Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Literatura, Cinema E Sociedade
Literatura, Cinema E Sociedade
Literatura, Cinema E Sociedade
E-book189 páginas1 hora

Literatura, Cinema E Sociedade

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Este livro apresenta um conjunto de ensaios sobre cinema e literatura produzidos nas últimas décadas no Brasil, tendo por orientação teórica a crítica cultural materialista. Nesse sentido, as análises aqui reunidas percorrem obras literárias de autores como Marçal Aquino e André Sant Anna, além de filmes de diretores como Beto Brant e Kleber Mendonça Filho. Mais do que a análise destes objetos fílmicos e literários, os ensaios buscam compreender aspectos gerais da sociedade e da cultura brasileira, especialmente no contexto particular do pós-modernismo, enquanto lógica cultural do capitalismo tardio ou neoliberal.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento15 de jun. de 2022
Literatura, Cinema E Sociedade

Relacionado a Literatura, Cinema E Sociedade

Ebooks relacionados

Crítica Literária para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Literatura, Cinema E Sociedade

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Literatura, Cinema E Sociedade - Volmir Cardoso Pereira

    INTRODUÇÃO

    Este livro apresenta um conjunto de ensaios sobre cinema e literatura produzidos nas últimas décadas no Brasil, tendo por orientação teórica a crítica cultural materialista. De antemão, isso significa que a leitura das obras aqui elencadas busca não apenas a análise formal/estrutural dos objetos, mas antes uma compre-ensão do social e do político que permeiam e investem de sentido a produção literária e cinematográfica.

    Ao pensar as relações entre literatura, cinema e sociedade, especialmente nos tempos atuais, talvez seja conveniente começar com algumas questões, ainda que as respostas não possam ser facilmente enunciadas:

    1. O que significa, no contexto atual da universidade brasileira, dizer que se produz uma crítica cultural empenhada em transformar a realidade, em produzir uma reflexão que vise conduzir à produção de contrapoder contra o establishment, organizando o conhecimento de maneira a viabilizar estratégias de luta política e social?

    2. A literatura e o cinema brasileiro mais recentes podem nos revelar, de modo tenso e crítico, traços de um inconsciente político da nação ou, em outra via, como podemos observar os discursos ideológicos se desdobrando em estratégias formais de composição literária e cinematográfica no Brasil atual?

    3. Em que medida, hoje, filmes e livros seguem como objetos da cultura capazes de nos fornecer utopias necessárias, ao mesmo tempo em que a ideologia se embrenha com a potência estética da linguagem?

    4. A narrativa ficcional literária e cinematográfica, em tempos de pós-verdade e simulação total nos protocolos da vida social, pode ainda revelar algo de insólito ou singular sobre o real? Se a realidade é hoje uma ficção pulverizada, direcionada pelos algoritmos aos mais diversos nichos, a partir de demandas emocionais atreladas ao consumo, ainda faria sentido ler literatura e assistir cinema em busca de alguma epifania ou desfamiliarização que só a ficção poderia trazer?

    Estas questões iniciais podem ser hoje colocadas a todos aqueles que ainda insistem em produzir uma crítica empenhada sobre a cultura.  Este livro, que reúne alguns ensaios resultantes de um período de minha vida acadêmica como professor e pesquisador de literatura, é o registro de um percurso analítico que foi se definindo paulatinamente, a partir do qual a crítica cultural materialista foi sendo assumida como enfoque metodológico, colocando em primeiro plano a abordagem estético-política de filmes e livros.  Tal percurso estende-se desde minha dissertação de mestrado, estudando os escritores da Geração 90¹, passando pela tese de doutorado sobre o romance O invasor, de Marçal Aquino, e o filme homônimo, de Beto Brant², até alguns trabalhos mais recentes sobre o estudo comparado entre cinema e literatura. Nesse itinerário de um pesquisador em Letras e Estudos Interartes, além de professor de ensino superior, a crítica cultural materialista foi assumindo maior relevo, na medida em que as interrogações a respeito das relações de poder que percorrem os campos literário e cinematográfico foram ficando mais claras para mim. Isso me estimulou a observar como a criação estética está impregnada, em forma e conteúdo, de traços ideológicos que demarcam o político, o econômico, o cultural e o momento histórico. Por outro lado, filmes e livros também guardam estratégias de estranhamento e produção de contrapoder, ou seja, táticas de resistência.

    A dialética da cultura em face do social-econômico, em sua dinâmica histórica, é o ponto que mais me interessa, tendo em vista os objetos selecionados para análise nos ensaios aqui compilados. Que a análise de filmes e livros brasileiros a seguir, bem como sua consequente discussão teórica, possa servir modestamente para a compreensão do nosso tempo histórico, tendo em vista as tantas dificuldades sociais e conflitos culturais hoje colocadas, bem como as tarefas políticas que precisam ser discutidas, propostas e convertidas em práticas de intervenção.

    Volmir Cardoso Pereira

    13 de março de 2022

    CRÍTICA CULTURAL MATERIALISTA: MAPEAR O INCONSCIENTE POLÍTICO NO CINEMA E NA LITERATURA

    De início, deve-se ressaltar que a crítica cultural materialista remonta a uma tradição crítica que compreende o estético em sua íntima relação com a vida social, evidenciando uma posição empenhada em face das questões políticas e históricas.

    Todavia, cabe lembrar que tal perspectiva foi duramente questionada no decorrer do século XX. Tanto o marxismo, como também o freudismo e o estrutura-lismo, foram duramente criticados na pós-modernidade por ainda veicularem modelos interpretativos tota-lizantes, afeitos aos paradigmas das grandes nar-rativas³. No entanto, no século XXI, já podemos observar com maior nitidez os limites ideológicos da fragmentação pós-moderna, caleidoscópio de bandeiras identitárias com seus lugares de fala e seus recortes teóricos, bem administrados no modus operandi acadêmico. Nas artes, já são reconhecíveis os sinais de um esgotamento do estilo pós-moderno e de suas opções ideológicas pela recusa em se pensar a totalidade social, pela afirmação do pastiche lúdico e do kitsch. No plano político mais amplo, observamos a utopia multicul-turalista e a afirmação das diferenças serem cada vez mais colonizadas e administradas pela publicidade e pela discursividade neoliberal. Conforme nos lembra Terry Eagleton, o pós-modernismo construiu uma retórica compensatória que visou celebrar tópicos culturais como últimas possibilidades de gozo e resistência, ao invés de enfrentar a questão mais complexa do bloqueio dos canais políticos imposto pelo capitalismo tardio e pela hegemonia neoliberal. Diz ele:

    Para os radicais, descartar a ideia de totalidade num ataque de holofobia significa, entre outras coisas mais positivas, munir-se de algum consolo muito precisado. Pois num período em que nenhuma ação política de grande projeção se afigura com efeito exequível, em que a assim chamada micropolítica parece a ordem do dia, soa como um alívio converter essa necessidade em virtude – persuadir-se de que as próprias limitações políticas têm, por assim dizer, uma base ontológica sólida, pelo fato de que a totalidade social resume-se afinal a uma quimera. (EAGLETON, 1998, p. 18)

    Desse modo, pode-se dizer que a condenação sumária de qualquer teoria que ainda supusesse uma investigação da totalidade social, das mediações entre singular-particular-universal, foi de certa forma o sinto-ma mais evidente de uma crise dos próprios campos artísticos e intelectuais, sujeitados ao processo indiferen-ciado de mercantilização da cultura ou atomizados em circuitos acadêmicos restritos, incapazes de fomentar energias sociais em suas incipientes demandas políticas e estéticas. Nestes tempos, em que as culturas erudita e popular foram colonizadas e pasteurizadas pela indústria cultural, o pós-moderno esmerou-se em negar as hierarquias tradicionais, subvertendo-as ludicamente, revestindo de verniz estético o pragmatismo do próprio mercado, em sua nivelação horizontal dos objetos culturais mediante o valor de troca. Não foi outra a leitura de Fredric Jameson ao definir o pós-modernismo como uma lógica derivada da reificação cultural irrestrita produzida no contexto do capitalismo tardio:

    Assim, na cultura pós-moderna, a própria cultura se tornou um produto, o mercado tornou-se seu próprio substituto, um produto exatamente igual a qualquer um dos itens que o constituem: o modernismo era, ainda que minimamente e de forma tendencial, uma crítica à mercadoria e um esforço de forçá-la a se autotranscender. O pós-modernismo é o consumo da própria produção de mercadorias como processo. (JAMESON, 2000, p 14)

    Como se vê, compreender o pós-modernismo como lógica cultural de um determinado momento histórico, no caso, o capitalismo tardio (definido pela implementação do modelo neoliberal), significa observar a produção estética a partir de condições históricas e sociais que lhe permite emergir. Para além do determinismo tacanho, a abordagem materialista observa dialeticamente as correlações indissociáveis entre a cultura e a economia, ou de modo mais geral, a base e a superestrutura da sociedade, a partir de suas correspondências e tensionamentos.

    Segue-se que apresentar as premissas para uma crítica da cultura de caráter materialista envolve ao menos dois óbices iniciais: primeiro, a dificuldade em se estabelecer pontos pacíficos nos conceitos e abordagens oriundos da tradição marxista, tendo em vista as tantas reformulações e revisões impostas a conceitos como modo de produção, superestrutura, ideologia, classe, totalidade, valor, entre outros; segundo, o risco em se reduzir toda a potencialidade de seus instrumentos a uma versão esquemática que, no pior dos casos, pode representar apenas mais um fetiche teórico em uma situação histórica que tem inviabilizado qualquer práxis transformadora das condições existentes. Já em fins dos anos 1940, Theodor Adorno alertava para os riscos de se fetichizar a própria crítica que, destituída de condições objetivas de intervenção política, faria a denúncia da ideologia para ser, em seguida, absorvida novamente pela discursividade hegemônica, corroboran-do a ilusão de certa liberdade de expressão, fundamental para a legitimação do status quo:

    Nessa prisão ao ar livre em que o mundo está se transformando, já nem importa mais o que depende do quê, pois tudo se tornou uno. Todos os fenômenos enrijecem-se em insígnias da dominação absoluta do que existe. Não há mais ideologia no sentido próprio de falsa consciência, mas somente propaganda a favor do mundo, mediante a sua duplicação e a mentira provocadora, que não pretende ser acreditada, mas que pede o silêncio. (ADORNO, 2002, p. 60)

    Devemos observar que o filósofo frankfurtiano produz este diagnóstico pessimista sobre a crítica cultural num momento em que os estados nacionais ainda tinham certa relevância na organização produtiva e, apesar do trauma da Segunda Grande Guerra, recompunham programas de intervenção e recuperação da economia (a herança do New Deal norte-americano; os anseios de bem-estar social na Europa). Ora, transpor tal diagnóstico para o século XXI significa observar sua exacerbação no contexto do capitalismo tardio, dada a incapacidade de as economias nacionais e seus sistemas políticos fazerem frente aos ditames do mercado global financeirizado e das grandes corporações transnacionais. Neste momento, em que toda a cultura passa a ser convertida em um processo produtivo administrado – como se a superestrutura desabasse sobre a base material – a crítica cultural também se converte em mercadoria, organizada em nichos de consumo intelectual ou na mais escancarada apologia do entretenimento massificado. Assim, mesmo a crítica empenhada corre o risco da inocuidade frente a uma indústria cultural capaz de acolhê-la e integrá-la quase

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1