demais funcionários do clube que davam um tempo no serviço, arriscando-se em troca de um último abraço.

    Derrota sem explicações

    Depois da saída de Renato, Julinho Camargo deixou o Inter, onde era auxiliar de Falcão, e assumiu o Grêmio em uma passagem curta e, para muitos que o conheciam da base do clube, decepcionante. Sob nova direção, na figura de Paulo Pelaipe, o futebol anunciou o retorno de Celso Roth. Com passagens pela dupla Grenal desde 1997, o treinador assumia o Tricolor pela quarta vez na carreira. Nessa época, provavelmente, é possível que estivesse ainda recebendo o valor da rescisão com o rival. Roth foi o comandante do Inter contra o Mazembe e tivera o contrato renovado logo após o Mundial. Começou 2011 de vermelho e o encerraria de azul, preto e branco.

    Conhecia Roth dos meus tempos de repórter, quando cobria a dupla Grenal. Em 2008, pela Rádio Bandeirantes, ele por pouco não levou o Grêmio ao título brasileiro. Nos anos seguintes, pelo Correio do Povo e no Terra, ele comandou o Inter no bicampeonato da Libertadores. Não recordo qualquer problema específico como repórter, dada a fama de mal-humorado e o histórico de atrito entre Roth e a imprensa. Pelo menos, quando empregado. Em menos de um ano, ele era o terceiro treinador com quem eu trabalhava. No dia da sua chegada, quando estendi a mão para cumprimentá-lo no corredor diante da rouparia do vestiário, me perguntou com a voz grossa e arrastada e com um olhar surpreso: Ó, o que estás fazendo aqui dentro?. Não tive nenhuma dificuldade na relação treinador e assessor, e a falta de paciência ou ironia que ele às vezes demonstrava nas coletivas não se reproduzia internamente. Bem-humorado não chegava a ser, mas foi de tranquila convivência.

    O Campeonato Brasileiro de 2011 repetia a ideia dos anos anteriores, com clássicos regionais na última rodada como forma de garantir a emoção e o nível de competitividade das partidas, mesmo em casos em que os enfrentamentos não impactassem as pretensões de cada clube no torneio. No meio da tabela, o Grêmio amargava uma medíocre classificação para disputar a Copa Sul-Americana. Para o Inter, entretanto, a classificação para a Libertadores viria com uma vitória simples na despedida da temporada no Beira-Rio. E veio.

    Após a partida, o treinador decidiu não dar as caras na última coletiva do ano e explicar para a torcida o que aconteceu naquela tarde. Fez apenas um breve depoimento, deixando no ar os motivos da saída do clube.[ 1 ] Até o lançamento deste livro, Roth não voltou ao Grêmio.

    O assessor de imprensa não só executa, mas planeja. Não só cumpre ordens, mas também influencia nas decisões de uma organização. Define também a linha de discurso da instituição e de seus dirigentes. (MAFEI, 2004, p.52)

    [ 1 ] — http://globoesporte.globo.com/rs/futebol/times/gremio/noticia/2011/12/sem-responder-perguntas-roth-se-despede-do-comando-do-gremio.html?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter&s=08

    Capítulo 2 – Ano 2012

    Lambendo as feridas da temporada anterior, o Grêmio adentrou 2012 com uma nova comissão técnica comandada por Caio Júnior. Ex-jogador da casa, Caio era uma figura espetacular no trato pessoal, de fala tranquila e muito educado. Desde que chegou, mostrou-se interessado em colaborar com outras áreas de atuação do clube, sempre elogiando e ressaltando o quanto o Grêmio crescera em estrutura desde a época em que o seu uniforme de treino não contemplava apito e boné. Era nítido que se tratava de um profissional disposto a contribuir com sua experiência e que não escondia a felicidade de comandar um clube pelo qual demonstrava carinho enorme.

    Assim como quase todos os ex-atletas do clube, o treinador tinha um carinho especial pelo Seu Verardi. Juntos, adoravam relembrar histórias e contá-las durante as refeições. Lamento muito não ter acompanhado a pré-temporada daquele ano na Serra Gaúcha, pois certamente teria sido um período rico de aprendizado. Revezando com o Vitor na assessoria de imprensa naquele ano, acabei desfrutando das minhas primeiras férias justamente no período em que o time iniciava os treinamentos em Bento Gonçalves. Enquanto o recesso de todo o resto do departamento de futebol se dava ao longo de dezembro, no período de festas, fiquei de plantão na sala do futebol, que acessávamos subindo as escadas das sociais, pelo portão 7 do Olímpico.

    Ali, na companhia do Seu Verardi, orgulhoso por nunca ter se dado férias em 50 anos de clube, me aproximei de pessoas muito queridas e que pouco aparecem. Tenho o maior carinho pela Renata Daniel, secretária do futebol naquele momento, pela forma como me tratava; pela Dona Thereza, da cozinha, e pela Dona Iara, o melhor cafezinho de todos os setores do clube. Já sei que o teu é sem açúcar e sem pires, ela dizia, sempre com sorriso no rosto, segurando a bandeja.

    Neste período de entressafra, quando o futebol está de férias, são os dirigentes que ganham espaço na mídia. Sem partidas oficiais, são eles os protagonistas. E, no caso do Grêmio, o verbo era no singular. Paulo Pelaipe, de pulso firme, dentro e fora do vestiário, é uma figura distinta. Com conhecida personalidade forte, havia voltado pelas mãos de Paulo Odone, ainda em 2011, e tinha em 2012 o desafio de montar um time mais competitivo.

    A pré-temporada é, portanto, um período em que as relações se estreitam e a confiança também. E confiança, não somente no futebol, mas principalmente no futebol, não se quebra. Pelaipe exigia muito de quem trabalhava com ele. Várias vezes eu e o Vitor levamos broncas homéricas, e ele aos poucos se tornou um personagem marcado pela postura veemente e pelo discurso rígido. E com muita cancha em futebol.

    Certa vez, quando ele já estava trabalhando em outro clube, fiz uma ligação no intuito de desejar boas festas de fim de ano. Quando eu lhe disse que estava de férias, antes de devolver a gentileza, me deu uma bronca. Esta é a hora da dança das cadeiras, não desocupa a tua, porra!

    Verdade seja dita, aprendi muito com o Pelaipe e sou grato por alguns ensinamentos, até os que não foram dirigidos a mim, mas que pude observar e tirar proveito. Um deles é: no vestiário, quanto menos gente melhor. Principalmente quando quem está ali não está a trabalho. Fundamentalmente em relação aos aspones, que estão aos montes encostados em troca de favores políticos ou esperando o rebote de uma camisa de jogo. Administrar isso não é nada fácil, exige jogo de cintura, habilidade e malandragem para sair ileso de qualquer atitude que quem não tem poder seja obrigado a tomar.

    No grupo de jogadores, também tive a oportunidade de trabalhar com figuras importantes que, ao entenderem e valorizarem o departamento de comunicação, tornam-se fundamentais para o exercício das atividades da assessoria de imprensa. Daquele grupo, alguns destaques: os veteranos Gilberto Silva, cidadão do mundo e um amigo que fiz; o meia Marquinhos, uma figuraça sem igual; o Kléber Gladiador, um baita colega dos colegas e que nunca deu trabalho como a fama indicava. Além dos recém-chegados Marco Antônio e Léo Gago.

    Entre os mais jovens, outros grandes colegas. Uma gurizada casca grossa como o alemão Adilson, a primeira pessoa a me dar um abraço e a abrir a porta quando entrei no vestiário. O volante Fernando, sério no espaço de dois metros e dez segundos que separavam o caminho para o início de uma entrevista coletiva. Mário Fernandes, um cara que lamento não ter tido capacidade nem tempo de estreitar relações. E claro, Marcelo Grohe: esse sim, um profissional fora de série. Era para estar até hoje no clube do coração, mas isso é assunto para o ano de 2019.

    Três uniformes diferentes em campo

    De volta das férias, meu primeiro jogo foi em Erechim, contra o Ypiranga, time de até então péssima campanha no Campeonato Gaúcho daquele ano. Nesse jogo houve três episódios impossíveis de esquecer.

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1