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Lideranças políticas no Brasil: características e questões institucionais
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Lideranças políticas no Brasil: características e questões institucionais
E-book551 páginas7 horas

Lideranças políticas no Brasil: características e questões institucionais

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Sobre este e-book

Resultado de um projeto temático de pesquisa formulado na esteira das grandes manifestações de 2013 – as Jornadas de Junho –, Lideranças políticas no Brasil... busca avançar no debate e na investigação do papel das lideranças políticas. Saber como se constroem, atuam e projetam suas imagens a respeito do país e de si mesmas é de fundamental importância não apenas para os estudos políticos e sociais brasileiros, mas também para ativar os fluxos da sociedade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de jan. de 2022
ISBN9786587387680
Lideranças políticas no Brasil: características e questões institucionais

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    Pré-visualização do livro

    Lideranças políticas no Brasil - EDUC – Editora da PUC-SP

    Capa do livroImagem digital – dimensões variáveis

    Regina Silveira Encuentro, 1991 – imagem digital – dimensões variáveis

    PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

    Reitora: Maria Amalia Pie Abib Andery

    Conselho Editorial

    Maria Amalia Pie Abib Andery (Presidente)

    Carla Teresa Martins Romar

    Ivo Assad Ibri

    José Agnaldo Gomes

    José Rodolpho Perazzolo

    Lucia Maria Machado Bógus

    Maria Elizabeth B. T. Morato Pinto de Almeida

    Rosa Maria Marques

    Saddo Ag Almouloud

    Thiago Pacheco Ferreira (Diretor da Educ)

    © 2021 Vera Chaia, et al. Foi feito o depósito legal.

    Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP

    Lideranças políticas no Brasil : características e questões institucionais / Vera Chaia, Rosemary Segurado, Tathiana Senne Chicarino (orgs). - São Paulo : EDUC : FAPESP, 2021.

        Bibliografia

        1. Recurso on-line: ePub

        ISBN 978-65-87387-68-0

    Disponível para ler em: todas as mídias eletrônicas.

    Acesso restrito: http://pucsp.br/educ

    Disponível no formato impresso: Lideranças políticas no Brasil : características e questões institucionais / Vera Chaia, Rosemary Segurado, Tathiana Senne Chicarino (orgs). - São Paulo : EDUC : FAPESP, 2021. ISBN. 978-65-87387-43-7.

    1. Liderança política - Brasil. 2. Campanhas eleitorais - Brasil. 3. Movimentos sociais - Brasil. 4. História oral. 5. Brasil - Política e governo. I. Chaia. Vera Lúcia Michalany. II. Segurado, Rosemary. III. Chicarino, Tathiana Senne. IV. Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política.

    CDD 324.22

    324.7

    303.484

    320.981

    Bibliotecária: Carmen Prates Valls – CRB 8A./556

    Auxílio Fapesp à publicação – processo n. 2012/50987-3

    EDUC – Editora da PUC-SP

    Direção

    Thiago Pacheco Ferreira

    Produção Editorial

    Sonia Montone

    Revisão

    Richard Sanches

    Editoração Eletrônica

    Gabriel Moraes

    Waldir Alves

    Capa

    Gabriel Moraes

    Imagem de capa

    Regina Silveira - Os Grandes (Série Dilatáveis), 1981 arquivo digital dimensões variáveis

    Administração e Vendas

    Ronaldo Decicino

    Produção do e-book

    Waldir Alves

    Revisão técnica do e-book

    Gabriel Moraes

    Rua Monte Alegre, 984 – sala S16

    CEP 05014-901 – São Paulo – SP

    Tel./Fax: (11) 3670-8085 e 3670-8558

    E-mail: educ@pucsp.br – Site: www.pucsp.br/educ

    Frontispício

    APRESENTAÇÃO

    Este livro é resultado de um projeto temático de pesquisa, iniciado em julho de 2013, de professores e alunos que integram o Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (Neamp), do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Formulado na esteira das grandes manifestações daquele ano – as famosas Jornadas de Junho –, o projeto de pesquisa tinha como objetivo detalhar as características das lideranças políticas (tanto das que estavam no poder quanto das que começavam a emergir naquele momento) e investigar como elas se estruturavam, se posicionavam e agiam em termos institucionais.

    Com sua origem nas manifestações contra o aumento de R$ 0,20 nas passagens de ônibus na cidade de São Paulo, e em resposta à repressão violenta que se seguiu a elas, os protestos massivos que rapida- mente se espalharam pelo país ficaram conhecidos como as Jornadas de Junho e constituíram um novo marco da política brasileira. No entanto, em uma perspectiva mais ampla, elas se inserem em um contexto de protestos globais que abrange o que se denominou Primavera Árabe, no Oriente Médio, o 15M, na Espanha, e os chamados movimentos Occupy, nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Apesar das especificidades de cada um desses países no que se refere à sua cultura política, esses movimentos, impulsionados por um grande descontentamento social, tinham em comum, como seu eixo central, a crítica às instituições e às lideranças políticas. No caso brasileiro em especial, era patente o questionamento das chamadas práticas políticas tradicionais. É a partir desse momento que se inicia um processo de reordenamento do campo político nacional e, consequentemente, das lideranças que nele atuam – muitas delas presentes há décadas em instituições dos três poderes, mas também em movimentos sociais e mesmo nas novas mídias, principalmente as da internet. Novos atores adentraram a cena política, e diferentes formas de organização e mobilização passaram a ser articuladas, impactando significativamente o cenário político geral.

    Embora tenham se iniciado como reivindicações regionais, as Jornadas de Junho se espalharam por várias capitais e cidades importantes do país, com manifestações multitudinárias em que a palavra de ordem Não nos representam! era direcionada às lideranças e aos partidos políticos tradicionais. Valendo-se de uma pauta de demandas bastante difusa, e sem uma liderança clara para o movimento, o debate em torno da corrupção ganhou centralidade e passou a ser a forma de vocalização das críticas às lideranças tradicionais e aos partidos políticos. Nesse contexto, à medida que a política passa a ser compreendida como o campo próprio de lideranças e partidos corruptos, vai ganhando espaço na sociedade o discurso antissistêmico. Se em outros momentos da história os protestos serviam para demandar ações pontuais ou o aprimoramento das instituições políticas, agora passavam a enxergar a política institucional como algo nefasto, como o campo onde se davam todos os desmandos daqueles que ocupavam cargos públicos. Evidentemente, não era a primeira vez que a corrupção entrava no debate público, mas a partir daquele momento sua presença no debate assumia outros contornos, ao passo que também se modificava a percepção da população.

    O ano de 2014 foi bastante emblemático dessa nova visão sobre o papel das lideranças políticas. E destacamos ao menos três acontecimentos significativos ocorridos naquele ano: o início da Operação Lava Jato, a continuidade dos protestos – agora contra a destinação de verbas públicas às obras da Copa do Mundo – e, em meio a tudo isso, a realização das eleições presidenciais e estaduais.

    Todos esses eventos tiveram grande impacto e já demonstravam os traços da nova configuração política que o país assumia. Mas, como era de se esperar, também influenciaram as estratégias e os procedimentos de pesquisa do nosso projeto. A centralidade do discurso de combate à corrupção na agenda política do país alterou consideravelmente a relação das lideranças e dos partidos políticos com movimentos sociais e, em muitas situações, a hostilidade às lideranças provocou um comportamento defensivo em uma parcela significativa do espectro político, o que acabou dificultando ainda mais o acesso a elas. Tendo como um dos objetivos da pesquisa a criação de um banco de dados que, além de informações gerais a respeito das lideranças políticas em atuação no país, trouxesse também o registro das entrevistas com elas realizadas pelo grupo, nosso desafio não era pequeno.

    O primeiro ano de trabalho da equipe, entre 2013 e 2014, havia sido dedicado à estruturação das atividades de pesquisa, com a organização de reuniões e seminários que visavam debater o significado histórico da liderança política ao mesmo tempo que se buscava lançar luz sobre as transformações em curso. Concluída essa primeira fase do trabalho, era chegada a hora de ir a campo e entrevistar os atores que tentavam agir ou reagir nesse cenário.¹ E, nesse sentido, os anos de 2015 e 2016 foram particularmente difíceis para a realização das entrevistas. De um lado, os protestos multitudinários favoráveis ao impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff – processo que seria concluído em agosto de 2016, culminando no afastamento da mandatária e na posse do então vice-presidente Michel Temer. De outro, as eleições municipais, cujos resultados atestavam a popularidade do discurso antipolítico. À medida que o debate público se tornava mais polarizado e que o panorama político ganhava novas cores, mais difícil era o acesso aos líderes para a realização das entrevistas, pois muitos deles tentavam não se expor ou receavam ser questionados por suas ações.

    Em 2017, por exemplo, o caráter antipopular das reformas que se propunham na esteira do processo de impeachment, como a Trabalhista, fez com que muitas lideranças não se dispusessem a nos receber. E em 2018, além das eleições presidenciais e da possível realização da reforma da previdência, deu-se ainda a intervenção militar no Rio de Janeiro. Naquele momento, tínhamos várias entrevistas agendadas ou encaminhadas, com contatos estabelecidos não apenas com lideranças, mas também com atores coletivos daquela cidade. Porém, uma vez que algumas entrevistas seriam realizadas em áreas nas quais havia risco de conflitos armados, elas tiveram de ser canceladas por motivos de segurança.

    Fosse pelo receio de exposição das lideranças tradicionais, fosse pela incompatibilidade de agendas dos atores coletivos, as entrevistas se revelaram, no geral, um enorme desafio. A confirmação ou a recusa da entrevista podia levar meses, o que demandava que nosso cronograma de atividades fosse constantemente reelaborado, visto que o encontro com o entrevistado era apenas o primeiro passo de uma cadeia de produção ao qual se seguiriam ainda decupagem e edição do material audiovisual, transcrição do conteúdo e sua respectiva anexação ao banco de dados. Todo esse tratamento das informações mais tarde se mostraria bastante útil, pois dispúnhamos de uma densa base de dados para a fundamentação dos artigos e resumos que produzimos para publicação ou divulgação em eventos acadêmicos. Ao fim e ao cabo, mesmo sem vencer todos os desafios, alcançamos nosso objetivo. E este livro que o leitor tem em mãos é um resultado palpável de nossos esforços.

    É de suma importância problematizar o futuro da liderança política no Brasil. Os novos aparatos midiáticos construirão uma liderança política capaz de promover adesão? Um líder político "outsider", construído a partir dos capitais simbólicos de outros campos, será relevante na contenda nacional? Como os líderes políticos compreendem o atual cenário? De que modo é feita a contestação das lideranças políticas pelos atores coletivos e como suas concepções interferem na própria construção social de uma nova ideia de liderança? Essas são algumas das perguntas que motivam a análise dos pesquisadores e pesquisadoras que trabalharam neste projeto. O momento político atual, turbulento e incerto, inaugura novas páginas da história das lideranças políticas brasileiras, e um esforço de análise dessa nova configuração deve ser empreendido desde já. E é isso que nos propusemos a realizar nestas páginas.

    Na primeira parte do livro, intitulada Lideranças políticas: teoria, metodologia e análise, apresentamos o arsenal teórico de que nos valemos para embasar a pesquisa. Dessa forma, são debatidas ali as principais noções do conceito de liderança formuladas por autores clássicos e contemporâneos. E, uma vez que a viga-mestra de nossa investigação eram as entrevistas e os depoimentos colhidos diretamente das lideranças, uma outra parte é dedicada ao uso da memória, da história de vida e da história oral pelas ciências sociais, com seus desdobramentos metodológicos. Integram, ainda essa Parte I, o debate sobre os fundamentos teóricos, já registrados pela academia a respeito das lideranças políticas tradicionais no Brasil, e a relação das lideranças com a mídia, com o sistema eleitoral brasileiro e com o regime democrático.

    A Parte II, como o próprio título indica, investiga A variável gênero: campanhas eleitorais como ‘portas de entrada’ do poder e construção do estilo de lideranças políticas. Apresenta o processo de construção de lideranças femininas institucionais – fator de grande relevância, uma vez que a reconfiguração política nacional teve início com o processo de impeachment da primeira mulher a assumir a Presidência. Nesse sentido, além de introduzir o debate sobre a política do cuidado e as relações entre gênero, discurso e ideologia, são analisadas as (auto)imagens públicas produzidas pelas candidatas que concorreram à cadeira de presidente do país em 2016: a mãe, a herdeira, a guerreira. Obviamente, não faltou, à nossa discussão, a problematização da relação entre feminismo e conservadorismo entre as novas líderes mulheres.

    A Parte III, A trajetória e a biografia política: modo de análise das lideranças, apresenta os relatos e os posicionamentos de líderes em evidência no cenário nacional, a respeito da conjuntura do momento, das características e do papel dos líderes e sobre eles mesmos. De acordo com suas afiliações e seus posicionamentos, esses personagens foram enquadrados em três grandes campos, os quais dominavam o debate político daqueles anos recentes: os defensores da Era FHC, como o próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e o senador José Aníbal; o Lulismo, como Fernando Haddad, Aldo Rebelo e Paulo Teixeira, entre outros; e o Antipetismo, representado por Onyx Lorenzoni. Ainda, nessa Parte III, são discutidos os embates entre esquerda e direita, a atuação das lideranças femininas e a presença de militares e neopentecostais como lideranças que expressam o Bolsonarismo.

    A Parte IV do livro, Lideranças políticas e movimentos sociais: atores coletivos no Brasil contemporâneo, é voltada à análise de lideranças políticas, em movimentos sociais, e às teorias de análise de atores coletivos nas ciências sociais; além disso, contém uma introdução à discussão sobre a atuação de movimentos sociais na era digital. Também são apresentados depoimentos, com suas respectivas análises e observações, de representantes dos mais diversos movimentos sociais, coletivos e cooperativas colhidos em seis estados do Brasil.

    Lideranças políticas na arte e na mídia, parte V do livro, traz reflexões sobre a construção da imagem de lideranças nesses campos ou mesmo a relação delas com essas áreas. Nesse sentido, investigam-se, por exemplo, as representações de líderes produzidas por Pedro Américo em suas pinturas; a atuação política de Mário de Andrade, em especial sua gestão do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo; o engajamento, os posicionamentos e as ações de Glauber Rocha e como todos esses elementos se relacionavam com sua obra cinematográfica; as questões que cercam a produção de charges de políticos; e, por fim, como diversas lideranças políticas brasileiras foram representadas no cinema.

    Finalmente, a Parte VI, Outros produtos e resultados da pesquisa, discorre sobre o Banco de Dados em que foram registrados os perfis de todas as lideranças que fizeram parte da pesquisa, com seus vínculos institucionais e resumo de suas atividades. Nessa Parte, é apresentado um quadro analítico da presença de núcleos familiares das lideranças políticas atuantes no Congresso Nacional. Além do mais, nela apresentamos nossas considerações finais a respeito deste trabalho que foi examinar as lideranças políticas brasileiras sob prismas tão diversos.

    Esperamos, assim, que este trabalho permita avançar no debate e na investigação do papel das lideranças políticas. Saber como se constroem, atuam e projetam suas imagens a respeito do país e de si mesmas é de fundamental importância não apenas para os estudos políticos e sociais brasileiros, mas também para ativar os fluxos da sociedade.

    Além dos autores, a pesquisa Lideranças políticas no Brasil: carac- terísticas e questões institucionais, do Neamp, que deu origem a esta publicação contou também com os seguintes pesquisadores: Cláudio Luis de Camargo Penteado, Cristina de Amorim Maranhão Gomes da Silva, Deysi Oliveira Cioccari, Luis Eduardo Tavares, Marco Antonio de Carvalho Teixeira, Pedro Abrahão Lameirinhas Malina e Syntia Pereira Alves.

    Ofereceram assessoria técnica ao projeto: Bruno Rodrigues na composição do Banco de Dados e Richard Sanches na preparação de originais do livro. Como assessores de pesquisa, contamos com: Laura Frare, Bruna Ghirardello de Oliveira (BIC-Fapesp) e Guilherme A. Salmeron Ignacio (BIC-CNPq).

    Agradecemos à Fapesp, que financiou o Projeto Temático Lideranças políticas no Brasil: características e questões institucionais, bem como a publicação deste livro. Ao Plano de Incentivo à Pesquisa (PIPEq) da PUC-SP, que financiou o desenvolvimento do Banco de Dados da pesquisa. Ao Departamento de Tecnologia e Informática (DTI) da PUC-SP. À Educ – Editora da PUC-SP.

    Organizadoras


    Nota

    1 Todas as entrevistas foram realizadas com o consentimento para o uso da imagem e do áudio dos entrevistados neste trabalho.

    Sumário

    Apresentação

    Parte I

    Lideranças Políticas: teoria, metodologia e análise

    Liderança política: uma introdução aos fundamentos teóricos

    Miguel Chaia e Silvana Maria Correa Tótora

    Memória, história de vida e história oral: apontamentos metodológicos

    Mariana Zanata Thibes, Silvana Gobbi Martinho, Genira Chagas Correia e Paulo Niccoli Ramirez

    Lideranças políticas tradicionais no Brasil

    Miguel Chaia, Silvana Maria Correa Tótora e Rodrigo Estramanho de Almeida

    Liderança política midiática: observações empíricas e teóricas

    Rosemary Segurado, Tathiana Senne Chicarino e Rafael de Paula Aguiar Araújo

    O sistema eleitoral brasileiro e os líderes na recente democracia de público brasileira

    Joyce Miranda Leão Martins, Vera Chaia e Rodrigo Estramanho de Almeida

    Considerações a respeito da liderança política midiática

    Rosemary Segurado e Tathiana Senne Chicarino

    parte II

    A variável gênero: campanhas eleitorais como portas de entrada do poder e construção do estilo de lideranças políticas

    Joyce Miranda Leão Martins e Vera Chaia

    A política do cuidado

    Gênero, discurso, ideologia

    A mãe, a herdeira, a guerreira: as imagens do gênero nas disputas em campanhas nacionais

    Imagens de campanha: algumas conclusões

    Entre o feminismo e o conservadorismo: novas lideranças

    parte III

    A trajetória e a biografia política: modo de análise das lideranças

    Joyce Miranda Leão Martins, Rosemary Segurado, Tathiana Senne Chicarino, Silvana Gobbi Martinho e Natasha Bachini Pereira

    As lideranças por elas mesmas

    Lideranças que sintetizam o Brasil da Nova República: alguns personagens expressivos da Era FHC, do Lulismo e do Antipetismo

    Lideranças em disputa no Brasil atual: embates entre esquerda e direita

    As mulheres como líderes políticas

    Entre os militares e os neopentecostais: as lideranças que expressam valores do Bolsonarismo

    parte Iv

    Lideranças políticas e movimentos sociais: atores coletivos no Brasil contemporâneo

    Rosemary Segurado, Tathiana Senne Chicarino, Mariana Zanata Thibes, Natasha Bachini Pereira e Rafael Balseiro Zin

    Introdução

    Rosemary Segurado e Tathiana Senne Chicarino

    A teoria dos movimentos sociais: linhas gerais de análise

    Movimentos sociais na era digital

    Análise dos casos empíricos: coletivos e movimentos sociais contemporâneos no Brasil >

    Considerações sobre a organização dos coletivos entrevistados

    Lideranças femininas, negras e indígenas no Brasil: um breve panorama sobre a sua presença na história política do país

    parte v

    Lideranças políticas na arte e na mídia

    Introdução

    Miguel Chaia

    Representações de lideranças políticas brasileiras na pintura de Pedro Américo

    Rodrigo Estramanho de Almeida

    A liderança política de Mário de Andrade no campo da cultura brasileira: a importância do Departamento de Cultura

    Marcelo Burgos Pimentel dos Santos

    Glauber Rocha: da liderança cultural às representações de lideranças políticas

    Miguel Chaia e Telmo Antonio Dinelli Estevinho

    A representação da liderança política por meio das charges

    Silvana Gobbi Martinho

    Lideranças políticas e cinema

    Vera Chaia

    parte vI

    Outros produtos e resultados da pesquisa

    Banco de dados

    Vera Chaia, Rosemary Segurado e Tathiana Senne Chicarino

    Liderança política familiar no Congresso Nacional na legislatura de 2015 a 2018

    Carla Montuori Fernandes e Genira Chagas Correia

    Considerações finais

    Vera Chaia, Rosemary Segurado e Tathiana Senne Chicarino

    Referências

    Sobre os autores

    Parte I

    Lideranças políticas: teoria, metodologia e análise

    ¹


    1 Este capítulo apresenta uma ampla revisão do artigo Liderança política midiática: notas sobre o caso brasileiro, de Mércia Alves, Joyce Miranda Leão Martins, Silvana Gobbi Martinho, publicado originalmente em Mediação, v. 28, n. 1, 2019.

    Liderança política: uma introdução aos fundamentos teóricos

    Miguel Chaia

    Silvana Maria Correa Tótora

    As Ciências Sociais ainda não dispõem de uma concepção ou definição de liderança que seja universalmente aceita (Jiménez Díaz, 2008), o que permite inferir que o fenômeno da liderança política tem componentes locais, contextuais e temporais. Seguindo essa linha, as ideias acerca da liderança política foram historicamente produzidas nas ciências sociais a partir de três enfoques principais (Rejai e Philips, 1997): 1) aquele elaborado pelos pensadores clássicos, que se detinham no estudo da vida de grandes homens, tidos muitas vezes como exemplos a serem seguidos, projetando, assim, a ilusão do ídolo individual (Priore, 2009); 2) o enfoque que coloca ênfase nas estruturas e contextos sociais, sendo os líderes apenas peças na engrenagem do sistema capitalista, uma linha na qual tem destaque Marx, cuja famosa citação de O 18 de Brumário de Luís Bonaparte a resume bem: Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade (Marx, 2011, p. 25); e 3) a corrente que trabalha com o que Jiménez denomina de enfoque integrador da liderança (Jiménez Díaz, 2008), que busca observar as condições históricas e sociais junto a trajetória de cada líder, que é a linha que buscamos seguir neste estudo.

    Mesmo sem uma conceituação universal, a liderança política é um dos fenômenos mais estudados e menos entendidos (Burns apud Rejai e Phillips, 1997). Fundamentais nos jogos do poder, esses personagens emergem dentro e fora de instituições, em condições sociais e históricas específicas, e acabam funcionando como atalhos cognitivos de uma época, pois expressam percepções hegemônicas e contra-hegemônicas acerca do poder e das lutas políticas travadas em determinada região. Em outras palavras, suas características podem ser identificadas de acordo com a localização, o momento histórico e sua posição no jogo político e na estrutura social, com sua vinculação a alguma organização social e a presença ou ausência de leis ou mecanismos que permitam ou não sua ascensão. Nesse sentido, relacionar a liderança com questões institucionais, no âmbito da política moderna, é também falar de representação e representatividade, observar seus lugares de fala, ou seja, suas posições dentro do campo político, que Bourdieu (1989) descreve como um espaço no qual que se luta pelo direito de ser porta-voz dos profanos. Assim, com o objetivo de investigar diferentes dimensões das lideranças políticas, tais como seus estilos de atuação, as fontes de sua legitimação e suas variadas origens históricas, foi necessário que o grupo mobilizasse todo um aparato teórico e conceitual que desse conta da diversidade de personagens e instituições que seriam nosso objeto de estudo. Para tanto, divisamos inicialmente três grandes blocos de pesquisa.

    Num primeiro momento, com base em leituras do pensamento político clássico e renascentista, trabalhamos a concepção de governo como um exercício da arte de comando. Nessa perspectiva, a dimensão institucionalizada do poder soberano, nos períodos a que as obras se referiam, não configuraria um aspecto central. Por isso, nessa primeira abordagem conceitual a respeito da liderança política, confrontamos o pensamento de Nicolau Maquiavel com o de Michel Foucault, a partir da formulação desenvolvida pelo primeiro para os conceitos de parresía e virtù, que tratam de atributos responsáveis por conferir destaque ao exercício da política em articulação com a atividade daqueles que a protagonizam.

    Considerando a diferença nas abordagens e o contexto histórico em que os conceitos foram formulados, entendemos que ambos conferem relevância ao sujeito da ação política. Este atua em meio a relações de conflito, de luta e disputas que exigem, daqueles que ambicionam a liderança, o protagonismo nas lutas, sem garantias prévias. Ambos os conceitos atestariam a ausência da soberania do Estado: tanto a virtù como a parresía se localizariam na proveniência, no exercício e na continuidade do poder político.

    Referindo-se à democracia da Antiguidade grega, Foucault dirá que o parresiasta se compromete com a verdade que ele mesmo enuncia e não teme contrariar o povo, pondo em risco sua própria pessoa e sua liderança. Seu modo de exercer o poder e obter a confiança dos cidadãos reside na coragem da fala franca, ou parresía. Nesse sentido, o parresiasta não é um simples demagogo ou alguém que dirige as multidões apenas pelo carisma pessoal. Ele se destaca em relação aos demais não em razão da liberdade de que goza para falar, uma vez que todos seus concidadãos a possuem em igual medida, mas pela coragem de arriscar-se a dizer a verdade, perpetuando um pacto consigo mesmo, precisamente porque é o enunciador da verdade. Ele é o verídico.

    Tanto parresía como virtù expressam um êthos político que passa longe da compreensão da moral como código de condutas filiadas a valores universais e que guiariam o agir político. Esses conceitos vinculam-se à potência do agir em meio a um jogo conflituoso de relações de forças. A veracidade do agir parresiasta não obedeceria a uma concepção de verdade universal, assim como o homem de virtù não se posicionaria como um agente da moral – na verdade, ele a desafia. Dessa forma, o emprego político da parresía confere ao discurso uma modalidade arriscada de atuação política e que, à medida que vincula o sujeito à verdade expressada, o constitui na perspectiva de seu êthos.

    A reflexão sobre os fundamentos e usos da parresía levou nosso grupo a uma conceituação de liderança, entendida aqui como alguém que assume ascendência sobre os demais e exerce o comando sobre eles pelo uso da palavra franca (parresía) com todos os riscos que isso comporta. Trata-se de um exercício do governo das condutas ou da liderança política em que está em jogo o êthos do sujeito da ação política. Da forma como o enxergamos, o conceito de parresía ultrapassaria o contexto em que foi produzido e poderia ser aplicado às resistências políticas de indivíduos, grupos ou movimentos, por meio da coragem da verdade (expressa nos riscos que estes estão dispostos a correr no afrontamento dos poderes instituídos). Essa formulação nos levaria à nossa primeira hipótese: há um vínculo entre liderança política e os movimentos de resistências aos poderes instituídos. Esse vínculo é calcado em mecanismos de democracia direta que, postos em ação, fazem emergir a liderança já em meio às lutas políticas.

    Uma segunda concepção de liderança política para a qual nos voltamos pode ser divisada, a partir de uma perspectiva histórica, no advento da soberania do Estado e, mais tarde, no final do século XIX, na democracia representativa. Nesse momento, a liderança política se especializa e se profissionaliza por meio das instituições políticas. Os partidos, as eleições periódicas e o parlamento são o lócus privilegiado de sua seleção e atuação profissional. Essa interpretação nos levou a uma segunda formulação conceitual, de acordo com a qual se compreende por liderança política um conjunto de procedimentos e tecnologias de poder que visam a direção política das condutas num lócus privilegiado e almejam como fim último o exercício do governo do Estado. Aqui, a hipótese é que o êxito da liderança política, sob essa perspectiva, depende do bom funcionamento das instituições políticas da democracia representativa. Essa abordagem se vincula ao pensamento de Max Weber, que lança luz sobre o processo de especialização da liderança política a partir da noção de uma vocação, que seria responsável pela profissionalização do indivíduo que atua politicamente. Em outras palavras, trata-se, aqui, dos políticos profissionais.

    Pensador fundamental da política moderna, hoje já um clássico das ciências sociais, Max Weber se distingue tanto dos que enxergam o líder como herói quanto daqueles que compreendem a liderança como produto exclusivo da estrutura de classes sociais. A ênfase weberiana recai sobre a dimensão política do fenômeno, vinculando-se ao que chama de dominação carismática, em que a autoridade é fundada em uma devoção afetiva por parte dos dominados, cuja obediência é tributária das qualidades pessoais do líder. Sob a ótica weberiana, a dominação está no cerne das relações sociais, e o carisma é uma característica da natureza da liderança. Na dominação carismática, encontra-se a raiz de uma vocação em sua expressão mais elevada (Weber, 2010), isso porque a paixão é o elemento essencial da liderança.

    A abrangência do conceito weberiano permite a crítica em relação à dificuldade de apreensão das especificidades das singularidades históricas da atuação da liderança política. As ideias Weber foram pensadas em um contexto que Manin (1995) chamaria de democracia de partidos (e que o sociólogo alemão definiu como democracia plebiscitária), em que a ideologia e o programa partidário importavam de sobremaneira na seleção dos líderes. De acordo com Manin, o governo representativo passou por três fases: democracia parlamentar; democracia de partidos; e democracia de público, na qual o eleitor se converteu em espectador da disputa política entre as imagens¹ das lideranças políticas.

    A sociologia política de Weber se defronta com as seguintes questões: como agir ante as crescentes racionalização e burocratização da esfera pública que vêm no esteio do processo de industrialização das sociedades contemporâneas? Como conciliar a liberdade individual, a democracia e a burocratização do Estado? Como pode o indivíduo garantir sua independência em face da burocratização da vida? Em resumo, o paradoxo do liberalismo, que cristaliza o livre mercado de troca concorrencial e a crescente democratização da vida política, reside em como gerir a liberdade, necessidade e fundamento de sua existência.

    A tragédia da política contemporânea, segundo Weber, se localizaria, portanto, na burocratização das formas coletivas societais e, em último grau, do Estado, em que imperam a impessoalidade, a especialização e uma hierarquização contrárias aos pressupostos igualitários da democracia. Nessa linha, o agir político, que naturalmente se dá em contextos em que interesses divergentes se chocam, põe em risco as aspirações de uma racionalidade calcada na adequação de meios e fins. A liberdade da qual se alimenta o liberalismo é também fonte de sua insegurança. A liderança política emergiria, portanto, em meio a relações de forças que entram em ação na luta para obter posições de poder e dominação.

    O homem político weberiano, assim como o de Maquiavel, é um homem de ação voltado para questões práticas, que deve tomar decisões de acordo com interesses e valores que estão em rota de colisão uns com os outros. Para o sociólogo alemão, a política é uma modalidade específica de relação social em que os líderes protagonizam a luta para participar e influenciar na distribuição do poder no âmbito do governo do Estado. A liderança política moderna configura-se na forma do ‘líder partidário’ parlamentar (Weber, 2009, p. 100), que se desenvolve no Estado constitucional, e encontraria expressão no tipo ideal de dominação carismática.

    A análise weberiana é profícua no caso da proveniência histórica e da ação da liderança política no modelo parlamentar do Estado constitucional moderno. Os líderes políticos modernos, diferentemente de um servidor público, são profissionais da política. Auxiliados por seus seguidores, eles orientam sua conduta pelo princípio da responsabilidade pessoal intransferível na tomada de decisões públicas, além do pathos político que imprimem à sua ação. O servidor público, ao contrário, age movido pela racionalidade impessoal das regras e cumpre as ordens emitidas pelas autoridades superiores.

    Na conferência A política como vocação (Weber, 2009, p. 78), Weber aponta para três qualidades típicas do líder político: uma dedicação apaixonada por uma causa, senso de responsabilidade e senso de proporção. Nestes últimos, é possível enxergar uma atualização da ética aristotélica de agir buscando-se a mediania, ou seja, evitando-se os extremos.² Nesse sentido, Weber aponta o regime parlamentar inglês como um modelo de grande política. Segundo o autor, a política do Gabinete libera o líder da política de grupos, criando a possibilidade do exercício responsável da liderança pelas decisões políticas. Nisso os britânicos trilhariam um caminho histórico diferente do adotado pela Alemanha, onde a crescente burocratização que havia dominado o Estado e os partidos políticos favoreceram a política de massas, com forte apelo de uma liderança personalista.

    Para Weber, o vínculo ético entre as massas e o líder é mediado por uma ligação representativa. Essa é uma diferença considerável em relação à noção de parresía política na democracia grega, conforme a análise de Foucault. O discurso parresiástico é pronunciado em público pelo líder que se identifica pessoalmente com verdade. Ou seja, não há intermediação ou representação política. O desenvolvimento dessa linha teórica nos leva a pôr a seguinte questão: seria a relação entre liderança política e democracia viável apenas nas pequenas comunidades?

    Certamente era esse o caso da democracia grega, no qual o discurso verdadeiro, ou parresía, encontra-se na própria raiz da governamentalidade, ou seja, do exercício do governo. Como observou Foucault (2010), se essa democracia pode ser governada é porque há o discurso verdadeiro. Os paradoxos desse regime, no entanto, são de duas ordens: primeiro, a democracia só subsiste pelo discurso verdadeiro, que, por sua vez, introduz uma diferença na igualdade, isto é, a ascendência da liderança através da fala franca; segundo, à medida que o discurso verdadeiro abre caminho na disputa, no conflito, no enfrentamento, na rivalidade, esse discurso é sempre ameaçado pela democracia (ibid.). A maior ameaça a essa forma de governo é, sem dúvida, o uso retórico demagógico da fala pelo líder com vistas a persuadir o povo a votar ou a consentir uma decisão. Ou, pior, se o orador mimetiza a opinião da maioria. Nesse sentido, corrompem-se o bom funcionamento da democracia e, também, da parresía como um discurso que a liderança reivindica para si e com o qual se identifica (ibid., p. 169). Essa análise vai de encontro à visão weberiana, de acordo com a qual são duas as possibilidades para a emergência do líder: a primeira, legítima, com um líder autêntico oriundo de um Parlamento forte; e a segunda, desastrosa para a democracia, com um líder plebiscitário cesarista proveniente da ditadura das ruas (Weber, 2009, p. 78).

    Ora, essa reflexão de Weber antecipa o quadro atual de desprestígio da democracia liberal representativa e de seus mecanismos de recrutamento de lideranças políticas: os partidos políticos e as eleições. Vale a pena mencionar que a confiança de Weber no regime parlamentar inglês, como se se tratasse de uma solução factível para a democracia moderna, e mesmo nessa forma de seleção de uma liderança política foi amplamente criticada, a partir dos anos 1970, como apoiada numa forma elitista e restritiva do exercício democrático desse regime. Os movimentos sociais dos anos 1970, por exemplo, reivindicavam uma maior participação da cidadania na política que fosse além do período eleitoral.

    No contexto nacional, a democracia liberal também foi criticada por inúmeros autores e ativistas brasileiros por seu reducionismo à modalidade representativa combinada à participação restrita apenas ao processo eleitoral. Nessa perspectiva, destaca-se o esforço de ampliação dos processos democráticos pretendido pela Constituição Federal de 1988, que instituiu mecanismos de intervenção direta dos cidadãos, como referendos, plebiscitos, iniciativa legislativa e audiências públicas. Criaram-se, ainda, novos espaços de participação da sociedade civil na formulação, discussão e implementação de políticas públicas: os conselhos de gestão.

    As pesquisas de Chaia e Tótora apontaram os limites desses conselhos no que se refere à democratização do espaço público, em decorrência, primeiramente, das características hierárquicas do aparelho estatal e, em segundo lugar, da composição desses grupos, nos quais representantes do governo compunham um terço dos integrantes, enquanto as vagas destinadas à sociedade civil se distribuíam entre membros de instituições prestadoras de serviços e de movimentos populares. Os conselhos acabaram se constituindo em lócus de conflitos de interesses e privilégios de setores organizados da sociedade, além de legitimarem uma distribuição, nem sempre eficaz, de recursos públicos escassos, e tiveram, assim, seu potencial de inovação reduzido à função burocrática de cumprimento das leis vigentes (Chaia e Tótora, 2018, pp. 22-23).

    Os conselhos de gestão das políticas públicas servem como exemplo do presente arranjo institucional da sociedade brasileira. Esse arranjo responde a demandas de racionalidade da democracia atual, mas acaba se limitando à garantia oferecida aos políticos para se mobilizarem, com risco calculado, nas disputas políticas. Trata-se de uma modalidade fortemente institucionalizada e juridicamente respaldada, embora ainda permaneça a cultura de articulação das práticas políticas por parte de seus personagens, com destaque para a qualidade da liderança política.

    Porém, para uma análise da conjuntura atual, é preciso também levar em consideração ao menos dois elementos que, nos últimos anos, vêm ganhando corpo e espaço no debate público brasileiro: de um lado, o crescente processo de judicialização da política e, de outro, a importância das redes sociais da internet como novas plataformas de mídia. Com relação ao primeiro, cabe mencionar o aumento do impacto de decisões judiciais em questões políticas e sociais, o que acaba consolidando o poder judiciário como um ator político de fato, já que, de formas muitas vezes mais diretas que indiretas, conflitos políticos precisam ser, ou acabam sendo, deliberados por juízes. E, no que se refere às novas mídias sociais, é patente seu poder de disseminação de informação e mobilização de simpatizantes, bem como a dificuldade de sua fiscalização, o que adiciona ingredientes inesperados e imprevisíveis ao jogo político. Ainda assim, é certo que, no contexto atual, as redes sociais vêm se tornando o novo lócus de emergência de lideranças políticas, desbancando, ou no mínimo enfraquecendo, o papel até então restrito a partidos ou ao parlamento.

    As redes sociais possibilitam um tipo de participação política que põe em xeque a necessidade da liderança tradicional, seja ela individual, no caso de um representante destacado, ou coletiva, no caso de grupos, movimentos sociais ou partidos políticos. A internet tem se configurado num espaço de mobilização política para ações de combate e de resistência aos espaços tradicionais de decisão. De um lado, seus defensores argumentam sobre a agilidade e a desburocratização dos ciberespaços para a mobilização do espaço público. De outro, seus críticos denunciam a falta de clareza dos recursos empregados e a ausência de um processo fiscalizatório que consiga, por exemplo, impedir a disseminação de mensagens falsas disparadas em massa, cujos danos ao debate público são imensuráveis. De todo modo, o fato é que esse ciberespaço tem se caracterizado pela formação de novas lideranças políticas.

    Esse processo vem de encontro à perda de prestígio da liderança política parlamentar em razão de sucessivos escândalos de corrupção e da baixa qualidade de seu tipo de ação política. Como resultado, mais do que uma crise da democracia representativa, assiste-se a uma crise de governança, no sentido da incapacidade de direção das condutas. Trata-se de uma profunda crise do êthos, ou seja, da maneira de pensar, sentir e conduzir. Os líderes de governo vêm sua legitimidade ser rapidamente corroída em razão de se tornarem instrumentos de gestão do capitalismo, um tipo de sistema intrinsecamente em crise, que se alimenta dela e com ela se desenvolve.

    Para dar, aqui, maior precisão à análise dos nossos tempos, é preciso dizer que as políticas de gestão neoliberal aprofundam as desigualdades sociais e criam ambientes propícios a revoltas sociais. É em meio a estas que emergem novas lideranças que recusam não apenas essas políticas, mas a política, ou o que o senso comum compreende por ela: a própria forma institucional da democracia representativa. Surge assim, na atualidade, um tipo de liderança filiada a um movimento que vem sendo denominado, por analistas políticos na mídia internacional, de neopopulismo.³ Trata-se de um tipo de populismo que, diferentemente das versões históricas anteriores – bastante vinculadas às camadas populares, através da formulação de políticas públicas com vistas à ampliação de direitos sociais e à redução de desigualdades –, caracteriza-se pela emergência de lideranças de extrema-direita que, por meio de eleições, se configuram em governos.⁴ Tais lideranças buscam canalizar as insatisfações e revoltas da população com a política em geral e com os políticos em específico, enfocando mazelas econômicas e sociais, como o aumento do desemprego, a queda da qualidade de vida e do nível de consumo e o aumento das disparidades, tentando localizar

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