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Os Incendiários
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Os Incendiários
E-book398 páginas5 horas

Os Incendiários

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Sobre este e-book

Dundee, Escócia, 1862. Depois que a fábrica do empresário Matthew Beaumont é arrasada em um incêndio, o sargento-detetive George Watters é enviado para investigar.


Logo, George descobre que esta não é a primeira propriedade atingida. Quando um homem é encontrado morto no porão de um navio comercial, George descobre uma ligação chocante entre Beaumont e potências estrangeiras que ameaçam o próprio país.


George tenta chegar ao fundo do mistério, mas as pistas são poucas e raras. O que conecta o enigmático Beaumont ao assassinato e aos estranhos acontecimentos ocorridos no estaleiro de Dundee?

IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jan. de 2022
ISBN482410615X
Os Incendiários

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    Os Incendiários - Malcolm Archibald

    CAPÍTULO UM

    DUNDEE, ESCÓCIA: SETEMBRO DE 1862

    — Sargento Watters!

    — Sim, senhor? — Watters levantou os olhos de sua mesa.

    O superintendente Mackay estava parado na porta.

    — Temos problemas em Brown’s Street. Pegue alguns policiais e resolva.

    — Isso não seria trabalho para um homem fardado, senhor?

    Mackay concordou.

    — Se eu tivesse algum disponível, eu o mandaria. Só tenho você, então, vou te mandar.

    Suspirando, Watters cuidadosamente guardou sua caneta, com a nova ponta Waverley, se levantou e pegou seu chapéu.

    — Tem alguma ideia de que tipo de problema, senhor?

    — Há uma multidão reunida, do lado de fora de uma tecelagem em chamas, — disse Mackay. — Leve Scuddamore e Duff; eles estão de plantão.

    — Mande-os atrás de mim, senhor, — Watters levantou a bengala, bateu a ponta chumbo na palma da mão e se dirigiu para as escadas. — Diga a eles para se apressarem! — Ele subiu as escadas, dois degraus de cada vez, parando momentaneamente no patamar para praticar uma tacada de golfe.

    O Sargento Murdoch ergueu os olhos do jornal que estava lendo no escritório.

    — Para onde você vai, George?

    — Brown’s Street, — Watters levantou sua bengala, em saudação. — Ou é morte e destruição, ou um cachorro desaparecido, ainda não sei qual.

    — Provavelmente, morte e destruição por causa de um cachorro desaparecido, — disse o Sargento Murdoch. — Você sabe como Dundee é!

    Watters sorriu.

    — Isso é totalmente possível, Willie.

    — Veja se aquele honorável desaparecido do Peter Turnbull está por trás disso. — Murdoch apontou para um parágrafo em seu jornal. — Até agora, ele foi visto em Paris, Cidade do Cabo e na América. Ele pode muito bem estar em Dundee também. Esse sujeito certamente passeia bastante.

    — Ele não é o meu caso, — disse Watters. — Tenho muito mais coisas com que me preocupar do que apostadores desaparecidos. Tenho uma multidão de pessoas na Brown's Street.

    Murdoch sacudiu a cabeça.

    — Isso parece um caso importante, George. Tome cuidado. — Ele voltou ao jornal e ao desaparecido Peter Turnbull.

    Watters ouviu o barulho no instante em que entrou no estreito abismo de pedra que era a Brown's Street. Em ambos os lados, paredes de tecelagem, semelhantes a penhascos, se erguiam da calçada. Havia fumaça saindo do fábrica à direita, com dezenas de pessoas reunidas em torno das duas carroças de bombeiros que estavam paradas na rua, do lado de fora. A maioria da multidão era de mulheres trabalhadoras com os olhos cansados, operárias nas fabricas.

    — Polícia de Dundee! — Watters separou a multidão com sua voz. — Afastem-se, por favor.

    — Você não é guarda, — desafiou uma mulher de rosto esquelético. — Cadê teu uniforme, hein?

    — Sou o Sargento Watters, da polícia de Dundee, — Watters passou quando um bombeiro apareceu na entrada principal do prédio. — O que aconteceu aqui? Alguém está ferido?

    — Ninguém se feriu, Sargento Watters, — o bombeiro ergueu o capacete de bronze, com o BID em relevo, Brigada de Incêndio de Dundee, parcialmente obscurecida por manchas de fuligem. Ele examinou os danos à Fábrica e Tecelagem de Matthew Beaumont, na Brown's Street. — Mas isso fez um belo estrago no prédio. — A água deslizou lentamente pela rua de paralelepípedos, carregando as folhas quebradas do outono e fragmentos de madeira carbonizada. Watters espiava através da fumaça azul, que pairava acre e pesada, presa pelos prédios com paredes altas. As chaminés das fábricas vizinhas aumentavam a poluição, enquanto as trabalhadoras ociosas da fábrica de Beaumont se aglomeravam, pressionando os bombeiros para obter informações. Através do tagarelar das funcionárias da tecelagem, Watters podia ouvir o barulho interminável das máquinas vizinhas, o barulho parecendo repetir uma frase: "mais lucro, mais lucro, mais lucro"

    — Bem, — pensou Watters, — haverá menos lucro para Matthew Beaumont, até que conserte sua fábrica".

    — Quanto tempo vocês vão demorar, pelo amor de Deus? Vocês tão fechando a rua! — Com a carroça cheia de fardos de juta bruta, um carroceiro olhou para os carros de bombeiros que bloqueavam sua passagem. Ele estalou o chicote, agitando os cavalos, mas não a tranquilidade dos imperturbáveis bombeiros.

    — Alguma ideia do que causou isso? — Watters observava, enquanto os bombeiros guardavam suas mangueiras de lona enroladas em suas carroças. Os cavalos marrons, idênticos, sacudiam suas orelhas contra a irritação da fuligem.

    — Nosso trabalho é extinguir incêndios, Sargento Watters, e não descobrir como eles começaram. — O bombeiro fechou com força o compartimento com dobradiças que continha as mangueiras, verificou se a bomba de água estava segura e subiu na carroça. — Esse o incêndio está apagado agora, então, vou deixar a limpeza para o gerente da fábrica. — Levantando a mão em despedida, o bombeiro veterano estalou o chicote. Os cavalos puxaram a máquina para longe, com o segundo carro de bombeiros seguindo, alguns momentos depois.

    — Já estava na droga da hora, — disse o carroceiro, xingando de novo quando um grupo de mulheres encheu a rua na sua frente.

    — Podemos voltar para o trabalho, sargento? — A mulher de rosto esquelético estava à frente da multidão.

    Watters ignorou as perguntas, enquanto tentava espiar pela porta carbonizada os restos ainda fumegantes da fábrica.

    — Ainda vamos receber? Eu disse: ainda vamos receber o pagamento? — Uma mulher, de voz estridente, seguiu Watters pelo limite da fábrica, puxando seu braço. —Tenho crianças pra cuidar, e um marido.

    Watters, gentilmente, removeu sua mão.

    — Isso é algo que não posso responder. Você precisará falar com o gerente da fábrica. — Empurrando a porta, Watters entrou na fábrica, tossindo quando a fumaça o envolveu. O interior estava mais apertado do que ele esperava; dois andares de máquinas bem compactadas, que deixavam pouco espaço para andar no chão de lajes de pedra. O chão era uma mistura de cinzas úmidas com pedaços de juta por cima. A luz entrava da porta, agora aberta, e pelas janelas altas e com vários painéis.

    — É melhor tomar cuidado, Sargento Watters. — Fairfax era o gerente da fábrica, um homem de estatura média e meia idade. — Não sabemos com que problemas o fogo nos deixou.

    Watters assentiu.

    — É, você não está errado, senhor Fairfax. Incêndios como esse são comuns? — Em pé, no meio do andar, Watters examinou o estrago. O dano não era tão extenso quanto ele imaginara; o fogo varreu cerca de um terço deste andar, colocando dez máquinas de fiar fora de ação.

    — Normalmente não, mas esse é o segundo incêndio em uma das fábricas de Beaumont nesta semana. — Fairfax balançou a cabeça. — Terrível.

    Watters estreitou os olhos.

    — É mesmo? Isso é incomum. Existe alguma fraqueza nas fábricas de Beaumont, talvez, que as torne mais vulneráveis ​​ao fogo?

    Fairfax sacudiu a cabeça.

    —Não que eu saiba, sargento. Houve uma série de incêndios nos anos 40 e 50, mas nós apertamos o cerco desde então. É mais provável que seja descuido por parte dos empregados, do que qualquer outra coisa. — Fairfax falou com um sotaque forte de Dundee, um homem que havia estudado enquanto passava de funcionário de meio expediente para gerente de fábrica. Ele tinha o rosto pálido e olhos astutos, com manchas de fuligem pontilhando seus bigodes cor de areia. — Poderia ter sido lixo encharcado de óleo, colocado perto do calor, ou um homem fazendo uma pausa para fumar que jogou seu fósforo em uma pilha de papel, ou algo semelhante. Duvido que a gente descubra. Só podemos ser gratos que o Senhor não achou apropriado tirar nenhuma vida.

    Watters mexeu as cinzas com a bengala.

    — Talvez sim, mas o Sr. Beaumont não ficará feliz em ver seus lucros caírem. Você sabe onde esse incêndio começou?

    — Ainda não, — Fairfax balançou a cabeça.

    — Eu gostaria de descobrir. — Watters olhou para cima, quando seus dois policiais entraram no prédio. — Vocês, rapazes, mandem as operárias da fábrica para casa, elas não terão trabalho aqui hoje.

    — Talvez nem amanhã, — Fairfax disse.

    Os policiais assentiram e voltaram para fora. Watters sabia que eles eram homens de confiança, embora Scuddamore gostasse de beber e Duff pudesse ser cabeça-quente.

    — Se você me der licença, senhor Fairfax, vou dar uma olhada. — Balançando a bengala, Watters pisou em cima de uma viga carbonizada, enquanto entrava mais fundo na fábrica. O interior de qualquer local de trabalho ficava triste enquanto o maquinário estava silencioso, mas quando a fumaça acre flutuava entre os teares, o local parecia especialmente abandonado. Watters seguiu a trilha de devastação, desde os itens meramente chamuscados até os totalmente destruídos, do piso térreo às despensas no porão, onde a fumaça era mais densa.

    — Aqui embaixo, — disse Watters. — Começou aqui embaixo. — Ele cutucou os restos, agora encharcados, de fardos de juta. — O Sr. Beaumont não vai ficar feliz quando ver essa confusão.

    Batendo a bengala no chão, Watters procurou por qualquer coisa que pudesse ter causado o incêndio. Depois de quinze minutos, ele franziu a testa e voltou aos andares onde os trabalhadores ficavam.

    — Sr. Fairfax!

    Fairfax se apressou.

    — Pois não, Sargento Watters?

    — Você parece acreditar que foi descuido que causou esse incêndio. — Watters não ficou impressionado com as ações do gerente da fábrica. Em vez de assumir o controle, no minuto em que descobriu o incêndio, Fairfax havia permitido que as chamas tomassem conta. — É um milagre que ninguém tenha morrido.

    — Eu mantenho a rédea curta, sargento.

    Watters bateu na aba do chapéu com a bengala.

    — Ouvi falar de algumas práticas desagradáveis ​​nesta fábrica. Ouvi dizer que os superintendentes estavam intimidando as jovens, usando os cintos com muita liberdade.

    — Não na minha fábrica. — Fairfax balançou a cabeça violentamente. — Não permito nenhum assédio moral na minha fábrica.

    — Bom. — Tendo adequadamente incomodado o Fairfax, Watters listou as melhorias que ele pensara enquanto estava no porão.

    — No futuro, senhor Fairfax, sugiro que o senhor não permita fumar dentro da fábrica, nem o uso de chamas nuas, como velas ou lâmpadas, a menos que as necessidades da empresa o exijam. — Watters fez uma pausa, sabendo que estava exagerando em sua autoridade. — Sugiro que você coloque baldes de areia e água em locais convenientes e instrua um membro responsável da sua força de trabalho no uso deles. Seria, também, uma boa ideia mandar que seus superintendentes observassem todos os possíveis perigos e adotassem as medidas apropriadas. — Watters fez uma pausa. — Além disso, dadas as reclamações que ouvi, quero que você garanta que ninguém intimide os jovens. Em troca, eles podem observar qualquer perigo de incêndio"

    O Sr. Fairfax assentiu. Watters o observava atentamente. As operárias não pareciam desgostar dele, o que estava a seu favor.

    — Mais importante do que todas essas ideias, Sr. Fairfax, o senhor deveria criar algum procedimento no qual todos os seus trabalhadores possam sair do prédio com segurança em caso de incêndio. Nós dois sabemos que o senhor teve sorte nesta ocasião, mas essa sorte pode não ocorrer uma segunda vez.

    Watters viu Fairfax empertigar-se, mas, em vez de dar com uma resposta irritada, o gerente da fábrica assentiu, docilmente.

    — Sim, sargento. O senhor vai apresentar um relatório ao Sr. Beaumont?

    Watters resmungou.

    — Eu devo. Dois incêndios nas fábricas de Beaumont, em uma semana, podem ser um pouco mais do que um mero acidente.

    — Incêndio criminoso? — Fairfax ergueu as sobrancelhas.

    — É possível. O senhor, por acaso, dispensou alguma de suas funcionárias recentemente? Uma mulher rancorosa é um animal perigoso.

    — Não, — Fairfax retorceu o rosto. — Minhas funcionárias estão felizes com o trabalho delas.

    — É mesmo? — Watters deu uma tacada de golfe com a bengala. — Quão felizes elas estão? É um supervisor duro, senhor Fairfax?

    — Eu lhe disse que não há intimidação aqui. Minhas meninas são bem tratadas, sargento.

    — Espero que sim, senhor Fairfax, espero que sim. — Watters balançou a bengala novamente. — Se pensar em algo, ou alguém, que possa ter rancor, me avise. Você sabe onde me encontrar.

    A multidão se dissipou da Brown's Street, deixando os policiais Scuddamore e Duff para combater seu tédio, enquanto descansavam do lado de fora do portão da fábrica.

    — Aposto um xelim diz que ele entrará na fábrica, mesmo que esteja fechada. — Duff apontou com a cabeça para a carroça de juta solitária que fazia barulho sobre os paralelepípedos, com dois meninos pequenos pegando carona na parte de trás.

    — Você vai perder o xelim — Scuddamore se encostou na parede, sufocando o bocejo. — Eu conheço esse carroceiro. Eck Milne não é tão idiota quanto parece.

    Quando os meninos gritaram insultos obscenos aos dois policiais, Duff rugiu para eles, para diversão da loira que passeava pela calçada.

    — Ignore-os, Duff, — aconselhou Watters. — Se você reagir a todos os insultos insolentes, vai dar voltas o dia todo. Certo, vocês podem voltar à delegacia de polícia agora, ou à sua ronda, se for a hora. Fique longe dos bares, Scuddamore. Lembre-se de que você está em serviço.

    Enquanto os policiais iam embora, a carroça de juta chacoalhou até uma rua lateral, levando consigo os meninos que a acompanhavam. Apenas a mulher permaneceu, observando Watters e a tecelagem ainda fumegando à suas costas.

    — Parece desagradável. — A mulher tinha cerca de trinta anos, estimou Watters, com olhos brilhantes, em um rosto bronzeado demais para ser elegante e viçoso demais para pertencer a uma operária. Ela parecia à beira da respeitabilidade, uma mulher cujo status social Watters não conseguia identificar, o que o deixou um pouco desconfortável.

    — Foi um incêndio, — disse Watters. A mulher parecia vagamente familiar. Ele examinou os rostos e nomes em sua cabeça, tentando identificá-la. Ela não era uma de suas clientes habituais, portanto, nem prostituta e nem ladra. Não, Watters balançou a cabeça. Ele não se lembrava de quem ela era.

    — Notei que foi um incêndio, — o inglês da mulher era perfeito, mas com um sotaque incomum. Certamente não era de Dundee, mas também não pertencia a nenhuma outra região da Grã-Bretanha. — Alguém se machucou?

    — Você gostaria que alguém se machucasse? — Watters mudou o rumo da conversa.

    — Meu Deus, não. — Os protestos da mulher foram fortes demais para serem genuínos, o que aumentou ainda mais as suspeitas do Watters.

    — Você não é dessa área, — Watters iniciou seu processo de perguntas que acabariam por afastar qualquer pretensão da mulher.

    — Não, — a mulher admitiu, francamente. O sorriso dela era brilhante. — Eu sou do Mediterrâneo.

    — Você é do Mediterrâneo, é mesmo? — Watters guardou a informação, imaginando sua veracidade. Quem diabos é ela e como eu a conheço? — O que a traz a Dundee, senhorita? Senhora?

    — Senhorita Henrietta Borg. — A mulher fez uma pequena reverência elegante. Seu sorriso brilhante não enganou Watters nem por um segundo.

    — Senhorita Borg, — Watters encostou a bengala na aba do chapéu. — O que a traz até Dundee, senhorita Borg?

    — Um navio, — a senhorita Borg riu um pouco — e a sorte do destino. Você tem um nome, senhor?

    — Sargento Detetive George Watters.

    — Entendi. — Os olhos da Srta. Borg se arregalaram, no que Watters sabia que era apenas uma surpresa fingida. — Você é policial.

    — Eu sou, — disse Watters. — E agora, se você me fizer o favor de dizer seu nome verdadeiro, podemos nos dar muito melhor. — Ele bateu com a bengala na perna.

    A senhorita Borg riu.

    — Vejo que não posso te enganar, sargento. — Ela fez outra pequena reverência. — Eu vou te contar na próxima vez. Parece que você está sendo requisitado. — Ela assentiu para o coche escuro, que estava parando ao lado deles.

    A porta se abriu antes que Watters pudesse responder.

    — Sargento Watters!

    — Sim, Superintendente Mackay?

    — Você já trabalhou com crimes náuticos antes, não é?

    — Sim, senhor, em Londres. — Watters adivinhou que ele ainda não iria para casa.

    — Suba então. Você pode ser útil. — Mackay olhou, com curiosidade, para a senhorita Borg. — Ou essa senhora é conhecida por nós?

    — Não, senhor, estávamos passando o tempo. — Watters tocou a aba do chapéu, novamente. — Bom dia para você, senhorita Borg. Aconselho você a tentar evitar problemas. As mulheres que usam nomes falsos tendem a não se sair bem em Dundee.

    A senhorita Borg fez outra pequena reverência.

    — Obrigado pelo conselho, Sargento Watters. Vou manter isso em mente.

    A senhorita Borg acentuou o balanço de seus quadris, enquanto entrava na rua que escurecia rapidamente.

    — Isso é um problema ambulante, — disse Watters. — Vamos ter mais notícias sobre a Srta. Henrietta Borg, ou seja, lá qual nome ela escolher usar. — Ele franziu o cenho quando uma lembrança antiga surgiu em sua mente. — Crime náutico, é verdade; ela me lembra alguém que conheci em um navio, mas não poderia ser. Isso foi há dez anos. — Balançando a cabeça, Watters entrou no coche. — O que há para fazer, senhor?

    — Assassinato. — o Superintendente Mackay era um homem de poucas palavras.

    CAPÍTULO DOIS

    DUNDEE, SETEMBRO DE 1862

    A luz da lanterna lançava sombras bruxuleantes no convés do Dama da Escuridão, quando Watters pisou nas tábuas manchadas pelo tempo.

    — O que há para fazer?

    — Há um maldito corpo no meu porão, isso é o que há para fazer. — O homem parecia tão machucado quanto seu navio, com o nariz quebrado e torcido para estibordo. A linha branca de uma velha cicatriz cruzava seu maxilar mal barbeado.

    — E quem seria o senhor? — Watters perguntou.

    — Eu poderia ser qualquer um, mas sou o Capitão Murdo Stevenson. Esse é meu navio.

    — Nos mostre o corpo, por favor, Capitão Stevenson, — O Superintendente Mackay não perdeu tempo.

    — Está no porão, — Capitão Stevenson disse. — Ou melhor, está espalhado por todo o maldito porão. Sigam-me, cavalheiros. — Conduzindo-os a um pedaço de corda com nós, que se estendia de uma escotilha aberta até as profundezas escuras abaixo, Stevenson ergueu a voz até um berro. — Traga-me duas lanternas!

    Sem esperar que a luz chegasse, Stevenson se pendurou pela corda.

    — Eu vou depois, — Mackay seguiu-o, com um pouco menos de habilidade do que Stevenson havia mostrado. Watters desceu por último, mergulhando em uma escuridão que foi aliviada quando um marinheiro soturno baixou um par de lanternas.

    — Aqui está o corpo, — O Capitão Stevenson os conduziu até o canto mais distante do porão, onde a luz refletida das lanternas espantou os ratos correndo. — O que sobrou depois de quatro meses no mar. — Ele apontou para baixo, para os restos manchados de um homem.

    — Ele foi achatado, — Watters olhou para o cadáver. — Parece que todos os ossos de seu corpo foram quebrados. O que aconteceu?

    O Capitão Stevenson grunhiu.

    — Só Deus sabe! Nós o encontramos aqui, esmagado sob centenas de fardos de juta crua.

    — Entendo, — Watters olhou ao redor. — Então, não sabemos se a juta o matou ou se ele já estava morto quando o peso da carga o esmagou.

    Superintendente Mackay assentiu.

    — Exatamente isso. Isso pode ser assassinato ou um simples acidente. Vou deixar você, Watters. Dê-me um relatório do que descobrir. Não perca muito tempo com isso.

    — Sim, senhor, — Watters olhou para cima, enquanto Mackay subia pela corda. — Poderia providenciar para que o corpo fosse levado para terra? Eu gostaria que o cirurgião desse uma olhada nele.

    — Eu conheço o procedimento, sargento. "Mackay falou, por cima do ombro. — E Watters, não se esqueça de que você estará em serviço com os Voluntários, amanhã à tarde.

    — Não, senhor, não vou me esquecer. — Watters foi comedido em seu juramento. Ele não tinha entusiasmo por sua posição como sargento na Divisão Leste dos Voluntários de Dundee, que era mais uma usurpação de seu tempo. No entanto, com a atual apreensão de que os franceses possam mostrar seu poderio militar às custas da Grã-Bretanha, Watters sabia que era seu dever vestir o casaco vermelho para a Rainha. Além disso, como sua esposa, Marie, o lembrou, o dinheiro vinha a calhar.

    — O corpo foi movido, Capitão Stevenson?

    — Não, sargento. Está exatamente onde encontramos.

    — Entendo, — Watters ajoelhou-se ao lado do corpo. — Você sabe o nome deste infeliz, capitão? Ele era um membro da sua tripulação?

    — Eu não sei quem ele poderia ser, — Stevenson disse. — Ele não era um dos meus homens.

    Com os bolsos do morto colados com sangue seco, Watters teve que abrir caminho para separá-los. Ele questionou Stevenson, enquanto trabalhava.

    — É normal que estranhos perambulem pelo seu navio quando ele está na doca, capitão?

    — Não é. Eu tenho um encarregado do navio, que deve impedir que qualquer estranho embarque. — Stevenson não parecia satisfeito, mas se era com as perguntas ou com a interrupção da rotina que o corpo causou, Watters não tinha certeza.

    — O encarregado do seu navio ainda está a bordo? — Watters enfiou a mão nos bolsos da calça do morto. Eles estavam vazios.

    — Ele mora a bordo, — Stevenson disse.

    — Vou falar com ele, em alguns instantes. — Watters verificou o interior da jaqueta do homem morto. Também vazio. — Quantos membros da tripulação você tem?

    — Vinte e quatro, — Stevenson foi abrupto. — Você quer falar com todos?

    — Sim, eu quero. Eles estão todos a bordo?

    — Não. — Stevenson balançou a cabeça. — Meus rapazes estão em casa, bebendo seus salários ao longo da Dock Street, ou com alguma prostituta, em Couttie's Wynd.

    Watters apalpou a cintura das calças do homem morto. Não havia cinto de dinheiro ou qualquer outra coisa.

    — Qual é a composição de sua tripulação? De onde eles são?

    O Capitão Stevenson ficou, evidentemente, irritado com todas as perguntas.

    — É uma típica tripulação do sul da Espanha. Além dos meus dundonianos, tenho os habituais escandinavos, lascares, os marujos de Shetland e alguns americanos, evitando os problemas no país deles.

    — Quero os endereços residenciais deles, — disse Watters.

    — Você terá que pedir aos proprietários sobre isso, — disse Stevenson, — ou ao mestre de embarque, só Deus sabe.

    Watters grunhiu novamente. Ele deveria saber que não seria fácil.

    — Quem são os proprietários?

    — Matthew Beaumont e Companhia, — disse o Capitão Stevenson. — É um navio de propriedade integral Beaumont.

    — É mesmo? — Watters ergueu os olhos. Foram dois incidentes relacionados à mesma empresa em um dia. Ele não acreditava em coincidências. — Obrigado, capitão. Vou dar uma olhada no porão. Quando eu subir no convés, por favor, tenha o encarregado do navio pronto para mim.

    — Não há nada para ver aqui, — Stevenson disse.

    — Primeiro, eu quero saber por que este pobre sujeito estava aqui. — Watters disse. — E quero saber se a carga foi baixada sobre ele enquanto ele dormia, ou se já estava morto quando a carga foi carregada.

    Stevenson assentiu.

    — Se você me avisar quando terminar, vou buscar o encarregado e qualquer outro membro da tripulação que possa aparecer.

    Watters ergueu a lanterna e examinou o corpo. Em todas as dezenas de investigações sobre mortes suspeitas nas quais ele esteve envolvido, a causa da morte era aparente. Neste caso, fardos de juta esmagaram o homem de uma forma que Watters achou impossível dizer se os ferimentos foram causados ​​antes ou depois da morte.

    — Espero que o cirurgião possa ver algo que não consigo. — Ele olhou para o pescoço e garganta, em busca de sinais de ferimento a faca, e verificou a camisa pelo mesmo. — Nada; isso cabe ao cirurgião. Agora, meu infeliz companheiro, por que diabos você estava aqui?

    Deixando o corpo onde estava, Watters ergueu a lanterna e andou ao redor do porão, falando sozinho. Você não tem dinheiro. Você era um clandestino azarado? Suas roupas são de boa qualidade; boas demais para um marinheiro, você é um cavalheiro sem sorte?

    O tempo todo, Watters falava; estava investigando o porão, procurando por algo incomum. Ele parou e sentiu um cheiro acre familiar. O que é isso? Agachando-se, esfregou a mão ao longo das tábuas ásperas do convés, sentindo os grãos ásperos sob seus dedos.

    Watters franziu os lábios. Achei. Ele pegou uma pitada dos grãos e guardou-os dentro de seu lenço dobrado. Achei, mas não entendo. Levantando a lanterna, ele a carregou, com cuidado, para o centro do porão antes de tirar seu bloco de notas e lápis. Depois de escrever algumas notas, ele voltou ao seu escrutínio do porão, eventualmente pegando alguns itens. Ele os examinou antes de colocá-los no bolso. Há mais neste caso do que um homem bêbado caindo no porão ou uma briga indo longe demais. Temos algo interessante aqui.

    — Estou subindo, capitão!

    O Capitão Stevenson estava no limite da popa, com um homem, surpreendentemente idoso, ao seu lado.

    — Você seria o encarregado do navio, — disse Watters.

    O idoso assentiu.

    — Isso mesmo, senhor. — Sua voz era rouca.

    Watters preparou seu lápis.

    — Eu não sou senhor. Sou o Sargento Watters, da Polícia de Dundee. Qual é o seu nome?

    — James Thoms, senhor, mas todo mundo me chama de Piper.

    — Certo, Piper, me fale do corpo no porão.

    —Não sei nada sobre isso, senhor, não até descarregarmos a carga e encontrá-lo. — As mãos de Piper brincaram com as pontas de sua camisa de lona grossa.

    — Onde o navio foi carregado, Piper?

    — Calcutá, senhor.

    — Me chame de sargento. Quem era o responsável pelo carregamento?

    — Sr. Henderson, senhor, o imediato.

    Isso fazia sentido. O comandante estava no comando geral, decidia o rumo e tomava as grandes decisões, enquanto o imediato se encarregava do dia-a-dia da embarcação. — Falarei com o Sr. Henderson mais tarde. Você viu alguém entrar a bordo deste navio quando estavam em Calcutá?

    — Não, senhor. Ninguém subiu a bordo, exceto a tripulação e os estivadores, que carregaram a carga"

    — É Sargento, não senhor. Você acha que o falecido era um dos estivadores?

    — Não, senhor, sargento. — Gotas de suor se formaram na testa de Piper. — Os estivadores eram todos lascares, sir. São os nativos do Hindustão.

    — Claro, — Watters assentiu. — Você não podia vigiar a tudo, o tempo todo.

    — Não, senhor. — Piper pareceu culpado, como se Watters esperasse que ele ficasse acordado e alerta vinte e quatro horas por dia. O suor nervoso escorria por seu rosto.

    — Você delegou alguém para assumir quando você estava de folga?

    Piper assentiu vigorosamente.

    — O Sr. Henderson assumiu, senhor. — Ele pareceu satisfeito em passar a responsabilidade para o imediato.

    — Você verificou o porão antes do início do carregamento?

    "Não, senhor. Não havia necessidade. — Piper olhou para o Capitão Stevenson, como se para confirmar suas palavras. — Ninguém nunca vai lá.

    Watters escreveu em seu bloco de notas.

    — Obrigado, Sr. Thoms, e obrigado, Capitão Stevenson. Eu vou deixá-los em paz agora. Se conseguirem se lembrar de alguma coisa, por favor, me avisem. Enviem uma nota para a delegacia, na West Bell Street. — Watters consultou o relógio. Marie estaria se perguntando para onde ele tinha ido.

    Ao sair do cais, passando pelo Arco Real, Watters viu a silhueta da mulher contra o brilho intenso da janela de um pub luxuoso. Henrietta Borg estava conversando, animadamente, com um homem de chapéu-coco, com uma pena enfiada na banda.

    — Srta. Borg! — Watters ergueu sua bengala em saudação e correu para frente. Uma multidão barulhenta de marinheiros e prostitutas explodiu da taverna em torno de Borg, e então, ela se foi. Ela estava vigiando o Dama da Escuridão? Estava o vigiando? Ou sua presença aqui era apenas mais uma dessas coincidências em que Watters não acreditava? Dando uma tacada

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