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Juventudes e o mal-estar na contemporaneidade
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Juventudes e o mal-estar na contemporaneidade
E-book338 páginas4 horas

Juventudes e o mal-estar na contemporaneidade

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Sobre este e-book

Este livro tem o propósito de compartilhar as discussões realizadas nas edições do "Sou Mais Juventude" e apresenta temáticas afins ao tema, ampliando o debate com os(as) próprios jovens, gestores(as), professores(as)/pesquisadores(as), convidados(as) e com as cidades onde nos inserimos: Ouro Preto, Mariana e João Monlevade, buscando construir de forma coletiva e horizontal a política de juventudes na Universidade Federal de Ouro Preto.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de jun. de 2016
ISBN9788546202652
Juventudes e o mal-estar na contemporaneidade

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    Juventudes e o mal-estar na contemporaneidade - Cláudia Braga de Andrade

    Ferreira

    Seção 1: Juventude e Política

    Capítulo 1: Sou mais juventude – uma experiência política no contexto universitário

    Cláudia Braga de Andrade²

    Margareth Diniz³

    Carla Mercês da Rocha Jatobá Ferreira

    Juventude’s: sobre quem estamos falando

    Ao trabalharmos em torno do termo juventudes no plural, enfatizamos a multiplicidade de sentidos e interpretações presente nesse termo como também ressaltamos a descontinuidade histórica que rompe com a concepção naturalizante das idades de vida, marcadas pela cronologia. A juventude já foi identificada a certa fase da vida, entre a infância e a vida adulta; hoje podemos notar uma quebra de uma vida linear e as fases da vida passam a se identificar mais com as posições que com marcações etárias.

    Nosso propósito é criar possibilidades de discutir o termo juventude na sua dimensão simbólica, inseparável das transformações decorrentes na ordem social, cultural, política e econômica. Para efetivar tal construção, precisamos conhecer e afinar nossas concepções sobre quem é o/a jovem de hoje buscando desconstruir saberes fixos e arraigados sobre ele/a.

    Mas chamamos a atenção para o cuidado que devemos ter ao adotar o termo juventudes de forma a não fixá-lo. Fazendo menção à tese de Badiou, no livro Alcance do nome judeu: O universal se alcança pela anulação de toda particularidade. A tese de Badiou diz que este predicado judeu seria uma ameaça para os próprios judeus, havendo contribuído para o extermínio durante o regime nazista, já que ele convoca a exterminação. A verdadeira lição a ser tirada do nazismo, segundo o autor, é que não deveríamos reservar um lugar privilegiado para predicados identificatórios. Assim, estamos atentas à ideia de que a pluralidade irredutível de nomes próprios é o único real com que contamos em oposição à ditadura dos predicados. Porém, ainda que consideremos essa advertência, usaremos nesse trabalho o termo juventudes para interrogar o que vem se convencionando nomear como juventude do ponto de vista sociológico e ao mesmo tempo cotejar esse discurso com o de nossa filiação, a psicanálise.

    Os critérios da idade cronológica, muito embora reducionistas e variáveis, são utilizados para mapear os termos adolescência e juventude. Atualmente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define o adolescente como o jovem entre 10 e 19 anos de idade, divididos nas etapas de pré-adolescência (dos 10 aos 14 anos) e adolescência propriamente dita (de 15 a 19 anos). Na América Latina vem se estabelecendo o consenso de que os jovens devem ser considerados como tal até os 29 anos, de acordo com o Estatuto da Juventude. A definição da juventude por idade encontra elementos objetivos no aspecto da maturidade biológica, que acabam por simplificar a realidade complexa que envolve a questão da juventude nos aspectos históricos, culturais, econômicos e sociais. Seria o mesmo que não considerar o seu pertencimento de gênero e sexualidades diferentes, raça e etnia, faixa etária, bem como classes sociais e culturas diferentes não nos permitindo, portanto, tratar juventude no singular.

    Os termos juventude e adolescência muitas vezes se sobrepõem nos estudos da área da psicologia. Contudo, há uma preponderância do termo adolescência no campo da psicanálise. Faremos um breve percurso sobre o termo adolescência na psicanálise, justificando em seguida nossa escolha pelo termo juventudes.

    A adolescência não é um conceito clássico no vocabulário psicanalítico e não encontraremos na obra de Freud, e Lacan uma definição propriamente dita (Rassial, 1999). Freud no livro Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), dedica um ensaio para descrever As transformações da puberdade destacando o desenvolvimento de uma nova finalidade sexual – a genitalidade – em decorrência do amadurecimento dos órgãos genitais. Neste momento, Freud contrasta a sexualidade na puberdade com relação ao polimorfismo da sexualidade infantil e aponta as transformações corporais e psíquicas vinculadas à puberdade.

    Nas últimas décadas, vem se destacando, nos estudos lacanianos, a singularidade ao sujeito adolescente, uma lógica própria nos seus processos de identificação. O adolescente, paradigma dos impasses do sujeito, é aquele que se depara com a conjunção do real do sexo (Rassial, 1999; Lacadée, 2011). Como ressalta Alberti no livro Esse sujeito adolescente,

    a partir do momento em que o sujeito, saído da infância, se depara com o real do sexo, a puberdade é o próprio encontro, malsucedido, traumático, com esse real. O real do sexo é por definição algo que escapa a uma simbolização possível, deixando o sujeito – em linguagem do sendo comum – sem palavras. (1995, p. 28)

    O estudo sobre a adolescência vem sinalizando, sobretudo, as mudanças subjetivas a partir das transformações pubertárias.

    Segundo Joel Birman, entre a perspectiva biologizante da adolescência que a sobrepõe com a produção de hormônios sexuais e a perspectiva psicologizante da adolescência entendida como formação psíquica haveria um abismo que deve ser ultrapassado por mediações simbólicas (Birman, 2009, p. 28). Também podemos notar que, na contemporaneidade, a passagem pela puberdade não opera mais um norteador exato para definição da adolescência, uma vez que as transformações prescritas nas ordens social, econômica e política interferem na dimensão psíquica (Birman, 2008). Se na modernidade a demarcação, através do processo de naturalização das idades da vida, foi sustentada pela possibilidade de se estabelecer uma continuidade histórica, no final do século XX, podemos notar uma transformação crucial da condição adolescente e um esgarçamento das fronteiras, como por exemplo, no prolongamento da dita adolescência (Birman, 2009).

    Ao escolhermos, neste artigo, o termo juventudes, estamos enfatizando o sujeito jovem, marcado por uma condição adolescente, compreendendo a adolescência como uma posição subjetiva. Ressaltando o uso do termo no plural – juventudes – se insere na perspectiva das identificações e não da lógica identitária.

    Ao usarmos o termo juventudes, é preciso levar em conta seu contexto temporal, o lugar onde é empregado, nos perguntando sobre que configurações ele delineia. Que sentimentos carrega, que frustrações sugere, que sofrimento traduz, que preconceitos esconde? Ao nos deparamos com o termo juventudes, o que logo nos vêm à cabeça são representações nem sempre positivas do jovem: da medicina passando pela pedagogia, pela psicologia, pelo direito até chegar à mídia, todos se ocuparam do enquadramento objetivo e subjetivo do que é um/a jovem (um(a) ex-adolescente? Um(a) quase adulto?). Em uníssono, esses discursos geralmente homogeneizam a todos(as) sob a rubrica de irresponsáveis, desajustados, delinquentes, desorganizados, bagunceiros, desordeiros, preguiçosos, desrespeitosos da lei. Tais discursos nos soam como herdeiros da concepção vigente no século XIX, lembrada por Philippe Lacadée, sobre a adolescência como um período de vagabundagem:

    (...) o adolescente é descrito como um rapaz vagabundo nato – na maior parte do tempo, tido como um rapaz –, apaixonado por viagens, deslocamentos, fugitivo ou errante, como um ser perigoso que a burguesia se dedicava a enquadrar e disciplinar em numerosos internatos concebidos como solução. (Lacadée, 2011, p. 29)

    Por conseguinte, estes discursos buscam enquadrar uma juventude que pode causar por um lado medo e repulsa, ser vista apenas como problema, mas que ao mesmo tempo, nos fascina e nos seduz, quando representamos a juventude como o que traz o novo, a energia e a estética corporal tão desejada também pelo adulto. Porém, a representação da juventude mais perniciosa é aquela que teima em encará-lo como um vir a ser: precisamos entender que ele(a) não é um pré-adulto e sim um sujeito.

    Também podemos notar que na contemporaneidade a juventude ocupa o ícone de ideal social para todas as idades. O ideal de liberdade pessoal, em nossa sociedade, está cada vez mais marcado por valores que associamos à mocidade. O desejo é locado em pessoas jovens, boa saúde, o corpo bem cuidado, excelente desempenho, a liberdade, a possibilidade de sucessivos recomeços afetivos e profissionais. Segundo Kehl (2011), sofremos algumas consequências quando os adultos se espelham em ideais teen: jovens ficam sem parâmetros para pensar o futuro. Pois então, como ingressar no mundo adulto onde nenhum adulto quer viver? A vaga de ‘adulto’, na nossa cultura, está desocupada (Kehl, 2011, p. 96-7). Quando a experiência do adulto, assim como a memória, produz consistência subjetiva e uma vez que se descarta o passado, em nome de uma promessa de eterna juventude, produz-se um vazio difícil de suportar e esta desvalorização da experiência esvazia o sentido da vida.

    A falta de referentes simbólicos culturais produzidos na sociedade contemporânea promove o sentimento de não-pertencimento, de não-filiação deixando o sujeito numa posição de desamparo. Deste modo, a relação da juventude com a ordem social é marcada pela imponderabilidade em decorrência da impossibilidade vivida pela juventude em traçar de maneira segura as relações entre presente e futuro (Birman, 2012). Neste cenário de incertezas, evidenciamos formas individualistas da sociabilidade quando a construção subjetiva dos jovens aparece na identificação com signos de excesso, tais como a violência e o uso de drogas e álcool, de acordo com (Kehl, 2000) e buscamos possibilitar possíveis deslocamentos desses lugares fixos.

    Buscar refletir sobre essas representações construídas acerca da juventude, bem como de uma certa vulnerabilidade deste público diante da sociedade contemporânea caracterizada pela incerteza, na qual as relações entre e presente e futuro não se apresentam de forma segura nem mesmo para os/as adultos/as é nossa tarefa no projeto Sou Mais Juventude. Foi com essa posição que nos dirigimos aos jovens da Universidade Federal de Ouro Preto, visando que eles/as falassem em nome próprio, ainda que por meio de suas representações.

    O percurso do projeto Sou Mais Juventude

    O projeto Sou Mais Juventude surgiu em 2012 a partir da uma iniciativa de um grupo formado por docentes, discentes e técnicos administrativos empenhados em falar sobre um fato que marcou profundamente a universidade, o falecimento de 2 alunos da universidade em um curto espaço de tempo. A postura inicial da comunidade foi um silenciamento profundo sobre o assunto. Nos dois casos o contexto era aparentemente muito parecido: festas e um uso abusivo de álcool e drogas. Acompanhamos que a Ufop, entre outras universidades mineiras, vem sendo foco de inúmeras reportagens que apontam vulnerabilidade do público juvenil expressos no crescente consumo de álcool e drogas entre jovens universitários, no significativo aumento do índice de violência, além de casos de suicídio. Para além do encontro com o real que a morte nos provoca, encontramos nas palavras de Lacadée uma pista para pensarmos estas questões quando ressalta a importância da invenção de lugares onde "o sujeito possa entrar em contato com o que constitui seu impasse" (2011, p. 31). O referido autor ainda nos lembra o texto freudiano Uma introdução à discussão sobre o suicídio, onde Freud (1910) ressalta a importância que as instituições educativas transmitam aos jovens o interesse pela vida externa ao ambiente familiar e, no texto uma Introdução ao Narcisismo (1914), Freud ressalta a necessidade do encontro dos jovens com os professores, ponto destacado por Lacadée (2011) ao sublinhar este encontro como pontos de onde os adolescentes podem perceber ‘uma corrente subterrânea jamais interrompida’, que dá ideia e forma ao pressentimento de uma tarefa a ser cumprida, de uma contribuição ao saber humano (Freud, 1914, p. 228 apud Lacadée, 2011, p. 31).

    O ponto de acordo nas discussões iniciais foi a perspectiva de que a questão de consumo abusivo de álcool e drogas não se reduz a propostas normatizantes e classificatórias. Formulamos como eixo central deste debate o tema da diferença e da diversidade para refletir sobre a condição da juventude na atualidade. Estes encontros e conversas deram partida a construção do projeto Sou Mais Juventude, que consolidou a proposta de promover a ampla discussão sobre as formas de subjetivação da juventude na atualidade e procurar construir um plano de estratégias em conjunto com as todas as partes envolvidas constituindo uma política de juventudes na universidade.

    Motivados por uma receptividade da comunidade universitária foi construído um espaço ampliado para esta discussão com ciclos de debates, rodas de conversas, ações culturais e esportivas, nas quais todas as atividades passaram a ser reconhecidas pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) como uma atividade acadêmica. A perspectiva do projeto é sustentar uma ação contínua, que se estenda ao longo do ano com uma agenda dinâmica, intervenções sociais e políticas para o enfrentamento destes signos de mal-estar na juventude.

    A partir desta experiência, foi se definindo pouco a pouco o eixo vertebral do projeto: o trabalho coletivo e multidisciplinar, a valorização da participação e representação dos vários segmentos da universidade (docentes, discentes e técnicos), a horizontalidade na tomada de decisões e a perspectiva da construção de uma política da juventude na universidade.

    O projeto se estruturou com 2 dispositivos visando sustentar a proposta de coletividade e horizontalidade. A criação de um comitê gestor do projeto para elaborar, planejar e avaliar as ações do projeto com a participação de representantes da Reitoria, Pró-reitoria de Graduação (Prograd), Pró-reitoria de extensão (Proex), Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (Prace), Assessoria de Comunicação institucional (Aci), docentes, discentes, técnicos administrativos. Regulado por um regimento interno, o comitê realiza reuniões mensais. O segundo dispositivo foi a incorporação da prática de Reuniões Ampliadas como forma de expandir os debates e a participação de todos os seguimentos da universidade na construção e realização das edições do projeto. As reuniões ampliadas funcionam como um dispositivo de mobilização junto aos Institutos e Departamentos quando são construídas coletivamente as edições do Projeto. Desde então, o Sou Mais Juventude realizou seis edições, em diferentes eixos de discussão que foram definidos nas reuniões ampliadas.

    - Os vários discursos sobre a juventude no Centro de Convenções Ouro Preto em 22 de maio de 2013;

    - Manifestações e novas formas de comunicação no Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) em 13 de novembro de 2013;

    - Juventude, profissionalismo e mercado de trabalho no Instituto de Ciências Exatas e Aplicadas (Icea) em 10 de setembro de 2014;

    - Universidade para quem e para quê? no Instituto de Ciências Exatas e Biológicas (Iceb) em 29 de outubro de 2014;

    - "Orçamento nas universidades e os impactos na política

    da ‘juventudes’ na Ufop" na Escola de Minas em 19 de

    maio de 2015.

    Estes dispositivos funcionaram como uma oportunidade de construir uma rede de discussão envolvendo toda a comunidade universitária, em toda sua extensão, inclusive envolvendo os 3 campi da universidade, Ouro Preto, Mariana e João Monlevade. Nossa intenção maior foi criar um espaço para fazer a universidade se escutar, enfrentar conflitos e discutir propostas e encaminhamentos.

    A pesquisa intervenção feita por vários

    A modalidade da pesquisa intervenção permite o escutar e fazer escutar, compreendendo que através do processo de subjetivação surge um sujeito de fala no curso da ação coletiva. Tomamos como referência a noção de  coletivo como a construção de dispositivos que viabilizam a ação/participação política. Temos a perspectiva que esta participação é ativa. Participação origina-se de participatio, significa ter parte na ação e para tal é preciso ter acesso tanto no processo da ação como nas decisões que orientam esta ação. Como pontua Lucia Rabello Castro na sua pesquisa intitulada de Falatório, participar, então, deslancha sempre um processo de busca, pertencimento e ação criadora (Castro, 2010, p. 15). As ações coletivas promovidas pelo projeto têm como objetivo a ressignificação de práticas, o reconhecimento das diferenças construindo propostas e compromissos visando o fortalecimento de uma política de juventudes na Ufop.

    Partimos do pressuposto de que o sentido de política se constrói na experiência cotidiana dos sujeitos e a ação política está ligada a uma potencia transformadora desta ação sobre as práticas cotidianas, como ressalta Jacques Ranciere, a ação política faz ouvir como discurso o que só era ouvido como barulho (1996, p. 42).

    Nosso exercício de pesquisadoras/coordenadoras do projeto encontra suporte na pesquisa intervenção por esta caracterizar-se como uma investigação participativa que busca a interferência coletiva na produção de micropolíticas de transformação social (Aguiar; Rocha, 2007, p. 650). Nesta direção, concebemos as Reuniões Ampliadas como dispositivos que se constituem como espaços de fala, de compartilhamento de experiências possibilitadas pelo encontro contingencial que a organização e composição dos eventos permitem.

    Estamos atentas ao caráter contingencial que caracteriza cada Reunião Ampliada apesar de termos como mirada a composição do Evento. Percebemos que cada uma das reuniões apresenta seu caráter singular, ora pela presença dos seus participantes ora pelas discussões inusitadas que alimentam nossas conversas. A organização do Evento envolve diferentes aspectos, desde aqueles mais precisos como outros de caráter conceitual e ideológico oportunizando que diferentes concepções sejam debatidas. Logo, escutar as questões que afligem os jovens no contexto universitário, acolher e questionar propostas propondo o exercício da reflexão e aceitação de opiniões divergentes tem sido a dinâmica presente nas Reuniões Ampliadas. Na posição de coordenadoras/pesquisadoras, somos convocadas a atentar para os diferentes discursos, questionar propostas e ideias distantes dos objetivos do projeto, e assim, procurarmos em um exercício contínuo nos posicionar em consonância com os princípios da pesquisa- intervenção quando

    ao operar no plano dos acontecimentos, a intervenção deve guardar sempre a possibilidade do ineditismo da experiência humana, e o pesquisador a disposição para acompanhá-la e surpreender-se com ela. (Paulon, 2005, p. 21)

    Atualmente, as ações do projeto são incluídas no calendário acadêmico, demonstrando que a atual gestão da universidade apoia a construção de um espaço que tem como objetivo repensar as práticas do cotidiano universitário, além de legitimar o espaço educativo da instituição para além do processo de ensino-aprendizagem de conteúdos formais quando reconhece as atividades do Projeto como culturais acadêmicas. A institucionalização do projeto provocou pontos de resistência e impasses. Considerando que o projeto se propõe a criar possibilidades de coletivização da ação na instituição na busca de mudanças/negociações a partir de situações e pautas comuns, somos confrontadas com algumas questões: será que a comunidade universitária está aberta à construção de ações coletivas e às consequências desta ação na instituição? Como sustentar uma proposta de participação coletiva e horizontal quando a própria instituição se estrutura de forma hierarquizada? Como lidar com as consequências imprevisíveis de toda ação?

    Para nós, uma orientação que se coloca no projeto é a tessitura de uma intervenção feita por vários... Nós profissionais da educação de várias áreas do conhecimento como saúde, assistência, cultura, ciências físicas, biológicas e exatas, nos conectamos por meio do projeto Sou Mais Juventude. Esse espaço coletivo tem sido denominado de Edições do projeto articulando ações entre professores(as), técnicos(as), discentes. Cabe a nós, coordenadoras/pesquisadoras, procurar sistematizar estas ações e orientadas pela Psicanálise circunscrever o saber-fazer desse coletivo.

    O que nos interroga durante todo o tempo do desenvolvimento do projeto é se conseguiremos produzir práticas discursivas para além da perspectiva corretiva e adaptativa tão valorizada pela maior parte dos saberes produzidos sobre a juventude. Seria possível outra abordagem na qual se privilegiaria o discurso do(a) jovem e não um discurso de mestria sobre ele(a), ou, em outras palavras, na qual o estatuto de sujeito fosse a ele(a) concedido?

    Buscar escutar a posição discursiva desse(a) jovem diante da conjunção do real do sexo e da responsabilidade do ato com o qual é confrontado(a) o(a) coloca em uma encruzilhada: seguir ou não seguir seu destino? Como sujeito do inconsciente se vê muitas vezes sem saída, ou em um destino às vezes aniquilador, do encontro – necessariamente faltoso com o real do sexo, não evitando porém, o que seria próprio a esse período da vida do sujeito desejante. Nessa passagem entre adolescência e adultez, o(a) jovem se vê confrontado com a impossibilidade de relação de completude entre os sexos; momento de travessia, o sujeito abandona determinadas identificações imaginárias com os pais para partir em sua aventura. Essa travessia do imaginário, muitas vezes tumultuada, é determinada por um conjuntura simbólica própria a cada um(a), diante do real de um gozo desconhecido pelo sujeito. Ou seja, as questões da identidade sexual deixam, por vezes, o sujeito sem palavras. Ao ingressarem na Universidade, a separação dos pais e sua própria individuação gera mal-estar; o desejo de saber sobre o interdito: o sexo e a morte o(a) colocam em confronto com o outro, provocando-lhe de forma contínua com a experiência com a perda, o luto, a incompletude. Com laços sociais frouxos e desbussolados, reiteradamente pela posição moralizante do/adulto(a) que não tem transmitido a lei mas, sim a ordem, há uma crescente tendência do(a) jovem a agir: suicídio, drogas, violência, agressividade, inibição diante do saber...

    O que visamos contornar com a oferta de palavras nas rodas de conversa sobre temas diversos que tocam à vida cotidiana dos(as) jovens é esse furo no real.

    A proposta de construção de uma politica da juventude na universidade procura dar ênfase à experiência do sujeito contemporâneo frente ao seu mal-estar, compreendendo que o mal-estar, no sentido psicanalítico, é a condição e estatuto do sujeito da modernidade. Frente aos impasses presentes na modernidade, de uma moral centrada no culto ao eu, no narcisismo, que não reconhece o outro enquanto tal. Na atualidade as experiências alteritárias estão comprometidas, por uma dificuldade de convivência com a diferença. Como aponta Birman, no grupo social não se suporta "a

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