Suplemento Pernambuco #193: Deixa ele entrar
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Suplemento Pernambuco #193 - Jânio Santos
CARTA DOS EDITORES
Ohorror é uma pedagogia, diz o escritor Cristhiano Aguiar em uma das matérias que compõem a capa do Pernambuco de março. Não se trata apenas de falar sobre a pandemia, mas de pensar a continuidade de certas imagens e o que costumamos atribuir a elas. A discussão parte dos 100 anos de lançamento do Nosferatu de F. W. Murnau, filme que projetou o famoso vampiro nas telas de cinema e num futuro (o nosso presente) de horror. A pesquisadora Anelise de Carli mobiliza uma série de leituras e reflexões para pensar as sombras que hoje sobem as escadas e as formas de lidar com ela ao longo desse século, resultando numa discussão sobre as formas de permanência (não estáticas) das imagens. Já Aguiar escreve sobre o horror a partir dos contos de seu livro mais recente, Gótico nordestino (Alfaguara Brasil).
Em dois instantes desta edição, somos interpelados pelo que não é humano. A pesquisadora Juliana Fausto nos leva a imaginar novos mundos emaranhados ao mobilizar diferentes áreas do saber para discutir possibilidades levantadas pelos animais outros que humanos
. Já o poema de Derek Walcott, poeta vencedor do Nobel de Literatura de 1992, faz pensar sobre as relações entre Natureza e História.
Outros momentos desta edição seguem passeando por leituras possíveis de certas autorias. Priscilla Campos parte do catálogo da editora brasileira 100/cabeças para pensar as potências encontradas em obras surrealistas traduzidas no Brasil; Wander Melo Miranda nos guia pela Divina comédia, de Dante Alighieri – o nome de Dante, poeta morto há 700 anos, e o de sua obra têm sido beneficiados pela passagem do tempo; Iuri Müller segue os rastros de um personagem policial de Ricardo Piglia numa publicação póstuma do autor argentino ainda inédito no país.
Nos textos das duas parcerias que estamos publicando há algumas edições, discussões sociais se entremeiam com a produção científica: no artigo da parceria com a Anpocs, Carmen Felgueiras (UFF) se debruça sobre a relação entre o modernismo paulista e as ciências sociais; em A ciência como ela é, publicação nossa com o Instituto Serrapilheira, a escritora Luisa Geisler mapeia
as encruzilhadas da pesquisadora Angélica Thomaz Vieira, na convergência ser cientista, mãe e mulher.
Uma ótima leitura a todas e a todos!
COLABORAM NESTA EDIÇÃO
Carmen Felgueiras, socióloga e professora (UFF); Carol Almeida, editora de A ciência como ela é; Derek Walcott (1930-2017), poeta, autor de Omeros; Iuri Müller, escritor e doutor em Letras (UFRGS); José Landim, mestrando em Literatura (PUC-Rio); Laura Erber, poeta, autora de A retornada; Leonardo Nascimento, doutorando em Antropologia Social (UFRJ); Luisa Geisler, escritora, autora de Enfim, capivaras; Matheus Mota, ilustrador de A ciência como ela é; Priscilla Campos, jornalista e doutoranda em Literatura (USP); Rodrigo Garcia Lopes, poeta e tradutor, autor de O enigma das ondas; Wander Melo Miranda, professor (UFMG), autor de Os olhos de Diadorim
EXPEDIENTE
Governo do Estado de Pernambuco
Governador
Paulo Henrique Saraiva Câmara
Vice-governadora
Luciana Barbosa de Oliveira Santos
Secretário da Casa Civil
José Francisco Cavalcanti Neto
Companhia editora de Pernambuco – CEPE
Presidente
Ricardo Leitão
Diretor de Produção e Edição
Ricardo Melo
Diretor Administrativo e Financeiro
Bráulio Meneses
Superintendente de produção editorial
Luiz Arrais
EDITOR
Schneider Carpeggiani
EDITOR ASSISTENTE
Igor Gomes
DIAGRAMAÇÃO E ARTE
Hana Luzia e Janio Santos
ESTAGIÁRIOS
Guilherme de Lima, Luis E. Jordán e Rafael Olinto
TRATAMENTO DE IMAGEM
Agelson Soares e Sebastião Corrêa
ReVISÃO
Dudley Barbosa e Maria Helena Pôrto
colunistas
Diogo Guedes, Everardo Norões e José Castello
Supervisão de mídias digitais e UI/UX design
Rodolfo Galvão
UI/UX design
Edlamar Soares e Renato Costa
Produção gráfica
Júlio Gonçalves, Eliseu Souza, Márcio Roberto, Joselma Firmino e Sóstenes Fernandes
marketing E vendas
Bárbara Lima, Giselle Melo e Rafael Chagas
E-mail: marketing@cepe.com.br
Telefone: (81) 3183.2756
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O que é o que é? Galopa dentro do ovo
Definições que nos lançam de novo nos braços do prazer ontológico
Laura Erber
HANA LUZIA
Uma criança inspirada disse certa vez que um poema é um cavalo a galope dentro de um ovo. É uma imagem tão perfeita, que temos vontade de conversar mais com essa criança iluminada, perguntar a ela muitas outras coisas, o que é a morte, o tédio, ser feliz, o que fazer, como viver. Acho que se eu pudesse entrevistar essa criança perguntaria quem pôs o ovo estupendo, um cavalo ou uma galinha? Diante do impossível, a imaginação toma seu rumo, se bifurca, colhe flores do mal de um jardim suspenso, vê navios, peixes que dançam sobre bulbos de junco, ressuscita línguas mortas, penetra a superfície interna dos corpos e, depois de muito viajar, se recolhe, fica parada num canto captando o eco ruidoso das coisas imediatas e decisivas.
Há muito tempo saiu de moda dizer o que uma coisa é ou deixa de ser. Desde a virada anti-interpretativa nos preocupamos mais com o funcionamento da arte do que com definições que nos digam o que ela é e pacifiquem nossos palpitantes corações. Acontece que ninguém é de ferro. De vez em quando topamos com definições tão alumbrantes que nos lançam de novo nos braços do prazer ontológico de dizer o que é o que é.
Foi assim com um pequeno texto do argentino Isidoro Blaisten.
Eu estava em Buenos Aires para lançar um livro e gozar um pouco da vida mundana que a literatura de vez em quando proporciona. Estava hospedada na casa de minha tradutora, Julia Tomasini. Numa de nossas tertúlias sem fim, falamos sobre o que de maravilhoso na literatura argentina permanece ainda desconhecido ou pouco lido no Brasil e vice-versa. Talvez porque pressentisse uma grande perda, eu andava em busca de leituras que fizessem rir, foi então que Julia tirou o Blaisten da manga ou da cartola.
Disse que não fazia muito tempo tinham lançado em nova edição as suas Anticonferencias, una rareza encantadora, una forma de charla que te lleva de cualquier parte a cualquier otra
. Passo ao português, mas imaginem que ainda é a Julia falando: "Você vai adorar, Blaisten é uma raridade na literatura argentina. Não por ser secreto ou não lido, mas por causa do humor, tem histórias onde a sátira e o absurdo constroem maravilhas, El tío Facundo, La salvación ou Victorcito, el hombre oblicuo. O ouvido de Blaisten para os detalhes da língua falada lembram Puig ou Arlt. Enquanto a absurda e sofrida existência de seus personagens tem algo de Wilcock".
Na primeira oportunidade, corri para uma livraria atrás do meu Blaisten. Isso faz quase 4 anos, de lá pra cá o mundo se transformou numa espécie de antimundo, onde os conferencistas são coaches e a poesia tenta sair de seu próprio labirinto. Voltei recentemente ao Blaisten interessada nos mistérios do riso em tempos de horror. Como sabia a Hilst, onde há muita tristeza o riso é crucial. Divido então com vocês minha anticonferência predileta, O que é um poeta?, numa tradução improvisada:
"Penso que é um gato de cinco patas, um olmeiro que dá peras, alguém que senta na porta de casa e não vê passar o cadáver do seu inimigo, tampouco vê passar o cadáver do seu amigo, vê passar o seu próprio cadáver.
O poeta é o único ser que se banha duas vezes no mesmo rio, o único que se molha duas vezes na mesma chuva. Shakespeare, o poeta que disse ‘o resto é silêncio’, o poeta que disse que a vida é uma história cheia de som e fúria contada por um idiota, disse que os poetas são os espiões de