Suplemento Pernambuco #201
De Jânio Santos, Hana Luzia, Luis E. Jordán e
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Suplemento Pernambuco #201 - Jânio Santos
CARTA DOS EDITORES
Anne Carson, escritora e pesquisadora canadense, vem sendo publicada comercialmente no Brasil há alguns anos. Obras pontuais da autora foram traduzidas e, se não dão conta de todo o seu trabalho estético, ao menos funcionaram como boas apresentações dela aos leitores brasileiros. No momento em que mais um livro de Carson chega ao país – Falas curtas (Relicário Edições) com tradução de Laura Erber e Sergio Flaksman –, chamamos Vilma Arêas (que traduziu O método Albertine com Francisco A. Guimarães) e Ismar Tirelli Neto (que verteu Autobiografia do vermelho ao português) para comentar a escrita da canadense. Enquanto Vilma, em uma perspectiva mais totalizante, tenta comentar aspectos gerais do trabalho de Anne Carson – enfatizando a obra dela como uma ficção que investiga a verdade e que é marcada pelo gesto de apontar para algo –, Ismar discute os aspectos éticos envolvidos na tradução que fez, mostrando como foi necessário estar atento às formas como a escritora elaborou uma linguagem para os vencidos.
Ainda funciona como uma espécie de matéria vinculada à capa a resenha de Metamorfoses do Sr. Ovídio, de Julia Raiz, que dialoga de maneira próxima com os trabalhos de Anne Carson.
Se pesquisar a verdade e pensar uma linguagem dos vencidos são aspectos do trabalho de Carson que dialogam de maneira indireta com um Brasil de fake news e de atualização contínua das diversas opressões que marcam nossa história, a entrevista concedida por Judith Butler organiza tópicos importantes para as nossas lutas, em especial a relevância do luto para as reivindicações contemporâneas. De certa forma, uma organização parecida é feita no artigo de Rodrigo Toniol (UFRJ) sobre os evangélicos no país. O texto integra nossa parceria com a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs), na qual cientistas sociais compartilham seus estudos com a população.
Uma miscelânea de discussões sobre métodos e escritas povoam os demais momentos desta edição — destacamos o trecho da biografia do poeta Ricardo Aleixo, as resenhas sobre os livros de Lu Menezes, José Falero e Geovani Martins.
Uma boa leitura!
COLABORAM NESTA EDIÇÃO
André Botton, doutorando em Letras (PUC-RS); Emanuela Siqueira, tradutora e doutoranda em Estudos Literários (UFPR); Isabela Benassi, mestra em Literatura Comparada (USP); João Victor Cavalcante, doutorando em Comunicação Social (UFPE); Joselia Aguiar, jornalista, escritora e curadora; Laura Erber, poeta, autora de Esquilos de Pavlov; Masé Lemos, professora (Unirio), coautora de Estudos de paisagem; Rodrigo Garcia Lopes, poeta e tradutor, autor de O enigma das ondas; Rodrigo Toniol, antropólogo e professor (UFRJ); Silviano Santiago, ensaísta, autor de Fisiologia da composição; Wander Melo Miranda, professor (UFMG), autor de Os olhos de Diadorim
EXPEDIENTE
Governo do Estado de Pernambuco
Governador
Paulo Henrique Saraiva Câmara
Vice-governadora
Luciana Barbosa de Oliveira Santos
Secretário da Casa Civil
José Francisco Cavalcanti Neto
Companhia editora de Pernambuco – CEPE
Presidente
Ricardo Leitão
Diretor de Produção e Edição
Ricardo Melo
Diretor Administrativo e Financeiro
Bráulio Meneses
Superintendente de produção editorial
Luiz Arrais
EDITOR
Schneider Carpeggiani
EDITOR ASSISTENTE
Carol Almeida e Igor Gomes
DIAGRAMAÇÃO E ARTE
Hana Luzia e Janio Santos (Diagramação e Arte)
Matheus Melo (Webdesign)
ESTAGIÁRIOS
Luis E. Jordán, Rafael Olinto e Vitor Fugita
TRATAMENTO DE IMAGEM
Agelson Soares e Sebastião Corrêa
REVISÃO
Dudley Barbosa e Maria Helena Pôrto
colunistas
Diogo Guedes, Everardo Norões, Gianni Gianni (interina) e José Castello
Supervisão de mídias digitais e UI/UX design
Rodolfo Galvão
UI/UX design
Edlamar Soares e Renato Costa
Produção gráfica
Júlio Gonçalves, Eliseu Souza, Márcio Roberto, Joselma Firmino e Sóstenes Fernandes
marketing E vendas
Bárbara Lima, Giselle Melo e Rafael Chagas
E-mail: marketing@cepe.com.br
Telefone: (81) 3183.2756
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Mas a gente precisa
ver o luar
O mundo vai mal e digo mais, ainda não vimos tudo
, me diz Simon
Laura Erber
vitor fugita
O mundo vai mal e digo mais, ainda não vimos tudo.
Essa é a voz de Simon, mansa, quase terna, sem sobressaltos. Simon é o dono de um brechó parisiense que leva o seu nome em grandes letras amarelas manuscritas sobre fundo vermelho. É frequentado por quem procura roupas finas e marcas raras a preços acessíveis.
Simon está sentado de jaqueta jeans entre casacos, tailleurs e gabardinas, é um sujeito simpático, bochechudo, de olhar doce e palavras sombrias sobre o futuro do mundo e de seu país, segundo ele, desgovernado, desgovernado. E vai piorar, ainda não vimos tudo.
O cheiro típico das roupas usadas se mistura com o ar de Paris já que a porta fica quase sempre aberta nesta época do ano. Ainda que pareça totalmente absorto em pensamentos nada otimistas, Simon observa os clientes com olho clínico e sabe identificar imediatamente tamanho e formato ideais de ternos e sobretudos para seus clientes. Numa outra linha de ação, de quem realmente assume o trabalho como um métier, quando acredita que uma peça vestiria perfeitamente tal ou tal corpo de tal ou tal cliente, ele a separa e na primeira oportunidade, faz a recomendação.
Simon’s é quase um pequeno clube de aficionados por roupas clássicas, mas é também visitado por quem gosta de uma boa conversa, sem obrigação de comprar.
Faz sol em Paris e o frio ainda não se instalou realmente. O Brasil também é um assunto aqui. Segundo Simon, a vitória de Lula será boa a curto prazo, mas talvez ajude a fortalecer a extrema direita aloprada que na oposição tenderá a se organizar ainda melhor.
Ainda não vimos tudo, é verdade. Mas digo a ele que a campanha eleitoral brasileira inclui satanismo na maçonaria. Parece que tudo o que há para ver já transcendeu nossa capacidade descritiva, Simon.
Com a mesma voz doce, mas agora num tom de derrota mais grave, Simon diz que talvez não possa vir trabalhar na próxima semana. Há uma greve em curso em diversas refinarias francesas e os efeitos já podem ser sentidos em postos de gasolina de algumas regiões, que tiveram de fechar por falta de combustível. As filas de motoristas se multiplicam e o governo não quer reconhecer a crise, minimizando a seriedade do problema já instalado.
Para conseguir a roupa fina usada pelas famílias ricas de Paris, ele precisa madrugar e atravessar a cidade de ponta a ponta, chegando antes dos concorrentes e com maior margem de escolha das peças. Por isso a lojinha no Boulevard Arago só começa a funcionar às duas.
Nos brechós, padarias e repartições públicas da Europa, a espera pelo inverno tem sido tensa. As contas de energia deram saltos medonhos e embora alguns governos tenham anunciado medidas de controle do aumento do preço do gás, muitas pessoas já sabem: em breve irão pagar mais para aquecer suas casas do que pagam pelo aluguel.
O mundo dá voltas, as voltas que o mundo dá… Ainda não vimos tudo. Se na França há governo desgovernante, no Brasil corremos o risco de habitarmos uma paisagem política à moda húngara, com o agravante do armamentismo trumpista e da velha e persistente violência de Estado à brasileira.
O coração de Simon não está seco, mas ele parece cansado. Seu olhar abarca os acontecimentos com uma espécie de melancolia moral. Ele sabe que há coisas piores, não visíveis, acontecendo dentro da noite. Sempre há. Simon, a seu modo, já está vivendo