O Ateneu: crônica de saudades
De Raul Pompéia
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Sobre este e-book
Raul Pompéia
(1863/1895) além de escritor, foi também desenhista e escultor. É distinguido como o iniciador da ficção impressionista no Brasil. Seu temperamento sensível e instável o levaram a se envolver em contínuas polêmicas. Extremamente radical em seus princípios, angariou antipatias, o que acabou por levá-lo ao abatimento e, finalmente, ao suicídio, aos 32 anos de idade.
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O Ateneu - Raul Pompéia
O Ateneu
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A coleção CLÁSSICOS DA LITERATURA UNESP constitui uma porta de entrada para o cânon da literatura universal. Não se pretende disponibilizar edições críticas, mas simplesmente volumes que permitam a leitura prazerosa de clássicos. Nesse espírito, cada volume se abre com um breve texto de apresentação, cujo objetivo é apenas fornecer alguns elementos preliminares sobre o autor e sua obra. A seleção de títulos, por sua vez, é conscientemente multifacetada e não sistemática, permitindo, afinal, o livre passeio do leitor.
RAUL POMPEIA
O Ateneu
Crônica de saudades
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Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva – CRB-8/9410
Índice para catálogo sistemático:
1. Literatura brasileira : Romance 869.89923
2. Literatura brasileira : Romance 821.134.3(81)-31
Editora Afiliada:
Sumário
___________________
Apresentação
O Ateneu
I
II
III
IV
V
VI
VII
VIII
IX
X
XI
XII
Apresentação
___________________
RAUL D’ÁVILA POMPEIA foi romancista, poeta, cronista, jornalista e caricaturista. De família abastada, aos 10 anos mudou-se para o Rio de Janeiro. Foi internado no Colégio Abílio e, depois, transferido para o Colégio D. Pedro II, ambos frequentados pelos filhos de famílias tradicionais da capital. De temperamento sensível, passou boa parte da vida socialmente isolado. Descrito por muitos biógrafos como uma pessoa tímida e extremamente emotiva, o jovem Pompeia se destacava pela criatividade como desenhista, cartunista e crítico de arte.
Em 1880, teve publicado seu primeiro romance, Uma tragédia no Amazonas. No ano seguinte, matriculou-se na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, e engajou-se nas campanhas abolicionista e republicana. Em 1883, publicou no Jornal do Commercio seus poemas em prosa Canções sem metro. No terceiro ano de faculdade, reprovado por questões políticas, partiu para o Recife, onde conclui o curso. De volta ao Rio de Janeiro, atuou como jornalista e dedicou-se à elaboração de sua obra mais célebre, O Ateneu, publicada na forma de folhetim no jornal Gazeta de Notícias em 1888. Com o advento da República, participou do grupo de apoiadores do marechal Floriano Peixoto e foi indicado para lecionar mitologia na Escola Nacional de Belas Artes (Enba). Seu engajamento político se intensificou e se expressou em comícios e polêmicas – a mais famosa delas com o poeta Olavo Bilac, que o acusou de cooptação pelo governo. Em um encontro acalorado, ambos decidiram resolver a querela em um duelo de espadas, que não chegou a acontecer.
Nomeado diretor da Biblioteca Nacional em 1894, foi demitido no ano seguinte, acusado de desacatar o novo presidente da República, Prudente de Morais, durante o enterro de Floriano Peixoto. Meses depois, o jornalista Luís Murat escreveu artigo referindo-se ao funeral, com críticas à conduta do escritor, apoiando sua demissão e insinuando covardia no desfecho do duelo com Bilac. Deprimido, Raul Pompeia suicidou-se com um tiro no coração no Natal de 1895. Suas últimas palavras foram registradas em um bilhete: "Ao jornal A Notícia, e ao Brasil, declaro que sou um homem de honra".
___________________
O Ateneu, livro clássico da literatura brasileira, foi considerado inicialmente uma obra realista, mas hoje se reconhece que o livro também apresenta traços de estéticas europeias que não ganharam a força de movimento literário no Brasil, como o Impressionismo francês e o Expressionismo alemão. Além disso, o livro de Pompeia também é qualificado como naturalista, por apresentar características deterministas, ou seja, o comportamento do homem seria formado por fatores sociológicos, ambientais, históricos e, sobretudo, biológicos, seguindo padrões definidos pelas ciências naturais.
A história é ambientada na cidade do Rio de Janeiro. Nos anos 1870, o jovem Sérgio, de 11 anos, ingressa no prestigioso Athenæum, instituição reservada à aristocracia e à burguesia carioca. O internato é dirigido com mão de ferro por Aristarco, personagem que mescla certas atitudes paternalistas com a prática de humilhação pública de alunos com baixo desempenho escolar. Sérgio se encontra imerso nesse universo violento, cujos códigos ainda não domina, onde crianças têm a opção de se tornar vítimas ou algozes. Durante os dois anos que passa no Ateneu, Sérgio desenvolve amizades, às vezes turbulentas, e inimigos perigosos, naquele espaço interditado às mulheres, com exceção de d. Ema, esposa do diretor, única pessoa que o trata com candura desinteressada e por quem o protagonista se apaixona.
Romance de formação por excelência, O Ateneu, apesar de ficcional, tem como fonte inspiradora experiências pessoais do autor. O tom memorialístico do texto remete a um episódio importante da vida de Raul Pompeia: aos 10 anos, foi internado no famoso Colégio Abílio, cujo diretor, o barão de Macaúbas, era conhecido pela severidade e prepotência. Não por acaso a obra se subintitula Crônica de saudades
e narra, pelo olhar esclarecido de um Sérgio adulto, as desventuras de sua versão juvenil.
A obra recebeu excelente recepção crítica desde o momento de sua publicação como folhetim, e o autor foi comparado pelo redator literário do jornal O Tempo aos franceses Balzac, Zola e Flaubert, expoentes da literatura realista. No entanto, o romance não acomoda Pompeia no figurino realista da época: além do estilo singular, o autor se sobressai também pela versatilidade artística – a edição de 1905 foi ilustrada por ele mesmo – e pela peculiaridade do traço expressionista com que desenhou com igual destreza e refinamento seus personagens.
RAUL POMPEIARAUL POMPEIA
ANGRA DOS REIS, 1863 – RIO DE JANEIRO, 1895
RETRATO DE AUTOR DESCONHECIDO, [S.D.]. ARQUIVO MÚCIO LEÃO/ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS.
RAUL POMPEIA
O Ateneu
Crônica de saudades
I
___________________
VAIS ENCONTRAR O MUNDO, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta.
Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico; diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora, e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam.
Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a mesma em todas as datas. Feita a compensação dos desejos que variam, das aspirações que se transformam, alentadas perpetuamente do mesmo ardor, sobre a mesma base fantástica de esperanças, a atualidade é uma. Sob a coloração cambiante das horas, um pouco de ouro mais pela manhã, um pouco mais de púrpura ao crepúsculo – a paisagem é a mesma de cada lado, beirando a estrada da vida.
Eu tinha onze anos.
Frequentara como externo, durante alguns meses, uma escola familiar do Caminho Novo, onde algumas senhoras inglesas, sob a direção do pai, distribuíam educação à infância como melhor lhes parecia. Entrava às nove horas, timidamente, ignorando as lições com a maior regularidade, e bocejava até às duas, torcendo-me de insipidez sobre os carcomidos bancos que o colégio comprara, de pinho e usados, lustrosos do contato da malandragem de não sei quantas gerações de pequenos. Ao meio-dia, davam-nos pão com manteiga. Esta recordação gulosa é o que mais pronunciadamente me ficou dos meses de externato; com a lembrança de alguns companheiros – um que gostava de fazer rir à aula, espécie interessante de mono louro, arrepiado, vivendo a morder, nas costas da mão esquerda, uma protuberância calosa que tinha; outro, adamado, elegante, sempre retirado, que vinha à escola de branco, engomadinho e radioso, fechada a blusa em diagonal do ombro à cinta por botões de madrepérola. Mais ainda: a primeira vez que ouvi certa injúria crespa, um palavrão cercado de terror no estabelecimento, que os partistas denunciavam às mestras por duas iniciais como em monograma.
Lecionou-me depois um professor em domicílio.
Apesar deste ensaio da vida escolar a que me sujeitou a família, antes da verdadeira provação, eu estava perfeitamente virgem para as sensações novas da nova fase. O internato! Destacada do conchego placentário da dieta caseira, vinha próximo o momento de se definir a minha individualidade. Amarguei por antecipação o adeus às primeiras alegrias; olhei triste os meus brinquedos, antigos já! os meus queridos pelotões de chumbo! espécie de museu militar de todas as fardas, de todas as bandeiras, escolhida amostra da força dos estados, em proporções de microscópio, que eu fazia formar a combate como uma ameaça tenebrosa ao equilíbrio do mundo; que eu fazia guerrear em desordenado aperto – massa tempestuosa das antipatias geográficas, encontro definitivo e ebulição dos seculares ódios de fronteira e de raça; que eu pacificava por fim, com uma facilidade de Providência Divina, intervindo sabiamente, resolvendo as pendências pela concórdia promíscua das caixas de pau. Força era deixar à ferrugem do abandono o elegante vapor da linha circular do lago, no jardim, onde talvez não mais tornasse a perturbar com a palpitação das rodas a sonolência morosa dos peixinhos, rubros, dourados, argentados, pensativos à sombra dos tinhorões, na transparência adamantina da água...
Mas um movimento animou-me, primeiro estímulo sério da vaidade: distanciava-me da comunhão da família, como um homem! ia por minha conta empenhar a luta dos merecimentos; e a confiança nas próprias forças sobrava. Quando me disseram que estava a escolha feita da casa de educação que me devia receber, a notícia veio achar-me em armas para a conquista audaciosa do desconhecido.
Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-me de lágrimas os cabelos, eu parti.
Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.
Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de última remessa, o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais; sem levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos anúncios.
O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o Império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à sustância, atochando a imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria. Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita, espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do espírito. E engordavam as letras, à força, daquele pão. Um benemérito. Não admira que em dias de gala, íntima ou nacional, festas do colégio ou recepções da coroa, o largo peito do grande educador desaparecesse sob constelações de pedraria, opulentando a nobreza de todos os honoríficos berloques.
Nas ocasiões de aparato é que se podia tomar o pulso ao homem. Não só as condecorações gritavam-lhe do peito como uma couraça de grilos: Ateneu! Ateneu! Aristarco todo era um anúncio. Os gestos, calmos, soberanos, eram de um rei – o autocrata excelso dos silabários; a pausa hierática do andar deixava sentir o esforço, a cada passo, que ele fazia para levar adiante, de empurrão, o progresso do ensino público; o olhar fulgurante, sob a crispação áspera dos supercílios de monstro japonês, penetrando de luz as almas circunstantes – era a educação da inteligência; o queixo, severamente escanhoado, de orelha a orelha, lembrava a lisura das consciências limpas – era a educação moral. A própria estatura, na imobilidade do gesto, na mudez do vulto, a simples estatura dizia dele: aqui está um grande homem... não veem os côvados de Golias?!... Retorça-se sobre tudo isto um par de bigodes, volutas maciças de fios alvos, torneadas a capricho, cobrindo os lábios, fecho de prata sobre o silêncio de ouro, que tão belamente impunha como o retraimento fecundo do seu espírito – teremos esboçado, moralmente, materialmente, o perfil do ilustre diretor. Em suma, um personagem que, ao primeiro exame, produzia-nos a impressão de um enfermo, desta enfermidade atroz e estranha: a obsessão da própria estátua.
Como tardasse a estátua, Aristarco interinamente satisfazia-se com a afluência dos estudantes ricos para o seu instituto. De fato, os educandos do Ateneu significavam a fina flor da mocidade brasileira.
A irradiação do reclame alongava de tal modo os tentáculos através do país, que não havia família de dinheiro, enriquecida pela setentrional borracha ou pela charqueada do sul, que não reputasse um compromisso de honra com a posteridade doméstica mandar dentre seus jovens, um, dois, três representantes abeberar-se à fonte espiritual do Ateneu.
Fiados nesta seleção apuradora, que é comum o erro sensato de julgar melhores famílias as mais ricas, sucedia que muitos, indiferentes mesmo e sorrindo do estardalhaço da fama, lá mandavam os filhos. Assim entrei eu.
A primeira vez que vi o estabelecimento, foi por uma festa de encerramento de trabalhos.
Transformara-se em anfiteatro uma das grandes salas da frente do edifício, exatamente a que servia de capela; paredes estucadas de suntuosos relevos, e o teto aprofundado em largo medalhão, de magistral pintura, onde uma aberta de céu azul despenhava aos cachos deliciosos anjinhos, ostentando atrevimentos róseos de carne, agitando os minúsculos pés e as mãozinhas, desatando fitas de gaze no ar. Desarmado o oratório, construíram-se bancadas circulares, que encobriam o luxo das paredes. Os alunos ocupavam a arquibancada. Como a maior concorrência preferia sempre a exibição dos exercícios ginásticos, solenizada dias depois do encerramento das aulas, a acomodação deixada aos circunstantes era pouco espaçosa; e o público, pais e correspondentes em geral, porém mais numeroso do que se esperava, tinha que transbordar da sala da festa para a imediata. Desta antessala, trepado a uma cadeira, eu espiava. Meu pai ministrava-me informações. Diante da arquibancada, ostentava-se uma mesa de grosso pano verde e borlas de ouro. Lá estava o diretor, o ministro do Império, a comissão dos prêmios. Eu via e ouvia. Houve uma alocução comovente de Aristarco; houve discursos de alunos e mestres; houve cantos, poesias declamadas em diversas línguas. O espetáculo comunicava-me certo prazer respeitoso. O diretor, ao lado do ministro, de acanhado físico, fazia-o incivilmente desaparecer na brutalidade de um contraste escandaloso. Em grande tenue¹ dos dias graves, sentava-se elevado no seu orgulho como em um trono. A bela farda negra dos alunos, de botões dourados, infundia-me a consideração tímida de um militarismo brilhante, aparelhado para as campanhas da ciência e do bem. A letra dos cantos, em coro dos falsetes indisciplinados da puberdade, os discursos, visados pelo diretor, pançudos de sisudez, na boca irreverente da primeira idade, como um Cendrillon malfeito da burguesia conservadora, recitados em monotonia de realejo e gestos rodantes de manivela, ou exagerados, de voz cava e caretas de tragédia fora de tempo, eu recebia tudo convictamente, como o texto da bíblia do dever; e as banalidades profundamente lançadas como as sábias máximas do ensino redentor. Parecia-me estar vendo a legião dos amigos do estudo, mestres à frente, na investida heroica do obscurantismo, agarrando pelos cabelos, derribando, calcando aos pés a Ignorância e o Vício, misérrimos trambolhos, consternados e esperneantes.
Um discurso principalmente impressionou-me. À direita da comissão dos prêmios, ficava a tribuna dos oradores. Galgou-a firme, tesinho, o Venâncio, professor do colégio, a quarenta mil-réis por matéria, mas importante, sabendo falar grosso o timbre de independência, mestiço de bronze, pequenino e tenaz, que havia de varar carreira mais tarde. O discurso foi o confronto chapa dos torneios medievais com o moderno certame das armas da inteligência; depois, uma preleção pedagógica, tacheada de flores de retórica a martelo; e a apologia da vida de colégio, seguindo-se a exaltação do mestre em geral e a exaltação, em particular, de Aristarco e do Ateneu. O mestre, perorou Venâncio, é o prolongamento do amor paterno, é o complemento da ternura das mães, o guia zeloso dos primeiros passos, na senda escabrosa que vai às conquistas do saber e da moralidade. Experimentado no labutar cotidiano da sagrada profissão, o seu auxílio ampara-nos como a Providência na Terra; escolta-nos assíduo como um anjo de guarda; a sua lição prudente esclarece-nos a jornada inteira do futuro. Devemos ao pai a existência do corpo; o mestre cria-nos o espírito (sorites de sensação), e o espírito é a força que impele, o impulso que triunfa, o triunfo que nobilita, o enobrecimento que glorifica, e a glória é o ideal da vida, o louro do guerreiro, o carvalho do artista, a palma do crente! A família é o amor no lar, o Estado é a segurança civil; o mestre, com o amor forte que ensina e corrige, prepara-nos para a segurança íntima inapreciável da vontade. Acima de Aristarco – Deus! Deus tão somente; abaixo de Deus – Aristarco.
Um último gesto espaçoso, como um jamegão no vácuo, arrematou o rapto de eloquência.
Eu me sentia compenetrado daquilo tudo; não tanto por entender bem, como pela facilidade da fé cega a que estava disposto. As paredes pintadas da antessala imitavam pórfiro verde; em frente ao pórtico aberto para o jardim, graduava-se uma ampla escada, caminho do andar superior. Flanqueando a majestosa porta desta escada, havia dois quadros de alto-relevo: à direita uma alegoria das artes e do estudo, à esquerda as indústrias humanas, meninos nus como nos frisos de Kaulbach, risonhos, com a ferramenta simbólica – psicologia pura do trabalho, modelada idealmente na candura do gesso e da inocência. Eram meus irmãos! Eu estava a esperar que um deles convidativo me estendesse a mão para