A Escrita Outra – Imagens em Contínuo
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A Escrita Outra – Imagens em Contínuo - Aline Pupato Couto Costa
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA
À minha família, pelos que vieram e me trouxeram, pelos que estão, lado a lado, nesta ciranda infinita do tempo e espaço, mão em mão, em gesto de voz e emoção, eu dedico este livro a quem o nosso legado passa: João e Vinicius, meus(nossos) elos em contínuo.
Ofereço-vos, enfim, este trabalho, em sinal da minha gratidão e da vida que existe e continua para além dos olhos, pois há à nossa volta, uma festa de claridade
.
AGRADECIMENTOS
A Jorge Fernandes da Silveira, mestre querido, eu agradeço todo o carinho, a humildade, a exigência e a dedicação na construção da voz que aqui se fez. A ti, agradeço a partilha do afeto, o amor pela Fiama e as portas abertas da casa e do coração.
À Luci Ruas Pereira, minha cantora de leitura
, que me levou a amar a Literatura Portuguesa, agradeço-te hoje e Para Sempre o percurso dos meus dias, pois um dia me disse: Deus quer, o homem sonha, a obra nasce
.
A João Barrento e à Maria Etelvina Santos, pelo apoio incondicional. O meu eterno agradecimento pela atenção, pelo afeto e acolhimento ao longo da minha jornada llansoliana.
À Silvina Rodrigues Lopes, pela presença solidária nessa trajetória.
À Cleonice Berardinelli, pelas leituras e horas plácidas em que estivemos juntas.
À Ângela Beatriz de Carvalho Faria, pelas aulas inesquecíveis em torno dos impossíveis
.
À Maria de Lourdes Azevedo Soares e à Maria Lúcia Wiltshire de Oliveira, pelo carinho legente que nos envolve e aquece.
À UFRJ e ao corpo docente, pela acolhida e formação acadêmica.
À Universidade Nova de Lisboa, pela aceitação de meu doutoramento.
À Capes, por ter sido a primeira instituição a acreditar neste trabalho e por me ofertar a bolsa de estudo para cursar o doutorado pleno em Portugal.
À equipe editorial da Appris, desde o convite a esta publicação até a fase final da distribuição, meus sinceros agradecimentos.
À minha família, sim, e mais uma vez, eternamente.
A Deus, sobretudo, pela força e coragem, pela luz que se abria quando a noite
caía.
[...] aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós.
Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.
(Antoine Saint-Exupéry)
Nenhuma palavra é poética. Nenhuma. (Nem o verbo ser)
Tudo é hermético... pelos que vieram antes de nós.
(Maria Gabriela Llansol)
Lista de Abreviaturas
¹
LC O Livro das Comunidades (1977)
RV A Restante Vida (1984)
CJA Na Casa de Julho e Agosto (1984)
CA Causa Amante (1984)
FP Um falcão no punho (1984)
CME Contos do Mal Errante (1986)
F Finita (1987)
AC Amar um cão (1990)
BDMT Um beijo dado mais tarde (1990)
L1 Lisboaleipzig 1 (1994)
L2 Lisboaleipzig 2 (1994)
ICQ Inquérito às quatro confidências (1996)
ATJ Ardente Texto Joshua (1999)
OVDP Onde Vais, Drama-Poesia? (2000)
P Parasceve (2001)
CLP O Começo de um Livro é Precioso (2003)
JLA O Jogo da Liberdade da Alma (2003)
AA Amigo e Amiga – Curso de silêncio de 2004 (2006)
CL Os cantores de Leitura (2007)
LH1 O Livro das Horas I – Uma Data a Cada Mão (2009)
LH2 O Livro das Horas II – Um Arco Singular (2010)
LH3 O Livro das Horas III – Numerosas Linhas (2012)
LH4 O Livro das Horas IV – A Palavra Imediata (2014)
LH5 O Livro das Horas V – O Azul Imperfeito (2016)
Não estamos nas palavras para falar delas, ou de seus
conteúdos, mas para falar com elas. Se assim podemos passar de palavras para as imagens (relação do verbal com a metáfora), fazemos ainda outra passagem mais radical, passando das palavras para o ‘jogo’. É nessa dimensão do significar, como jogo de palavras, em que importa mais a remissão das palavras para as palavras – desmontando a noção de linearidade e a que centra o sentido nos
conteúdos –, que o silêncio faz sua entrada. O não-um (os muitos sentidos), o efeito do um (o sentido literal) e o (in) definir-se na relação das muitas formações discursivas têm no silêncio o seu ponto de sustentação. Desse modo é que se pode considerar que todo discurso já é uma fala que fala com outras palavras, através de outras palavras. [...]. Compreender o que é efeito de sentidos é compreender que o sentido não está (alocado) em lugar nenhum mas se produz nas relações: dos sujeitos, dos sentidos, e isso só é possível, já que sujeito e sentido se constituem mutuamente, pela sua inscrição no jogo das múltiplas formações discursivas (que constituem as distintas regiões do dizível para os sujeitos)
(Eni Puccinelli Orlandi, As formas do silêncio)
Eu não existe, a perda também não
(Maria Gabriela Llansol)
Sumário
INTRODUÇÃO
Nada foi, tudo está sendo
17
CAPÍTULO I
Pelas fendas da paisagem
25
1 PELAS FENDAS DA PAISAGEM
25
1.1 Um beijo dado ao encoberto 25
CAPÍTULO II
Uma linha que me ata ao sol
43
2 UMA LINHA QUE ME ATA AO SOL
44
2.1 Luz Incomum 44
CAPÍTULO III
Um traço para o solo firme
67
3 UM TRAÇO PARA O SOLO FIRME
68
3.1 Onde vais? À memória 68
3.2 A Senhora decepada e o puro retrato da família
75
3.3 Ana ensinando a ler a Myriam, ou A Estátua de Leitura 78
3.4 Aprendizagem da leitura, nascimento e criação: o dois-em-um socrático 81
3.5 Parasceve: o lugar obsceno da ressuscitação 90
CAPÍTULO IV
Uma seta para que guardes no coração
97
4 UMA SETA PARA QUE GUARDES NO CORAÇÃO
98
4.1 Porque é preciso dizer adeus 98
4.1.1 Devolve o sol a quem lê 103
4.1.2 Agora, era a produção da flor do silêncio 106
4.1.3 O Golpe (p. 10 a 46) 107
4.1.4 Afinal, uma única melodia respondia ao silêncio
108
4.2 A obra inacabada e as dobras do tempo e espaço 109
4.2.1 Um canto órfico na dobra do espaço da obra 110
4.2.2 À porta de Parasceve 111
CAPÍTULO V
Pelas fendas da paisagem, uma fenda para ver o mar
131
5 PELAS FENDAS DA PAISAGEM, UMA FENDA PARA VER O MAR
132
5.1 A Questão do Júbilo 132
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um olhar penetrante descido
139
BIBLIOGRaFiA 145
INTRODUÇÃO
Nada foi, tudo está sendo
Nada foi, tudo está sendo
(Maria Gabriela Llansol)
Diz João Barrento que ser legente é ler com o corpo e com outros livros que trazemos conosco e nos escolhem
, pois com eles nunca lemos sós
e cada acto de leitura é um chamamento contínuo a um lugar onde alguma coisa acontece (BARRENTO, 2009, p. 143). Talvez seja eu, também, uma legente llansoliana, um alguém-leitor que segue esse modo de leitura de que fala o especialista e responsável pelo espólio das obras de Maria Gabriela Llansol, em Sintra. Isso porque os livros llansolianos me convocam a um lugar outro através de um processo de interlocução afetuosa que traço com as linhas que leio e que, aos poucos, percebo que o substrato que fica é o de uma densidade outra: o do
não saber. Caminho pelo vazio. Do vazio que há no texto? Pelo meu vazio? Do vazio que é o excesso que trago e resisto em soltar? Talvez, por tudo isso ou por nada disso. Ou talvez, por tudo e nada. Porque o mais importante, se é que há, é o de estar nesse vazio aqui conjugado. Sou acolhida no acolhimento que dou às suas imagens. Nesse
não-saber me proponho a aprender. E vou aprendendo a atar-me com o
já lido ou com o
já visto de maneira outra, vou aprendendo a aceitar novos sentidos, vou aprendendo a despossuir-me. Nesse
não-saber aprendo a errar, e a saber que todo retorno já guarda um sentido novo – e que isto é humano. Humanidade que nos liga e nos faz grande na pequenez que nos envolve. E é nesse
não-saber o abismo com o qual escrevo esse texto; escrevo em abismo, no risco de não ser compreendida. Mas sigo, contudo; em vontade, em escolha; pois tenho a certeza de ser esse o percurso que me permite ir além, em reflexão, em pensamento. Assim se dá, então, o modo pelo qual leio e escrevo esse trabalho – através de um
ler-com, pois acredito ser esse o caminho dessa comunidade convocada pelo ato de ser legente. Comunidade esta que se propõe a estar
fora do tempo amnésico dos dias e do poder, convocando o passado
para um Aqui e Agora² do encontro sempre renovado ocorrido no espaço de um instante
que se dilata e se furta ao tempo, e que é lugar único: o do corp’a’screver’’ (BARRENTO, 2009, p. 144-145).
Cheguei a Maria Gabriela Llansol pelas mãos de Luci Ruas, quando, em junho de 2009, na PUC Minas, participei de um seminário do grupo de pesquisa De Orfeu e de Perséfone: figurações da morte nas literaturas portuguesa e brasileira contemporâneas, uma vez que o meu projeto sobre Inês Pedrosa (dissertação de mestrado) fazia parte desta linha de pesquisa. Foi neste encontro, a primeira vez que ouvi falar de Maria Gabriela Llansol. A seguir, li o livro O beijo partido, de Jorge Fernandes da Silveira. Daí, eu me encantei com a profundidade da temática e da complexidade da escrita llansoliana. Em julho de 2011, participei do X Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas (AIL), organizado pela Universidade do Algarve, reunindo pesquisadores de diferentes locais e nacionalidades em torno da temática da língua portuguesa, o que originou uma troca de experiências muito rica e proveitosa. Essa ida para Portugal foi extremamente importante para o meu trabalho de pesquisa, em especial para a definição do projeto de doutorado a que esse livro se refere, porque foi a partir da visita a Sintra, ao Espaço Llansol, que tive a certeza de que era ela, Llansol, quem eu iria estudar. Do lugar lindo e mágico que é Sintra, ao aconchego e simpatia dos que trabalham no Espaço, tudo me envolvia e me enchia de certeza de que estava no caminho certo. Lá, no Espaço Llansol, recebi de Maria Etelvina Santos a doação de todos os Cadernos Llansolianos até então escritos, as publicações de Maria Gabriela e os livros que falam sobre a obra de Llansol publicados pela editora Mariposa Azual. Desta forma, ir a Portugal contribuiu significativamente não só, para mim, pelo aspecto investigativo da pesquisa; mas, sobretudo pela compreensão e vivência de um mundo cultural trazido nos livros como, por exemplo, o simples hábito de se ir a um café
.
É com muita alegria que digo que a pesquisa aqui apresentada também foi acolhida e aceita para ser desenvolvida, em ٢٠١٢, no curso de doutoramento da Universidade Nova de Lisboa em Estudos Portugueses, sob a supervisão de Silvina Rodrigues Lopes, com fomento da Bolsa Capes de Doutorado Pleno no Exterior.³ Para essa conquista, agradeço, mais uma vez, o apoio incondicional de Luci Ruas, Jorge Fernandes da Silveira, Silvina Rodrigues Lopes, João Barrento e Maria Etelvina Santos.
O presente livro vem a lume com a proposição de ser esta investigação um contributo significativo para os estudos em torno da obra de Maria Gabriela Llansol, ampliando, assim, as bases teóricas da Literatura Portuguesa do século XX. Interessa aqui investigar a presença da voz, da memória e do silêncio na escrita de Llansol e estabelecer o modo pelo qual esses elementos se articulam com vista à expressão no corpo textual de um tempo que é júbilo, alegria.
Maria Gabriela Llansol Nunes da Cunha Rodrigues Joaquim nasce em 24 de novembro de 1931, em Lisboa, vindo a falecer em março de 2008, deixando-nos⁴ um acervo de 30 obras publicadas e um espólio ainda a ser editado composto por dados escritos e iconográficos. Esse material inédito encontra-se no Espaço Llansol, antes em Sintra; hoje, em Lisboa, Portugal, sob a direção de João Barrento e Maria Etelvina Santos. Ler e compreender sua obra implica cruzar o literário e o histórico que marcam sua vida em interlocução intra e intertextual⁵. Daí que se leia em Onde vais, Drama-Poesia?: ______ eu nasci em 1931, no decurso da leitura silenciosa de um poema. Só havia tecidos espalhados pelo chão da casa, as crenças ingênuas de minha mãe
(OVDP, p. 11), posto que ler
seja já um modo de viver
. Com Augusto Joaquim, seu marido, Llansol, em 1965, vai para Bélgica acompanhando-o em exílio, pois Augusto se recusara a participar na guerra colonial
(L1, p. 125). Nessa época, deixa um livro publicado e outro ainda inédito (Os pregos na erva e Depois de os pregos na erva). É, contudo, neste lugar longínquo que acontece com maior intensidade a produção textual de Llansol⁶. E Maria Gabriela, então, escreve as primeiras duas trilogias – Geografia de Rebeldes⁷ e parte de o Litoral do Mundo⁸ e os Diários. Em 1985, regressa a Portugal e continua a escrever de forma intensa, até a publicação em 2007 de Os Cantores de Leitura – seu último livro ainda em vida.
Maria Etelvina Santos diz que Maria Gabriela Llansol é sinônimo de uma radicalidade dentro da chamada ficção portuguesa, que necessita de ser estudada não só na sua inserção adentro da nossa literatura e dos estudos literários, mas também como uma prática de escrita
(SANTOS, 2008, p. 53). Isso porque Maria Gabriela é uma das vozes da literatura portuguesa contemporânea que concebe o ato de criação de forma muito particular. Para ela, a ficção é "o encontro inesperado do diverso", concepção manifesta no subtítulo de Lisboaleipzig 1⁹, porque o livro é o receptáculo embrionário do novo, daquilo que, ainda não sendo, já é percebido e comunicado através do silêncio. Livro que é lugar-mundo. Livro-casa, lugar de afeto por onde há o encontro de experiências múltiplas e, na coexistência do diverso, torna-se lugar de ascese pessoal.
Para a escrita deste