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Os Índios na História da Bahia
Os Índios na História da Bahia
Os Índios na História da Bahia
E-book242 páginas3 horas

Os Índios na História da Bahia

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Sobre este e-book

O livro aborda a história dos povos indígenas da Bahia do século XVI até a atualidade, enfocando diferentes aspectos de suas relações com a sociedade colonial, imperial e republicana, sob variados pontos de vista. Os textos apresentados traduzem um movimento de crescente ampliação e renovação da historiografia baiana sobre os povos indígenas e representam um esforço fundamental no sentido de sistematizar e divulgar os resultados de pesquisas que vêm sendo desenvolvidas há mais de uma década e que agora visam um público mais amplo, incluindo professores e alunos da educação básica. Cada capítulo da obra aborda uma temática específica, contribuindo para difundir o conhecimento e a reflexão acerca do papel desempenhado pelos povos indígenas no processo de formação da Bahia e do Brasil, bem como, enfatizando a relevância do tema para a consolidação da democracia e o respeito à diversidade étnica e cultural de nosso povo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de abr. de 2022
ISBN9786599156120
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    Os Índios na História da Bahia - Fino Traço Editora

    CAPA_1.jpg

    Sumário

    Coleção UNIAFRO 2020

    A seguir o rol dos volumes que compõem a Coleção:

    Prefácio à segunda edição

    Capítulo 1 Velhos e Novos Desafios da História Indígena no Brasil

    Francisco Cancela

    Capítulo 2 Catequese e povos indígenas na Bahia colonial

    Fabricio Lyrio Santos

    Capítulo 3 Os índios e a fundação da cidade de Salvador

    Patrícia Verônica Pereira dos Santos

    Capítulo 4 A ocupação do Sertão das Jacobinas

    Solon Natalício Araújo dos Santos

    Capítulo 5 A conquista do Sertão da Ressaca

    Renata Ferreira de Oliveira

    Capítulo 6 A integração por decreto: a lei de liberdade e o Diretório dos Índios na Bahia

    Teresinha Marcis

    Capítulo 7 Legislação fundiária e extinção de aldeamentos na Bahia durante o período imperial

    André de Almeida Rego

    Capítulo 8 Pensamento sobre os índios no Brasildo século XX

    Zeneide Rios de Jesus

    Capítulo 9 Reflexões acerca da implantação do Posto Indígena no Sul da Bahia

    Kelly Silva Prado

    Capítulo 10 Índios na atualidade: uma realidade de perdas e ganhos

    Maria Hilda Baqueiro Paraiso

    Fontes e bibliografia

    Sobre os autores e as autoras

    Coleção UNIAFRO 2020

    O Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (NEAB – UFRB) surgiu a partir das ações do Grupo de Pesquisa NEAB – UFRB/CNPq e do Núcleo de Diversidade, Educação e Cultura (NUDEC), da Pró-Reitoria de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis, no ano de 2006. A partir daí foram incrementadas as ações relativas à consolidação da infraestrutura, da adesão de novos pesquisadores e da elaboração de diversos projetos voltados para o fortalecimento das linhas de pesquisa do Grupo-NEAB/UFRB. Nessa perspectiva foram desenvolvidas pesquisas de campo vinculadas às linhas de pesquisa: Comunidades Negras Rurais, Educação e Relações Interétnicas; Escravidão e Pós-Abolição, Saúde das Populações Negras, Gênero e Raça e Cultura Negra. Nessas linhas foram realizadas diversas atividades: de iniciação científica, de trabalhos de conclusão de curso, eventos de ensino, pesquisa e de extensão, voltados para o curso de Pós-Graduação Latu Sensu em História da África, da Cultura Negra e do Negro no Brasil. O referido curso destina-se à formação dos profissionais das instituições de ensino público, estadual e municipal da Bahia (SECADI/MEC/FNDE), incluindo também o Programa de

    Pós-Graduação: Mestrado Profissional em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas (UFRB/CAPES).

    Esse processo de institucionalização e de produção acadêmica possibilitou a participação do NEAB-UFRB no edital do Programa UNIAFRO da Secretaria de Ensino Continuado, Alfabetização e Inclusão do Ministério da Educação (MEC). O principal objetivo do Programa UNIAFRO é a implementação da Lei n.º 11.645/2008, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da História da África, da Cultura Afro-Brasileira e dos Povos Indígenas nos currículos da Educação Básica.

    Esta Coleção UNIAFRO prioriza a publicação de Coletâneas envolvendo uma significativa rede de pesquisadores brasileiros e estrangeiros filiados às várias instituições de ensino superior e de fundações culturais, oferecendo vasto material para professores e pesquisadores, em variadas abordagens disciplinares e interdisciplinares, objetivando a implantação e difusão de produtos vinculados à Lei n.º 11.645 de 2008.

    A primeira edição da Coleção UNIAFRO foi composta por vinte e dois livros, os quais obtiveram importante reconhecimento nos meios acadêmicos, associações culturais e grupos políticos da sociedade brasileira. Sua distribuição alcançou às universidades brasileiras, bibliotecas públicas e associações privadas diversas, além de ser dirigida a instituições estrangeiras de vários países. A procura pelas obras continua sendo grande e com o esgotamento dos livros impressos, resolvemos, em conjunto com a FINO TRAÇO EDITORA, investir em um trabalho de publicação de uma segunda edição revisada em formato Impresso ou E-book, visando o alcance de um público maior. Continuamos agradecendo a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação e a Editora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia por apoiarem a primeira edição da referida coleção; a todos os autores e organizadores das obras que compõem a coleção e aos membros do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros do Recôncavo da Bahia, por se disponibilizarem para a execução desta segunda edição; continuamos afirmando que esse projeto foi uma conquista dos movimentos negros e indígenas brasileiros em suas lutas seculares.

    COMISSÃO ORGANIZADORA DA COLEÇÃO

    Antonio Liberac Cardoso Simões Pires, Cláudio Orlando Costa do Nascimento, Emanoel Luis Roque Soares, Rita de Cássia Dias Pereira Alves e Rosy de Oliveira.

    A seguir o rol dos volumes que compõem a Coleção:

    Volume 1: Entre Veredas e Arrabaldes: escravos e libertos na comarca de Nazaré das Farinhas durante o oitocentos e no pós-abolição, por Edinelia Maria Oliveira Souza (UNEB), Virginia Queiroz Barreto (UNEB) e Wellington Castellucci (UFRB); volume 2: Cenários da Saúde da População Negra no Brasil: diálogos e pesquisas, por Regina Marques de Souza Oliveira (UFRB); volumes 3 e 4: Formação Cultural: sentidos epistemológicos e políticos/Cultura e Negritude: linguagens do contemporâneo, organizados por Rita de Cássia Dias Pereira Alves (UFRB) e Cláudio Orlando Costa do Nascimento (UFRB); volume 5: Diáspora Africana nas Américas, organizado por Isabel Cristina F. dos Reis (UFRB) e Solange P. Rocha (UFPB); volume 6: Reflexões Sobre a África Contemporânea, organizado por Juvenal de Carvalho (UFRB); volume 7: Histórias da Escravidão e do Pós-Abolição nas Escolas, organizado por Giovana Xavier (UFRJ); volume 8: Da Escravidão e da Liberdade: processos, biografias e experiências da abolição em perspectiva transnacional, organizado por Antonio Liberac Cardoso Simões Pires (UFRB); Flávio dos Santos Gomes (UFRJ), Maria Helena P. T. Machado (USP), Paulo Roberto Staudt Moreira (Unisinos), Petrônio Domingues (UFS), Walter Fraga (UFRB) e Wlamyra Albuquerque (UFBA); volume 9: Territorialidades Negras em Questão: conflitos, lutas por direito e reconhecimento, organizado por Ana Paula Comin de Carvalho (UFRB), Cíntia Beatriz Müller (UFBA e Rosy de Oliveira (UFRB); volume 10: Os Índios na História da Bahia, organizado por Fabricio Lyrio (UFRB); volume 11: Pensadores Negros -Pensadoras Negras – Brasil, Séculos XIX e XX, organizado por Ana Flávia Magalhães Pinto (Unicamp) e Sidney Chalhoub ( Harvard University); volume 12: Atlântico de Dor: faces do tráfico de escravos, organizado por João José Reis (UFBA) e Carlos da Silva Jr. (University of Hull/Inglaterra); volume 13: Capoeira em Múltiplos Olhares: estudos e pesquisas em jogo; organizado por Antonio Liberac Cardoso Simões Pires (UFRB), Franciane Simplício (Fundação Gregório de Mattos - BA), Paulo Magalhães (UFBA) e Sara Abreu (UFBA); volume 14: Das Formações Negras Camponesas: estudos sobre remanescentes de quilombos no Brasil, organizado por Rosy de Oliveira (UFRB) e Flávio dos Santos Gomes (UFRJ); volume 15: Antinegritude: o impossível sujeito negro, organizado por João H. Costa Vargas (University of Texas/Austin) e Osmundo Pinho (UFRB); volume 16: Beleza Negra: representações sobre o cabelo, corpo e identidade das mulheres negras, organizado por Ângela Figueiredo (UFRB) e Cíntia Cruz (UFRB); volume 17: Territórios de Gente Negra: processos, transformações e adaptações: ensaios sobre Colômbia e Brasil organizado por Antonio Liberac Cardoso Simões Pires (UFRB), Axel Rojas (Universidad Del Cauca/Colômbia) e Flávio dos Santos Gomes (UFRJ); volume 18: Tramas Negras, organizado por Ana Paula Cruz (UEFS), Clíssio Santos Santana (UFBA), Fred Aganju Santiago Ferreira (UFRB), Jôsy Barcelos Miranda (UFRB) e Lumara Cristina Martins Santos (UFRB); volume 19: As Vinte e Uma Faces de Exu, por Emanoel Soares (UFRB); volume 20: Africanos na Cidade da Bahia: escravidão e identidade Africana–século XVIII, por Cândido Domingues (UNEB), Carlos da Silva Jr. (University of Hull/Inglaterra) e Carlos Eugênio Líbano Soares (UFBA); volume 21: Caminhos para a Efetivação da Lei n.º 11.645.2008, organizado por Leandro Antonio de Almeida (UFRB); volume 22: O Recôncavo no Olhar de Jomar Lima: patrimônio, festas populares e religiosidade, organizado por Antonio Liberac Cardoso Simões Pires e Rosy de Oliveira.

    Aqui expressamos nossos agradecimentos!

    Prefácio à segunda edição

    A História tem se refeito a partir de uma perspectiva mais dialética, onde o ponto de vista dos vencidos, ou subalternizados, tem pressionado as versões oficiais. Desde os poemas de Bertolt Brecht e as teses de Walter Benjamin, muitos historiadores têm se preocupado em passar a história a contrapelo (LÖWY, 2005). No entanto, em alguma medida, mesmo com avanços surpreendentes, ainda percebemos certa centralidade em narrativas que, além de desconsiderarem a diversidade sociocultural, negligenciam aspectos que ampliam o entendimento acerca daquilo que Walter Benjamin também apontou: A tarefa da história é apoderar-se da tradição dos oprimidos.

    Estou me referindo especificamente aos processos históricos envolvendo os povos indígenas no Brasil e as dinâmicas sociais acerca da sua contemporaneidade.

    Tanto a história, como a antropologia, tem uma certa dificuldade em conferir aos povos indígenas a atualidade necessária e a capacidade de agenciamento nos fatos históricos. Parece mesmo ponto comum que o conhecimento do passado colabora para o entendimento do presente, mas, como lidar com a recente mobilização de povos indígenas que utilizam justamente o presente para elaborar o passado? Em fins dos anos 1970, a lista de povos considerados extintos era vasta e incluía alguns que hoje representam as maiores formas de enfrentamento e luta indígena no Brasil contemporâneo. São inegáveis o genocídio e as constantes ameaças às existências de povos, afinal, presenciamos isso até os dias atuais. Frequentemente escutamos falar de povos ameaçados, ou do último sobrevivente de determinado povo. Contudo, o que queremos destacar aqui é que a linearidade da história e suas determinações podem ser frequentemente surpreendidas com os imponderáveis da dinâmica social, especialmente quando a ela estão associadas questões como terra e pertencimento.

    Nos primeiros anos da década de 1970, intelectuais, historiadores e até mesmo antropólogos não tinham dúvidas sobre a extinção completa da população indígena na Bahia, ou da sua transformação em massa camponesa. Contudo, na região norte do estado, uma importante viagem ao Rio de Janeiro, nos anos 1940, liderada pelo capitão indígena João Gomes, fez o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) criar o Posto Indígena Rodelas. Em 1951, foi criado o Posto Indígena Kiriri para assistência dos Kiriri e Kaimbé. Já no princípio da década de 1970, o contato com uma aldeia isolada no extremo-sul da Bahia, evidencia a presença dos Pataxó nesse contexto. De modo que no início dos anos de 1980, a Bahia já contava com o reconhecimento de 6 povos indígenas e o desenrolar de toda uma rede de relações indígenas, que já era constante entre os povos da região norte - Tuxá, Kiriri, Kaimbé e Pankararé -, que passava a contar com os povos da região sul, representados, naquele momento, por Pataxó e Pataxó Hãhãhai. O número de povos foi gradativamente aumentado graças a uma complexa, ativa e criativa circulação política, ritual e de parentesco entre comunidades, que foram redefinindo etnônimos, territórios e a própria escrita da história da Bahia. Não nos deve causar estranhamento, ou desconfiança, se um etnônimo de um povo atual não corresponde à exatidão daquele que encontramos nos documentos históricos. Não estranhemos se a reivindicação territorial de determinado povo não confere exatamente ao que está nos registros de cronistas, jesuítas, naturalistas ou príncipes. A violência dos processos históricos, na maior parte das vezes, não permite que povos se refaçam, mas, se eles se refazem, o fazem em seus próprios termos, com seus agenciamentos políticos, com suas memórias, ajudando assim a reescrever a história.

    Quando escrevi o prefácio da primeira edição deste livro, a pauta naquele momento era a crescente entrada de indígenas nas graduações e pós-graduações do país, e ainda a necessidade de material de qualidade que fosse subsídio a professoras e professores no cumprimento da lei 11.645/2008. Hoje, passados sete anos, já colhemos os frutos da produção indígena na universidade ao mesmo tempo em que presenciamos a continuidade dos processos de revitalização da memória, reescrita da história e incremento da diversidade sociocultural na Bahia. Naquele prefácio, registrei a existência de 20 povos indígenas no estado, localizados em quase todas as regiões da Bahia. Seria impossível publicar uma segunda edição do livro sem atualizar os leitores sobre os incríveis dados de que contamos agora, em 2021. Segundo a Associação Nacional de Ação Indigenista – Anaí e o Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia - Mupoiba, a Bahia ampliou sua riqueza e diversidade socioculturais com a presença de 30 povos indígenas, situados em cerca de 70 territórios, agora já em todas as regiões do estado. Porém, um dado se repete: a grande maioria segue ainda sem territórios demarcados ou, quando demarcados, insuficientes e invadidos. Casos emblemáticos de processos de regularização de territórios, que já o eram naquele período, caso do povo Tupinambá e do povo Pataxó, seguem indefinidos.

    O Índio na História da Bahia nunca poderá ser congelado, fixo, imutável.

    Jurema Machado de Andrade Souza

    Cachoeira, Bahia.

    Capítulo 1

    Velhos e Novos Desafios da História Indígena no Brasil

    Francisco Cancela

    O ponto de partida para a reflexão sobre a temática indígena será um pequeno relato de um episódio que vivenciei como observador. Não se trata obviamente de nenhum fato histórico de grande relevância; no entanto, representa uma importante evidência sobre a visão que a sociedade brasileira possui da história e da cultura dos povos indígenas. Como um exercício didático, vou descrever este acontecimento para costurar o argumento central deste capítulo.

    O episódio aconteceu na aldeia Pataxó de Coroa Vermelha, no município de Santa Cruz Cabrália, localizado no Extremo Sul da Bahia. Essa aldeia é uma das mais importantes comunidades indígenas do Nordeste, pois possui uma das maiores concentrações demográficas da região, sendo a mais populosa povoação indígena do Estado da Bahia (IBGE, 2010). Esta aldeia também é bastante conhecida por possuir um singular capital simbólico, uma vez que está assentada no sítio em que teria aportado a esquadra de Pedro Álvares Cabral em 1500, dando início à conquista e colonização do território que hoje conhecemos como Brasil. Por fim, deve-se registrar que Coroa Vermelha se transformou em ponto de referência na difusão de um novo modelo de sobrevivência econômica dos índios Pataxó, pautado na produção e na comercialização do artesanato, aproveitando os milhares de turistas que visitam anualmente a região chamada atualmente de Costa do Descobrimento (Cf. GRÜNEWALD, 2001).

    O calendário marcava dia 14 de março de 2008. A aldeia de Coroa Vermelha estava preparada para receber um grande evento esportivo organizado por um canal fechado da televisão brasileira. Tratava-se do projeto Caravana do Esporte, que busca difundir os princípios da qualidade de vida, cooperação e intercâmbio cultural através do incentivo a práticas esportivas. Como representante de uma organização não governamental indigenista, fui escalado para acompanhar o desenvolvimento da atividade.

    Ao chegar à aldeia, percebi que o evento sofreria algum atraso. Para passar o tempo, resolvi caminhar pelas ruas de Coroa Vermelha, com a curiosidade peculiar de um pesquisador. Não muito distante, passei a observar as famílias indígenas que começavam a montar suas barracas de artesanato, admirando aquela rotina laboral que aliava tradição e, ao mesmo tempo, inovação. Foi nesse momento que me deparei com um grupo de turistas que também passeava pelos mesmos caminhos. De longe, comecei a observar o estranhamento deles, que pareciam procurar algo naquelas ruas e barracas.

    Curiosos para encontrar de imediato os índios do Descobrimento, os turistas demonstravam certa frustração ao percorrer a aldeia. De um lado, pareciam estar desolados por que as barracas estavam quase todas fechadas naquelas primeiras horas da manhã, o que inviabilizava a realização da compra de lembranças e o contato direto com a cultura material daqueles primeiros habitantes do Brasil. Do outro, externavam perplexidade porque não conseguiam nenhum contato com um índio de carne e osso, frustrando o tão esperado encontro romântico e épico com um passado bastante distante deles.

    Impacientes, se dirigiram a um homem que varria o chão de uma das cabanas e perguntaram: Senhor, a que horas os índios estarão aqui?. De forma inusitada, o homem que vestia calça jeans e blusa com propaganda comercial respondeu: Já estamos aqui. Esperem um pouco que estamos arrumando as mercadorias para abrir a loja. Inconformados e insistentes, os turistas replicaram: Não, moço. Queremos ver os índios de verdade. Que horas eles chegarão?. Pacientemente, e, certamente, já acostumado com tal comportamento, o rapaz novamente respondeu: Vocês estão diante de um índio Pataxó e, até que me provem o contrário, sou de verdade!.

    A atitude desse grupo de turistas evidencia uma visão bastante preconceituosa e profundamente equivocada que, em geral, a sociedade brasileira possui sobre a cultura e a história dos povos indígenas. A maliciosa pergunta sobre os índios de verdade revela não apenas a existência de um tipo idealizado de ser indígena, como também demonstra a ausência de compreensão histórica dos processos de transformações culturais vividos por esses grupos ao longo dos séculos de violento contato com o mundo Ocidental. De norte a sul do país, o desconhecimento da história e a reprodução de uma concepção de cultura fixa, estável e imutável contribui para a permanência de ideias e práticas pessimistas, negativas e violentas contra as populações indígenas.

    Não é possível compreender a questão indígena no Brasil sem antes problematizar a permanência desse tipo de visão que a

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