Aquela Família: Tipos, caricaturas e episódios provincianos
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Aquela Família - Ladislau Patrício
Ladislau Patrício
Aquela Família: Tipos, caricaturas e episódios provincianos
Publicado pela Editora Good Press, 2022
goodpress@okpublishing.info
EAN 4064066411299
Índice de conteúdo
Aquela família...
Aquela família...
A bôca do sapo
A bôca do sapo
Sr. Anselmo
(1906)
I
Sr. Anselmo
(1906)
I
LABORATORIO
Sr. Anselmo
(1912)
II
Sr. Anselmo
(1912)
II
Candidinha Cerdeira
(Novela romântica)
Candidinha Cerdeira
(Novela romântica)
Eureka!
Eureka!
O crime...
O crime...
Casa maldita
(Tragédia rústica)
FIGURAS
Casa maldita
O pai da criança
(Conto carnavalesco)
O pai da criança
Índice
Índice
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Aquela família...
Índice de conteúdo
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Aquela família...
Índice de conteúdo
A princípio eu ia só, numa carruagem de segunda, o que me permitia desfrutar o panorama e gozar uma relativa comodidade. Mas mais adiante, numa estação qualquer, mal o comboio parou, a portinhola abriu-se e o meu compartimento foi invadido de assalto por uma família inteira que atravancava tudo: rêdes, bancos, o menor espaço disponível, com malas, embrulhos e cestinhos,—uma infinidade de volumes!
O chefe do rancho era um homem nédio, sanguíneo, que rebocava uma senhora pesada (onde eu adivinhei a espôsa) e mais duas raparigas e um garoto, de marinheiro, magrinho, linfático e triste.
Auxiliei-os. Fiz menção de ajudar as damas{8} a subir. E quando a máquina apitou e o trem se pôs em marcha com um ranger de molas e de engates, ainda nós todos dispúnhamos a bagagem amontoada nas proporções dum Himalaia.
Agradeceram, muito penhorados; e depois de instalados convenientemente, o dono de tudo aquilo, que limpava com um lenço enorme as bagas de suor, pediu-me licença para tirar o casaco e envergar o guarda-pó.
—Parece que estamos no Congo! justificou. Este calor está mesmo a exigir tanga...
Eu sorri, relanceando um olhar às donzelas, que sorriram tambêm, ruborizadas, daquela ideia africana do papá. E êste, farejando em mim uma índole comunicativa, inquiriu satisfeito:
—O cavalheiro vem de Lisboa?
—Não senhor. Eu sou da Beira.
—Da Beira!... Então é de Vizeu?
Sorri de novo, discretamente, respeitando as noções corográficas do viajante simplório, que o acaso colocára assim na minha presença.{9}
Apressei-me por isso a confirmar:
—Sou de Vizeu...
—Nesse caso conhece lá o Gastão?
—O Gastão?!
—Sim, o Gastão Vieira, dos Impostos.
Achei divertido conhecer o Gastão. Recordei-me:
—Ora se conheço! Estou doido! Conheço perfeitamente...
Mas depressa caí em mim, reflecti que podia ser colhido na mentira. Foi, portanto, para eximir-me a perguntas que ferviam já nos lábios do companheiro que eu perguntei do meu lado:
—E V. Ex.ª? V. Ex.ª é daqui dêstes sitios?
—Sim senhor. Mas agora vamos para banhos. Isto que o sr. aqui vê (com um gesto circular indicava a família) pertence-me. O rapaz é fraquito, tem escrófulas (apontava o pescoço do fedelho) olhe!—Dizia-me o dr. Maia... Conhece?
Declarei que não.
—Pois admira... Espere, agora me lembro: deve conhecer. Êle até costuma ir muito{10} a Vizeu. É irmão do padre Levi, Levi da Maia, duma família muito ilustre que tem uma irmã viscondessa. O sr. conhece com certeza...
E como eu insistisse na negativa:
—O padre Levi, homem! o que escreve no Vouga... Não conhece o senhor outra coisa!
Tive de lhe dizer que sim.
Havia-me insinuado já no ânimo duma das meninas com quem entretinha desde a última estação um namôro matreiro: e apontava-lhe como flechas os olhos amorudos, dardejando-me ela os seus, redondinhos, negros, sertanejos...
—Pois o dr. Maia,—tornava o pai—dizia-me muita vez: «Alves, leve você o rapaz ao mar; leve você o rapaz ao mar que se cura.»—Mas ó doutor, veja lá, tenho agora tantos afazeres (e tinha) se o rapaz fôsse coisa que se pudesse aí endireitar, que demónio, tomando umas drogas...«—Não, não, sem banhos não se põe direito.»—Que havia eu de fazer? Que fazia o senhor nas minhas condições?{11}
Esperou resposta; e como lha não désse:
—Saía, não é verdade?
—Pois claro!
—Foi o que eu fiz. Mando arranjar as malas, tranco a porta, meto toda esta tropa no comboio... e cá vamos!
—Faz muito bem.
—Acha?...—poisava a sua mão sapuda na minha côxa, todo familiar.—Acha então o cavalheiro que faço bem?...
—Mas isso nem se pergunta! aplaudi sem reservas.—-Mesmo que não houvesse precisão, que infelizmente há; bastava só a ideia de irem gozar!
—Gozar! Mas olhe que se gasta um dinheirão!
—Pois gasta. E isso que tem? A gente não vive só do que mete no estômago. É preciso ver, dar de comer aos olhos.
—Dar de comer a quê?
—Aos olhos...
—Huum! mugiu.
Não percebêra. Suava com o calor, nas fontes, nas bochechas, mórmente nos refêgos{12} do cachaço, duma grande riquêsa de tecidos celulares...
Entrou depois a divagar sôbre economias expondo-me numa franqueza saloia o orçamento da viagem; e tentou por último explicar pela hereditariedade a compleição mórbida do filho:
—Isto é de familia! O avô dêle, meu pai, tambêm assim era: sempre doente, sempre com remédios. Mas a avó, é curioso! robusta, còrada, parecendo que vendia saúde... Eu, aonde me vê, nunca tive uma dôr de cabeça! Mas já um tio que nos morreu há três anos...—Voltou-se para uma das filhas:—O tio Aristides...
—Ah!
E relatou o que era êsse tio,