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Literatura e Minorias (vol. 2): Diálogos
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Literatura e Minorias (vol. 2): Diálogos
E-book201 páginas2 horas

Literatura e Minorias (vol. 2): Diálogos

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Sobre este e-book

Literatura e Minorias: diálogos II, apresenta importante discussão acerca da literatura e sua relação estabelecida com os chamados grupos subalternos ou minorias, analisando de maneira crítica a relevância desses grupos na literatura e como são recebidas as obras escritas por autores de periferia.
A obra se divide em duas partes, onde a primeira apresenta análises sobre os diferentes sujeitos sociais e a segunda traz reflexão sobre as obras literárias realizadas pelas minorias, considerando os negros, autores LGBT, mulheres, onde destacam as dificuldades enfrentadas na sociedade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de dez. de 2021
ISBN9786558403968
Literatura e Minorias (vol. 2): Diálogos

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    Pré-visualização do livro

    Literatura e Minorias (vol. 2) - Vanessa Riambau Pinheiro

    Apresentação

    A literatura, enquanto mimese das ações da vida, segundo Aristóteles, presta-se à representação da sociedade. Antônio Candido, em seus estudos sobre literatura e sociedade, afirma que a obra literária não pode ser vista dissociada do seu contexto, posto que existe um caráter dialético de complementaridade expresso na relação autor-obra-público. Com base nesses pressupostos e cientes dos movimentos de descentralização e dessacralização da literatura fomentados pelos estudos pós-coloniais nos anos 80, bem como os de gênero – com destaque para o feminismo negro –, assim como os estudos decoloniais iniciados na América Latina, prosseguimos a discussão de Literatura e Minorias: diálogos II – por meio da interação entre a literatura e os grupos subalternizados historicamente.

    Neste sentido, dividimos este volume de Literatura e Minorias: diálogos II em duas partes: a primeira, REFLEXÕES SOBRE ALTERIDADE, traz estudos acerca das diferentes formas de minorias; no texto de Thompson Menezes, temos uma análise a partir de conceitos de Simone de Beauvoir; Airton Souza de Oliveira e Gilson Penalva, por sua vez, analisam a alteridade na produção poética do autor Charles Trocate; José Dantas da Silva Júnior, Concísia Lopes dos Santos e Francisco Lindenilson Lopes apresentam uma pesquisa sobre literatura regional a partir do autor José Bezerra Gomes, enquanto Manoel Freire desenvolve um estudo a respeito das representações da marginalidade em João Antônio.

    Na segunda parte deste estudo, SUBALTERNIZADOS E INVISÍVEIS, os textos apresentados versam sobre situações bem específicas e estratégias de sobrevivência de grupos minoritários continuamente perseguidos pela sociedade, como podemos ver no capítulo de Antônio de Pádua Dias da Silva, O tema LGBT como motivador da autopublicação de grupos culturais minoritários. Outras questões que merecem nossa atenção são apresentadas no texto de Demétrio Alves Paz e Letícia Gabriele Drey, Alguns modos de sangrar: direitos encarcerados, desigualdades em liberdade. O estudo de Débora Alves de S. da Rocha, por seu turno, estabelece uma interessante relação entre a clássica obra Amada, de Toni Morrison, e o sentido político da liberdade representada na trama. Por fim, o capítulo de Vanessa Riambau Pinheiro e Adaylson Wagner Sousa de Vasconcelos problematiza personagens sem amparo estatal na obra de Pepetela. Esperamos que essa obra possa dar continuidade às discussões sobre os grupos tidos como minorias – que não correspondem ao modelo etnocêntrico imposto socialmente –, ampliando o diálogo e possibilitando novas vias epistêmicas de produção de conhecimento.

    Os organizadores

    I_1

    1. O conceito de transcendência em Simone de Beauvoir

    Tom Menezes Pedrosa

    Introdução

    A obra O Segundo Sexo, da filósofa existencialista Simone de Beauvoir, demonstrou que o mundo em que as mulheres vivem é definido e centrado nos homens: o homem é Sujeito, a mulher é o Outro. Os homens criam, as mulheres mantêm. Logo, Beauvoir discute essas oposições por meio dos conceitos de transcendência e de imanência. Ela define que a transcendência é ativa, criativa, projetando-se no futuro, enquanto a imanência é passiva, interna e centrada na perpetuação da espécie.

    Neste sentido, as normas sociais concedem transcendência aos homens e colocam as mulheres em posições de constante imanência. Além disso, Beauvoir escreve que passar da transcendência para a imanência é um mal absoluto, seja ele autoinfligido ou infligido pela sociedade. Logo, atribui-se mais valor à transcendência, ao mesmo tempo em que as mulheres são consideradas intrisecamente imanentes. Contudo, Beauvoir defende que a imanência não é uma qualidade inerente das mulheres.

    É nesta direção que este estudo lança mão da noção de transcendência, presente na obra O Segundo Sexo, de Beauvoir, a fim de percorrer meandros e nuances da vertente existencialista deste conceito, que é pilar em seu trabalho. A partir dele, poder-se-á analisar até que ponto a mulher é responsável ou não por sua opressão. Para isso, serão examinadas as ideias de má-fé e de situação, demonstrando a ambiguidade da filosofia beauvoiriana.

    Embora o peso do mundo encarcere a mulher em sua outridade, tornando-a o Outro absoluto, sem reciprocidade, em relação ao homem, Beauvoir tenta traçar os caminhos que a levam à transcendência. Deste modo, assumindo-se como projeto, a mulher rejeita o conforto da imanência e abraça possibilidades outras que não as que já estão dadas, a despeito da angústia que isso lhe possa causar. Assim, percebe-se a importância do conceito que será aqui explorado, porquanto é através da transcendência que as mulheres poderão protagonizar sua história e construir sua própria narrativa.

    Mulher: ser fixo ou devir?

    Um aspecto proeminente, em O Segundo Sexo, é o feito de Beauvoir ao proclamar que as mulheres¹ precisam se posicionar como Sujeitos. Isso se deve porque, não se posicionando como Sujeitos, as mulheres continuam sonhando com os sonhos dos homens, já que não criaram o mito viril no qual seus projetos se refletiriam (Beauvoir, 2016a, p. 202) como sujeitos transcendentes.

    O que torna os caminhos para a almejada emancipação mais tortuosos, porém, é o fato de que algumas mulheres são cúmplices² de sua opressão: elas encontram o mundo em uma atitude de seriedade (Beauvoir, 1970, p. 40), no qual seus valores e expectativas são anteriores a elas. Isto é, as mulheres acabam por não sentir a angústia existencial de precisar se criar constantemente. Por isso, Beauvoir pondera que, nessa cumplicidade, a mulher – em parte – consente com a opressão exercida sobre ela.

    Portanto, existe a possibilidade de liberdade e – aos olhos do existencialismo –, ao não a aceitar, o indivíduo age de má-fé (inautenticidade). Além disso, essa situação acaba sendo uma falha moral de ambos: do homem, por não reconhecer a liberdade feminina, e da mulher, por consentir em sua subjugação. A consequência (e a tragédia) disso é que a mulher tem negado seu acesso a uma existência autônoma. É por isso que desafiar o princípio masculino, ativa e energicamente, ao encarar uma luta hegeliana de vida ou morte, é a única alternativa para se atingir a transcendência.

    A transcendência, a propósito, é compreendida como o processo de tornar-se e efetivar sua liberdade, ultrapassando uma situação dada, por meio de projetos que desimpedem – ou dão origem a – uma maior liberdade. De maneira oposta, a opressão sofrida pelas mulheres assume a forma de uma essência que lhes é prescrita ao longo da vida: o mito do eterno feminino, a concepção da feminilidade³ e as expectativas em torno da irrefutável maternidade.

    Por isso, Beauvoir reflete sobre como as mulheres foram idealizadas como mulheres, a partir da construção essencialista do mito. Neste sentido, a teoria da filósofa sustenta que as mulheres – assim como toda consciência – são negatividade e transcendência: isso significa que não são seres fixos, isto é, o ser mulher traduz-se em um constante devir (tornar-se), engendrando projetos com suporte em outros projetos. Logo, a feminilidade é um mecanismo de opressão, na medida em que a ela cabe obstar – de modo sistemático – a afirmação das mulheres como sujeitos livres e, assim, sua transcendência.

    Movimento e inércia: dualidades da existência

    A cessação do processo de submissão feminina, que se perpetua ao longo do tempo, é sugerida por Beauvoir. A mulher, então, pela perspectiva da ética existencialista de filósofa, precisaria – para se colocar concretamente através de projetos – tornar-se sujeito de sua própria existência. Subsidiando a si mesma e deixando de ser objeto, a mulher seria capaz de superar o contexto milenar de opressão e submissão a que está submetida, sendo protagonista de um futuro perpetuamente aberto. Desta forma, ela frustraria todo imanentismo idealista, sendo capaz de transcender sua existência.

    Ademais, a respeito do dualismo transcendência/imanência da existência humana, Beauvoir constata que o homem exerce a prerrogativa de experienciar a transcendência por meio de iniciativas, ações e projetos. Em contrapartida, a mulher está restrita à vida maçante e pouco criativa da imanência. Como afirma a filósofa Márcia Regina Viana, em um texto sobre Beauvoir:

    Esta caracterização de atitudes está relacionada ao modo como o sujeito realiza sua liberdade existencial que, por se tratar de um movimento ontológico, é constituído de momentos de intencionalidade. Segundo o sentido dado por Beauvoir, a transcendência está vinculada ao contínuo movimento subjetivo de superação do dado do mundo e lançamento de si ao novo, enquanto que a imanência é atribuída à ausência do movimento, à não realização do lançamento do ser em direção ao não constituído ainda, e então o ser continua a ser o que já está dado – o mesmo. (Viana, 2010, p. 121)

    Em sua obra, Beauvoir (2016a, p. 15) argui que se a mulher se enxerga como o inessencial que nunca retorna ao essencial é porque não opera, ela própria, esse retorno. É por isso que a transcendência é necessária à formação da identidade e da subjetividade de todos. Partindo desse contexto, percebe-se que O Segundo Sexo não emerge apenas como uma reflexão filosófica, mas também como um livro de luta; em outras palavras, a obra é um manifesto político que reivindica a libertação das mulheres. Neste sentido, é a partir de O Segundo Sexo que os aspectos políticos e sexuais da luta pela libertação das mulheres se reúnem, como atesta Beauvoir (1995, p. 174):

    Muitas delas, é verdade, reprovaram meu livro: eu as incomodava, contestava-as, exasperava-as, ou amedrontava-as. Mas a outras eu ajudei, e sei disso através de numerosos testemunhos, e primeiro por uma correspondência que dura há 12 anos. Elas encontraram nas minhas exposições um auxílio contra as imagens delas mesmas que as revoltavam, contra mitos que as esmagavam; descobriram que suas dificuldades não refletiam uma desgraça singular, mas uma condição geral; essa descoberta evitou que elas se desprezassem, e algumas ali buscaram a força para lutar.

    Beauvoir, por isso, condena aqueles a quem chama de antifeministas, por aceitarem a essência da mulher como mistério. Desta forma, para a filósofa, os antifeministas "de bom grado concordam em exaltar a mulher como o Outro de maneira a constituir sua alteridade como absoluta, irredutível e a recusar-lhe acesso ao mitsein⁴ humano" (Beauvoir, 2016a, p. 106).

    Por conseguinte, mitos, como o do eterno feminino, colaboram para esta situação, dado que a mulher é, a um tempo, Eva e a Virgem Maria; […] é a presa do homem e sua perda, é tudo o que ele quer ter, sua negação e sua razão de ser (Beauvoir, 2016a, p. 203). Assim, confinada nos mitos criados pelo homem, a mulher torna-se uma figura estática, a representante intrêmula da alteridade. Quando sua singularidade e experiência de vida são ignoradas, ela resta condenada à imanência, como preconiza a pensadora francesa:

    Para grande número de mulheres os caminhos da transcendência estão barrados: como não fazem nada, não se podem fazer ser; perguntam-se indefinidamente o que poderiam vir a ser, o que as leva a indagar o que são: uma interrogação vã; se o homem malogra em descobrir essa essência secreta é muito simplesmente porque ela não existe. Mantida à margem do mundo, a mulher não pode definir-se objetivamente através desse mundo e seu mistério cobre apenas um vazio. (Beauvoir, 2016a, p. 334-335, grifos da autora)

    Associando o corpo à imanência e o espírito à transcendência, Beauvoir expõe que foi consentido apenas ao macho o alcance da condição de sujeito livre, porquanto – hierarquicamente – a alma é classificada como mais valiosa do que o corpo, sendo aquela que representa o que é especificamente humano, e provando ser o áxis valorativo que atravessa todo o dualismo metafísico do mundo ocidental. Posto isso, enquanto as mulheres só podem gerar filhos – corpo, carne, matéria corruptível e efêmera –, os homens, por outro lado, podem criar ideias: etéreas, acrônicas, perenes e absolutas.

    Renunciar ao conforto de constituir-se em coisa: vale a luta?

    A fim de combater o cenário de opressão ao qual as mulheres encontram-se submetidas, deve-se reconhecer a elas a capacidade de forjar ideias, como o faz Beauvoir. O problema é que a mulher – que é uma liberdade autônoma como todo ser humano – deve escolher-se e descobrir-se num mundo em que a condição de Outro lhe é imposta pelo homem. Pretende-se torná-la objeto, votá-la à imanência, porquanto sua transcendência será perpetuamente transcendida por outra consciência essencial e soberana (Beauvoir, 2016a, p. 26). Logo, a questão é: como pode realizar-se um ser humano dentro da condição feminina? (Beauvoir, 2016a, p. 26).

    Conforme apontado pela reflexão ilustrada de Beauvoir, a oportunidade para essa realização envolve sacrificar a felicidade em prol da liberdade, uma vez que ela rejeita a filosofia moral do utilitarismo⁵ e seu insubstancial conceito de felicidade, o qual nada tem a ver com transcendência. Para Beauvoir, a felicidade é um conceito desajeitado e ilusório, impossível de ser avaliado e medido, porquanto muitas mulheres podem julgar-se felizes pelo mero fato de não terem consciência das alternativas que a existência oferece: […] é sempre fácil declarar feliz a situação que se lhe quer impor. Os que condenamos à estagnação, nós os declaramos felizes sob o pretexto de que a felicidade é a imobilidade (Beauvoir, 2016a, p. 26).

    É nesse contexto que Beauvoir (1970,

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