Dinâmica demográfica e socioespacial no Brasil metropolitano: convergências e especificidades regionais
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Dinâmica demográfica e socioespacial no Brasil metropolitano - José Marcos Pinto da Cunha
DINÂMICA DEMOGRÁFICA E SOCIOESPACIAL NO BRASIL METROPOLITANO
Logotipo da Universidade Federal de São CarlosEdUFSCar – Editora da Universidade Federal de São Carlos
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
Editora da Universidade Federal de São Carlos
Via Washington Luís, km 235
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DINÂMICA DEMOGRÁFICA E SOCIOESPACIAL NO BRASIL METROPOLITANO
convergências e especificidades regionais
Logotipo comemorativo de 30 anos da editora da universidade federal de São Carlos© 2018, dos autores
Capa
Leticia Paulucci
Coordenação editorial
Vitor Massola Gonzales Lopes
Projeto gráfico
Bianca Brauer
Preparação e revisão de texto
Marcelo Dias Saes Peres
Daniela Silva Guanais Costa
Vivian dos Anjos Martins
Meiry Ane Agnese
Editoração eletrônica
Walklenguer Oliveira
Editoração eletrônica (eBook)
Alyson Tonioli Massoli
Coordenadoria de administração, finanças e contratos
Fernanda do Nascimento
Apoio
Fapesp
Processo no 2013/07616-7, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a visão da Fapesp
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar
Moreira, Janine.
D583d Dinâmica demográfica e socioespacial no Brasil metropolitano: convergências e especificidades regionais / organizador: José Marcos Pinto da Cunha. -- Documento eletrônico. -- São Carlos: EdUFSCar, 2023.
ePub: 12,6 MB.
ISBN: 978-85-7600-569-8
1. Demografia. 2. Dinâmica demográfica. 3. Dinâmica socioespacial. 4. Regiões metropolitanas. 5. Migração interna. I. Título.
CDD – 304.8 (20a)
CDU – 312
Bibliotecário responsável: Ronildo Santos Prado – CRB/8 7325
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema de banco de dados sem permissão escrita do titular do direito autoral.
Agradecimentos
Seja pela dificuldade de mobilizar e articular tantos especialistas, seja pelo caráter padronizado das informações utilizadas, uma obra com os desafios organizacionais e técnicos que envolveram este livro não seria possível sem a contribuição de um grande número de pessoas e, claro, sem um sólido suporte institucional.
Assim, consignam-se, aqui, o agradecimento e o reconhecimento por todo o apoio recebido, para além de um gesto meramente formal, um ato imprescindível para se fazer justiça a tudo o que foi ofertado.
No que se refere às relações pessoais – e o que mais se preza –, destacam-se como fundamentais a dedicação, a lealdade, o comprometimento e, sobretudo, o carinho recebidos.
Em primeiro lugar, agradecimento à inesquecível e incansável orientanda e assistente de pesquisa Raquel Alonso, pois, diz-se, sem medo de errar, que, se não fosse por sua competência (intelectual e operacional) e dedicação, este livro não teria sido elaborado.
Vários alunos de graduação também foram importantes, pois, com responsabilidade e compromisso, contribuíram para a organização dos dados e demais tarefas que envolveram a produção deste livro. Assim, o agradecimento a eles (em ordem alfabética, para não cometer injustiças): Charles Tabarin, Clayton Henrique Alves, Glaucia Canova, Larissa Koane, Leandro Soares Arantes, Luiz Fernando Vieira dos Santos, Saulo Dias Silva e Miqueias Araujo, não apenas pelo prazer de tê-los como alunos e estagiários, mas também pela possiblidade de vê-los crescer no processo de pesquisa, um ingrediente à parte neste empreendimento.
Da mesma forma, muitos outros alunos/orientandos deram continuidade ao trabalho, em uma etapa decisiva e final da produção do livro. Nesse caso, um destaque especial à Kesia Anastácio e o reconhecimento de Dafne Sponchiado, Guilherme Ortega e Luiz Antonio Chaves pelo suporte oferecido. Trata-se de um quarteto
que une capacidade intelectual e criatividade, com uma incrível consciência de trabalho coletivo.
Embora óbvio, também é importante registrar agradecimentos explícitos aos colegas autores e autoras dos vários capítulos, além de uma especial menção a Alberto Jakob, colega e apoiador em todos os momentos. O sentimento é de orgulho por ter entre os que assinam os estudos alguns dos mais importantes especialistas sobre o tema da demografia brasileira. Também é motivo de muita alegria o fato de este livro ter contado com a participação de vários alunos de pós-graduação.
Finalmente, como não se vive no vácuo e como boa parte do que se faz e é se deve às instituições, externa-se o mais profundo agradecimento ao Núcleo de Estudos Populacionais Elza Berquó
(Nepo), instituição de acolhida pessoal há mais de trinta anos, ao Centro de Estudos da Metrópole (CEM), pelo apoio de sempre, ao CNPq e à Fapesp, pelo suporte financeiro, sem o qual tal empreitada teria sido muito mais difícil, e, por fim, ao Serviço de Apoio ao Estudante (SAE), da Unicamp, que, com suas bolsas de estágio, permitiu a ajuda de vibrantes alunos de graduação e a convivência com eles.
Não há como celebrar a publicação de uma obra sem, por fim, que se comemore o fato de que, no processo de sua elaboração, tenha havido a fortuna de se poder contar com um valioso suporte institucional e, sobretudo, com tanta gente dedicada, entusiasta e comprometida.
José Marcos Pinto da Cunha
abril de 2018
Sumário
Apresentação
José Marcos Pinto da Cunha
Prefácio
Suzana Pasternak e Lucia Maria Machado Bógus
Introdução
José Marcos Pinto da Cunha, Anderson Kazuo Nakano e Késia Anastácio Alves da Silva
Região Metropolitana de São Paulo
José Marcos Pinto da Cunha e Camila D’Ottaviano
Região Metropolitana do Rio de Janeiro
Ednelson Mariano Dota e Luiz Antônio Chaves de Farias
Região Metropolitana de BELO HORIZONTE
Fausto Brito e Breno Aloísio T. Duarte de Pinho
Região Metropolitana de PORTO ALEGRE
Ricardo Rippel
Região Metropolitana de RECIFE
Wilson Fusco e Késia Anastácio Alves da Silva
Região Metropolitana de FORTALEZA
José Marcos Pinto da Cunha, Suyanne Galvão Bacelar e Sérgio Stocco
Região Metropolitana de CURITIBA
Ricardo Rippel
Região Metropolitana de SALVADOR
Kleber de Oliveira e Guilherme Margarido Ortega
Região Metropolitana de BELÉM
Alberto Augusto Eichman Jakob e Raquel Maria de Lima Alonso
Síntese dos Principais Resultados E ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS NOVE RMs
José Marcos Pinto da Cunha, Luiz Antonio Chaves de Farias, Késia Anastácio Alves da Silva e Dafne Sponchiado Firmino da Silva
Anexo 1 – ALGUMAS QUESTÕES TÉCNICAS E METODOLÓGICAS
Anexo 2 – MATRIZES MIGRATÓRIAS
Sobre os AUTORES
Apresentação
Este livro surge com o intuito de ampliar a reflexão sobre temas urbanos/metropolitanos, a partir da concretização de um sonho antigo, qual seja, o de reunir demógrafos com os quais há compartilhamento não apenas de frutífera amizade, mas de interesses, prioridades e visões de mundo.
Assim, aproveitando as redes estabelecidas, seja via docência (sim, pois vários autores foram alunos), seja por trocas de saberes realizadas em reuniões científicas, em especial aquelas realizadas pela Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), tornou-se possível organizar este volume.
Portanto, este livro é resultado, antes de tudo, de um processo coletivo e cooperativo de várias instituições e diversos demógrafos especialistas nos temas tratados.
Dessa forma, este livro reúne um conjunto de estudos que pretendem contribuir para a reflexão sobre o processo de expansão territorial e a dinâmica migratória registrados no final do século XX e começo do século XXI, no âmbito das nove regiões metropolitanas federais
do Brasil. Para tanto, a obra conta com um capítulo para cada uma dessas RMs, bem como uma introdução e uma conclusão que buscam contextualizar a discussão sobre seu objeto.
Com base em um conjunto de dados padronizados, de forma a conferir certa unicidade às questões tratadas, mas com ampla autonomia aos autores para as interpretações e análises, este livro se caracteriza por seu enfoque eminentemente demográfico, sendo, por isso, uma contribuição original aos estudos sobre processos e fenômenos perpassados em nossas regiões metropolitanas. Isso ocorre porque não apenas agrega, em um único volume, a análise sobre várias RMs do país, mas também porque mostra como os dados censitários podem ser usados para a compreensão de uma dimensão essencial para se compor o complexo mosaico da constituição e consolidação do que se poderia chamar de Brasil Metropolitano
.
A partir da análise sociodemográfica dos processos de expansão das principiais RMs no Brasil e com ênfase na dinâmica migratória e socioespacial, pretende-se, por um lado, analisar as principais mudanças ocorridas na passagem do século XX para o XXI. Nesse sentido, busca-se compreender os principais condicionantes dessas transformações. Por outro lado, pretende-se analisar as semelhanças e especificidades observadas entre as várias RMs, com o intuito de apresentar uma reflexão sobre os distintos elementos que atuam sobre a constituição da forma metropolitana
e o papel dos componentes demográficos; em especial a migração.
Embora seja cada vez mais comum ler ou ouvir sobre possíveis processos de interiorização, desconcentração metropolitana, crescimento das cidades médias etc., o que fica muito claro neste livro é a importância das regiões metropolitanas em diversas escalas e contextos, demográficos e socioeconômicos, na escala regional ou nacional. São elas, as regiões metropolitanas, portanto, que continuam dando boa parte das cartas
no que se refere à redistribuição espacial da população, à reprodução social e às condições de vida de grande parte da população brasileira.
Por fim, este livro surge em um momento oportuno, com a esperança de que se possa contribuir de forma significativa para o melhor conhecimento dos processos metropolitanos.
Espera-se que as considerações e informações aqui trazidas possam motivar novos e mais profundos estudos sobre esse fenômeno que tem mudado de face, é verdade, mas continua a representar um dos maiores desafios na busca por uma sociedade mais equitativa, em que todos tenham acesso às benesses que o ambiente urbano (em particular, dos grandes centros) pode oferecer. Boa leitura.
José Marcos Pinto da Cunha
organizador
Prefácio
Desde a criação, em 1973, das primeiras nove regiões metropolitanas brasileiras, muitos estudos foram produzidos com o objetivo de compreender as especificidades de suas dinâmicas socioespaciais e as características que distinguiam essas regiões metropolitanas de contextos não metropolitanos.
Entre esses estudos, destacam-se aqueles realizados pelos pesquisadores da rede Observatório das Metrópoles,[1] em 15 regiões metropolitanas brasileiras, no período de 1980-2015, incluindo as nove regiões estudadas neste livro.[2]
A abordagem interdisciplinar das análises realizadas por essa rede de pesquisa, com uma metodologia própria para o estudo dos fenômenos metropolitanos recentes, favorece muito a compreensão dos processos em curso, aqui recolocados de forma instigante e oportuna.
Hoje, os esforços dos pesquisadores têm se concentrado, cada vez mais, em compreender o que diferencia aquelas nove regiões metropolitanas, criadas no início dos anos 1970, das dezenas de outras que surgiram ao longo das décadas seguintes, a partir de critérios cada vez menos claros e que variaram conforme as especificidades regionais e os interesses políticos locais.
Seja qual for o recorte espacial adotado, é importante analisar as transformações em curso nos contextos metropolitanos, ao longo das últimas décadas, vez que constituem uma proxy do conjunto de mudanças na economia e na política de nosso País, com desafios à governança e à elaboração de políticas públicas eficazes no combate às desigualdades sociais urbanas.
A reconstrução dos processos de estruturação territorial, demográfica e social, realizada ao longo dos capítulos do livro, constitui importante subsídio para a compreensão do mosaico das questões que desafiam os planejadores urbanos e remetem a novas formas de enfrentamento da questão urbano-metropolitana no Brasil.
O estudo do processo de desconcentração que caracteriza grande parte das metrópoles, levando à dispersão e à reconcentração de atividades econômicas – a exemplo do que vem ocorrendo na macrometrópole paulista[3] –, ilustra bem o processo que envolve a criação de novas áreas metropolitanas, que, em geral, reproduzem e reforçam os processos de dualização presentes desde a configuração das primeiras metrópoles.
Essa expansão metropolitana marcada pelas transformações da estrutura produtiva é, também, expressão da incapacidade do Estado de superar as desigualdades sociais constitutivas de sua estrutura social e que se manifestam de modo perverso nas metrópoles, contribuindo para a expansão das periferias pobres e das favelas.
Nesse sentido, as nove regiões metropolitanas não conseguiram superar os processos de desigualdade socioespacial e acabaram por expressar um modelo
que se reproduziu em outros contextos metropolitanos recentes.
É importante assinalar que este livro é produzido em um contexto em que as grandes metrópoles, apesar das desigualdades regionais, assumem centralidade crescente na territorialização dos fluxos econômicos e populacionais globalizados.
Aqui, o processo de expansão metropolitana é bem analisado ao longo dos capítulos, ressaltando a complexidade social e econômica, o tamanho populacional e a importância política que transformaram as primeiras nove regiões metropolitanas em polos irradiadores de novas configurações metropolitanas em todo o território nacional.
Nesse sentido, a coletânea possui a unidade que caracteriza uma obra bem estruturada, com pressupostos teóricos bem delineados e cujos eixos analíticos permitem apreender tanto as semelhanças dos processos como as especificidades de cada metrópole, considerando os contextos regionais e o padrão de desenvolvimento capitalista nacional.
O livro organizou os capítulos com cada metrópole por meio de questões claras e colocadas para todas as unidades espaciais: o processo de crescimento das metrópoles brasileiras nas últimas décadas, caracterizado, inicialmente, pelo crescimento da cidade-polo e, posteriormente, por uma conurbação, com morfologia não raro fragmentada; e o comportamento dos componentes demográficos, com redução da fecundidade e da migração de longa distância e com preponderância da mobilidade pendular.
A obra também contribui ao analisar o crescimento intraurbano em cada metrópole estudada, segmentando seu espaço de forma coerente e similar para todas as aglomerações estudadas: polo, subpolos, periferias próxima e distante e, quando presentes, as chamadas periferias elitizadas (em São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre).
Em todas as unidades, os municípios-polo apresentaram taxas inferiores às dos outros grupos espaciais, além de saldo migratório negativo. As unidades espaciais agrupadas nas categorias subpolos e periferia tradicional próxima foram as que apresentaram, em todas as metrópoles, as maiores taxas de crescimento populacional.
Outro item estudado em todas as metrópoles foi a mobilidade pendular. Os autores dos diversos estudos sintetizaram, ainda, componentes quantitativos e qualitativos da migração, observando seus aspectos locacionais e seu perfil sociodemográfico em relação a duas características: idade e escolaridade dos migrantes.
Ficou claro, assim, que o perfil migratório difere entre metrópoles do Sudeste, como São Paulo, e do Norte-Nordeste, como Salvador, Fortaleza e Belém. Em São Paulo, os migrantes intrametropolitanos e intraestaduais apresentaram escolaridade mais alta do que os interestaduais. Já no Norte-Nordeste aconteceu exatamente o contrário: os intraestaduais registraram menor escolaridade, reforçando a hipótese de que a migração intraestadual para áreas metropolitanas da mesma região, principalmente as de contingentes populacionais que saem de zonas mais deprimidas, como as do semiárido nordestino, funciona como o que os autores denominam válvula de escape
para essa população, com forte atuação no papel de redistribuição populacional no âmbito regional.
Em síntese, no capítulo 1, sobre a Região Metropolitana de São Paulo, José Marcos Pinto da Cunha e Camila D’Ottaviano analisam os dados dos últimos períodos intercensitários, que mostram a perda contínua da preponderância populacional do polo e constatam que o crescimento demográfico é cada vez mais periférico, concentrando-se em dois grupos de municípios: os da periferia distante e os da periferia elitizada. Uma novidade observada é o fluxo migratório periferia-periferia, com deslocamentos da periferia tradicional próxima para a distante e a elitizada.
No capítulo 2, Ednelson Mariano Dota e Luiz Antônio Chaves de Faria focam na metrópole do Rio de Janeiro, observando forte redução de crescimento populacional na quase totalidade dos municípios que a compõem. Ainda é forte o componente interestadual da migração, sendo bastante tímida a participação de fluxos intraestaduais. Dentro do tecido metropolitano, percebe-se, como em São Paulo, o domínio do fluxo no sentido polo e subpolos, em direção às periferias tradicionais. Apesar da existência de populações de baixo status socioeconômico no polo (nas favelas), ainda se percebe um padrão de segmentação residencial centro-periferia, sendo esta última locus de camadas populares.
O capítulo 3 é desenvolvido por Fausto Brito e Breno Aloísio T. Duarte de Pinho, que caracterizam a área metropolitana de Belo Horizonte. Segundo os autores, essa região metropolitana se caracterizou por rápido crescimento populacional, com distribuição espacial desigual. Nas últimas décadas, a velocidade desse crescimento se reduziu para todas as subáreas. As razões apontadas vão desde a mudança no padrão reprodutivo até o declínio do saldo migratório. Ademais, o volume dos emigrantes aumentou, e o dos imigrantes diminuiu, ao mesmo tempo em que, como em São Paulo, os migrantes estão mais escolarizados. Belo Horizonte apresenta também uma periferia elitizada, com alto custo da terra e residência de camadas sociais abastadas. Contudo, as alternativas de moradia a um custo menor povoam os subpolos e as periferias tradicionais, condicionando os movimentos pendulares casa-trabalho/estudo.
No capítulo 4, Ricardo Rippel mostra que, no período em análise, a mobilidade espacial pendular na Região Metropolitana de Porto Alegre é fundamentalmente intrametropolitana e intraestadual. O fluxo interestadual é mínimo. Como em outras regiões, o saldo migratório do polo é negativo e, no resto da área, é positivo. Migrantes que se deslocam para áreas do polo e subpolos, tanto intrametropolitanos como pendulares, têm melhor perfil de renda e escolaridade. Todavia, deve-se observar também que as chamadas periferias tradicionais se apresentam como destino de trocas pendulares, embora polo e subpolos industriais, como Porto Alegre, Canoas, Novo Hamburgo, Viamão, São Leopoldo, sejam destinos preferenciais.
O capítulo 5 traz a análise sociodemográfica da Região Metropolitana do Recife, realizada por Wilson Fusco e Késia Anastácio Alves da Silva. A região metropolitana, tal como outras, apresenta declínio em sua taxa de crescimento. Contudo, os distintos municípios mostram taxas bem diferenciadas, como Olinda, com taxas próximas a zero, e Ipojuca, com taxas maiores que 3% anuais. A migração também diminuiu sua participação relativa no crescimento populacional, mas a modalidade intrametropolitana é ainda significativa, no polo e na periferia tradicional (Cabo de Santo Agostinho, Paulista, Abreu e Lima, Camaragibe, São Lourenço da Mata e Moreno). Os movimentos interestaduais provenientes do Sudeste (migração de retorno) mostraram relevância em momentos de crise econômica. Nos anos de 2002 a 2014, isso deixou de ser relevante. Os migrantes estão menos jovens e com melhor nível educacional, sobretudo os que se dirigem ao polo, e a pendularidade mais marcante é a dos municípios adjacentes ao polo, em direção a este.
José Marcos Pinto da Cunha, Suyanne Galvão Bacelar e Sérgio Stocco estudam a Região Metropolitana de Fortaleza, no capítulo 6. Embora a Região Metropolitana de Fortaleza apresentasse 19 municípios, em 2010, apenas 15 entraram na análise: os que apresentavam dados nos três últimos censos demográficos. Se, nos anos 1980, a região de Fortaleza crescia a taxas de 4% anuais, nos anos 2000 esse valor caiu para 1,7%. O peso da migração na taxa de crescimento reduziu de 40%, nos anos 1990, para 25%, nos anos 2000. Os municípios da região metropolitana foram categorizados em quatro tipos: polo (Fortaleza); subpolos (Caucaia, Eusébio, Maracanaú e São Gonçalo do Amarante); periferia tradicional próxima (Aquiraz, Itatinga e Pacatuba); e periferia tradicional distante (Cascavel, Chorozinho, Guaiúba, Horizonte, Maranguape, Pacajus e Pindoretama). A migração de retorno teve grande impacto nos anos 1990, perdendo seu peso na década de 2000. O município-polo, Fortaleza, apresenta um caráter nitidamente centrífugo, mostrando uma emigração considerável em todas as décadas estudadas. Nos outros municípios, a migração intrametropolitana apresenta maior peso no fluxo de migrantes. Por sua vez, as periferias da metrópole ainda apresentam crescimento significativo, e sua ocupação reúne não só os mais pobres como também camadas mais abastadas em condomínios na orla do Atlântico. Os autores notam a presença de condomínios fechados tanto em loteamentos de maior renda como na periferia tradicional. A violência muda o perfil de moradia, em bairros ricos e populares.
No capítulo 7, novamente Ricardo Rippel, o autor da análise de Porto Alegre, agora analisa Curitiba. Nota-se o peso significativo da Região Metropolitana de Curitiba, embora esse peso esteja diminuindo. Os fluxos populacionais entre os municípios da periferia também aumentaram. A migração pendular é considerável, estimando-se o montante de 100 mil pessoas se deslocando cotidianamente entre os municípios da metrópole, inclusive com saída de pessoas no núcleo em direção à periferia, embora a migração pendular mais significativa seja ainda dos subpolos e das periferias em relação ao núcleo central.
Kleber de Oliveira e Guilherme Margarido Ortega desenvolvem a análise de Salvador. Os autores comentam que os fluxos migratórios atuais diferem dos tradicionais, que mostravam ida de baianos para o Sul e o Sudeste. Ganha força a migração inter-regional. Indicadores sociais mostram que, embora o quadro intranordestino seja ainda desolador, percebe-se certa melhora: redução da pobreza, melhora na educação e avanços no mercado de emprego. Ressalta-se que, por trás disso, estão, sobretudo, os programas sociais, as aposentadorias e o emprego público. A Região Metropolitana de Salvador tinha, em 2010, 13 municípios e agregava pouco mais de 3,5 milhões de pessoas. Esses municípios foram classificados em polo (Salvador), subpolos (Camaçari e Lauro de Freitas), periferia tradicional próxima (Dias d’Ávila, Vera Cruz, Itaparica, Madre de Deus, São Francisco do Conde, Simões Filho e Candeias) e periferia tradicional distante (São Sebastião do Passé, Mata de São João e Pojuca). Salvador, o município-polo, apresenta taxa de crescimento pequena, de 0,93% ao ano, entre 2000 e 2010, e, embora receba migração intraestadual, apresenta saldo negativo nas trocas intrametropolitanas. Como local privilegiado de destino aparecem as periferias próxima e distante.
Finalmente, Alberto Augusto Eichman Jakob e Raquel Maria de Lima Alonso analisam a Região Metropolitana de Belém. Notam que a proporção da população residente na RMB (com pouco mais de 2,1 milhões de pessoas em 2010) não se alterou desde 1980 (quando representava cerca de 30% do estado) e, em 2010, 27% (7% da população estadual). A RMB conta com seis municípios, e sua taxa de crescimento populacional se reduziu nos anos 2000 (1,3% anuais), tanto em função da queda de fecundidade como do saldo migratório negativo, no período de 2005-2010. Depois dos anos 1970, com a priorização dos projetos de mineração e geração de energia, os pequenos produtores, anteriormente alocados no Pará, tiveram dificuldade de sobreviver da pequena propriedade familiar e acabaram migrando e se alocando nas periferias, ocupando as várzeas do município-polo. A estrutura fundiária de Belém é específica: depois de uma primeira légua densamente povoada, existe uma área militar, que expulsa novos residentes para uma terceira légua periférica. Parte importante: mais de 70% dos migrantes da RMB são originários do próprio estado, e 31% são migrantes intrametropolitanos. Ananindeua cresceu enormemente no período de 1991-2000 e continua crescendo: o fluxo migratório de Belém para Ananindeua foi de mais de 21 mil pessoas, entre 2005 e 2010, 53% de toda a migração intrametropolitana. Os autores concluem que a Região Metropolitana de Belém cresce de maneira pouco significativa, mas apresenta expressiva redistribuição espacial, com as periferias aumentando e o núcleo crescendo menos.
O livro finaliza com uma síntese dos principais resultados e uma análise comparativa entre as nove regiões metropolitanas, realizadas por José Marcos Pinto da Cunha, Luiz Antonio Chaves de Farias, Késia Anastácio Alves da Silva e Dafne Sponchiado Firmino da Silva. Os autores problematizam o processo de dispersão das metrópoles brasileiras, já que essa desconcentração se limita a algumas metrópoles e se direciona a núcleos urbanos sob a área de influência da metrópole. Notam que o período de maior crescimento populacional metropolitano ocorreu na década de 1970, quando a fecundidade era alta e a migração interna, significativa. Em todas as metrópoles estudadas, nota-se o declínio de taxas de crescimento nas últimas décadas, sobretudo nos anos 2000. O declínio da migração interestadual fez com que as metrópoles nordestinas atuassem no âmbito regional como o que os autores chamam de colchões de amortecimento
dos fluxos migratórios oriundos de áreas deprimidas. Assim, dentro de cada área metropolitana, percebeu-se a tendência de redistribuição espacial da população saindo do núcleo em direção aos diversos tipos de periferia, inclusive incluindo segmentos populacionais de alta renda, nas chamadas periferias elitizadas. Os fluxos migratórios mostram seletividade, com maior proporção de pessoas com escolaridade mais alta.
Lefebvre[4] falava na implosão-explosão da cidade como resultado da concentração e dispersão de pessoas e atividades econômicas. Gottmann,[5] em seu livro Megalopolis, descrevia a conurbação na costa leste dos Estados Unidos e colocava esse fenômeno visível em fotos aéreas, com expressão de um novo estágio da metropolização.
Os estudos do presente livro mostram a dispersão da população pelo tecido metropolitano, formatam um tecido conturbado, fragmentado e com pontos de concentração, verdadeiras nebulosas urbanas, como comenta Lencioni.[6]
Talvez o conceito de megarregião seja futuramente utilizado para descrever esse fenômeno, já perceptível no eixo Rio-São Paulo. Para alcançar esse assunto, os autores terão, então, que produzir uma nova coletânea.
Suzana Pasternak
Lucia Maria Machado Bógus
São Paulo, 7 de maio de 2018
Referências
Bógus
, L.;
Pasternak
, S. (Org.). São Paulo: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital/Observatório das Metrópoles, 2015.
______
. Urbanização e desigualdade socioespacial no estado de São Paulo: um estudo da macrometrópole paulista. In:
Seminário
Nacional Governança Metropolitana e Regimes Urbanos, Observatório das Metrópoles
. Texto para debate… Natal, março 2017. (não publicado).
Emplasa.
Plano de ação da macrometrópole – PAM. São Paulo:
Emplasa
, 2013.
Gottmann
, J. Megalopolis: the urbanized Northeastern seaboard of the United States. Norwood: The Plimpton Press, 1961.
Lefebvre
, H. La revolution urbaine. Paris: Gallimard, 1970.
Lencioni
, S. A metamorfose de São Paulo: o anúncio de um novo mundo de aglomeração urbana. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, n. 120, p. 133-148, 2011.
______. Urbanização difusa e a constituição de megarregiões. O caso de São Paulo-Rio de Janeiro. E-metropolis, n. 22, ano 6, set. 2015.
Meyer
, R.;
Galvão, R.; Longo
, M. R. São Paulo e suas escalas de urbanização: cidade, metrópole e macrometrópole. Revista Iberoamericana de Urbanismo, [online], n. 12, 2015. Disponível em:
Ribeiro
, L. C. A metrópole em questão. Rio de Janeiro: Letra Capital/Observatório das Metrópoles, 2017.
1 Bógus e Pasternak (2015).
2 Ribeiro (2017).
3
Emplasa
(2013), Lencioni (2011), Meyer, Galvão e Longo ([2015] 2018), Bógus e Pasternak (2017).
4 Lefebvre (1970).
5 Gottmann (1961).
6 Lencioni (2015).
Introdução
José Marcos Pinto da Cunha
Anderson Kazuo Nakano
Késia Anastácio Alves da Silva
O que nos motiva
Em um texto recentemente produzido para um livro sobre a Região Metropolitana de São Paulo,[1] fez-se uma reflexão sobre a importância do estudo do processo de crescimento e expansão socioterritorial das metrópoles e, principalmente, sobre qual seria, ainda hoje, o papel das grandes aglomerações urbanas no âmbito do processo de urbanização brasileiro.[2]
Nesse sentido, os estudos que se apresentam a seguir buscam refletir sobre o processo de desconcentração que permeou algumas regiões metropolitanas e que levaria, segundo autores como Santos,[3] à emergência de um processo de interiorização
e desmetropolização
, particularmente no Sudeste brasileiro, embora sem negar que, em tal tendência, o que se defendia era seu caráter apenas parcial e muito relativo, aspecto, aliás, identificado bem antes de se ter acesso aos dados do Censo de 2010.[4]
De fato, os dados mostravam que, mesmo ao longo do que teria sido, no entender de alguns autores,[5] o período de maior desconcentração metropolitana no País (pós-1980), a participação relativa do conjunto das regiões metropolitanas praticamente não sofreu modificações, sendo que, em alguns casos, como no Distrito Federal e em Belo Horizonte, até mesmo se registrou um leve incremento.
No âmbito internacional, essa mesma questão esteve em pauta e mobilizou muitos pesquisadores que estavam não apenas preocupados com o fenômeno em si, mas também queriam analisar as consequências do declínio do crescimento das metrópoles sobre a rede urbana dos países europeus,[6] da América Latina[7] e dos Estados Unidos.[8] No entanto, a despeito do fato de que, sobretudo nos anos 1970, havia, em muitos países, uma clara indicação de que as cidades centrais estavam perdendo peso relativo, principalmente em termos demográficos, análises como os de Champion e Frey[9] mostravam que essa desconcentração era relativa e não se sustentaria ao longo do tempo.
Champion,[10] por exemplo, asseverava que, já nos anos 1980, nos países ditos desenvolvidos
, a expectativa de aprofundamento da contraurbanização
não se havia concretizado em larga escala, tendo, ao contrário, até sido observada certa reversão em direção à reconcentração. Para a América Latina, do ponto de vista demográfico, as teses de desconcentração ou mesmo de sua continuidade não eram sustentadas, já que, segundo Lattes,[11] nos anos 1990, em vários países, o processo se arrefecia ou mesmo se revertia, como nos casos de México, Colômbia, Uruguai e Chile, com relação às RMs que continham suas capitais.
Segundo alguns dos autores, entre eles Champion,[12] um dos principais elementos levantados para explicar a desaceleração (ou descontinuidade) da desconcentração desde as grandes cidades estaria associado às transformações produtivas observadas particularmente nos anos 1990. Assim, a emergência da chamada "information economy", fruto da globalização e da reestruturação produtiva,[13] teve significativas implicações sobre a organização da economia e do mercado de trabalho[14] e, ao contrário do que se poderia prever, não apenas reconfigurou, mas também reforçou o papel das cidades, em particular as de maior porte.[15]
Além disso, não se pode esquecer que, no caso dos países latino-americanos, a centralização de estruturas políticas e administrativas nas grandes cidades era uma característica que também favorecia a concentração das atividades produtivas, em particular aquelas ligadas aos serviços.[16]
Assim, na busca por encontrar um caminho mais conciliador das tendências observadas, talvez o termo desconcentração-concentrada
, utilizado não apenas por Rodriguez e Busso,[17] em uma análise demográfica da situação latino-americana, mas também por Azzoni e Cano,[18] a partir da dimensão econômica, poderia ser o melhor caminho para compreender as tendências de expansão demográfica e econômica para além das fronteiras metropolitanas, mas em raios limitados espacialmente.
Em um trabalho do final dos anos 1980, Martine[19] também observava que muito pouco restava das tendências de redistribuição espacial da população que levavam à sua interiorização; aliás, segundo ele, tal comportamento não apenas manteve seu ritmo, como o acentuou.
Na verdade, até mesmo o tão propalado crescimento das cidades médias
não resistiu a uma análise mais minuciosa, se considerados os contextos urbanos em que se localizam a maior parte dessas cidades no Brasil.
De sua parte, Cano[20] também parece não ter dúvidas sobre o caráter limitado e relativamente concentrado dessa desconcentração demográfica […]
.
O argumento aqui defendido, com base em uma análise demográfica, encontra ainda respaldo nas reflexões feitas por Davidovich,[21] para quem
parece suficiente observar que, desde fins da década de 1970, quedas de produtividade industrial vinham afetando centros importantes dos Estados Unidos e da Europa, a chamada crise da acumulação fordista
; aumentavam, assim, as pressões por mudanças financeiras e econômicas e para a reestruturação produtiva. Tais mudanças têm convergido para movimentos de recentralização da riqueza, que estão, segundo Veltz (1996), na base da volta da metrópole. A concentração urbana estaria retomando, assim, o papel estratégico que já exercera na atração e fixação de ativos, ou seja, na valorização do capital; a metrópole constituída no suporte, por excelência, de forças de aglomeração e de crescimento econômico […]
É preciso considerar, ainda, que tal perspectiva de volta da metrópole não se cingiu aos países mais desenvolvidos. Na agenda de política urbana do Banco Mundial para a década de 1990, destinada a países como o Brasil, a metrópole foi focalizada como motor do crescimento econômico, não mais estigmatizada como uma expressão de patologia urbana.[22]
Na verdade, a questão metropolitana
não se coloca como importante apenas pelo fato de as regiões metropolitanas terem reestabelecido (ou seria mantido?) sua hegemonia no contexto nacional. Mesmo que o fenômeno da desconcentração fosse uma realidade inconteste e continuada, ainda dever-se-ia considerar as implicações que décadas de concentração tiveram sobre a dinâmica interna das RMs. Ou seja, ainda hoje se observa um grande potencial redistributivo da população, seja devido à migração interna, que, mesmo em baixa, representa parte significativa do crescimento das periferias, seja em função da migração intrametropolitana, que continua intensa, ou, ainda, do próprio crescimento vegetativo dessas áreas, que, embora muitas vezes ignorado, pode fazer a diferença no processo de redistribuição espacial da população no interior dessas áreas.