Suplemento Pernambuco #194: Sylvia Plath, 90 anos, e os ecos de uma poeta do futuro.
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Suplemento Pernambuco #194 - Jânio Santos
CARTA DOS EDITORES
Nos 90 anos de nascimento da poeta Sylvia Plath (1932-1963), o Pernambuco discute a construção da imagem da poeta ao longo das últimas décadas e os tremores e correções de rumos que trabalhos de críticas literárias e biógrafas têm realizado sobre a obra da autora. Um dos nomes mais lidos e conhecidos da poesia anglófona, Plath teve a alta qualidade estética de sua obra obliterada pela ideia de uma escrita com temas femininos
e pela história de sua morte – resultados do pano de fundo machista em que sua obra foi lançada e na qual se deram várias de suas leituras. Investigando a biografia da autora, analisando alguns poemas e situando os debates críticos que a obra de Plath engendrou, a tradutora e pesquisadora Emanuela Siqueira propõe uma discussão sobre as formas de ler Sylvia hoje, mostrando que a fênix ruiva
continua ecoando, comendo o tempo. Nos 90 anos de seu nascimento, Sylvia Plath é uma poeta do futuro.
Textos que funcionam como irradiações que dão conta das pluralidades narrativas – os usos deste termo, inclusive, são discutidos por Renato Ortiz em um dos artigos desta edição – localizam-se nos demais momentos deste Pernambuco. Entre eles, estão: um panorama sobre a obra de Édouard Glissant no Brasil; a vidaobra de Clarice Lispector segundo Italo Moriconi; em entrevista, Ana Gabriela Macedo comenta o mapeamento de narrativas sobre a ditadura feitas por artistas mulheres, com foco em Portugal; uma resenha sobre o recém-lançado livro de Leonard Cohen no país; os caminhos da escritora Inaldete Pinheiro de Andrade; Laura Erber segue procurando antirrespostas à pergunta o que é um poeta?
; um artigo, fruto de nossa parceria com a Anpocs, discute as formas de pensar a classe média no Brasil.
Esta edição marca o fim da série A ciência como ela é, parceria com o Instituto Serrapilheira na qual escritoras e escritores elaboram a ciência brasileira a partir dos afetos que guiam pesquisas e achados. Para encerrar o especial, a escritora Luciany Aparecida faz uma crônica sobre os caminhos da biomédica Jaqueline Goes de Jesus, que sequenciou o vírus da covid-19 após 48 horas da primeira ocorrência da doença no país.
Uma boa leitura a todas e todos!
COLABORAM NESTA EDIÇÃO
André Salata, professor (PUC-RS); André Santa Rosa, jornalista; Carol Almeida, editora de A ciência como ela é; Celi Scalon, professora (UFRJ); Cidinha da Silva, escritora, autora de Um Exu em Nova York; Edma de Góis, pós-doutora em Estudo de Linguagens (UNEB); Henrique Provinzano Amaral, tradutor e doutorando em Letras (USP); Italo Moriconi, crítico literário, autor de Literatura, meu fetiche; Kelvin Falcão Klein, professor (Unirio); Laura Erber, poeta, autora de A retornada; Mario Sagayama, crítico literário e mestre em Letras (USP); Matheus Mota, ilustrador de A ciência como ela é; Renato Ortiz, professor (Unicamp)
EXPEDIENTE
Governo do Estado de Pernambuco
Governador
Paulo Henrique Saraiva Câmara
Vice-governadora
Luciana Barbosa de Oliveira Santos
Secretário da Casa Civil
José Francisco Cavalcanti Neto
Companhia editora de Pernambuco – CEPE
Presidente
Ricardo Leitão
Diretor de Produção e Edição
Ricardo Melo
Diretor Administrativo e Financeiro
Bráulio Meneses
Superintendente de produção editorial
Luiz Arrais
EDITOR
Schneider Carpeggiani
EDITOR ASSISTENTE
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DIAGRAMAÇÃO E ARTE
Filipe Aca (interino), Hana Luzia e Janio Santos
ESTAGIÁRIOS
Guilherme de Lima, Luis E. Jordán e Rafael Olinto
TRATAMENTO DE IMAGEM
Agelson Soares e Sebastião Corrêa
REVISÃO
Dudley Barbosa e Maria Helena Pôrto
colunistas
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Supervisão de mídias digitais e UI/UX design
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UI/UX design
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Produção gráfica
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marketing E vendas
Bárbara Lima, Giselle Melo e Rafael Chagas
E-mail: marketing@cepe.com.br
Telefone: (81) 3183.2756
Assine a ContinenteCRÔNICA
Orfeu fodido, poemas na memória
Desta vez, um coro de antirrespostas à pergunta O que é um poeta?
Laura Erber
RAFAEL OLINTO
Na última crônica tratei do ovo com um cavalo dentro. Continuo tentando dar antirrespostas à pergunta: o que é um poeta. A criança disse que era um cavalo galopando dentro de um ovo. Talvez seja uma égua. Em apuro ontológico, convoco de novo outras vozes. Do mato fundo, acompanhado por uma banda sonora de capivaras rechonchudas, chega Ricardo Chacal. Cumprimentam-nos e lanço a pergunta no ar denso de uma chuva que ameaça cair. A resposta chega zás-trás: o poeta é Orfeu fodido
.
Orfeu fodido, o epíteto cativa, faz pensar em alguém que encanta os bichos enquanto segue seu rumo, maltratado, maltrapilho. Chacal prossegue: poeta pode ser mercúrio o carteiro/ cartas no contratempo/ na contramão do mundo
.
A imagem do poeta-carteiro, que extravia todas as mensagens enviando versos de amor para o nada, é inspiradora, participa da própria redefinição da poesia lírica como poesia sobre esse percurso sem fim. Releio o último verso: na contramão do mundo
. Coincido com ele, mas logo me pergunto se o próprio mundo hoje não anda na contramão do mundo. Em caso afirmativo, significaria que poeta e mundo andam de mãos dadas numa época convulsiva, mais fodida do que órfica.
Uma guerra chega ao oitavo dia num ponto não muito distante daqui, na Europa Central. Escrevo de Budapeste. Vim fazer pesquisas para um romance, com apoio de uma bolsa da Central European University. A própria história dessa instituição já daria um romance político, mas não o escreverei.
Poesia e guerra, é o tema colocado a toda e todo Orfeu fodido nestes tempos estranhos. Quando Borges despertou para os horrores da Guerra das Malvinas, escreveu um dos melhores poemas de guerra jamais escritos. Em poucos versos conta a história de um planeta dividido onde se encontram Juan López e John Ward. O argentino Juan amava Conrad, o inglês John tinha aprendido castelhano para ler o Quixote. Numa pequena ilha, sem se conhecerem, exterminaram um ao outro. Borges conclui dizendo que o fato ocorreu em um tempo que não podemos entender
. Mas esse tempo se repete, retorna, nos envolve como o ovo ao cavalo ou égua que galopa. Estamos dentro dele como dentro de nossa própria pele.
A poeta húngara Ágota Kristóf teve de fugir de seu país em 1956, quando a Hungria foi invadida por tropas russas. Ela deixou para trás o caderno onde escrevia seus poemas. Estabeleceu-se na Suíça e começou a escrever em francês, valendo-se de parco domínio da língua. Fez dessa limitação um exercício de contenção. Haruki Murakami cita Kristóf quando relata seu experimento de usar o inglês que não dominava muito bem para tentar melhorar a linguagem do seu primeiro romance. Ágota Kristóf tornou-se célebre por seus romances. Já no fim da vida, autorizou a publicação dos poemas perdidos, os poemas dos cadernos que havia deixado na Hungria ao fugir. Kristóf nunca aceitou bem a perda dos seus primeiros escritos, e insistiu na reconstrução. Nos primeiros anos de exílio no novo país, tratou de reescrevê-los, mantendo os versos que conseguia rememorar, inventando outra vez o que não lembrava. O que é uma poeta? Para mim é também isso, uma jovem que foge da guerra levando poemas na memória. Um dos poemas reconstituídos diz:
as grandes montanhas da primavera estão de volta, mas
não se assemelham a nada no fundo do lago
não há nada além de lodo
Enviei a pergunta a Tatiana Pequeno, autora de um poema impressionante sobre o que pode acontecer dentro de