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Governança nas contratações públicas contemporâneas: (de acordo com a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos Lei no 14.133/2021)
Governança nas contratações públicas contemporâneas: (de acordo com a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos Lei no 14.133/2021)
Governança nas contratações públicas contemporâneas: (de acordo com a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos Lei no 14.133/2021)
E-book442 páginas5 horas

Governança nas contratações públicas contemporâneas: (de acordo com a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos Lei no 14.133/2021)

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Sobre este e-book

A obra coletiva trata dos temas mais prementes para a compreensão da Lei 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, sob o enfoque da ideia-chave da governança.
Durante muito tempo, os contratos administrativos foram estudados apenas sob a perspectiva formal, como meio de se concretizar, pontualmente, as necessidades públicas. Os livros e artigos descreviam as técnicas de seleção do contratado, os regimes de execução, as características orçamentárias e as sanções administrativas. Os negócios administrativos eram vistos como contratos obedientes a previsões orçamentárias e lapsos relativamente curtos. Esse ângulo de se conceber a questão é sobremaneira importante, mas não revela tudo o que pode ser visto.
Assim, os artigos do livro tratam da incidência dos princípios contratuais privados; da contratação integrada; da mutabilidade contratual; das sanções contratuais; da delegabilidade inerente às concessões; da relicitação; dos ganhos de eficiência; dos Tribunais de Contas em face da LINDB e do controle da accountability na governança por contratos. Temas que, até pouco tempo atrás, nem sequer eram cogitados, mas que, hoje, congregados, revelam o que há de mais especial na Lei 14.133/2021: a sua autonomia hermenêutico-aplicativa.
Governança por Contratos é livro imprescindível ao necessário avanço no estudo e na aplicação da Nova Lei de Licitações e Contratos. Sua publicação vem em momento essencial à reconfiguração do mundo das contratações públicas brasileiras.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de ago. de 2021
ISBN9786525201689
Governança nas contratações públicas contemporâneas: (de acordo com a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos Lei no 14.133/2021)

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    Governança nas contratações públicas contemporâneas - Maria Tereza Fonseca Dias

    1. GOVERNANÇA POR CONTRATOS E A NOVA CONTRATAÇÃO PÚBLICA: OS DESAFIOS DOS CONTRATOS PÚBLICOS SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO COMPARADO

    Maria Tereza Fonseca Dias³

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de Financiamento 001 (Processo: 88887.369684/2019-00 (Programa Institucional de Internacionalização) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Processo: 304370/2019-3 (Pesquisador de Produtividade)

    RESUMO

    O trabalho discute o conceito de governança por contratos sob a perspectiva do direito comparado. O principal objetivo do texto é demonstrar como evoluiu conceitualmente a estratégia da gestão administrativa por meio da contratação pública e compreender os principais desafios que o fenômeno apresenta em diversos países e diferentes sistemas jurídicos. A metodologia de Direito comparado utilizada foi a da microcomparação ou comparação institucional, que consiste na comparação entre institutos jurídicos afins, em ordens jurídicas diferentes. A comparação foi construída partir de uma macroperspectiva, pois deduziu da literatura estudada as variações e aproximações da governança por contratos nas diferentes experiências jurídicas estrangeiras relatadas. Em sede de conclusões, destacou-se que os desafios da governança por contratos no direito comparado revelam muito mais a proximidade entre os sistemas jurídicos do que a sua efetiva distinção, pois todos reconhecem a ascensão do contrato como instrumento de realização de políticas públicas e de execução de atividades estatais. Contudo, o trabalho demonstrou que, em diversos países, há dificuldades em garantir que as funções públicas contratadas sejam desempenhadas de forma a respeitar os valores públicos básicos, bem como que os contratos se submetam a mecanismos básicos de accountability.

    Palavras-chave: Governo por contratos; Governança por contratos; Contratos públicos; Direito comparado; Common law; Civil law.

    1. INTRODUÇÃO

    O fenômeno da contratualização pública é permanente objeto de estudo dos administrativistas, desde a conformação do regime jurídico administrativo - sob a perspectiva francesa e europeia-continental - até as mais recentes influências contemporâneas, de nível global, oriundas dos modelos do common law, dos programas da reforma administrativa gerencial⁴ e das parcerias público-privadas, de tradição inglesa, decorrentes do Project Finance Iniciative.

    A contratação pública, historicamente utilizada como instrumento de aquisições do estado, passou - sob a terminologia de governo por contratos - à principal arena de formulação de políticas⁶, notadamente nas décadas que separam o final do século passado do início deste. Como descreveu a socióloga Marilene Campos, em meados da primeira década dos anos 2000, tratava-se de tendência internacional bastante valorizada na agenda de pesquisa europeia, embora ainda pouco presente nos estudos acadêmicos brasileiros.⁷

    A noção de governo por contratos comporta diversas perspectivas e, num sentido bastante amplo, Vincent-Jones afirma que se trata de expressão que comporta uma variedade de situações em que o estado atua por meio da negociação de um acordo com outra organização ou pessoa.

    No contexto deste trabalho, e vislumbrando o instrumento negocial sob a ótica da gestão pública, optou-se por tratar o governo por contratos⁹ sob a terminologia da governança. Trata-se de perspectiva mais vocacionada para o modo de uso da autoridade política, a partir da reformulação das relações entre o estado e a sociedade e dos objetivos operacionais do estado, tais como a eficiência da máquina administrativa, novas formas de gestão pública, regulação, controle e participação.¹⁰

    É preciso registrar que, pela primeira vez, a norma geral brasileira de licitações e contratos administrativos (a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021) fez menção à palavra governança, que aparece em duas de suas passagens (art. 11, Parágrafo Único¹¹ e art. 169, inciso I¹²). A primeira menção foi feita em sentido mais abrangente governança nas contratações, conforme sentido tratado neste estudo e a de maneira mais estrita governança do órgão ou entidade, fazendo referência apenas a uma de suas vertentes, que é a gestão da contratação pública pelos órgãos e entidades administrativas.

    Mesmo ainda em discussão os contornos, a abrangência e os conteúdos das expressões governo por contratos e governança por contratos, Peter Vincent-Jones já vislumbra a superação desta perspectiva para o que ele denomina e propõe como Nova Contratação Pública ("New Public Contracting"), caracterizada pela delegação de poderes a órgãos públicos em acordos contratuais, que preservem controles do governo central e poderes de intervenção, porém refletindo diferentes funções do contrato, tais como administrativas, econômicas e de controle social.¹³ O teórico inglês, a partir da análise sociojurídica dessas diferentes funções dos contratos públicos, busca compreender as mudanças contemporâneas deste instrumento de governança, que passa de uma perspectiva do controle regulatório de aquisições, para a da regulação orientada por políticas, ou seja, os contratos passam ser instrumentos de realização e implementação de políticas públicas e de regulação das relações sociais.¹⁴

    Os diversos exemplos apresentados da prática da contratação oriunda da experiência inglesa demonstram que, após os anos 80 do século passado, contratos passaram a ser utilizados para novas funções, tais como: regular as relações entre o governo central e os locais; para ajustamento de condutas no meio social e empresarial (penais, socioeducativas, ambientais e urbanísticas, por exemplo) e para transferir responsabilidades - outrora executadas pelo estado - para os particulares. A situação não foi tão diferente no contexto da legislação brasileira, porém o tratamento dogmático e doutrinário ainda carece de avanços, em que pesem os esforços feitos nesse sentido, há ao menos uma década.¹⁵

    Além da questão fenomenológica da governança por contratos, há também forte preocupação dos estudiosos com os limites do uso do instrumento da contratação pública para o exercício das funções pública, execução de políticas públicas e regulação de condutas. Discute-se, ainda, a aproximação entre os regimes jurídicos da tradição europeia-continental do civil law e da tradição anglófona do common law, sobretudo quando está em questão a aplicabilidade dos valores de interesse público em contratos que, em diversos países, são regidos pelo direito privado. Porém, mesmo nesta tradição e diante da ampliação da estratégia da governança por contratos, levanta-se a necessidade de editar legislação que contenha prerrogativas para a Administração nos instrumentos contratuais.¹⁶ A governança por contratos, ao fim e ao cabo, tem que lidar com os conflitos de interesses entre o setor público e privado e os diferentes regimes de contratualização pública insertos nas diversas tradições jurídicas que contemporaneamente tem se intercambiado com mais frequência.

    Considerando, portanto, as propostas de (re)definição da governança por contratos, este estudo visa compreender as transformações contemporâneas e os desafios da contração pública, sob a perspectiva do direito comparado.

    Ao refletir sobre as possibilidades de realização de estudos de direito comparado em matéria de contratação pública, Jean Bernard Auby descreve os aspectos centrais que aproximam diversos sistemas e tradições jurídicas e que servem para justificar a reflexão ora proposta, entre os quais se destacam: a internacionalização do assunto, também descrita como a revolução global da contratação pública¹⁷; o estado de Direito; métodos de regulação similares; a noção de governo por contratos ou estado contratual em vários países; a ascensão do contrato na esfera pública; contratos entre o setor público e privado; previsão de parcerias público-público¹⁸ e a concepção de contratos como ferramentas de regulação.¹⁹

    A investigação do tema para a elaboração desta reflexão é de tipo comparativo, com base na revisão da literatura que trabalhou com a concepção de governo por contratos, sob a ótica de diferentes ordenamentos jurídicos. A metodologia de Direito comparado utilizada foi a da microcomparação ou comparação institucional²⁰, que consiste na comparação entre institutos jurídicos afins, em ordens jurídicas diferente²¹. A comparação ora descrita foi construída, porém, a partir de uma macroperspectiva, pois deduziu das exposições dos autores estudados as variações e aproximações da governança por contratos nas diferentes experiências jurídicas estrangeiras relatadas.²²

    Os principais desafios do comparatista, conforme descrito por Jean-Bernard Auby residem no problema de identificação e categorização dos contratos públicos, incluindo a identificação do que é contrato neste contexto.²³

    O estudo não visou descrever os aspectos jurídico-dogmáticos e de direito positivo do fenômeno da contratação pública nos sistemas jurídicos estudados, nem mesmo no contexto brasileiro, mas problematizou os principais desafios dos contratos públicos, sob a perspectiva do direito comparado. Assinala-se que as referências ao modelo brasileiro de contratação pública foram efetuadas de forma secundária, tão somente para situar ou localizar alguma discussão em particular, descrito pela literatura, conforme será tratado a seguir.

    2. GOVERNO POR CONTRATOS

    A expressão governo por contratos, segundo Davies, refere-se a uma expressão abreviada conveniente²⁴, pois abriga vasta tipologia de relações entre o estado em negociação com outras organizações ou pessoas.²⁵ Alguns tipos de contrato, para a citada autora, possuem longa história, outros são mais recentes; alguns têm força executória enquanto outros, em que pese parecerem contratos, não são coercitivos, ou dito de outro modo, não possuem sanções em caso de descumprimento.

    Na visão de Vincent-Jones, todas estas tipologias de contrato (e suas diferentes concepções) se baseiam numa linguagem normativa comum, envolvendo noções fundamentais de reciprocidade, mutualidade de obrigações e direitos equilibrados por responsabilidades.²⁶

    Na relação do setor público com os particulares (externalization contracts), Auby observou, em diversos sistemas jurídicos e em diferentes ordenamentos, a expansão do contrato nas relações entre entidades públicas e privadas sob o regime jurídico administrativo, tais como: a) contratos para aquisição de obras, bens e serviços (public procurement); b) delegação, concessões e parcerias público-privadas (outsourcing), que combinam a prestação e exercício de uma função pública.²⁷

    Assim como descrito pelos autores ingleses, Auby percebe que, em diversos sistemas jurídicos, os contratos públicos oferecem a oportunidade indireta de perseguir alguns objetivos de políticas públicas²⁸, conforme já explicitado.

    As diversas formas de delegação e as terceirizações (outsourcing) parecem estar crescendo no setor público dos EUA, conforme dados levantados por John Donahue (2000 a 2005)²⁹ e informações de outros estudos. Ao compararem dados dos governos estaduais e locais e despesas do governo federal com a defesa e com outras áreas que não a defesa, verificou-se que houve aumento vertiginoso do gasto público com a terceirização e a delegação, se forem incluídos o Medicaid e o Medicare³⁰. Se forem excluídas estas despesas de seguro saúde, o crescimento da terceirização é menor. Observou-se, ainda, que o número de servidores diminuiu e o número de contratos privados aumentou desde o começo da administração de George W. Bush.³¹

    Vincent-Jones, por sua vez, preconiza que o governo por contratos resulta de um processo de transformação das noções de contratação pública (public procurement), passando pelo governo por acordos (government by agreements) até se transformar na sua proposta de Nova Contratação Pública ("New Public Contracting"), que será descrita adiante. ³²

    Na contratação pública, o princípio orientador é a relação custo-benefício, definida como a combinação ideal de custo e ciclo de vida de um produto ou para atender as necessidades dos usuários e seus objetivos podem ser alcançados por meio de licitações competitivas.³³ No caso do Reino Unido, a busca pela relação custo-benefício nas compras públicas e o incentivo à competitividade (e, portanto, à eficiência) entre os fornecedores têm sido os principais objetivos políticos das contratações, desde os anos 80. Além disso, relata Vincent-Jones, que existe uma tensão entre o objetivo de aumentar a competitividade nacional e a necessidade de observar as obrigações dos tratados internacionais e europeus em abrir os contratos públicos do Reino Unido a contratados estrangeiros.³⁴

    No governo por acordos, o contrato passa a ser usado, cada vez mais, como meio de promover metas políticas secundárias ou auxiliares aos principais objetivos de compras do governo – o que tem sido feito no Reino Unido nos últimos cinquenta anos.

    O autor exemplifica a utilização do contrato como instrumento de implementação de políticas sociais destinadas a mudar e regular o comportamento dos indivíduos, em relação a práticas de emprego, discriminação de raça e sexo e proteção ambiental. A conformidade com esses objetivos das políticas públicas também pode ser garantida negativamente por meio da imposição de sanções contratuais.

    É por essa razão que Vincent-Jones afirma que A contratação pública estava saindo da periferia logística das ações do governo para a principal arena da formulação de políticas³⁵

    Neste contexto do governo por acordos, surgem duas novas formas contratuais no Reino Unido: convenents (acordos em matéria regulatória) e ‘concordats of the constitution’ (intergovernmental agreements).

    O governo por acordos (government by agreements) envolve um procedimento regulatório (contratual e, portanto, não legal) ou referente a observância de códigos de práticas.³⁶ Esses acordos não são legalmente enquadrados no direito privado e não têm nada a ver com contratos públicos. O governo por acordos geralmente tende a ser usado como substituto da regulação, de modo que, quando acordos forem cumpridos, ‘a regulação, por parte do governo, em regra, não ocorrerá’. Segundo Davies, nestes tipos de contratos, o governo dá autonomia para a entidade controlar quem pode exercer determinada atividade e, em troca, a entidade pode regular a conduta dos seus membros, tais como conselhos profissionais e outros. Assim, tais contratos não possuem necessariamente a força autoexecutória dos contratos em geral, razão pela qual há dificuldade de distinguir a relação contratual da relação gerencial que eles encerram.³⁷

    No contexto estadunidense, John Donahue demonstra que do governo de Reagan a Bush, as transformações do setor público estadunidense até os dias atuais foram limitadas e, talvez mais o importante, distorcidas, pois muitas revisões das atividades e estruturas governamentais foram implementadas por meio de reformas ultrapassadas.³⁸ Segundo o autor, a American outsourcing (terceirização) é frequentemente denominada privatização, mas essa denominação é enganosa. A terceirização inclui uma variedade de mecanismos como contrato, vouchers, PPP, incentivos tributários e fomento, que dizem respeito à substituição de funções e atividades que eram desenvolvidas por empregados públicos e passam a ser, paulatinamente, ofertadas por atores privados organizados em organizações com finalidade lucrativa.³⁹

    Segundo Vincent-Jones, escritores norte-americanos se concentraram na discussão de como os contratos governamentais que combinavam acordo com autoridade e comando estavam sendo implantados em funções administrativas.⁴⁰

    Tem-se, assim, que o que é comum na governança por contratos em vários países, é o seu recrudescimento, a partir dos anos 80, do século passado, bem como a pluralidade de instrumentos que são utilizados para o desempenho das funções públicas, em substituição à estrutura estatal e às atividades desenvolvidas por agentes públicos.

    Considerando o fato de que esta modelagem estaria superada, bem como a necessidade de compreender a contratação pública contemporânea, buscam-se novas abordagens sobre o tema.

    3. NOVA CONTRATAÇÃO PÚBLICA

    Na tentativa de compreender o atual contexto da contratação pública, Vincent-Jones propõe, como forma de superar tanto o modelo de compras públicas quanto o de governo por acordos, o que ele denomina por Nova Contratação Pública (New public contracts). A proposta se distingue das demais tipologias, pela análise da delegação de poderes e responsabilidades a órgãos públicos em vários arranjos contratuais, preservando os controles do governo central e os poderes de intervenção, bem como por distinguir os modelos regulatórios nos diversos tipos de contratos existentes.⁴¹

    Do ponto de vista regulatório há uma distinção básica entre os modelos contratuais propostos: a) a regulação hierárquica (entre o Ministério, o órgão central e as agências de compras, por exemplo) é também estipulada por contrato; b) a regulação por contrato é estabelecida dentro de marcos regulatórios hierárquicos prévios.⁴² A primeira modelagem implica delegação contratual de responsabilidades entre as autoridades públicas.

    Além da governança por meio das normas contratuais, os recursos comuns a cada forma da New public contracts incluem a separação de interesses (comprador e fornecedor, cliente e contratado, órgão público e cidadão individual) e a junção de relações contratuais em políticas orientadas por estruturas regulatórias direcionadas à conformação ou mudança de comportamento (administrativo, econômico ou individual).

    A nova contratação pública tem por objetivo compreender como a regulação negocial pode, em diferentes modelos de contratos, ser orientada por políticas ou prever um controle regulatório geral. Segundo descreve o autor, a partir dos estudos preliminares de Freedland⁴³, o que o seu estudo denomina de New public contracts se inicia, na Inglaterra, com as PFI, que se caracterizaram pela informalidade do quadro regulatório que rege esta forma de contratação pública.⁴⁴

    A justificativa para a implantação da PFI no nível microeconômico foi a crença de que os serviços públicos podem ser prestados com mais eficiência pelo mercado privado do que diretamente pelo estado. A lógica macroeconômica diz respeito ao suposto benefício de minimizar ou adiar os gastos públicos imediatos ou os requisitos para a obtenção de empréstimos.⁴⁵

    A nova contratação pública, na proposta do autor, é constituída de três tipos de contratos, tomados como tipos ideais weberianos quanto a suas funções, formas e variantes, a saber: a) contratos administrativos; b) contratos econômicos; c) contratos de controle social.

    Os contratos administrativos [ou contratos de gestão] estão associados mais recentemente à tentativa de separar os aspectos políticos e gerenciais do governo e de determinar papeis burocráticos por meio de sistemas de gerenciamento baseados em desempenho. Pressupõe autonomia orçamentária, sistemas de monitoramento, autonomia acordada com agências executivas nas suas relações com os agentes políticos. Um dos instrumentos utilizados no Reino Unido, o Public Service Agreement (PSA)⁴⁶, assemelha-se ao que, entre nós, foram denominados contratos de gestão, acordos de resultados e outros instrumentos negociais intragovernamentais similares.

    Os valores normalmente associados a essa forma da nova contratação pública incluem transparência, responsabilidade política, boa administração⁴⁷, controle da discricionariedade e prevenção do abuso do poder público e (o mais controvertido) a separação de poderes.⁴⁸

    Os contratos administrativos envolvem regulação hierárquica estabelecida por contrato, enquanto os demais tipos (econômico e comportamental) a regulação por contrato é feita dentro de estruturas hierárquicas de regulamentação prévia.

    Nestes contratos, a dimensão burocrática e intragovernamental levou muitos comentaristas a duvidar da natureza contratual dos acordos bilaterais e a ver o uso da terminologia do contrato como puramente simbólico ou metafórico.⁴⁹

    Os contratos econômicos são arranjos contratuais direcionados à melhoria dos serviços públicos por meio de concorrência e / ou delegação de poderes de gerenciamento a agências públicas de compra em uma variedade de formas híbridas, além da simples organização burocrática ou de mercado. Esses contratos também incorporam valores de justiça social, equidade e redistribuição. As diversas parcerias público-privadas e as PFIs entrariam nesta tipologia, por possuírem múltiplos propósitos, envolvendo desde os aspectos econômicos da contratação - sob o princípio do value for money - até as metas e resultados a serem alcançados.⁵⁰

    O uso do contrato como instrumento de regulação, pelo governo, depende das condições especificadas (extracontratualmente) no regime regulatório.

    Há uma relação contratual vertical entre agências (órgãos e entidades públicas) e autoridade central e uma relação contratual horizontal entre comprador e vendedor.

    O aspecto econômico do contrato ocorre por meio da delegação de competências contratuais a órgãos públicos de compras para que escolhas possam ser feitas, em condições competitivas, no que diz respeito à forma de fornecimento, a identidade do fornecedor e a relação entre preço e qualidade.

    Segundo Vicent-Jones, [...] os valores em jogo na operação de contratos econômicos incluem, portanto, a justiça distributiva e o interesse público, além de valores econômicos mais afetos às noções de economia e eficiência.⁵¹

    Os contratos de controle social são adaptações do mecanismo de contrato usado na regulamentação das relações entre cidadãos, individualmente considerados e autoridade do estado, sob várias formas. De particular importância aqui são os valores de responsabilidade individual, equidade (fairness) e justiça.⁵²

    O contrato é utilizado pelo setor público como mecanismo de regulação comportamental sendo orientado pelos poderes e deveres estabelecidos por uma estrutura regulatória mais ampla.

    Nesse tipo de nova contratação pública novamente, portanto, a relação contratual entre órgão público e cidadão individual deve ser vista no contexto do relacionamento hierárquico prévio entre o órgão público e a autoridade do governo central.

    Como propõe Vincent-Jones, os valores em jogo nesta tipologia contratual incluem justiça, eficácia, equidade, proteção do público e do interesse público, responsabilidade individual e reabilitação.⁵³

    Após a descrição das tipologias, o autor passa a analisar as questões-chave das relações contratuais da Nova Contratação Pública, sobretudo se considerada a discussão acerca das relações implícitas (relational) existentes entre as partes contratantes, conforme será detalhado na seção seguinte.⁵⁴

    Destaca, primeiramente, a capacidade de permitir que as partes expressem suas próprias expectativas e, assim, autorregulem seu relacionamento, evitando distorções que podem resultar de regras rígidas e formais de direito privado ou de uma estrutura reguladora imposta externamente.

    Essa perspectiva, desenvolvida por Campbell e Harris⁵⁵, rejeita explicitamente a associação da dominante tradição da Análise Econômica do Direito, que preconiza o comportamento econômico racional com a maximização estreita da utilidade individual.

    O foco principal da Nova Contratação Pública está nos efeitos negativos de políticas regulação sobre os elementos de confiança e cooperação entre as partes, que são essenciais para a realização dos objetivos do contrato e irão beneficiar tanto as partes, quanto a sociedade em geral.

    Discussão interessante quanto a este aspecto pode ser feita no tocante ao poder discricionário na governança contratual, ou seja, analisar que tipo ideal de contrato pode ser firmado pela Administração Pública, para a perseguição de finalidades diversas. Porém, a questão mais importante da teoria apresentada por Vincent-Jones passa a ser a ‘falta de adequação’ entre essas emergentes adaptações administrativas e a estrutura legal tradicional.

    Assim, a questão de saber se as relações sociais são, em termos legais, contratuais, em oposição a meramente metafóricas ou pseudo-contratual, parece mal direcionada.

    A pergunta apropriada, colocada com base na distinção entre comportamento e normas, por um lado, e a lei que governa essas relações, por outro, é como as normas que são definitivas para todas as relações contratuais são representadas nesses arranjos regulatórios.

    Entre os aspectos positivos que se apresentam na teoria de Vincent-Jones é a possibilidade do envolvimento e da participação de órgãos regulados na criação de novas estruturas de governança, em contraste com a imposição de cima para baixo, pelo governo central, de acordos pré-concebidos e prontos. Há ainda que se considerar as dimensões sociojurídicas da contratação pública.

    4 . DIMENSÕES DOS CONTRATOS PÚBLICOS SOB A PERSPECTIVA SOCIOJURÍDICA

    Para compreender as transformações no âmbito da governança por contratos, Vincent-Jones relatou interessantes investigações empíricas dos contratos públicos que identificou três dimensões distintas em relação a eles: A) comportamental, B) legal e C) retórica. ⁵⁶

    Sob a perspectiva comportamental, os compromissos contratuais são temporários e específicos e os relacionamentos são finitos e suscetíveis à dissolução. Na literatura de língua inglesa, nesta perspectiva, existem dois tipos de contratos: "discrete e relational", cuja distinção remonta à teoria de Ian Macneil⁵⁷ que procurou explicar as relações jurídicas explícitas e implícitas entre as partes.⁵⁸ Na perspectiva "discrete do contrato leva-se em consideração o contrato efetivamente firmado (as relações explícitas), que se refere não só ao valor legal das relações entre as partes, mas aos elementos de planejamento, consentimento e escolha dos contratados. O aspecto relational do contrato refere-se mais diretamente ao seu conteúdo implícito, ou seja, pode resultar mais facilmente no reconhecimento não só do valor legal das relações contratuais expressas, mas permitem olhar mais de perto a transação econômica como um todo. A perspectiva relational" considera valores como os da flexibilidade, reciprocidade, solidariedade, integridade, poder, propriedade dos meios (vs fins) e harmonização, como elementos integrantes das relações contratuais.

    No caso da contratação pública, Vincent-Jones argumenta que o sucesso do contrato como mecanismo de governança depende, em última análise, da perspectiva "relacional", ou, seja, também do contrato implícito, como qualidade do intercâmbio social. Isso porque as normas do contrato têm dimensões internas e externas sobrepostas. As normas externas incluem costumes, moralidade, convenções e uma ampla gama de restrições institucionais, além daquelas fornecidas pelo sistema jurídico. Como o comportamento das trocas sociais se origina e é apoiado pelas normas contratuais comuns, elas deveriam guiar a reflexão de como o direito regula e como deveria regular os contratos. Assim, as normas supracontratuais (tais como boa-fé, confiança e regularidade) são assim chamadas porque não são particularmente contratuais, mas dizem respeito às relações entre as partes.⁵⁹

    Diante desta argumentação apresentada, vê-se que os modelos jurídicos de contratação pública tradicionais (ao menos na tradição europeia-continental) abrem muito pouco espaço para a construção da relação implícita entre as partes – o que em certa medida pode explicar o fracasso destas modelagens e a tentativa de suas constantes reformas.

    Na dimensão legal, relacionada ao direito contratual, sob a perspectiva sociojurídica crítica, algumas normas contratuais (por exemplo, reciprocidade, flexibilidade e solidariedade contratual) foram consideradas particularmente mal atendidas pela doutrina inglesa dos contratos, que privilegia a discreteness em detrimento da relationality em comparação com outras jurisdições. Assim, a necessidade de reformar melhor a doutrina do direito contratual para refletir e, portanto, apoiar as normas relacionais na prática comercial, segundo Vincent-Jones é amplamente aceita como tarefa central dos estudos sociojurídicos contemporâneos.⁶⁰ O papel do estado, na governança das relações de mercado é constituir o contrato, por meio do direito privado⁶¹, como meio de permitir a autorregularão da troca, de acordo com as preferências dos indivíduos e suas decisões sobre como maximizar suas utilidades individuais e conjuntas. O potencial responsive (responsivo) do direito privado reside no fornecimento de regras básicas ou padrão, permitindo a autorregulação flexível e consensual das relações comerciais e a experimentação de novos tipos de transação que podem aumentar a sua eficiência produtiva.

    Analisando a exposição feita pelo autor, impõe-se a perspectiva de que quanto menor o espaço para as relações implícitas dos contratos, menor é a sua eficácia e eficiência.

    Na dimensão retórica e social, o pensamento social contratualista moderno, como a teoria liberal clássica da qual deriva, tem dimensão moral e justificadora. Enfatiza a conveniência da reciprocidade de obrigações entre indivíduos e a responsabilidade recíproca dos cidadãos perante o estado ou perante as comunidades encarregadas de seu apoio. Nos últimos anos, afirma Vincent-Jones que os governos conservador e trabalhista do Reino Unido fizeram amplo uso da retórica de contrato social para promover uma visão particular da ordem social e do papel adequado dos indivíduos na sociedade. ⁶²

    Em que pese as diversas dimensões jurídico-empíricas da contratação pública apresentada por Vincent-Jones e no acento dado pelo autor à necessidade de observância das práticas sociais nas relações contratuais, aparece como tendência a maior incidência de normas de direito público nesses tipos de relações contratuais – o que reduziria ainda mais (ou extirparia) o espaço de relationality no âmbito da contratação pública.

    As dimensões sociojurídicas dos contratos apresentadas pelo autor permitem compreender e efetuar análise crítica da utilização do instrumento contratual para o alcance dos fins do estado, bem como para traçar os desafios da governança por contratos.

    5. DESAFIOS DA GOVERNANÇA POR CONTRATOS EM PERSPECTIVA COMPARADA

    Considerando o reconhecimento de que a governança por contratos – seja sob o seu entendimento mais conhecido, seja sob a ótica da Nova Contratação Pública - é estratégia que tem sido utilizada em diversos países, serão descritos alguns dos principais desafios apresentados pelos comparatistas para a utilização desta estratégia de gestão pública.

    5.1 Regime jurídico dos contratos públicos

    Na análise da governança por contratos em perspectiva comparada um dos problemas apresentados pela literatura especializada é quão específica e original deve ser a natureza do regime de contratos governamentais (se público, privado ou híbrido) e ainda como categorizar contratos públicos a partir da legislação vigente.⁶³

    Quanto a natureza jurídica especial dos contratos públicos, Auby relata que ela é amplamente aceita na França e Espanha.⁶⁴ No common law, entretanto, tais contratos não possuem natureza jurídica específica, pois estão submetidos, em regra, ao direito privado. Na Alemanha e Itália, entretanto, mesmo sendo, por natureza, de direito privado, os contratos firmados pelo Estado sofrem a influência de um largo espectro de normas de direito público.

    Além das tentativas de categorização do regime jurídico dos contratos, essa discussão está diretamente relacionada à maneira como cada sistema apreende a divisão do direito público e privado. Auby descreve como dificuldades desta categorização, o chamado fenômeno da publicização dos contratos na Alemanha⁶⁵. No common law, como relatam Davies⁶⁶ e Harlow e Rawlings⁶⁷, amplia-se o debate acerca da necessidade de um regime especial para os contratos firmados por entidades estatais, visando a proteção dos valores de direito público. Esta discussão foi recrudescida, no Reino Unido, notadamente a partir da implementação de novos regimes contratuais para concessões e PPPs, que ampliaram a participação do setor privado no exercício de funções tipicamente públicas, tais como a saúde e a assistência social.

    Davies discute, a partir da menção a julgados e precedentes judiciais dos tribunais ingleses, a insegurança jurídica quanto a incidência do direito público nos contratos firmados por agentes estatais no Reino Unido. A autora relata casos em que as cortes tiveram que sopesar interesses públicos e privados e decidir quais possuíam maior peso para definir o regime jurídico aplicável, ora prevalecendo o interesse privado⁶⁸, ora o interesse público⁶⁹, sem qualquer racionalidade das decisões, segundo a análise de Paul Craig⁷⁰. Assim, para Davies, a legislação inglesa deveria ser mais clara (como a francesa, no caso de fato do príncipe⁷¹) para

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