Contos, Causos e Piadas Caipiras
De L P Baçan
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Contos, Causos e Piadas Caipiras - L P Baçan
CONTOS E CAUSOS
Nhô Barnabé poderia ser um filósofo se tivesse estudado além da quarta série do ensino fundamental. Poderia ser um cientista, tamanho é o seu conhecimento sobre a natureza, as plantas e os animais. Poderia ser um psicólogo, pois entende as pessoas e sabe tolerar seus defeitos com uma boa dose de humor e, sempre que possível, com uma inesperada tirada. Grande conversador, sabe um pouco de tudo e tudo de algumas coisas também. É do tempo em que não havia televisão e as pessoas se reuniam para contar as novidades, repassar um causo novo ouvido por aí ou simplesmente prosear, vendo o tempo passar e uma cachacinha de alambique de primeira para aquecer a conversa.
Nhô Barnabé não é um homem de gostos requintados. É simples, gosta de rádio, mas não aprecia a televisão que tirou muito do prazer antigo de se reunir com os amigos e conversar. Em sua chácara, à beira de uma represa em algum lugar do interior, cultiva verduras, cuida de um pomar, cria carneiros e algumas cabeças de gado, frango solto no quintal e porcos alimentados com o que sobra das verduras. Quando sobra um tempo, dá um pulo na Venda do Mané para ouvir as novidades e tomar uma cachaça. Gosta de pescar e tem algumas cevas na represa, de onde nunca volta sem pelo menos meia dúzia de peixes de bom tamanho que divide com os vizinhos e amigos. Para completar a magra aposentadoria, também planta milho e feijão e cuida com um carinho todo especial de seu alambique. Sua cachaça é vendida a peso de ouro na região. Quando bate a saudade, dedilha uma velha viola e olha para longe, em direção ao passado, e seus olhos brilham.
Mas nem sempre ele chora!
CAUSOS DE BICHOS
A Onça e o Sagui
Nhô Barnabé conhece muitos causos de bichos parecidos com as fábulas europeias. Talvez sejam mesmo adaptações de histórias que ele ouviu por aí, ao redor das fogueiras do tempo, quando televisão era coisa do futuro e o que aproximava as pessoas era uma boa conversa ao pé do fogo, regada a cachaça boa de alambique. Cada causo contado pelo caipira é uma aula sobre a natureza e a vida.
Conta ele que uma onça dormia no galho de uma árvore depois de ter almoçado. Um sagui se pôs a perturbar o sono dela, jogando pequenas frutas contra a cabeça do felino. O sagui, para quem não sabe, é um macaco pequeno, de cauda comprida, muito comum antigamente. Sua característica principal é ter o dedo polegar muito pequeno e praticamente sem função. Suas unhas, no entanto, não garras poderosas que o ajudam a se mover nos galhos.
A onça, a despeito da provocação, ficou quieta. Sabia que cedo ou tarde daria o troco. O sagui, depois de muito provocá-la, julgou que a onça estava morta. Aproximou-se perigosamente. Nesse momento, a onça deu o bote e apanhou o sagui entre suas garras. Os dois despencaram da árvore, mas antes mesmo de tocarem o chão o sagui já implorava:
— Por favor, dona Onça, não me mate! Não me mate!
— Você é muito abusado, moleque! Vou cortar sua cabeça para nunca mais perturbar o sono de ninguém.
— Não me mate! Eu juro como um dia salvo sua vida! – prometeu ele trêmulo e assustado.
A onça gargalhou ao ouvir aquilo.
— Você? Salvar minha vida? Como, criaturinha insignificante?
— Não me mate e verá! – insistiu o sagui.
— Está bem, não estou com fome mesmo – disse a onça, recolhendo as garras.
O sagui saltou para a árvore mais próxima e foi se esconder nos galhos mais altos, aliviado por não ter sido morto. A onça seguiu seu caminho.
Alguns dias depois, caçadores que buscavam animais para um circo estiveram na floresta e prepararam armadilhas com redes para aprisionar animais. Queriam principalmente onças e macacos.
Naquela noite, atraída pelo cheiro da isca, um belo cabrito, a onça foi se aproximando lentamente de uma das armadilhas. Inesperadamente, pisou no gatilho de desarme e um tronco vergado se endireitou, recolhendo a rede que estava sob ela.
Presa como um frango num embornal, a onça ficou pendurada na rede, de tal forma enredada que nem podia se mexer. Pôs-se a miar pedindo ajuda, mas as outras onças nada podiam fazer para ajudá-la. Não muito longe, o sagui foi acordado pelo miado da onça. Reconheceu-o e rapidamente foi em auxílio dela. Ao vê-la enrolada na rede, saltou para a corda e desceu até ela.
— O que aconteceu, dona Onça?
— Fiquei presa nesta armadilha. Daqui a pouco os caçadores vão chegar e me levar. Por favor, salve minha vida! Você prometeu me ajudar, lembra-se?
— Acredita, então, que posso ajudá-la?
— Na verdade, só você pode me ajudar! – reconheceu ela.
O saguizinho pôs suas garras para funcionar e em pouco tempo arrebentou as cordas, liberando sua amiga.
— Obrigada, sagui! De agora em diante, somos amigos até a morte – prometeu ela.
E é por isso, conta Nhô Barnabé, que em floresta onde tem onça, sagui passeia despreocupado.
A Onça, o Macaco e o Elefante
Nhô Barnabé garante que a solidariedade e o reconhecimento existem entre os animais. Este causo é prova disso. Conta ele que um macaco gostava muito de tomar banho numa lagoa, no centro de uma campina, longe das árvores onde se abrigava dos animais predadores. Seus amigos o avisavam do perigo, mas ele não se importava. Achava-se muito esperto para ser apanhado.
Um dia, quando estava na lagoa, ouviu um grande alarido. Saindo rapidamente, viu um elefante, que havia ido beber água na lagoa, atolado na lama. Quanto mais se debatia, mais se afundava no lodaçal.
— Socorro, me ajude! – gritava ele, desesperado.
— Como posso ajudar? – indagou o macaco, indo de um lado para outro, analisando o problema, tentando encontrar uma solução.
— Preciso de uma corda – pediu o elefante.
— Onde vou encontrar uma corda aqui? — indagou o macaco, enquanto outros elefantes também chegavam, mas nada podiam fazer pelo amigo.
— Fique quieto e não se debata para não afundar mais – pediu ele ao elefante. – Vou buscar um cipó.
O macaco correu até a floresta, subiu na árvore mais alta e roeu a ponta do cipó. Desceu e o arrastou até onde estava o elefante. Como era leve, pôde avançar sobre a lama até entregar a ponta do cipó para o desesperado elefante, que a segurou com a tromba. O macaco mandou os demais elefantes pegarem a outra ponta do cipó e puxarem. Foi orientando a tarefa até que o elefante foi salvo.
O enorme animal não sabia o que fazer para agradecer o macaquinho.
— Serei seu eterno criado – disse o elefante, arrancando com a trompa um delicado talo de taquara.
Mordeu habilmente as pontas e entregou ao macaco.
— O que é isso? – indagou o pequeno animal.
— É uma flauta. Se um dia precisar de ajuda, é só soprar a flauta e viremos ajudá-lo, seja no que for – prometeu o elefante, agradecendo mais uma vez e se afastando com a manada.
O macaco fez um colar com um pedaço de cipó e carregava a pequena flauta ao pescoço. Era, para ele, um símbolo de gratidão e, ao mesmo tempo, de sua esperteza e de sua coragem.
Algum tempo depois, uma onça começou a acompanhar todos os movimentos do macaco. Sempre na mesma hora, o macaco descia da árvore, atravessava o campo e ia até a lagoa. Depois do banho, secava-se ao sol e voltava para a floresta. A onça percebeu que, para apanhá-lo, era só esperar que ele fosse para a lagoa, depois esperá-lo no meio do caminho entre a floresta e a lagoa.
Foi exatamente o que ela fez. Ficou ali, à espreita, até que o macaco, cantarolando, voltasse da lagoa. Quando deu por fé, estava diante da onça faminta. Pensou em correr, mas sabia que seria inútil. A onça era mais rápida e o pegaria. As árvores estavam longe e não havia como passar pela onça. Respirando fundo, fez ar de resignação.
— É, acho que a senhora me pegou, dona Onça – falou ele. – Não tenho como fugir.
— Foi difícil, mas eu o encurralei. Vai ser meu jantar – disse a onça sem piedade alguma.
— Já que vou passar desta para a melhor, poderia ao mesmo me fazer uma última vontade? – indagou o macaco.
— Não me venha com espertezas – ameaçou o felino.
— Não é nenhuma esperteza, só quero poder tocar minha flautinha e dançar um pouco antes de morrer.
A onça analisou o caso e não viu perigo nenhum de perder seu jantar. Consentiu. O macaco levou a flauta aos lábios e soprou como um desesperado o mais alto que pôde, enquanto dançava de um lado para outro, prendendo a atenção da onça que acompanhava todos os seus movimentos atentamente.
Enquanto isso, na floresta, os elefantes ouviram a flauta e foram em auxílio do macaco. Sem que a onça percebesse, eles formaram uma parede ameaçadora atrás dela.
— Agora chega! – disse a onça, quando se cansou da brincadeira. – Minha fome está aumentando.
O macaco começou a rir, vendo que a onça ainda não percebera o perigo em que se metera. Quando fez menção de atacar, o elefante que havia sido salvo pelo macaco estendeu a trompa e agarrou-a pelo rabo. Antes que ela percebesse o que acontecia, voou pelos ares, indo cair dentro da lagoa. Quando viu a manada de elefantes, meteu o rabo entre as pernas e está correndo até hoje.
O Coelho Pintado e o Filho do Rei
Certo rei tinha um filho que desde pequeno demonstrou ser dotado de uma especial habilidade para caçar. Muito cedo começou a sair com o pai, realizando caçadas onde sua coragem ficou logo evidenciada. Não temia animal alguém. Era perito no arco e suas flechas eram sempre certeiras. Podia acertar uma ave em pleno voo ou atravessar o coração de uma gazela em disparada.
O rei tinha muito orgulho do filho e sabia que no futuro seu reino estaria a salvo nas mãos do pequeno príncipe. Naquele tempo, as florestas e os animais nela existentes eram considerados propriedades exclusivas do rei e ninguém podia caçar nela sem sua autorização. Súditos famintos que se arriscavam eram implacavelmente mortos pelos guarda-caças, quando não eram levados a julgamento e enforcados em praça pública.
Havia, numa das florestas daquele reino, um casal que morava no campo. Tinha cinco filhos pequenos e o marido cuidava de uma plantação de trigo e de algumas cabeças de gado e porcos. Um dia, lobos atacaram a propriedade, matando os porcos e o gado. Ao tentar defendê-los, o lavrador foi gravemente mordido pelos lobos e por pouco não morreu nas garras dos animais. Sua