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Os Cavaleiros da Triste Figura: uma experiência decolonial do Dom Quixote do Bugio: um processo artístico de criação cênica com o Grupo Teatral Boca de Cena de Aracaju - SE
Os Cavaleiros da Triste Figura: uma experiência decolonial do Dom Quixote do Bugio: um processo artístico de criação cênica com o Grupo Teatral Boca de Cena de Aracaju - SE
Os Cavaleiros da Triste Figura: uma experiência decolonial do Dom Quixote do Bugio: um processo artístico de criação cênica com o Grupo Teatral Boca de Cena de Aracaju - SE
E-book328 páginas3 horas

Os Cavaleiros da Triste Figura: uma experiência decolonial do Dom Quixote do Bugio: um processo artístico de criação cênica com o Grupo Teatral Boca de Cena de Aracaju - SE

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Sobre este e-book

Este estudo objetiva analisar os elementos da cultura popular ao evidenciar questões políticas e estéticas, assim como repensar as presenças dentro do espetáculo "Os Cavaleiros da Triste Figura", realizado pelo grupo teatral sergipano Boca de Cena de Aracaju/SE e que teve como inspiração o romance de Miguel de Cervantes, Dom Quixote de La Mancha. Para tanto, utilizo da minha experiência (escrevivência), já que integro o espetáculo enquanto produtor e ator e assim abordo a trajetória do espetáculo em estudo, como forma de situar o emprego do conceito de cultura popular na perspectiva pós-colonial discutindo com conceitos como: decolonial, culturas híbridas, lugar de fala, entre-lugar e escrevivência. Nesse sentido, uso os registros produzidos pelo próprio grupo teatral, bem como todas as evidências empíricas produzidas durante a construção do espetáculo até o seu contato com o público, os depoimentos e as experiências relatadas pelos envolvidos no projeto cênico.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento7 de fev. de 2022
ISBN9786525219943
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    Os Cavaleiros da Triste Figura - Rogério Alves

    Os Cavaleiros da Triste Figura : uma experiência decolonial do Dom Quixote do BugioExpedienteOs Cavaleiros da Triste Figura : uma experiência decolonial do Dom Quixote do BugioCréditos
    O Livro é realizado a partir da dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Culturas Populares – PPGCULT, da Universidade Federal de Sergipe-UFS, referente à linha de pesquisa Artes populares: processos analíticos, pedagógicos e criativos, Tendo como orientador: Prof. Dr. Fernando José Ferreira Aguiar.
    Á minha família, ao grupo teatral Boca de Cena,
    amigos, professores, mestres e todos que de alguma forma
    contribuíram para que esta obra pudesse se concretizar.

    AGRADECIMENTO

    A Olódùmarè (DEUS), o divino pai todo poderoso. A Èsù(Exu) que percorre esses caminhos em múltiplas direções como um mensageiro que traz movimento ao mundo e que rompe o destino, que desafia o pré-estabelecido. Às forças ancestrais, em especial a Sàngó (Xangô) pela instauração da justiça. À Ògún (Ogum) pelo desbravamento e pela abertura de novos caminhos. E à Virgem MARIA mãe de JESUS (quem tem Maria como mãe, tem sempre o amor de Jesus... Maria passa à frente, pisa na cabeça da serpente, intercede junto a Jesus, cruz sagrada, seja minha luz). E a Nossa Senhora de APARECIDA, patrona do Brasil, por mais uma conquista realizada e por ter me dado forças para vencer todos os obstáculos encontrados durante a realização deste estudo.

    Aos amigos, aos familiares, em especial Maria Lúcia Santos Alves (mãe biológica) e Valdemira de Matos Santos de Meirelles (mãe de criação), as minhas sobrinhas: Bianca Letícia e Clarice Xavier. Aos irmãos, em especial a Leandro Santos Alves que foi o mais próximo de todos. A Théspis Benjamin (meu cachorrinho) que na solidão de casa cheia, na produção da escrita, era a matéria do ser presente que distribuía afetos entre as horas de descanso e produção.

    Ao Café, aos Chás, às ervas... Aos incensos!

    A toda classe artística sergipana e brasileira por me apontar caminhos e estímulos para a produção da cena e da pesquisa.

    Ao grupo Boca de Cena e a todos que contribuíram para a existência dessa história até o presente momento. Em especial, a toda equipe do espetáculo Os Cavaleiros da Triste Figura por me oportunizar a produção do seu material artístico, uma potente investigação deste estudo, tendo como base a obra de Miguel de Cervantes, Dom Quixote de La mancha.

    À comunidade do bairro Bugio e seu entorno por estar aberto e oportunizarem o diálogo, o compartilhamento e o aprendizado diário a partir da troca de afetos que estão ligados intrinsecamente às artes das cenas e às cenas do cotidiano para refletir a condição da existência humana.

    A meu orientador, Prof. Dr. Fernando José Ferreira Aguiar, que ao longo da caminhada segurou em minhas mãos e olhando nos meus olhos transmitiu segurança, confiança, lealdade e disposição. Sendo ele o farol para as minhas questões de atravessamentos pessoais e impessoais nesta escrita-experiência, mostrando que a cultura não é a pedra no rio, a cultura é o rio que passa como ressalta Lilia Schwarcz, em exposição Culturas Mestiças. Fernando Aguiar foi muito atento às especificidades deste estudo, oferecendo as melhores ferramentas de trabalho, ajustando seu estilo de orientação às minhas necessidades-dificuldades. Agradeço à escuta, à calma e à compreensão que, creio, propiciaram uma parceria honesta neste trabalho e um crescimento em sentido amplo.

    Agradeço a todo corpo docente do PPGCULT/UFS - Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Culturas Populares da Universidade Federal de Sergipe que contribuiu nesse ciclo de minha vida, um programa novo que se insere no campo universitário com a consciência da sua responsabilidade social e pública, se colocando em diálogo com o contexto cultural sergipano-brasileiro, interferindo com suas análises e produções voltadas para o campo de grupos subalternizados culturalmente, o popular, o preto, o pobre, o exótico, esse outro que é tanto de nós! Aos colegas-estudantes desse programa, fazendo da universidade pública e gratuita um lugar de qualidade e comprometimento social como nos faz refletir a professora Alexandra Dumas.

    Em especial, Maicyra Leão, meu circuito neural, minha orientadora de TCC nesta mesma Universidade no curso de Teatro Licenciatura, no ano de 2010 e que me estimulou na produção do conhecimento e hoje percebo os seus ecos também neste trabalho dissertativo.

    Agradeço a Banca avaliadora do meu trabalho dissertativo pelos cuidados, atenção com a experiencia que é ponto firme dessa encruzilhada móvel. Obrigada pela oportunidade de encontro com o Alexandra Dumas, Gerson Praxedes, Neila Maciel, que me oferecem aprendizados com suas críticas a temas tão caros.

    Por fim, a sensação desta escrita-experiência me provoca orgulho, satisfação, empoderamento, realização e desejo de ação contínua, que não se esvazia com o fim deste trabalho.

    Como é bom ter tempo para investigar, pesquisar, ler e produzir a escrita. Para o acontecimento da práxis entre leitura-escrita, um orgasmo mental. Segundo Schopenhauer [...], todo enamoramento, depois do gozo finalmente alcançado, experimenta uma estranha desilusão e se surpreende de que aquilo que tão ardentemente desejou não ofereça nada mais do que qualquer outra satisfação sexual [...]. É certo que preciso continuar buscando novas paixões na leitura e na escrita a partir da investigação da cena teatral.

    Me lembro quando comecei esse empreendimento cujo tempo seria um grande problema pelas demandas que assumo para sobreviver! E nesse imenso conflito de manter a pesquisa no âmbito da arte e a sobrevivência que é a labuta diária, na tentativa de sonho-realidade ou na ilusão de mais uma tentativa de sobreviver e construir sonhos e narrativas que vão compondo EXISTÊNCIA, RESISTÊNCIA e SOBREVIVÊNCIA.

    Ainda para Schopenhauer são dessa natureza os esforços e os desejos humanos que nos fazem vibrar diante da sua realização como se fossem o fim último da nossa vontade; mas depois de satisfeitos mudam de fisionomia.

    Schopenhauer falava da relação entre sonhos e realidade. Para ele, seria impossível distinguir as duas condições. A vida seria um sonho muito longo, interrompido durante a noite por outros sonhos curtos. Nós temos sonhos; não é talvez toda a vida um sonho? Mais precisamente: existe um critério seguro para distinguir sonho e realidade, fantasmas e objetos reais?, afirma Schopenhauer.

    E que nessa dicotomia entre o sonho e a realidade entre a vida e a arte que eu seja sempre impulsionado pelo prazer de aprender! Que eu seja inquieto, questionador, provocador!

    Que eu tenha FOME!

    PREFÁCIO

    POR FERREIRA AGUIAR

    1

    (TEXTO EXTRAÍDO DO LIVRO OS CAVALEIROS DA TRISTE FIGURA: UM ESTUDO CÊNICO DECOLONIAL DO DOM QUIXOTE DO BUGIO)

    UM CAVALEIRO DA TRISTE FIGURA BUGIANDO PELAS ENCRUZILHADAS DO DECOLONIAL: ENTRE LOUCURAS E DELÍRIOS TRANSFORMANDO O MUNDO DA CENA EM UM TEMPO DE DESENCANTOS

    O menino manda bugiar o velho, com a mesma liberdade com que o ancião manda bugiar uma criança. Tanto se manda bugiar pela manhã, como à tarde; de dia, como de noite. O cavalheiro tem licença para mandar bugiar o vilão, e o plebeu não tem impedimento para mandar bugiar o fidalgo. O homem manda bugiar algumas mulheres, e uma mulher manda bugiar todos os homens. Quanto aos casados, mandam-se bugiar reciprocamente, e, por causa do grande amor que devem ter entre si, correspondem-se pela maior parte com mui igual tratamento nesta matéria (...). O príncipe quer só para si o privilégio de usar do termo e por essa razão capacitou a V. Senhoria que era obsceno. É próprio, natural, composto, e nas ocasiões necessárias é muito honesto e aprovado. Fie-se V. S. no que lhe digo e creia que são verdadeiros e mui dignos de se imitarem os exemplos que lhe refiro. Para mostrar a V. S. ultimamente que o termo é legítimo, estava para acabar a carta mandando bugiar a V. S. 2

    O registro mais antigo que temos na língua portuguesa da expressão/verbo bugiar remonta ao século XIII, segundo o Dicionário das origens das frases feitas ³. Certamente que quem primeiro a registrou foi o poeta Nuno Treez, em cantigas medievais galego-portuguesas, Nom vou eu a Sam Clemenço orar, e faço gram razom, registradas no antigo ‘Cancioneiro Colocci-Brancuti (...) Em mi tolher meu amigo filhou comigo perfilha , por end’arderá, vos digo, ant’el lume de bogia, nem mi aduz o meu amigo, pero lho rog’e lho digo (...).

    No corpo de seu cancioneiro o verbo bugiar aparece com o sentido vela de sebo, uma vela bem mais modesta que as produzidas na época em Paris. Não obstante, ainda que no mesmo período, segundo o ‘Dicionário das Origens das Frases Feitas, a expressão popular ‘Ir bugiar’, significava afastar-se para não importunar.

    Nesse poema de Nuno Treez, ‘bogiar’ expressa e externa em sua narrativa a birra de uma das personagens com o santo intercessor, São Clemenço, que não atende o seu pedido para trazer-lhe seu amigo de volta ao convívio⁴.

    Passados quase três séculos do emprego do termo bogiar por Nuno Treez, o poeta Gil Vicente, em seu Auto Pastoril Português, de 1523, emprega a expressão bogiar ressemantizada. A expressão em seu contexto expressa o sentido de macaco, Vai vai Joane bogiar, nan andes como alpavardo. Viste já o meu saio pardo? Se mo vês hás de raivar (...).

    Já em 1534, o mesmo Gil Vicente em sua peça de teatro Auto de Mofina Mendes ou Auto dos Mistérios da Virgem, endereçada às matinas do Natal, emprega a expressão bogiar com o sentido de candeia (vela), Senhora não monta mais semear milho nos rios que querermos por sinais meter cousas divinais nas cabeças dos bogios (...).

    Bugia é também uma cidade portuária mediterrânica argelina, que segundo o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa: Quando o último rei mouro de Granada, Boadbil, perdeu o trono, foi exilado para Bugia, cidade argelina onde, segundo certas informações da época, os espanhóis encontraram grande número de macacos.

    Podemos ainda encontrar referências dos usos da expressão bogio ou bugiar tanto no escritor, cortesão e comediógrafo renascentista português, Jorge Ferreyra de Vasconcellos em sua Comedia Ulysippo (1561) em um dos diálogos envolvendo os seus personagens, dentre eles o criado Barbosa : (... ) e dirvosei amigo Barbosa, porque saibais onde a bogia tem o rabo, e de que pé me calço.⁷, quanto no Auto Camoniano de El-Rei Seleuco ( escrito em 1545, impresso pela primeira vez em 1616), marcado pela melancolia erótica. No corpo da poética de El-Rei Seleuco. Camões assim emprega a expressão bugiar: Haveis isto de acabar, / Coração, hi bugiar, / No esteis preso en cadenas, / Que pois o amor vos deo penas, / Que vos lanceis a voar.

    Ao longo dos séculos a expressão bugio ou bugiar foi sendo ressemantizada e ressignificada, assumindo, conforme os tempos e costumes, sentidos que lhe são atribuídos.

    Na periferia de Aracaju, Bugio é o nome mais popular de uma comunidade, situada na zona norte da cidade, local onde encontra-se localizada a sede do Grupo Teatral Boca de Cena, que, valendo-se das experiências e costumes locais e interagindo com seus moradores, resolveu, livremente inspirado na obra cervantina, Don Quijote de la Mancha, publicada a sua primeira parte de 1605 e a segunda no ano de 1616, escrever a base de seu espetáculo O cavaleiro da triste figura, contando com a colaboração de nomes mais renomados do mundo da cena nacional.

    Entre loucuras e delírios, em uma dimensão crítica da realidade, o espetáculo, inverte a lógica medievalesca ibérica colonial, e sem abrir mão das inspirações cordelísticas, propicia um novo significado para a expressão bugiar, para além de mandar às favas a colonialidade do saber e do poder, sinalizando para os entre-lugares do mundo da cena, da carpintaria da cena, decolonizando a experiência teatral sergipana, numa perspectiva cultural hibrida, identitária, popular, fazendo de sua sede e da comunidade onde está localizada , um lócus de resistência, resistência identitária, com ares quixotescos num mundo triste e desencantado.

    Bugiar passa então a ser sinônimo de ir além de todas as lógicas, as quais, cenicamente, o grupo e seu espetáculo pensaria em alcançar. Sonhou em tempos difíceis, enfrentou moinhos de ventos sem perder a vontade de levar ao Brasil uma forma de bugiar. E assim, bugiou em vários palcos Brasil a fora, invadiu a universidade, fez seu texto retornar bugiado à Espanha, se transformou em dissertação de mestrado em Culturas Populares, fazendo da utopia, um sonho realizável, hoje transformado em livro.

    Evoé! Tornemos as quimeras e os desejos de um mito medieval, de uma ‘Cavaleiro da triste figura na saga e nas pelejas possíveis de dar vida, vez e voz às periferias do mundo, assim, reinventamos a cada possibilidade , um Dom Quixote menos medieval e mais contemporâneo, menos hispânico e mais universal, fazendo assim, cumprir o que há muito já nos ensinara Miguel de Unamuno y Jugo, ensaísta, romancista, dramaturgo, poeta e filósofo espanhol (Bilbau, 29 de setembro de 1864 – Salamanca, 31 de dezembro de 1936), ao defender que : Desde que el Quijote apareció impreso y a la disposición de quien lo tomara en mano y lo leyese, el Quijote no es de Cervantes, sino de todos los que lo lean y lo sientan".

    Sonhemos, sonhos possíveis, quixotemos a partir das periferias e para além das colonialidades, inclusive no mundo das artes e da cena, eis o novo sentido para o verbo bugiar, nos ensinado pelo Grupo Teatral Boca de Cena, através das andanças e lições ensinadas a partir do espetáculo, o cavaleiro da triste figura.

    Bugiemos o que há de bom, o que há de melhor!


    1 Prof. Dr. Fernando José Ferreira Aguiar, Professor Adjunto, lotado no Departamento de Museologia da UFS, Prof. Permanente do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Culturas Populares ( PPGCULT/UFS) e do Programa de pós-Graduação em Arqueologia (PROARQ/UFS), foi o orientador da Dissertação: Os Cavaleiros da Triste Figura: uma experiência decolonial a partir de um processo artístico de criação cênica com o Grupo Teatral Boca de Cena de Aracaju – Se , defendida por Rogério Santos Alves , em 17 de novembro de 2020.

    2 Excerto de uma carta de Francisco Xavier de Oliveira (personagem se atribuiu a si mesmo em francês, Chevalier d’Oliveira, Cavaleiro de Oliveira ( 1702- 1783), escrita em Viena - Áustria em 12 de janeiro de 1738, em português, na qual responde à Condessa de N. , ‘que lhe perguntara o que era ir bugiar". In: Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Disponível em: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-origem-da-expressao-ir-bugiar/16554. Acesso em 28 de maio de 2021.

    3 NEVES, Orlando. Dicionário das origens das frases feitas. Porto: Lello & Irmão, 1992.

    4 A moça está zangada com S. Clemenço porque, por mais que lhe rogue, o santo não lhe traz o seu amigo de volta. Se ele atendesse ao seu pedido, ela não olharia a meios para lhe acender inúmeras velas (e das grandes). Mas já que tem a certeza de que não vai ver o seu amigo tão cedo, para quê pôr velas caras (de Paris) no seu altar? O santo terá de se contentar com uma velinha das mais modestas. "(...) Em mi tolher meu amigo filhou comigo perfilha, por end’arderá, vos digo, ant’el lume de bogia, nem mi aduz o meu amigo, pero lho rog’e lho digo." In: Cantigas Medievais Galego-portuguesas. Disponível em: https://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=1231&pv=sim. Acesso em 30 de maio de 2021.

    5 Auto Pastoril Português. Gil Vicente. Disponível em: http://www.gilvicente.eu/autos/textos/Auto_Pastoril_Portugues.html. Acesso em 30 de maio de 2021.

    6 Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Disponível em: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-origem-da-expressao-ir-bugiar/16554 . Acesso em 28 de maio de 2021.

    7 VASCONCELOS, Jorge Ferreira de, 1515-1585. Comedia Ulysippo. Nesta segunda impressão apurada, & correcta de alguns erros da primeira. - Em Lisboa: na officina de Pedro Craesbeeck, 1618. Disponível em: https://purl.pt/12066/4/367706_PDF/367706_PDF_24-C-R0150/367706_0000_capa-capa_t24-C-R0150.pdf . Acesso em 28 de maio de 2021.

    8 CAMÕES, Luiz de. El Rei Seleuco. In: Comédias de Luiz de Camões. Editor: A.L. Leitão. Lisboa: Typographia Luso-Hespanhola, 1880, p. 21.

    PRÓLOGO

    Vocês me perguntaram quem sou eu? Respondo; eu sou, primeiramente, o homem de uma comunidade historicamente situada, eu sou negro e isto é fundamental. Esta é a definição de minha identidade. Eu pertenço, pois, a uma história. É a afirmação de uma fidelidade. Em meu espírito não há lugar para a negação, é também a afirmação de uma solidariedade. Isto significa que me sinto solidário com todos os homens que lutam pela liberdade, com todos os homens que sofrem, e antes de tudo com aqueles que mais sofreram e que foram frequentemente esquecidos, eu falo dos Negros.

    Não tive tempo de comprar minhas horas de estudo! Mas, em meio a tantos moinhos de vento, tive a feliz oportunidade de continuar estudando! Logo, caro leitor, este trabalho está sendo realizado no entre-lugar e para além-academia. Assumo neste estudo a difícil e arriscada posição da relação entre o pesquisador, o palco, o ator, a cena – já que sou ator, produtor do espetáculo em estudo e membro fundador do Grupo Teatral Boca de Cena.

    Portanto, este estudo também é fruto da matéria do sonho. E os sonhos são como bolhas de sabão, frágeis! Parecem fáceis de acertar sua estrutura, você tenta durante um tempo assoprar até sair a bolha perfeita e, quando acontece, ela pode se romper no mínimo contato. O sonho é como bolha de sabão¹⁰, como disse Euler Lopes¹¹! Eu complemento utilizando uma passagem do texto dos Cavaleiros da Triste Figura: que não se sustenta de pé. É matéria viva que a todo instante precisamos realinhar, reajustar e reordenar!

    É preciso seguir assoprando... É preciso seguir acreditando! E assim foi o espetáculo Os Cavaleiros da Triste Figura, resultado do encontro cênico do Grupo Boca de Cena e de seus colaboradores com a literatura de Miguel de Cervantes. Livremente inspirada em Dom Quixote de La Mancha, a história retratada extrapola a literatura e se contamina por toda a realidade circundante, em forma de sonho (ou delírio).

    Sediado no bairro Bugio, periferia de Aracaju/SE, no Nordeste do Brasil, esse coletivo teatral contradiz o duro normativo da realidade e ergue com recursos próprios a sua sede, onde realiza suas atividades teatrais, construindo fábulas e compartilhando-as com o entorno proletário. Nesses termos, a temática definida para a respectiva produção não denota apenas uma escolha, mas um encontro conceitual. Trata-se de um espelhamento artístico onde Dom Quixote ilumina o Boca de Cena, ao mesmo tempo que o grupo espelha e atualiza o texto clássico em todas as suas instâncias, dentro e fora da cena.

    E como afirma o autor César Ferrario (2017, S/N) na dramaturgia dos Cavaleiros da Triste Figura, com base nas palavras de Jorge Larrosa (2015, p.22), aproveitamos a justificativa de que:

    Talvez nós os homens não sejamos outra coisa que um modo particular de contarmos o que somos. E, para isso, para contarmos o que somos, talvez não tenhamos outra possibilidade senão percorrermos de novo as ruínas da nossa biblioteca, para tentar aí recolher as palavras que falem para nós.¹²

    Desta forma, acredito que este projeto, investigação e pesquisa constitui uma oportunidade rara para o teatro e para a cultura sergipana, uma vez que envolve formação, compartilhamento, criação, capacitação e expansão das fronteiras do teatro do estado pelo país, que com certeza gera frutos para muito além daqueles que acontecem durante o período do projeto,

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