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Rio Vermelho
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E-book381 páginas4 horas

Rio Vermelho

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Sobre este e-book

Bicentenário da Independência do Brasil. São reveladas cartas secretas escritas por D. Pedro II, que podem levar a descoberta de um grande tesouro. Com uma série de enigmas para ser decifrado e protegido por uma sociedade secreta secular, apenas John Gray, pode ajudar nesta busca, mas para isso, pagará um grande preço, pois, além de ter que, solucionar os mistérios dessa jornada, terá que enfrentar uma organização internacional que fará de tudo para isso não acontecer. O palco deste conflito passará por lugares históricos do Brasil e Europa, e só saberá o verdadeiro caminho a se percorrer, bem como a glória de ter as riquezas humanas, aquele que se mostrar digno e conhecedor da história da família imperial brasileira. Cuidado! Haverá fogo, muito se queimará nas chamas da ignorância e do ódio.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de jul. de 2023
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    Rio Vermelho - Edison Luiz Leal Junior

    Rio

    Vermelho

    As cartas secretas de D. Pedro II

    Edison Luiz Leal Junior

    Prólogo

    Em 1999, Madalena, embaixadora aposentada do Brasil, pesquisadora, historiadora e, até o momento, a maior autoridade sobre a vida da Família Imperial Brasileira, começa a investigar as diversas viagens feitas por D. Pedro II por países da Europa, África, Ásia e América.

    Índice

    Página do título

    Prólogo

    Parte 1

    Museu Nacional – Rio de Janeiro – 19hs

    Bolonha - Itália

    Mensagem

    Fogo e cinzas

    Nossa casa

    Deus, Pátria e Família - DPF

    Amizade

    Cara a cara

    Laura

    Polícia  

    Jornada

    Cartas

    Derrotado  

    Até o fim

    Despedida

    Itamaraty

    Esperar

    Mesa

    Sorvete

    Visionário

    Descendentes

    Um quarto, dois quartos

    Samba

    Assassino

    Fantasma

    Suspeito

    Descobrimos

    Fim

    Medalha

    Amor

    Juntos

    Parte 2

    Sob controle

    Alemanha

    Cripta

    Voltaram

    Grande túmulo

    Egito

    Prisão

    Pirâmides

    Coração

    Porto

    Impossível

    Conte-me  

    Sociedade

    Mortos

    Paciência

    Notre-Dame

    Lágrimas  

    Adeus

    Notícias

    Frente a frente

    Parte 3

    Recomeço

    Conflito  

    Incêndio  

    Lembranças    

    Aventureira    

    Traidor    

    Homenagem

    A caixa

    Vermelho

    Orgulho  

    Ipiranga  

    Isca  

    Tesouro    

    Escritora    

    Parte 1

    O último livro da terra

    Museu Nacional – Rio de Janeiro – 19hs

    Passados três anos, é primavera no Brasil. Madalena está agora em 2002, pregada, em forma de cruz, na Sala do Trono, no segundo piso do Museu Nacional. O museu está fechado, e somente estão presentes Madalena, seu verdugo e as representações mitológicas de Júpiter, Vênus, Mercúrio e Minerva no teto. Pela dor que Madalena sentia, por conta dos pregos em seus pés e mãos, as pinturas renascentistas em alto-relevo, feitas por Mario Bragaldi, pareciam-lhe estar vivas e a assistir ao seu martírio. Além da dor, Madalena tinha a voz do seu carrasco ao ouvido:

    — Onde estão as cartas das viagens de D. Pedro II? O que você descobriu de valioso sobre as viagens do imperador? Fale, e acabarei com todo o seu sofrimento.

    Madalena, buscando forças para manter a lucidez, apesar de cada vez mais os pregos rasgarem sua carne, olhou mais uma vez para cima, em direção às imagens greco-romanas, concentrou seu olhar na pintura de Minerva, procurando em sua representação alguma prudência e erudição. Respirou fundo e murmurou:

    — No bolso da calça — disse ela, sinalizando que há algo que possa interessar a ele.

    O verdugo então se aproxima ainda mais dela, enfia a mão no bolso da calça e tira um bilhete. Ele está incrédulo; terá conseguido completar sua missão em tão pouco tempo? Um estado de êxtase e euforia o domina. Abre o bilhete, em que lê:

    As palavras são eternas; escrever é construir um caminho, e lê-las é iluminar essa estrada.

    D. Pedro II

    O verdugo se enfurece com as palavras lidas e a audácia daquela mulher, que ainda o desafia, mesmo estando sob o seu poder e controle.

    — Escória! Você acredita que essas palavras a salvarão? Seus segredos ficam aqui, com você.

    O verdugo, então, lança sobre ela um líquido inflamável, que toma conta do seu corpo, bem como dos móveis de madeira que se encontram ao redor. Ele então acende uma chama.

    — Fogo, fogo, fogo! — começa a gritar Madalena.

    É insuportável o imenso calor por todo o seu corpo, mas o que mais queima e dói, para ela naquele instante, é ver um grande patrimônio do Brasil em chamas. Objetos, pinturas, móveis históricos, centenas de estudos feitos por professores e alunos, tudo agora está ao perigo do fogo, que só aumenta e queima não apenas todo esse tesouro, mas também Madalena, crucificada e queimada. Esse é o seu destino. Em pouco tempo, quase toda a edificação do Museu Nacional está coberta por grandes labaredas.

    Bolonha - Itália

    Éoutono de 2002 em Bolonha. A Vermelha, como chamam seus conterrâneos italianos, é uma cidade única, graças aos seus prédios medievais em terracota e arcos e pórticos por toda a cidade. Os arcos – essas estruturas arquitetônicas presenteadas ao mundo pelos etruscos antes mesmo da existência do Império Romano –, em Bolonha, são soberanos. Eles cobrem praticamente todas as calçadas da cidade. Além de belos, os arcos têm uma importante serventia de abrigo do sol em dias quentes de verão e de proteção em dias chuvosos. São mais de 40 quilômetros de ruas cobertas por eles.

    Além de arquitetura ímpar, Bolonha ostenta, ainda, a graça de ter a academia mais antiga do mundo, a Universidade de Bolonha, fundada em 1088. Dante Alighieri foi um dos seus alunos, e, nela, Nicolau Copérnico estudou direito pontifício, bem como iniciou seus estudos astronômicos. Por vezes, discute-se a primazia desse título de primeira universidade, haja vista que se tem, antes do ano mil, a fundação de academias em Tunes, em Fez e em Cario; no entanto, o termo universidade,caracterizada como o é atualmente, vem de Bolonha. Nesse espaço geográfico, imerso em arte, história e cultura, estabeleceu-se, para aí viver, John Gray, filho de Madalena. A decisão de morar na cidade se deu por insistência da mãe, que acreditava ser um ótimo lugar para o desenvolvimento acadêmico de John. Todo o avanço educacional e primazia da universidade não deixavam dúvidas a Madalena: era para lá que o filho iria para aperfeiçoar seus estudos. Por John, continuaria seus aprendizados e formação em sua cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro, Brasil, mas a força de convencimento da mãe, a insistência e indicação de um grande amigo, a possibilidade de novos ares no Velho Continente, somadas a uma aprovação de mestrado na universidade, fizeram-no ir para Bolonha, da qual não saiu mais. Desde então, passou anos estudando e lecionando, saindo em momentos específicos para seu desenvolvimento acadêmico e pesquisas de apoio à sua mãe.

    Nesse ínterim, John vivia entre viagens para a Inglaterra, Áustria, França, Portugal e Espanha, mas ele gostava mesmo é de voltar para a sua Bolonha. Depois de um tempo vivendo na cidade, havia se apaixonado pela Vermelha, essa mistura do passado histórico com a ideia de futuro, composta por centenas de jovens estudantes universitários, que o tinham conquistado definitivamente.

    Na cidade, John adora frequentar a Biblioteca Salaborsa, instalada na parte norte do Palazzo d’Accursio; ela compõe uma mistura de moderno e antigo, onde se pode ver um sítio arqueológico, através de um piso de cristal no centro da biblioteca, com ruínas etruscas que remontam ao ano de 189 a.C. Ali, John passava horas e horas pesquisando, estudando e fazendo anotações. Prazer igual ou superior ao de estar ali, cercado de livros e alunos, só mesmo quando ele está rodeado de músicos.

    Quando vivia no Rio de Janeiro, John adorava estar em uma roda de samba, mas, em Bolonha, ele se encantou pela magia e poder do jazz. Essa paixão pelo ritmo musical norte-americano, em John, foi despertada graças a um dos melhores festivais do gênero, que acontece na cidade e é um dos mais prestigiados da Europa. John passou a ser figura presente em todos os festivais, às vezes até contribuindo com a voz, num grupo ou noutro que se apresentava pelas diversas ruas da cidade.

    A solidão e a timidez, sempre muito presentes na vida de John, eram vencidas por ele quando estava em meio a esses dois gêneros musicais. Era quando realmente conseguia sair da vida prazerosa dos livros e se jogar na existência mundana e libertadora da música, seja numa roda de samba, seja num quinteto de jazz. Esse solteiro de 41 anos, agora com pós-doutorado em História, maior especialista, com a mãe, em Família Imperial Brasileira, e – hoje – professor convidado na Universidade de Bolonha, encontra, nessas músicas, doses homeopáticas de coletividade e vivência em grupo. Nem em sala de aula, com seus alunos, ele se sente tão bem. Adora lecionar, mas é na música que se sente livre. Vez ou outra, repetia para si uma frase de Friedrich Nietzsche: Sem a música a vida seria um erro

    Com uma vida estabelecida e confortável em Bolonha, morando em um amplo e belo apartamento, com recursos econômicos provenientes do seu trabalho, além de detentor de um grande patrimônio, herdado do seu pai, John parece ser feliz.

    Na realidade, era uma felicidade aparente, também devido à ausência da figura paterna. John só veio a saber  mais do pai  quando este morreu. Descobriu, então, que era filho único de um norte americano que possuía diversos imóveis na Europa e nos Estados Unidos, patrimônio com o qual John não quis ter muito contato, deixando a administração desses bens a cargo da mãe e de uma empresa administradora, gerenciada por seu amigo Prometheus.

    Madalena, mãe de John, quase não fala sobre seu pai, pois ela sabe muito pouco sobre ele, afora os 40 dias de alegria e amor, que viveu quando exerceu o cargo de embaixadora do Brasil, em Paris. Conheceu-o em um café aos pés da Torre Eiffel. Depois dessa maratona de desejo e paixão, Madalena fica grávida e desde então, o pai de John afasta-se para sempre, da vida de ambos. Manifestava-se apenas por intermédio de terceiros, arcando com as necessidades econômicas de Madalena e do filho que nunca viu. Madalena, uma mulher segura e independente, jamais usou os recursos recebidos, sempre aplicando o dinheiro para investir futuramente nos estudos de John.

    Esse distanciamento do pai pareceu afetar emocionalmente John, desenvolvendo ainda mais seus traços de timidez e, até certo ponto, um prazer pela solidão, inclusive levando-o a não ter relacionamentos profundos e mais sérios com ninguém. Esse isolamento de John só era quebrado com a música e com as férias de que desfrutava anualmente ao lado mãe, na cidade do Rio de Janeiro ou em algum país europeu, em que aproveitavam para falar, discutir e aprofundar seus estudos (e paixão) sobre o Brasil e, em especial, sobre a família imperial brasileira.

    John encontra-se agora, neste outono europeu de 2002, na Biblioteca Salaborsa, com sua enorme xícara de café, preto e sem açúcar, quando seu celular toca. É Prometheus. John estranha a ligação naquele horário, nove horas da manhã, mas atende o amigo.

    — Olá, John — diz Prometheus, com voz embaraçada.

    John nada sabe ainda do que ocorreu com sua mãe no Museu Nacional. Seu celular permaneceu desligado a noite inteira, por um bom motivo. Ele passou a noite acompanhando um quinteto de jazz, que se apresentou em vários pontos dos quatro quilômetros da estrada – coberta por seiscentos e sessenta e seis arcos – que se estende do centro da cidade até o Santuário da Madonna de São Lucas, em Bolonha. Da noite, John só se lembra da boa música tocada e cantada, dos vinhos italianos compartilhados com o quinteto e das paradas para descanso que o grupo fazia após cada apresentação realizada ao longo do itinerário centro-santuário. Quando chegou à oitava apresentação dos músicos, John parou de contar.

    — Olá, Prometheus, meu grande amigo — diz John, mesmo sem nunca o ter encontrado pessoalmente.

    Bolonha

    Ambos se gostam e vivem conversando, pois Prometheus, através de sua empresa administradora, cuida do dia a dia da vida de John, de contas a vencerem, da reserva de hotéis, da programação de viagens e dos diversos imóveis, alugados ou parados, provenientes de sua herança. É Prometheus que resolve tudo. Ou a mãe de John, quando necessita de uma decisão mais importante. Então, toda vez que Prometheus liga para John para falar algo relativo à administração de sua herança, a conversa caminha para futebol, música e vinhos, pois John não quer saber destes assuntos sem importância em sua vida. O vinho, bebida apreciada por ambos, é motivo de discórdia entre os amigos. John fica a defender a originalidade da bebida, afirmando ser um presente greco-romano, néctar do deus Dionísio, que o melhor vinho do mundo provém de terras italianas e gregas. Por outro lado, Prometheus, um francês apaixonado pelo seu país, defende os terroirs de sua nação, bem como o vinho que ela produz, afirmando que não há possibilidade de se comparar a bebida francesa com qualquer outra.

    John se diverte ao provocar o amigo sobre os vinhos. Certa vez, falou para Prometheus que o vinho francês não poderia ser degustado em um lugar específico do globo. Prometheus não conseguia entender como isso era possível, que lugar era esse? Ao que John respondeu ao amigo que, em uma roda de samba no Rio de Janeiro, em pleno mês de fevereiro, a cerveja é rainha; não haveria chance para o vinho, nem como vassalo da soberana, feita de puro malte. Nesse terroir, provoca John, a cerveja era imortal. Prometheus não se dava por vencido e dizia que poderia facilmente fazer uma harmonização divina, junto a esta terra tropical tupiniquim, com um belo exemplar de um vinho francês branco da Borgonha ou rosé da Provença. Os dois vivem combinando um encontro, algum dia, para testarem essa e outras possibilidades etílicas, mas Prometheus sabe que John fala da boca para fora sobre essa possibilidade, pois conhece a dificuldade do amigo em estar em qualquer relação mais séria com qualquer outra pessoa, seja no amor ou na amizade. John não se permite, ao menos nas coisas do coração, confiar em alguém.

    — John — continuou Prometheus, na ligação. — O Museu Nacional sofreu um grande incêndio na noite passada. Haveria alguma possibilidade de sua mãe estar no museu no momento do incêndio, mesmo sendo à noite, e ele estando fechado?

    Pensamentos instantâneos vêm à cabeça de John. Com o incêndio, uma perda histórica imensurável para seu país se desenha. Que sua mãe poderia sim, estar no museu na hora do incêndio, pois, às vezes, passava 24 horas do dia lá, em volta de uma pesquisa sobre novas cartas de D. Pedro II. Ainda não sabia muito sobre essa pesquisa de sua mãe, pois ela ainda não compartilhou nenhum detalhe, por segurança. Ele não compreendeu muito bem quando ela lhe disse que seria mais seguro eles conversarem sobre o assunto pessoalmente, nas férias de final de ano, mas que não era para ele se preocupar, por ora. Ele sabia que essa pesquisa era realmente muito importante para a mãe, tanto que, nos últimos meses, Madalena passou a dormir no museu, algumas noites, para a finalização desse trabalho. Esse privilégio só foi possível devido à sua influência como embaixadora, pesquisadora e historiadora, com anos de serviços prestados ao governo brasileiro. Durante o dia, Madalena atendia e orientava diversos estagiários e alunos pesquisadores, o que ela adorava, e, à noite, realizava suas pesquisas em documentos  na própria estrutura física do museu, que foi moradia da família imperial brasileira.

    Passados esses pensamentos, John respondeu à pergunta de Prometheus, que o ficou aguardando em silêncio, entendendo que o amigo estava a refletir sobre a mãe.

    — Pode ser que sim, pode ser que não. É difícil dizer quando dona Madalena está em pesquisa. Você não sabe nada sobre minha mãe, se ela está bem?

    — Ainda não sabemos, meu amigo, há muitas informações desencontradas por conta do incêndio. Estou acionando meus contatos para saber mais e, em especial, para ter notícias da senhora Madalena, mas não tivemos nenhum sucesso até agora. Ela não atende ao celular, ninguém a viu no museu, após o controle do incêndio, e, também, não está na casa de vocês, em Santa Teresa, no Rio.

    Nesse instante, John leva a mão ao seu peito, no qual havia uma corrente com uma medalha de Santo Isidoro de Sevilha. Foi um presente de sua mãe, dado a ele quando ele estava com 16 anos, em uma viagem que realizaram juntos a Cartagena, Espanha, terra natal de Isidoro. Madalena explicava a cidade para John, dizendo que foi fundada pelos cartagineses em 220 a.C., e que tinha florescido durante o período romano, ao que John a interrompeu, na época, com uma frase que ela nunca esqueceu:

    — Mãe, serei um historiador, como você.

    Os olhos de Madalena, na época, encheram-se de lágrimas, e ela o abraçou fortemente. Estavam em frente a uma barraca de feira, que exibia, dentre outras coisas, a medalha de Santo Isidoro. Madalena foi até a barraca e comprou uma para John. Voltou a aproximar-se do filho, colocou a medalha em seu pescoço e disse.

    — Que Santo Isidoro de Sevilha, padroeiro dos historiadores, proteja você nessa grande aventura.

    Desde então, mesmo cético em relação às crendices, John nunca mais tirou do pescoço o presente dado por ela.

    — John — contina Prometheus. — Há um jato privado pronto esperando você no aeroporto Guglielmo Marconi. Ele pode levá-lo agora para o Rio de Janeiro, se desejar.

    John não disse mais nada. O restante do café ficou na xícara, e os livros nos quais pesquisava, abertos sobre a mesa, na biblioteca. John ainda não sabia, mas não voltaria tão cedo à sua linda e amada Bolonha. Sua partida inesperada ao Rio de Janeiro se transformaria numa longa jornada por outras paisagens.

    Mensagem

    Já dentro do avião privado, sobre o oceano Atlântico, com metade da trajetória Itália -Brasil percorrida, John busca manter seu estado de equilíbrio e racionalidade. Em estado de perturbação, não consegue tirar da cabeça que algo ruim aconteceu com a mãe. O fato de, até o momento, não saber como ela estava, deixa-o ainda mais angustiado, provocando nele um misto de dor e esperança incompreensível, inexplicável, mas que agora castiga terrivelmente o seu corpo e espírito. De repente, escuta um bip em seu celular; é uma mensagem acaba de chegar. Desde a notícia do incêndio, não se ateve mais ao aparelho, pois tudo o que precisa saber, até agora, foi informado por Prometheus. Preocupou-se apenas em passar em sua casa, correndo, para pegar algumas roupas, seu diário de trabalho e documentos necessários para a viagem e, assim, saiu às pressas em direção ao aeroporto. 

    Ao olhar para a mensagem no celular, inicialmente seu coração pulsa com mais força. Uma euforia toma conta dele, pois, era algo enviado por sua mãe, mas ao ler, deparou-se muito mais com dúvidas do que com respostas acolhedoras.

    Querido John. Preciso ser rápida. Para identificá-los: Deus, Pátria e Família. Tome cuidado. Amo-te!

    John lê a mensagem mais de uma vez. Está difícil de se entender. Identificá-los? Quem? Tomar cuidado com quem ou o quê? Deus, Pátria e Família? Ele tem conceitos bem formalizados sobre as três palavras, no entanto, não consegue compreender o significado delas para o momento, nem a relação com a sua mãe. São perguntas que agora confundem seus pensamentos. 

    A declaração de amor, ao final da mensagem, seria em tom de despedida? Ter, ao mesmo tempo, notícias de alerta e o universo amoroso da mãe são de uma grande contradição para o momento. John não sabe o que pensar nem o que sentir. Suas reflexões sobre a mensagem foram quebradas quando o piloto da aeronave faz um comunicado pelo sistema de som.

    — Sr. John, em mais duas horas, estaremos no espaço aéreo brasileiro. O tempo está bom, e chegaremos no horário previsto ao Aeroporto Internacional Tom Jobim, Rio de Janeiro, Brasil.

    John olha o relógio: são cinco horas da manhã no Brasil. Seu fuso-horário está confuso devido ao fuso italiano. Está cansado da viagem, no entanto, sente-se mais esperançoso por estar mais próximo, fisicamente, da mãe ou de alguém que lhe possa informar algo sobre o que está acontecendo. Permite-se, por alguns minutos, fechar os olhos, descansar e imaginar as noites encantadoras de samba que passa, no Rio de Janeiro, com a sua mãe, sempre que possível nas férias de verão. 

    Fogo e cinzas

    Assim que o avião aterrissa no Rio, um motorista, providenciado por Prometheus, já aguarda John no desembarque. Ele passa rapidamente pela área de imigração, utilizando o setor de desembarque destinado às autoridades, pois, assim como sua mãe, possui um passaporte diplomático; este lhe foi concedido pelo Estado Brasileiro, pelo protagonismo dos dois em divulgar e projetar o Brasil em diversas universidades europeias e norte-americanas, particularmente acerca do Brasil Imperial. A bem da verdade, Madalena já possuía o documento especial, por sua carreira na diplomacia, mas os livros que ela escreveu sobre a família imperial motivam constantemente convites para palestrar em conferências, mundo afora, sobre a construção de identidades e da cultura brasileira, e, assim, John também tinha acesso ao distinto passaporte. 

    Apesar de John participar e contribuir para muitos desses trabalhos, não publicou especificamente um livro somente seu ou em parceria com a mãe. Possui diversas publicações de artigos em revistas acadêmicas nacionais e internacionais, além das suas teses realizadas para a obtenção de títulos acadêmicos, mas sempre relutava em publicar um livro sobre o tema por entender que essa obra sobre a história do Brasil é da mãe,  não sua. Esse ponto era motivo de algumas discussões entre ambos, pois, Madalena não concordava com essa visão de John, entendendo que esse trabalho pertencia a ela e ao filho. Sem as pesquisas feitas, por John, acerca da família imperial brasileira em arquivos dos países europeus, não teria sido possível, segundo a própria Madalena, chegar às conclusões a que ela chegou sobre o tema, em sua trajetória de estudo e pesquisa acadêmica. John sempre relutava e não aceitava o convite para ser o coautor das obras publicadas. 

    — Bom dia, Sr. John — disse o motorista, já identificando-o por uma foto enviada por Prometheus. — Sou Pedro, e vim buscá-lo a pedido do Sr. Prometheus.

    — Bom dia, Pedro.

    — Posso ajudá-lo com as malas, senhor John?

    — Não precisa, Pedro, trouxe somente esta, e está leve, mas obrigado.

    — O senhor deseja ir para casa ou diretamente para o Museu Nacional?

    — Vamos para o museu, mas, antes, preciso pegar uma grande xícara de café.

    — Claro, senhor John. Sei onde conseguir um belo café, a dez minutos do aeroporto, pode ser?

    — Perfeito, Pedro. Podemos ir, então?

    — Podemos, sim, por aqui, por favor.

    Já no caminho do Museu Nacional, John degusta o delicioso café providenciado por Pedro, comprado em uma cafeteria familiar, à Avenida Brasil. Os grãos do café provinham de uma pequena fazenda no interior de Minas Gerais. O café, ainda bem quente, é um achado gastronômico que John toma com imenso prazer. Pedro, para completar a experiência bem brasileira, trouxe, com o café, um pão de queijo também proveniente de Minas Gerais. O casamento, pela manhã, entre o café e o pão de queijo, somado à paisagem do Rio de Janeiro, eram, para John, um ótimo começo, depois de tantas horas estressantes. Os dez minutos de atraso, por conta da mudança de roteiro para passar na cafeteria, nem foram notados por John, que ficou muito grato pelo cuidado e acolhida de Pedro. Esses sabores e cheiros mineiros foram se dissipando assim que o carro se aproximou da Quinta da Boa Vista.

    Um intenso odor de combustão e fumaça toma conta do que sobrou da estrutura do Museu Nacional. Algumas fagulhas ainda teimam em reluzir, mesmo depois de todo o trabalho dos bombeiros para apagar o fogo. John, até agora, não se permitiu ler as notícias –  repletas de imagens – sobre o incêndio, em seu celular, para não criar expectativas que possam decepcioná-lo antecipadamente.  Quando vê, agora, a situação in loco, compreende a gravidade e a proporção do incêndio. É-lhe difícil aceitar o que os olhos lhe mostram. Por um instante, chora e fica em silêncio, enquanto o carro ainda se aproxima de um local próximo para estacionar. Por segundos, se esquece-se da mãe. Só lhe vem à mente a importância histórica do que se perdeu com o incêndio.

    ✓      Foi a moradia da Família Imperial Brasileira.

    ✓      Criado por D. João VI em 1818, o museu completava 200 anos.

    ✓      Era a instituição científica mais antiga do país, com mais de vinte milhões de itens; dentre eles, havia coleções de geologia, paleontologia, botânica, zoologia, antropologia biológica, arqueologia e etnologia. 

    ✓      Foi o local em que a princesa Leopoldina, casada com Pedro I, assinou, em 1822, a Declaração de Independência do Brasil. Anos depois, também foi palco da primeira Assembleia Constituinte da República, entre novembro de 1890 e fevereiro de 1891, que marcou o fim do Império no Brasil.

    Na Sala do Trono havia um dos tronos de Pedro II, móveis originais da época e centenas de objetos doados pela Família Imperial.

    O carro para, e John desce. Retoma a consciência depois do primeiro choque. Antes mesmo de obter de alguém qualquer informação, ouve uma voz ao fundo.

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