Suplemento Pernambuco #202: A vida antifascista
De Jânio Santos, Hana Luzia, Luis E. Jordán e
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Suplemento Pernambuco #202 - Jânio Santos
CARTA DOS EDITORES
Para fechar um ano como 2022, o Pernambuco traz um conjunto de textos com teor indiretamente prospectivo. Levantamos, nesta edição, alguns dos assuntos (a lista é extensa, como se sabe) que estarão na(s) pauta do(s) próximo(s) ano(s). Resolvemos passar a régua nestes 4 anos de governo Bolsonaro ao lado de Gilles Deleuze e de Félix Guattari. O anti-Édipo , obra referencial da segunda metade do século XX, lançada há 50 anos, é o guia: Ádamo da Veiga apresenta as noções mais importantes da obra e a situa dentro dos trabalhos de Deleuze e Guattari. Por que há tantas pessoas que lutam pela própria servidão como se lutassem por liberdade? O que é fascismo? O texto propõe uma leitura do livro, situando o que ele oferta para entendermos o bolsonarismo e os desafios que a sociedade terá que enfrentar a partir de 1° de janeiro.
Seguindo o tom prospectivo, algumas matérias apontam para diversas direções em problemas conhecidos. O historiador Casé Angatu tece questões e provocações sobre ser indígena no Brasil; Heloisa Starling investiga as relações entre o ofício do historiador e democracia a partir das narrativas do atual governo federal; André Botelho pensa perspectivas para o trabalho em ciências sociais no Brasil a partir da vitória de Lula e do cenário precário deixado por Bolsonaro; Eduardo Góes Neves comenta como arqueologia aponta nuances que nos levam a entender a Amazônia de outras formas; um artigo sobre o Dicionário kaiowá-português discute uma possibilidade para grafar nomes de populações originalmente sem escrita e como fazer isso em parceria com não indígenas.
Ainda nesta edição, um ensaio sobre certa escrita latino-americana – entre a ficção e a não ficção – como uma arte do erro
, além de resenhas e colunas.
Por fim, informamos que nesta edição a grafia de O anti-Édipo respeita a forma como o título foi publicado em sua edição brasileira. Na capa, antifascista segue sem hífen – uma escolha editorial orientada para tirar qualquer ar burocrático da imagem, que simula um cartaz de rua dos anos 1970. Oscilações discretas na padronização editorial das matérias são uma forma consciente de acolher a diversidade e complexidade das perspectivas aqui publicadas.
Um ótimo 2023 e boa leitura!
COLABORAM NESTA EDIÇÃO
André Botelho, sociólogo e professor (UFRJ), autor de O retorno da sociedade; Felipe Cordeiro, doutorando em Letras (UFMG/UBA); Fernanda Lobo, crítica literária, tradutora e mestra em Letras (USP); Heloisa Murgel Starling, historiadora e professora (UFMG), autora de Ser republicano no Brasil Colônia; Kelvin Falcão Klein, professor (Unirio), autor de Wilcock, ficção e arquivo; Laura Erber, poeta e artista visual, autora de Theadoro Theodor; Leonardo Nascimento, jornalista e doutorando em Antropologia Social (UFRJ); Priscilla Campos, crítica literária e doutoranda em Literatura Hispano-americana (USP)
EXPEDIENTE
Governo do Estado de Pernambuco
Governador
Paulo Henrique Saraiva Câmara
Vice-governadora
Luciana Barbosa de Oliveira Santos
Secretário da Casa Civil
José Francisco Cavalcanti Neto
Companhia editora de Pernambuco – CEPE
Presidente
Ricardo Leitão
Diretor de Produção e Edição
Ricardo Melo
Diretor Administrativo e Financeiro
Bráulio Meneses
Superintendente de produção editorial
Luiz Arrais
EDITOR
Schneider Carpeggiani
EDITOR ASSISTENTE
Carol Almeida e Igor Gomes
DIAGRAMAÇÃO E ARTE
Hana Luzia e Janio Santos (Diagramação e Arte)
Matheus Melo (Webdesign)
ESTAGIÁRIOS
Luis E. Jordán, Rafael Olinto e Vitor Fugita
TRATAMENTO DE IMAGEM
Agelson Soares e Sebastião Corrêa
REVISÃO
Dudley Barbosa e Maria Helena Pôrto
colunistas
Diogo Guedes, Everardo Norões, Gianni Gianni (interina) e José Castello
Supervisão de mídias digitais e UI/UX design
Rodolfo Galvão
UI/UX design
Edlamar Soares e Renato Costa
Produção gráfica
Júlio Gonçalves, Eliseu Souza, Márcio Roberto, Joselma Firmino e Sóstenes Fernandes
marketing E vendas
Bárbara Lima, Giselle Melo e Rafael Chagas
E-mail: marketing@cepe.com.br
Telefone: (81) 3183.2756
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De onde vêm os nossos sorrisos?
Notas fugazes sobre o novo e o familiar no Senegal
Laura Erber
rafael olinto
O que seria do mundo se compreendêssemos o que vivemos no momento mesmo em que as coisas acontecem? Escrevo da costa ocidental do continente africano. Tudo aqui é familiar e inteiramente novo. A beleza, a pobreza, a força humana, as cores em festa nos tecidos que vestem corpos aprumados. A explosão de alegria cromática contrasta com o desbotado do casario. São muitas as casas em ruínas ou semiarruinadas. Estou no interior da Bahia, há varais de roupa e sol a pino, algumas cabras, calçadas que são boas pra conversa, pro descanso, lugares de ser e de estar.
Talvez agora esteja em Pirapora, porém caminho 10 passos e estou no centro de Havana. Viro a esquina e avisto as extensas margens do Rio Senegal, rio caudaloso cor de terra. O som das águas do rio marca presença, adensa o espaço. Ha homens fazendo orações em voz alta. Suas vozes se misturam, se emendam. A paisagem sonora é quase tão bonita quanto a força do lugar. A lua observa tudo de longe, parece um sol desbotado. Eles que rezam nestas margens são muçulmanos, fazem suas preces em árabe. No espaço público quase não ha mulheres rezando. Talvez eu tenha chegado ao Senegal, ou é só um sonho. Anos de África imaginada e imaginária custam a se despregar.
Da Ilha de Gorée, a poucos quilômetros de Dakar, saíram milhares de navios europeus transportando africanos escravizados em direção ao continente americano. A expressão tráfico de escravos
ganha outra consistência aqui.
É preciso atravessar uma terra muito seca e muito vasta para ir de Dakar a Saint-Louis, cidade peninsular e ponto-chave da colonização francesa, antigo entreposto comercial estratégico onde portugueses, franceses e holandeses fizeram muito dinheiro.
Tento me reconciliar com os clichês. Impressiona a elegância das mulheres e a dignidade com que se movem em meio ao muito pouco ou quase nada fornecido pelo poder público. Há beleza pura e muita crueza. Não sinto medo, não vejo armas. Pobreza pura. O resultado da grana que ergue, mas, nas colônias, muito mais destrói coisas belas.
Assim vamos aprendendo a destruir a nós mesmos. Hoje, uma fábrica local chamada Ciments du Sahel derruba os baobás, permitindo que o cimento siga construindo seu império feio e louco, onde o vento não sopra mais.
De Dakar a Saint-Louis são quilômetros de esqueletos de casas de alvenaria em diferentes estágios de construção. Aquilo que Lévi-Strauss disse de São Paulo – que lá tudo ainda é construção, mas já é ruína – se aplicaria aqui.
O violento processo de colonização ainda é referido por palavras burocráticas e engomadas: entreposto, feitoria, reinóis. Numa mesma frase lemos sobre os vários produtos primários exportados: goma arábica, ouro, marfim e escravos.
Uma jovem senegalesa estudante de sociologia me explica que as crianças muçulmanas aprendem a ler o Alcorão na escola, mas o ensino do árabe é as vezes bem precário, muitos não sabem o significado dos versos que repetem em suas orações, cinco vezes ao dia, obrigatoriamente.
A sedução visual da margem do rio e dos homens em prece leva inevitavelmente à imagem que as fotografias não conseguem mostrar. A de um sistema de escravidão contemporânea que torna a visita mais complexa, mais amarga. As ruas de Saint-Louis, como as de tantas outras cidades senegalesas, estão repletas de crianças mendicantes. São os chamados talibés
, que organizações religiosas alegam cuidar enquanto lhes proporcionam ensino religioso. As crianças são levadas para Daaras, em princípio escolas corânicas mas muitas das quais atuam como uma verdadeira indústria de exploração de trabalho infantil. As famílias muito pobres do Senegal e da Guiné Bissau entregam suas crianças aos mestres religiosos chamados Marabus
na esperança de que forneçam a elas alguma estrutura e educação. Dizem que há cerca de 80 mil talibés a mendigar pelo país…
Passa por mim a mulher mais bonita do mundo, um grupo faceiro de talibés descalços. Passam cabritos,