Suplemento Pernambuco # 189: País nenhum
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Suplemento Pernambuco # 189 - Jânio Santos
CARTA DOS EDITORES
Escrita por Ignácio de Loyola Brandão, Não verás país nenhum parece uma ficção profética: o que ali foi elaborado pode ser visto, de maneira direta ou oblíqua, no Brasil atual. Lançado há 40 anos, o romance, talvez a mais terrível das nossas distopias, é marcado por humor, militarismo, pobreza, vários tipos de violência, ecocídio, uma burocracia labiríntica e incerta. Na capa desta edição do Pernambuco , a escritora Ana Rüsche usa as lentes da literatura e da história para discutir a atualidade gritante do livro, ressaltando como a construção empreendida por Brandão usa elementos colhidos em investigações estéticas e temáticas do autor, para corroer as referências nacionalistas que marcaram a ditadura de 1964. A imagem criada por Giovanna Cianelli homenageia e dialoga com o trabalho O herói (1966), de Anna Maria Maiolino, um comentário contundente sobre a ditadura de 1964.
Os demais momentos da edição oferecem um panorama de questões sobre criação, leitura e crítica: em ensaio, Silviano Santiago discute a necessidade de uma historiografia da literatura que evite domesticações das obras literárias; um artigo segue
os rastros das aproximações e distâncias entre literatura e teatro em meio à profusão de lançamentos de obras dramatúrgicas no Brasil; em entrevista, o escritor Nilton Resende fala sobre sua produção, que agrega diversas linguagens e dialoga com sua relação pessoal com Lygia Fagundes Telles. No novo texto da nossa parceria com a Anpocs, a socióloga Daniela Vieira (UEL) fala sobre os impactos teóricos e sociais da consagração da cultura hip-hop no país.
Por fim, começamos nova parceria com o Instituto Serrapilheira. Antes publicamos a série Botão Vermelho, com ficções que fabulavam outros mundos a partir de pesquisas brasileiras. A partir desta edição, o especial A ciência como ela é traz textos de escritoras e escritores na encruzilhada entre pesquisa e afetos. O anúncio, em outubro, do gigantesco corte na verba para pesquisa no Brasil só mostra a necessidade de aberturas que nos mostrem como a ciência dialoga com histórias pessoais de quem a faz.
Uma boa leitura a todas e todos!
COLABORAM NESTA EDIÇÃO
André Santa Rosa, jornalista e poeta; Carol Almeida, pesquisadora, editora da série A ciência como ela é; Daniela Vieira, socióloga e professora (UEL); Edma de Góis, pós-doutora em Estudos de Linguagens (UNEB); Felipe Cordeiro, ator e doutorando em Letras (UFMG); Iuri Müller, escritor e doutor em Letras (UFRGS); Laura Erber, professora (Universidade de Copenhague, Dinamarca); Márcio Bastos, jornalista e mestrando em Comunicação (UFPE); Matheus Mota, músico e ilustrador do especial A ciência como ela é; Silviano Santiago, escritor, autor de Fisiologia da composição; Wander Melo Miranda, professor (UFMG), autor de Os olhos de Diadorim
EXPEDIENTE
Governo do Estado de Pernambuco
Governador
Paulo Henrique Saraiva Câmara
Vice-governadora
Luciana Barbosa de Oliveira Santos
Secretário da Casa Civil
José Francisco Cavalcanti Neto
Companhia editora de Pernambuco – CEPE
Presidente
Ricardo Leitão
Diretor de Produção e Edição
Ricardo Melo
Diretor Administrativo e Financeiro
Bráulio Meneses
Superintendente de produção editorial
Luiz Arrais
EDITOR
Schneider Carpeggiani
EDITOR ASSISTENTE
Igor Gomes
DIAGRAMAÇÃO E ARTE
Hana Luzia e Janio Santos
ESTAGIÁRIOS
André Santa Rosa, Guilherme de Lima e Rafael Olinto
TRATAMENTO DE IMAGEM
Agelson Soares e Sebastião Corrêa
ReVISÃO
Dudley Barbosa e Maria Helena Pôrto
colunistas
Diogo Guedes, Everardo Norões e José Castello
Supervisão de mídias digitais e UI/UX design
Rodolfo Galvão
UI/UX design
Edlamar Soares e Renato Costa
Produção gráfica
Júlio Gonçalves, Eliseu Souza, Márcio Roberto, Joselma Firmino e Sóstenes Fernandes
marketing E vendas
Giselle Melo e Rosana Galvão
E-mail: marketing@cepe.com.br
Telefone: (81) 3183.2756
Assine a ContinenteCRÔNICA
Berinjela, baleia, gato sem rabo e jacaré
Sobre a megafauna das livrarias que sobrevivem em nós
Laura Erber
HANA LUZIA
A trilha sonora desta crônica começa com Brad Mehldau tocando Blackbird. Então você sente que as coisas começam a amaciar, e se descolam, pelo menos um pouco, da imensa poça de lama em que uma parte do mundo chafurda, a outra também — só que menos dramaticamente. Noutros casos, os piores, chafurda-se numa ex-poça, pura secura que só corrói, como a faca só lâmina de Cabral só fere.
Esta é uma crônica sobre livrarias, o avesso dos horrores. Que assim seja.
Uma livraria não é só um lugar onde uns vendem e outros compram o objeto chamado livro, e disso sabemos desde muito antes da pandemia eclodir e muito antes até do advento da internet, onde é possível comprar livros sem viver a experiência-livraria.
Livrarias — não falo aqui das grandes cadeias, mas das pequenas ou médias, com alma e atmosfera próprias — são um pouco como pessoas cuja casa frequentamos, cada uma com seu jeito de receber e conversar.
Alberto Giordano, crítico literário, professor e escritor argentino, tem um livro chamado Volver a donde nunca estuve que fala sobre seu pai ao mesmo tempo em que discorre sobre escritas íntimas e o lugar do eu
na literatura. A certa altura, descreve uma livraria que costumava frequentar com o pai. Era inteiramente dedicada a livros sobre xadrez e, segundo Giordano, foi essa livraria chamada Caissa, situada na região Tribunales, que sedimentou no autor a ideia de Buenos Aires como uma cidade de livrarias.
Nunca estive na Caissa, mas Buenos Aires é mesmo uma cidade diabólica. Morro de medo e de vontade de voltar lá. Medo porque sempre fico como se entorpecida, compro mais livros do que devia (e podia), e vontade porque alguns dos meus livros prediletos descobri nas livrarias de lá. Cito um: El testigo lúcido, livro de María Negroni sobre o lado sombrio da obra de Alejandra Pizarnik.
De sombra em sombra, volto ao Brasil e o fundo musical agora é Gal Costa cantando Saudosismo. Pra não dizer que só falei de trevas, entre as notícias mais alegres que me chegaram daí nesses tempos duros incluo a abertura de novas livrarias e sebos. Megafauna e Gato Sem Rabo, ambas em São Paulo — a primeira no edifício Copan, a segunda exclusivamente dedicada aos livros escritos por mulheres, também em São Paulo —, e o Jacaré, novo sebo no Largo do Machado, Rio de Janeiro, que pelas fotos parece um espaço tão simpático quanto o nome.
Aliás, deve ser bom demais batizar uma livraria. Em nome das Deusas dos livros, eu te batizo: Berinjela! Essa fica no centro do Rio. O Daniel Chomski, seu fundador, disse que escolheu o nome do saboroso legume de casca lustrosa e roxa porque na época de sua inauguração os sebos da cidade tinham nomes sóbrios ou sisudos, e de certo modo espantavam os estudantes. Daniel queria atrair um público mais jovem e universitário, o nome Berinjela atentava contra aquela camada de verniz sobre mofo e causava um estranhamento bem-humorado que deu muito certo. Visitem a Berinjela
, Visitem o Jacaré
, olha só que frases boas.
Perguntei a uma amiga hipermnética, qual foi a livraria da sua vida. Ela, rainha dos pormenores, respondeu assim por zap: "Hum… era uma chamada Afterwords, no Dupont Circle, em Washington D.C. Isso foi nos anos 1990. Pode parecer fútil, e sei que agora é comum, mas foi uma das primeiras livrarias com café. E o café era numa espécie de estufa, um pátio todo envidraçado, sabe? E tinha waffles com frutas vermelhas e manteiga batida fresca. E maple syrup quente! E umas luzinhas coloridas… Eu adorava a seleção que eles faziam, comprei lá uns quatro livros do Edward Gorey que tenho até hoje".
Comentei com meu irmão, que vive em Tóquio, sobre a crônica das livrarias. Disse ele que no bairro Ginza há uma livraria minúscula chamada Morioka Shoten. Diante da profusão angustiante de lançamentos, o seu dono, Yoshiyuki