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Nas pegadas do tempo: uma intrigante viagem psíquica pelo tempo, em busca do amor!
Nas pegadas do tempo: uma intrigante viagem psíquica pelo tempo, em busca do amor!
Nas pegadas do tempo: uma intrigante viagem psíquica pelo tempo, em busca do amor!
E-book458 páginas6 horas

Nas pegadas do tempo: uma intrigante viagem psíquica pelo tempo, em busca do amor!

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Sobre este e-book

Nas pegadas do tempo, uma fascinante narrativa de leitura fácil e envolvente. A trama ambientada na França do início do século XX, quando o país foi palco do início dos conflitos que desencadearam a Primeira Grande Guerra, é descrita com uma riqueza de detalhes, conduzindo o leitor no cenário vivenciado pelos personagens. O envolvimento com a história, a emoção compartilhada pelos protagonistas, irá te arrastar para a vivência de todo o contexto dos dramas de uma guerra e todos os desdobramentos que isto pode desencadear em cada um de nós. Se prepare para viver uma extraordinária viagem nesta história intrigante e épica.
IdiomaPortuguês
EditoraPrime
Data de lançamento3 de mar. de 2022
ISBN9788569154044
Nas pegadas do tempo: uma intrigante viagem psíquica pelo tempo, em busca do amor!

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    Pré-visualização do livro

    Nas pegadas do tempo - Carvalho Filho

    Capítulo 01

    Sentimento incomum

    O relógio marca cinco e dezesseis da manhã, e Jean Pierre De La Monet está sentado próximo à janela de sua cozinha, pensativo. Segura com as duas mãos uma caneca com café, enquanto observa, através da fumaça que sobe, que os primeiros lampejos de claridade anunciam que aquela, será mais uma das muitas manhãs chuvosas da primavera em Lyon. Seus olhos fixam a paisagem emoldurada pela esquadria de madeira, marcada ritmicamente pelas gotas que caem do beiral da cobertura. Seus pensamentos divagam em meio às preocupações que lhe assaltam a mente. Recordações insistem em aflorar, tal qual a claridade diáfana que o astro rei envia, anunciando sua chegada próxima.

    Que sensação é esta, diferente de tudo que já havia sentido em todos os seus sessenta e dois anos de vida? Há muito, ninguém ousava perturbar o equilíbrio e a lucidez de um homem sensível e, paradoxalmente voltado à lógica da física clássica, que optou por canalizar todas as suas forças para o labor que divide de maneira desigual, entre a pesquisa de laboratório, e a sala de aula. Mas seu coração está perturbado, sua mente vaga entre as ações que teria naquele dia, e as sensações estranhas que o assaltam e fazem rever o doce sabor de uma juventude, há muito esquecida.

    O céu, ainda tisnado pelas pesadas nuvens de chuva, mas mesclado pelas primeiras claridades da manhã, dá o tom acinzentado que o mergulha na lembrança daqueles olhos jovens, profundos, e com um brilho diferente, que o acompanham em todos os movimentos à frente da sala de aula, fazendo-o perder momentaneamente o raciocínio, e esquecer-se da explicação da matéria. O que aqueles olhos têm que o prendem tanto? Que jovem é aquela que, ainda exalando os vapores da adolescência, encanta-o de maneira diferente das demais alunas?

    Enquanto o café esfria e a claridade rompe os últimos vestígios da madrugada, ele pondera em ato contínuo de autocensura:

    — Está errado. Ela poderia ser minha neta...

    Mas o amor não tem idade, responde sua mente lúcida de pesquisador da física. Emoção e lógica travam dura batalha, quando é despertado de suas elucubrações pelo contato repentino, de seu gato roçando em suas pernas, embaixo da mesa. É hora de voltar à realidade. Mais um dia chama-o à responsabilidade, ao mesmo tempo em que doces vibrações impulsionam-no com alegria em direção à Universidade.

    Igualmente às últimas semanas, ele é uma das primeiras pessoas a chegar, enquanto as funcionárias da limpeza dão os últimos retoques na manutenção diária:

    — Bom dia professor! – Cumprimenta madame Rose, enquanto rapidamente faz a limpeza do piso do corredor.

    — Bom dia madame! – Responde automaticamente, sem tirar os olhos da porta de sua sala de aula, que jaz no final do longo corredor, que divide as salas de grande jardim interno, emoldurado por grandes pilares com arcos que destacam a imponente arquitetura do século XVII.

    Enquanto a chuva ruidosa compõe a música de fundo, ele caminha rapidamente, criando com o ritmo dos seus sapatos, o som que ecoa por aquele ambiente solitário.

    A sala de aula vazia, a mesa, as carteiras...

    Ele olha todo o ambiente. Senta-se à mesa dos professores, escorrega o corpo, ao mesmo tempo em que se joga para trás no espaldar da cadeira, relaxa suas pernas, olha para o teto, e deixa que sua mente divague pelo passado recente. Recorda-se, que busca nas pesquisas de laboratório, um sentido para sua existência, marcada pela profunda solidão após a morte de sua esposa, em um trágico acidente, na porta da sua própria residência. As recordações diárias são como a reprise de um filme de horror, que o assaltam sempre que entra ou sai de casa. Muitas madrugadas foram varadas em claro, alternando momentos de profundos questionamentos, e choros compulsivos de auto culpa por não ter podido fazer nada para evitar que a morte ceifasse sua companheira de tantos anos. Se ao menos ela tivesse lhe dado um filho, mas sua esterilidade não havia permitido. A melancolia profunda rasga seu peito, e causa um grande vazio que chega até a alma. Pergunta-se por que Deus havia permitido tamanha desgraça? Ele, que sempre fora um homem religioso, frequentava a missa todos os domingos, comungava, pagava o dízimo, e se confessava com regularidade. Porventura queria Deus, testar sua resistência, ou castigá-lo por algum erro irrefletido?

    Jean Pierre tem os olhos fixados na parede clara da ampla sala, quando de súbito, um ruído desperta-o:

    Monsieur Pierre!!!

    — Hein? Oi... Sim... Desculpa madame! Estava aqui mergulhado em meus pensamentos...

    — Algum problema em que eu possa ajudar, monsieur?

    — Desculpe, mas não! Estou apenas aguardando o início da aula...

    — Mas monsieur, hoje é sábado, a escola não funciona!

    — Oh mon Dieu, é verdade!!! Como pude me esquecer?! Desculpe-me a distração!!

    Levantando-se afadigado, junta seus pertences de maneira desajeitada, deixa cair alguma coisa, e rapidamente sai da sala.

    Já do lado de fora da universidade, Jean caminha próximo às paredes das construções. Lento e cabisbaixo, em uma vã tentativa de se esconder da chuva, que agora, cai fina e fria. Bailando suavemente com o vento que corta o corredor formado pelas edificações imponentes da cidade. De vez em quando, olha em volta, como se buscasse aqueles olhos que poderiam estar escondidos no vão de alguma porta semiaberta, a espreitar os seus passos.

    Totalmente alheio ao que ocorre a sua volta, é despertado pela buzina estrondosa de um carro que, por pouco, não o atropela no cruzamento que ele avançou sem se dar conta do perigo.

    — Imbecil, está querendo morrer??? – Gritou o motorista, colocando meio corpo para fora da janela do veículo.

    Aquela frase ecoou em sua alma, fazendo-o pensar na indagação. Provavelmente ele quisesse mesmo morrer, e colocar termo àquela vida que se tornou totalmente vazia e sem sentido após o trágico acidente. Novo ânimo surge dentro dele, com a possibilidade de arquitetar um plano seguro para deixar esta sua vida cruel. Daria um duro golpe no próprio Deus, que o condenara a viver o resto de seus dias naquela penúria emocional. Aproveitaria o final de semana para organizar seus documentos, e seus instrumentos no pequeno laboratório improvisado em um dos quartos da casa. Afinal, partiria dessa vida de maneira a não levantar a mínima suspeita de suicídio, pois não queria que sua história de grande pesquisador, fosse manchada por um final triste, melancólico e covarde. Também, não gostaria que estranhos tivessem o menor trabalho com o que restou daquela família que nem chegou a ser realmente uma família.

    Refletindo sobre as possibilidades, Jean chega ao portão de sua casa e, antes de abrir, olha para a rua, e mentalmente revê a cena do acidente, como se tivesse acontecido no dia anterior, o que dá a ele, a certeza de que aquela escolha, realmente seria a melhor. Profundamente angustiado, sobe os três degraus que dão acesso à porta, onde seu gato, deitado no tapete, parece aguardar seu retorno.

    O dia transcorre como qualquer outro, vazio e monótono. Um chá quente substitui o jantar, pois já não suporta mais sentar-se à mesa e observar do seu lado direito a cadeira vazia e inerte. Deixa a caneca e dirige-se ao quarto. O leito ainda desarrumado testemunha mais uma, entre tantas noites insones que aconteceram nos últimos meses. Senta-se na borda da cama e começa a olhar o ambiente a sua volta. Está tudo do mesmo jeito que ela deixou, antes de morrer. Seus utensílios de beleza falam de uma mulher vaidosa, apesar da idade avançada. Os retratos sobre a cômoda fazem brotar facilmente lágrimas em seus olhos, e elas descem por sua face, sulcada por rugas cultivadas ao longo dos anos. Então, olha para baixo, e vê que os pequenos chinelos ainda estão ali, ao lado da cama, como se esperassem, incansavelmente, pela dona que não virá mais.

    Um grito de dor irrompe o silêncio e faz o gato pular assustado, saltando pela janela aberta, por onde o vento frio entra sem cerimônias, contribuindo com o cenário de sofrimento. Absorto, ele cai de lado sobre os travesseiros, ali, em posição fetal, intimamente, clama para que a dor deixe-o, ao menos, dormir em paz.

    A madrugada cala os seus soluços, e o sono asserena o semblante cansado e sofrido, de quem não demonstra nenhuma esperança no futuro. Somente o ruído do pêndulo do relógio de parede invade o quarto, marcando o tempo.

    As horas escoam, até que um movimento brusco rompe o silêncio, trazendo em seguida, gemidos e palavras intraduzíveis. Jean se mexe rapidamente de um lado para o outro, suas expressões de emoção modificam seu semblante banhado de suor denso e frio, até que, com um grito de desespero, projeta seu corpo para frente. Com as mãos apoiadas no colchão, a respiração ofegante, os cabelos empapados pelo suor, e os olhos esgazeados, tenta compreender o que se passou. Lentamente lembra-se que tivera um pesadelo terrível, e tem a nítida sensação de já ter vivido o que sonhou.

    Lampejos falavam de uma história terrível, mas que sua memória se nega a descortinar em detalhes. Parecia confuso, menos a real sensação de que algo muito sério acontecera durante seus sonhos. A derradeira cena, a que o fez retornar ao estado de vigília, estava vívida em sua mente. Lembrava-se de um ambiente escuro e fétido, extremamente apertado, que limitava seus movimentos. Ao perceber que faltava o ar, tentou respirar, enquanto, desesperadamente, tocava aquelas paredes próximas em busca de uma saída. E, para sua surpresa, concomitante ao estado de terror, deduzira que estava preso, dentro de um caixão. Fora enterrado vivo, ou acordou vivo naquele lugar? Desesperado para sair dali, acordou ofegante e assustado.

    Ainda imóvel, e com o coração acelerado, disse aliviado:

    — Que sorte, foi apenas um pesadelo!

    Levantou-se, e foi até o banheiro para lavar o rosto, e tentar se recompor. No entanto, a mente lúcida e lógica de cientista não se conformou em saber que era apenas um pesadelo. Precisava compreender se aquele sonho poderia, também, transmitir alguma mensagem.

    Após debruçar-se sobre o lavatório, ergue lentamente os olhos, e observa sua fisionomia no espelho. De olhos fixos na sua imagem, silenciosamente indaga sobre o sentido que sua vida tomara. Ao observar suas rugas, os cabelos grisalhos, e os olhos marcados profundamente pelas olheiras, tem a impressão de olhar para um estranho. Refletiu sobre o quanto o tempo havia sido cruel com ele, surrando sua aparência de tal forma que dava a impressão de ser mais velho do que contava sua idade cronológica.

    Quando se virou para a janela, percebeu que ainda estava escuro, voltando para a cama, lembrou-se com amargura, que era domingo, perguntou-se sobre o que faria naquele dia de ociosidade. A energia jovial para aproveitar a vacância de dias de descanso, geralmente mergulhando nas pesquisas no seu pequeno laboratório, agora dá lugar ao desânimo e à descrença no futuro.

    Tentando soerguer-se daquele estado de torpor psíquico, busca em sua memória as cenas da sala de aula e, mentalmente, se vê à frente dos alunos, explicando-lhes animadamente a matéria, quando cruza seu olhar com o par de olhos brilhantes que o acompanham, num átimo, descobre que são os mesmos que vira em seu pesadelo. Porém, os olhos vívidos, no pesadelo eram apagados pela amargura. Ainda confuso, levanta-se, e procura ânimo na certeza de que, no dia seguinte, voltaria à sala de aula.

    Caminhando pela casa, tenta costurar os fragmentos das cenas que recorda, mas sem encontrar nenhum nexo, embora, estranhamente sinta que já as vivenciou, em outro lugar, em outro tempo. Perturbado, resolve iniciar as arrumações que havia se proposto, dando início ao tétrico plano de pôr fim a sua vida.

    Capítulo 02

    Enfim, segunda-feira

    O domingo transcorreu célere, embalado pelo trabalho, lucubrações e também pelas incansáveis tentativas de decifrar o enigma onírico. A segunda-feira abriu suas portas com mais uma madrugada entrecortada por pesadelos assustadores e angustiosos. Novas cenas e imagens compuseram aquele mosaico, aparentemente sem sentido algum, mas extremamente marcante pelas diferentes sensações vivenciadas a cada despertar. O dia amanheceu frio e com forte névoa. A beleza acinzentada da paisagem se traduzia em melancólicos pensamentos para aquele homem perdido em si mesmo.

    Olhava através da janela à cena que se descortinava em meio à fumaça do café. Repentinamente lembrou-se que a semana se iniciava e, estranhamente, se animou com a possibilidade de dar aulas pelos próximos cinco dias. Tomado por inexplicável energia, levantou-se rapidamente, deixou o café sobre a mesa, e foi até a estante da sala, onde estava, em uma prateleira baixa, seu material de magistério, totalmente desorganizado. Pegou tudo, jogou dentro da velha pasta de couro, colocou a tiracolo, e partiu apressadamente em direção à universidade.

    Após passar pelos portões, as cenas que se seguiram foram exatamente como na manhã de sábado...

    — Bom dia professor! – Antecipou alegremente, madame Rose, enquanto limpava o piso, ainda úmido pela cerração densa daquela manhã.

    — Bom dia madame! – Respondeu, automaticamente.

    Mirando sua sala como um gato que fita sua presa, caminhou rapidamente pelo corredor praticamente vazio e adentrou na sala com alegria. Colocou a pasta sobre a mesa, dirigiu-se ao quadro negro e, tentando matar o tempo que antecedia à chegada dos alunos começou a escrever fórmulas e desenhar gráficos.

    Concentrado no labor que fazia com esmero, foi tomado por uma espécie de choque silencioso quando uma mão tocou levemente seu ombro, seguida por uma voz suave e familiar:

    — Professor...?

    Sentindo a boca secar, virou-se rapidamente em direção àquela voz. Pálido, fixou os seus, naqueles olhos, que pareciam ler sua alma. Instintivamente, deu um passo para trás, encostou-se ao quadro negro que, aparentemente, tentava impedir sua fuga. Sem saber como reagir ou o que falar, apenas respondeu:

    — Bom dia mademoiselle Vanessa!!!

    Estático e sentindo a sudorese fria que brotava pelos poros do seu couro cabeludo, jogou os braços para trás, e separou suas costas da parede, com as mãos espalmadas.

    — Me desculpe se o assustei, cheguei mais cedo, porque não tive uma noite muito boa, fui interrompida, ainda de madrugada, por sonhos estranhos. Então, resolvi vir e qual a minha surpresa. Encontro aqui o senhor, colocando no quadro a matéria de hoje!?

    — Sim, sim, entendo. Cheguei mais cedo pelo mesmo motivo. Minha noite também não foi muito boa, aliás, minhas noites não têm sido nada agradáveis!

    Enquanto ouvia aquela voz suave que recarregava suas energias, descolou-se da parede, deu um passo para o lado, e dirigiu-se à mesa, onde depositou o giz sobre a pasta com seus materiais. Curiosa, Vanessa o acompanhou, indagando:

    — O senhor disse que não tem tido boas noites, é algum problema... Posso saber o que está acontecendo?

    A preocupação de Vanessa e a insistência em questionar o que se passava, tornavam-na ainda mais encantadora e atraente:

    — Sim, quer dizer, não... Não é nada não. São coisas normais da vida de um homem, na reta final de sua existência!

    — Final de existência? Ora professor, o senhor fala como se fosse um velho ocioso e imprestável, prestes a morrer, sendo que na verdade, o senhor...

    — Pare! – Interrompeu, bruscamente: – Por favor, pare de me chamar de senhor, assim você faz eu me sentir muito mais velho. Por favor, me chame de você!

    — Mas professor, tenho um enorme respeito pelo senhor, e não conseguiria chamá-lo, de você!

    — Eu entendo, mas, por favor, faça como peço, pelo menos, enquanto conversamos longe dos demais alunos!

    — Tudo bem professor, ainda temos alguns minutos até que meus colegas comecem a chegar. – Um pouco deslocada, concluiu: – Você quer falar sobre o que está acontecendo?

    Jean fixou aqueles olhos vívidos, enquanto procurava compreender o momento inesperado. A moça que vagava livremente pelos seus pensamentos, estava ali, nos primeiros momentos do aguardado dia, parada a menos de dois metros e demonstrando preocupação com seus problemas.

    Não!!!! Pensou, interrompendo seus devaneios. – Que divagação mais sem sentido é esta? Eu, um homem maduro, ralado pelas torpes experiências da longa vida, olhando para uma adolescente de dezessete anos, que poderia ser minha neta, com este tipo de sentimento que me faz desejá-la como mulher? Não, jamais, não me dou o direito de pensar assim!

    Novamente, sentiu um toque suave em seu braço:

    — Professor, o senhor está bem?

    Quando abriu a boca para responder, o silêncio foi quebrado por ruídos e algazarras que vinham da porta da sala.

    — Bom dia professor!

    — Bom dia...

    — Bo... bo... Bom dia po... po... Professor!

    Explodiram as gargalhadas que ecoaram pela sala quase vazia, embaladas pelo bom dia de Tuim, o jovem gago, alegre e sorridente.

    Em breves minutos, a sala encheu, e o som característico de um apito, marcou o início das aulas.

    Jean, falou sobre a teoria publicada por Albert Einstein, há pouco mais de nove anos, que substituía os conceitos independentes de espaço e tempo da teoria de Newton, pela ideia de espaço-tempo, como uma entidade geométrica unificada. Após algumas dezenas de minutos, Olivier, um dedicado aluno, levantou sua mão, pediu a palavra e indagou:

    — Professor, quer dizer então que, segundo Einstein, é possível se fazer uma viagem no tempo?

    — Sim, é possível...

    Após responder, Jean parou e, estático, teve a impressão de projetar-se para longe dali. Um frêmito de alegria tomou conta de sua alma, não sabia explicar o que era, mas uma esperança, algo doce, fê-lo mudar o cenho fechado, e seus olhos ganharam novo brilho. Neste momento, ele baixou os olhos, e cruzou os seus, com os olhos de Vanessa, ela o observava, novamente estranhando as suas atitudes. – Professor...?

    — Ah... Sim... Pois não Oliveire, quer dizer, Olivier!

    — Está tudo bem, professor?

    Vanessa atalha, e diz:

    — Ele está assim, estranho, desde o momento que cheguei!

    Jean, nem se deu conta da conversa entre os alunos e, ensimesmado, informou aos alunos que a aula havia terminado. O espanto tomou conta da turma, mas o professor saiu da sala antes que o burburinho aumentasse. Em seguida, correu até o laboratório da faculdade de física. Ali, passou o restante do dia, debruçado sobre a enorme prancheta, coberta por uma folha de papel jornal, muitos lápis, gabaritos, compassos...

    Quanto mais ele fazia cálculos, baseados na recente teoria da relatividade, mais seu ânimo crescia, embebedando todo seu corpo com descargas constantes de adrenalina. Foi quando, uma voz suave vinda da porta, chamou a atenção:

    Monsieur Jean, monsieur Jean... Já são vinte e duas horas, e precisamos fechar a faculdade!

    — Não se preocupe madame, devo trabalhar mais um pouco, quando sair, eu mesmo fecho tudo!

    — Tudo bem monsieur, tenha um bom trabalho, boa noite!

    Jean nem respondeu, e voltou-se para os cálculos.

    A madrugada chegou célere, e o cansaço caiu sobre aquele corpo que já não possuía a energia da juventude. Exausto, debruçou-se sobre o amontoado de papéis e, sem perceber, derrubou o pote de lápis, que esparramou pelo chão. Rendido pela longa jornada, adormeceu profundamente. Pela primeira vez em muitos meses, teve uma noite de sono sem interrupções ou sobressaltos.

    Mal fechou seus olhos, quando um som característico o despertou, eram os funcionários da limpeza, que haviam chegado, juntamente com os primeiros raios de sol, que já penetravam o laboratório, através das frestas dos painéis instalados nas janelas.

    Apesar das dores nas costas, da roupa rota, e das marcas dos objetos na pele do seu rosto, Jean inspirou profundamente, e sorveu o ar suave da manhã, que surgia com o céu límpido. Com alegria incontida, ganhou o corredor da faculdade e dirigiu-se ao banheiro para higienizar-se.

    No caminho, observou atentamente a beleza ímpar da manhã de primavera, o sol cintilante, proporcionava uma explosão de cores vívidas na vegetação que compunha o jardim central do edifício. Aquela natural beleza, serviu como combustível para seu corpo alquebrado, e o perfume exalado pelas flores, o bálsamo revigorante para sua alma.

    Jean parecia outro homem, mas ainda tentava entender como que uma simples pergunta de um aluno poderia renovar as forças de alguém que, algumas horas antes, arquitetava sua morte para fugir da angústia e do desespero íntimos que rasgavam seu peito.

    E o que importa? – Indagou-se em pensamento.

    Capítulo 03

    A estranha visão

    No banheiro, ele dobra-se sobre o lavatório e, como de costume, enche as mãos com a água, e atira no rosto, molhando tudo a sua volta. Quando ia iniciar o segundo movimento, abre os olhos, e vê pelo espelho molhado, o rosto transfigurado de uma mulher jovem. Os cabelos desgrenhados, olheiras destacadas, olhos saltados e vermelhos demonstravam lamentável condição emocional, confirmada pelas grossas lágrimas que banhavam aquele rosto de pele alva e lisa. A estranha envergava um vestido de seda que, embora muito branco e limpo, estava aos farrapos, permitindo ver hematomas e arranhões distribuídos irregularmente pelo corpo belo e delineado. Segurando uma boneca pelos cabelos, ela fixa os olhos de Jean pelo espelho e, silenciosamente, movimenta os lábios, de forma que ele consegue ler:

    — P-I-E-R-R-E, me ajude!!!

    Aqueles olhos, aquele olhar, aquela expressão de dor. Tudo tão familiar.

    O susto foi tão grande que ele se virou bruscamente para ver quem era aquela mulher, e por que estava daquele jeito, mas ao voltar-se em direção à porta do banheiro, para sua surpresa, não tinha ninguém. Confuso, correu até a porta, olhou para todos os lados, mas estava tudo vazio. Coçou a cabeça, e falou consigo mesmo:

    — Meu Deus!!!! O que seria aquilo, uma alucinação? – Caminhando pelo jardim, sem direção, continuou falando sozinho: – Provavelmente é o resultado de outro estado de estafa, tenho dormido pouco, e nas raras noites que consigo descansar, vêm aqueles pesadelos terríveis, e me impedem de ter um sono revigorante. Talvez fosse a hora de pedir uma licença da universidade para poder descansar mentalmente...

    Enquanto animava com a ideia de uma licença, sua mente racional trouxe-o para a realidade, e pensou:

    Licença para que, para ficar em casa me afundando cada vez mais nesse estado de angústia e melancolia?

    Parou, olhou para os lados, em seguida para o céu, e concluiu:

    — É melhor aguardar o recesso de verão que não tarda a acontecer, afinal, será uma semana de descanso merecido antes de iniciar o planejamento do próximo semestre! – Olhou em direção ao portão de saída, e caminhou até ele, ainda falando sozinho: – Talvez uma viagem de trem até a Itália, uma visita aos sítios da antiga Roma, possam ser o bálsamo que preciso para acalmar meu espírito...

    Enquanto se deslocava lembrou-se que naquele dia sua aula começaria na metade da manhã. Então, decide ir rapidamente até sua residência para tomar um banho revitalizante e um café. Ao chegar a casa, olha para a caixa de correios e, notando que está cheia, recolhe todas as correspondências sem olhar para elas, abre a porta e entra, sendo imediatamente recebido por seu gato que, miando insistentemente, tenta demonstrar que ficou quase um dia inteiro, sem comida. A aparência do interior da casa dava a impressão de que um tufão havia passado por ali. Móveis fora do lugar, papéis e livros sobre o sofá. Na cozinha, as gavetas dos armários já não ofertam nenhum utensílio limpo, estão todos sobre a bancada da pia, ou ainda sobre a mesa de refeições. Despreocupado, passa rapidamente os olhos pelos ambientes e segue para seu quarto, cruzando-o rapidamente em direção ao banheiro. Enquanto as lembranças tomam de assalto sua mente cansada, ele abre o chuveiro e mergulha o corpo na água fria que, com o choque térmico, o traz de volta à realidade.

    Mais tarde, de retorno à universidade, Jean caminha pelo corredor, em meio aos alunos que, ainda gozando o intervalo das aulas, se reúnem em pequenos grupos de conversação, ou ficam encostados nas paredes, apenas assistindo aos que passam. Ao aproximar de sua sala, olha para Vanessa que, de costas para ele, conversa animadamente com um colega. Vanessa segura uma bolsa a tiracolo, e gesticula freneticamente com a destra. Ao se aproximar da dupla, ouve quando a jovem comenta:

    — Eu corria desesperada tentando gritar, mas minha voz não saía...

    — Bom dia! – Disse ele, interrompendo a palestra.

    — Bom dia professor!

    Responderam sorridentes, quase em uníssono.

    — Vanessa está me falando sobre um sonho maluco que ela teve na noite passada! – Antecipou Jacques, seu colega.

    — Sonho maluco?

    — Sim, professor, sonhei a noite toda que corria desesperada, buscava socorro para meu filho que corria risco de morte, então, procurei por alguém que não conseguia ver o rosto, mas tinha a sensação de que era meu marido. Corri em sua direção gritando por socorro, mas ele mantinha-se de costas, nitidamente negando-se a me socorrer. Neste instante, senti que mãos me seguravam fortemente, me sacudiam e alguém gritava meu nome, era minha mãe que, assustada por me ver conversando e mexendo freneticamente na cama, tentava me tirar daquele pesadelo!

    Enquanto ouvia aquele relato tão familiar, Jean buscava nas gavetas da própria memória, algo que pudesse elucidar o mistério daquele pesadelo, porém, mergulhado nas profundezas de seus pensamentos, entrou numa espécie de torpor, e fixou seus olhos, esgazeados, em Vanessa.

    — Professor, o senhor está bem? – Pergunta a aluna, assustada com o jeito que ele a encarava.

    — Sim... Estou! – Responde ele, sem piscar os olhos.

    — O que houve? O senhor ficou pálido e estranho... Está acontecendo alguma coisa? O senhor está bem?

    — Sim... Estou! – Respondeu novamente, com o cenho inexpressivo.

    O silêncio tomou conta dos três, mas, segundos depois, Jean pronunciou:

    — Me deem licença, preciso organizar o início da aula!

    Virando-se em direção à sala, caminhou lentamente, com o olhar distante e sem emitir nenhuma palavra.

    Capítulo 04

    Momento decisivo

    O final de semana chegou, e com ele, um problema para Jean. Paradoxalmente à necessidade de descanso, novamente vivia grande ansiedade pela chegada da segunda-feira.

    Por décadas, se dedicou à carreira acadêmica, e às pesquisas. Foi um dos maiores responsáveis pela montagem do tão sonhado laboratório de física na faculdade. Passava horas mergulhado naquele ambiente, preferencialmente sozinho, mas desta vez foi diferente, oposto a tudo que vivera anteriormente, outra gigantesca força o atraía para a universidade... Os olhos de Vanessa.

    No domingo Jean acordou muito cedo, fugindo à regra, não teve pesadelo. Dormira bem, acordara disposto, e respirava uma suave sensação de bem-estar. À mesa, observa a paisagem pela janela e sorve o líquido quente com maior celeridade, pois uma vontade estranha o impulsiona para sair de casa. Pouco tempo depois, desce as ladeiras em direção à universidade como fazia frequentemente, mas desta vez, para um passeio matinal pelas margens do rives du Rhône, o rio que corta Lyon, vindo dos Alpes Suíços, trazendo em suas águas, a história da cultura greco-romana. Naquele dia em particular, seu curso estava cheio, devido ao derretimento do gelo nos Alpes, fenômeno característico da época do ano.

    Como um autômato, chega até o rio, sobe duas centenas de metros pela sua margem direita, e para. Então se vira, e observa do outro lado, a imponência do prédio da universidade, em seguida, olha para a água, inspira lentamente a brisa matinal, e sorri. Instintivamente, volta-se, e desce em direção ao encontro dos rios Ródano e Saône, local que oferece um espetáculo ímpar, quando as águas claras do Ródano, descem em paralelo às águas escuras do Saône, por quase dois quilômetros. Intimamente, o professor sente-se quarenta anos mais jovem, anda com altivez, observando a paisagem iluminada pelo sol de primavera, que prenuncia a chegada do verão. Ao cruzar a ponte que leva à estação de trem Gare de Lyon-Perranche, vira-se para a esquerda, e tem a percepção de que ali, no passado, aquela região foi palco de importante acontecimento.

    Um quarto de hora depois adentra ao parque dos Bancos Sul, próximo à junção dos rios. Sem destino, caminha lentamente até sentir um vágado e ter a impressão de vivenciar um momento no pretérito. Olha para os lados e vê que o parque está totalmente diferente, os equipamentos urbanos deram lugar a um campo aberto, apenas forrado pela vegetação baixa e típica e o rio avançava, empurrando as margens alguns metros adentro. Porém, sua emoção naquele momento, era a mesma desde que acordou. Uma íntima alegria dava conta de que aguardava por alguém, mas não sabia quem. Confuso, ele olha novamente à volta, observa as poucas construções, em seguida se detém por algum tempo no rio, até que os gritos de uma criança o despertam daquela espécie de sonho. Imediatamente, ele procura pela criança e vê à regular distância, uma jovem senhora que caminha rapidamente atrás de um menino, que corre pelo parque, gritando alegremente. Ao observar aquela cena, profunda angústia contrapôs a toda alegria e ansiedade de minutos atrás. Ele tem agora a nítida sensação de ter perdido algo extremamente valioso, porém, não naquele tempo, mas no passado. Frustrado, e sem compreender o que se passava, abaixou-se lentamente, até sentar-se na grama ainda úmida pelo orvalho da noite. Olhou para o rio, e ficou observando suas águas passarem lentamente. Ainda apreensivo, vira-se novamente para a criança que já corria a regular distância, e deixa que lágrimas banhem seu rosto. Entristecido, olha para o céu, e solta um grito de dor, esbravejando em seguida:

    — Deus, por quê???? O que quer de mim, por que me faz sofrer tanto???

    Atônito, abaixa a cabeça, apoiando-a sobre os braços, olha para o chão e chora convulsivamente. Pensamentos estranhos invadem sua mente, enquanto uma voz dentro da sua cabeça entoa ríspida e repetidamente:

    — Mate-se... Mate-se... Mate-se...

    Desesperado e embalado por aquelas estranhas sugestões, Jean pendula entre se jogar sob as rodas do trem, ou atirar-se nas águas do rio, para consumar o desejo que eclodia naquele momento.

    Ainda com a cabeça abaixada e fixando a relva enquanto suas lágrimas se juntam às gotículas de orvalho, decide jogar-se no rio. Mas, no momento que crescia a coragem para eliminar sua vida, uma doce voz feminina sussurra aos seus ouvidos:

    Mon amour!

    Jean levanta rapidamente a cabeça, corta o choro e, estático, ouve novamente:

    — Cheguei!

    Grande emoção soterra sua angústia, e novamente a alegria eclode de sua alma, disparada por aquela voz familiar, que apresenta estranho poder de trazê-lo de volta à vida. Sorrindo, apoia as mãos no chão, ergue-se com rapidez e vira-se, surpreso, olha em todas as direções, vasculha cada quadrante em busca de quem falou com ele, e nada, não tinha ninguém ali.

    Assustado, fala sozinho:

    — Eu ouvi, sei que não estou ficando louco, eu ouvi!!!

    Rodopia nos calcanhares em direção ao rio, volta-se novamente, vira para o lado, depois para o outro e, realmente não havia, absolutamente, ninguém, nem ali, ou a qualquer distância que pudesse explicar o acontecimento. Mesmo confuso mantém a sensação de alegria. De alguma maneira, aquela voz trouxe-lhe paz, e renovou o seu ânimo.

    Sentindo-se leve, Jean volta para casa, subindo pela margem do rio, cruza a via férrea e,

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