Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Macro-Jê: língua, cultura e reflexões
Macro-Jê: língua, cultura e reflexões
Macro-Jê: língua, cultura e reflexões
E-book624 páginas7 horas

Macro-Jê: língua, cultura e reflexões

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Este trabalho pertence ao debate, em Ciências Humanas, da língua e da cultura das populações indígenas, nascido no VIII Encontro Macro-Jê. Não está, no entanto, limitado apenas aos estudiosos desse tronco linguístico, mas faze parte de um contexto maior: a questão indígena no Brasil.
A cultura e as línguas dos povos indígenas aparecem nesta obra de forma a ampliar a compreensão da própria identidade do povo brasileiro. Não são sempre ideias apaziguadoras que estão em jogo, mas fatos polêmicos, realidades escamoteadas pela história oficial, categoria de análise descabida e tantas outras dificuldades encontradas na construção da memória brasileira.
Privilegiamos o enfoque científico no quadro das humanidades – Antropologia, Linguística, Pedagogia, História e outras disciplinas – que dê voz à diferença por meio da presença de pesquisadores indígenas que constroem um outro olhar para as Ciências Humanas no Brasil.
IdiomaPortuguês
EditoraEDUEL
Data de lançamento11 de nov. de 2020
ISBN9786558320012
Macro-Jê: língua, cultura e reflexões

Relacionado a Macro-Jê

Ebooks relacionados

Linguística para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Macro-Jê

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Macro-Jê - EDUEL

    AUTORES

    PREFÁCIO

    É com imensa alegria e gratidão que aceitei o desafiador convite para prefaciar esta importante coletânea Macro-Jê: língua, cultura e reflexões, organizada por Marcelo Silveira, Maria José Guerra e Ludoviko dos Santos. Trata-se de desafio, primeiro porque não sou falante e membro Macro-Jê (sou membro Arawak), segundo porque não sou linguista ou estudioso das culturas e línguas Macro-Jê. Aceitei o desafio por acreditar que, mesmo diante das nossas distinções culturais e linguísticas, fazemos parte de um mesmo processo histórico de dominação e tentativas de extermínio de nossos povos e cuja responsabilidade de superação dessa trágica história recente deve ser coletiva, conjunta, portanto, de todos nós, a partir de uma única trincheira de luta, de resistência pela vida, pela dignidade e pelas nossas existências. Se nossos desafios são os mesmos, então nossas estratégias de defesa e luta precisam ser igualmente as mesmas em todos os cantos do país e do mundo. São as nossas identidades próprias que nos orgulham, mas também nos aproximam e nos fortalecem diante do mesmo oppressor, que primeiro quer eliminar essas nossas identidades, para, uma vez sem identidade, nos tornarmos índios genéricos e, então, sermos declarados brasileiros genéricos, sem identidade e sem referência histórico-existencial, sem território, sem língua, sem cultura própria.

    Nossas culturas, tradições, línguas, territórios e sistemas de conhecimentos próprios são nosso orgulho, força e razão de nossas existências; ao contrário do não indígena brasileiro, que não tem língua própria, por isso teve que emprestar a língua dos portugueses europeus, e não possuem cultura e sistema de conhecimento próprios, por isso tiveram que emprestar e juntar culturas e conhecimentos de outros povos, de indígenas, de africanos, de europeus, de asiáticos para formar a chamada cultura brasileira. Também esses não têm território, por isso o tempo todo estão querendo usurpar nossos territórios ancestrais, dados a nós pelo criador do universo desde os primórdios da humanidade do mundo.

    A organização da obra durante o ano de 2019 ganha relevância ímpar por ser o Ano Internacional das Línguas Indígenas, declarada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) com objetivo de ampliar a conscientização sobre a necessidade urgente de preservar, revitalizar e promover as línguas indígenas no mundo. Esta obra atende plenamente o chamado da Unesco e nos brinda com estudos, pesquisas e reflexões altamente qualificadas e socialmente relevantes, que, sem dúvida, contribuem para dar visibilidade ao tema e para defesa e promoção das línguas indígenas e de outros direitos dos povos indígenas. A Unesco nos chama atenção sobre a situação muito preocupante das línguas indígenas no mundo e principalmente no Brasil. Estimativas indicam que no mundo existem hoje entre 5000 e 6000 línguas faladas. No Brasil, das mais de 1300 línguas indígenas faladas à época da conquista europeia, apenas 180 línguas ainda estão sendo faladas. Todas essas 180 línguas indígenas ainda faladas estão sob forte ameaça de extinção, sendo que 15 das mais ameaçadas contam com menos de cinco falantes. O número de falantes indica o grau de risco de extinção. A média de número de falantes de línguas indígenas no Brasil é de 250 pessoas para cada língua, uma média muito baixa, razão pela qual todas podem ser consideradas ameaçadas de extinção.

    Para os povos indígenas suas línguas não apenas identificam sua origem ancestral, cultural, territorial ou participação em uma determinada comunidade étnica ou linguística; elas principalmente representam, carregam e promovem valores éticos de seus ancestrais, seus sistemas de conhecimentos, suas visões de mundo, suas cosmologias, suas ontologias, suas epistemologias. É somente por meio de palavras, conceitos e narrativas de uma determinada língua indígena que podemos apreender e conhecer as cosmovisões, pensamentos, valores, significados existenciais de um povo. Uma língua indígena, portanto, expressa, organiza e dá sentido à existência pessoal, grupal e cósmica da vida.

    A obra ganha relevância sociopolítica ainda maior considerando os tempos adversos e preocupantes que os povos indígenas estão atravessando no Brasil no tocante aos ataques e às violências sistemáticos aos seus direitos, à sua dignidade e à sua existência, enquanto povos étnica, cultural e linguisticamente diferenciados. Tais ataques e violências são estimulados e patrocinados pelo próprio Estado por meio de governos. Essa perseguição aos direitos e à existência dos povos indígenas faz parte de um projeto político e econômico que considera os povos indígenas como empecilho para o desenvolvimento econômico do país e, por isso, precisam ser eliminados o quanto antes, seja por meio do extermínio físico ou por meio do extermínio cultural, mais conhecido como integracionismo ou assimilacionismo cultural. Uma vez exterminados ou alijados de seus territórios tradicionais, estes territórios serão entregues aos agentes econômicos do agronegócio, às empresas de mineração, às empresas madeireiras para sua exploração e destruição.

    A preservação das línguas indígenas é uma das formas mais eficientes de preservação das culturas, tradições e saberes indígenas e, em consequência, a garantia de direitos. Assim, um dos direitos mais importantes conquistados nos últimos anos pelos povos indígenas é o uso livre e permanente de suas línguas, inclusive como língua de ensino na escola. Enquanto os povos indígenas continuarem falando suas línguas ancestrais no dia a dia, será mais difícil para o Estado efetivar seu projeto colonial de extermínio. Durante os quase 520 anos de dominação colonial, os colonizadores sempre perseguiram as línguas indígenas, proibindo, desqualificando-as como línguas atrasadas, dialetos, gírias, pois sabiam que a consumação dos seus projetos de extermínio ou de assimilação cultural dependiam do esquecimento ou do abandono de suas línguas e, com elas, o abandono de todo o conjunto de sistemas sociais, culturais, espirituais, materiais, cosmológicos, ontológicos e epistemológicos que forma a base da existência sociocósmica de um povo.

    Nesse cenário preocupante dos direitos indígenas, uma obra como esta, com resultados de estudos e pesquisas sobre diferentes questões que envolvem as distintas realidades indígenas no Brasil, representa uma ferramenta político-pedagógica importante, ao dar visibilidade aos povos indígenas, em particular às línguas indígenas. O mundo acadêmico, mesmo com sua diversidade e antagonismos de pensamentos, é um espaço privilegiado de irradiação de informação, formação e de conhecimentos capazes de diminuir as profundas assimetrias nas relações sociopolíticas da sociedade que vitimam os segmentos minoritários e mais vulneráveis, como são os povos indígenas. A abrangência temática das pesquisas envolvendo línguas, culturas, educação e artes, a partir das lentes da linguística, da antropologia, da história e da educação, revela a riqueza interpretativa e interdisciplinar dos trabalhos que compõem a obra, muito salutar em contraposição à tendência histórica de disciplinaridade e uniformidade homogeneizantes ainda dominantes em nossa sociedade.

    A linguística moderna, com seu dinamismo teórico-prático e metodológico, tem sido importante para arejar os campos de produção de conhecimentos sobre as línguas e culturas indígenas e suas aplicações práticas no cotidiano das atividades acadêmicas e, mais ainda, no cotidiano das lutas do povos indígenas por seus direitos. Tal dinamismo analítico é reforçado, ampliado e enriquecido pela presença, participação e vigilância dos primeiros linguistas, antropólogos, historiadores, arqueólogos, pedagogos e educadores indígenas no Brasil. Com os pesquisadores indígenas espera-se maior qualidade e legitimidade das pesquisas, e que seus resultados venham ampliar nosso conhecimento sobre os povos indígenas, sobretudo para a defesa dos direitos indígenas, principalmente quanto ao território, uma vez que as experiências acumuladas indicam que tais dimensões são essenciais para o reconhecimento das terras indígenas e de outros direitos sociais e culturais. Oriundos de culturas integrais (não disciplinares) e não coloniais (pensamentos pré-coloniais), os pesquisadores indígenas tendem a desenvolver estudos e pesquisas interdisciplinares ou transdisciplinares ou, até mesmo, intercientíficas, estimulando os pesquisadores não indígenas a reverem suas práticas pedagógicas e políticas e forçando, quem sabe, uma revisão profunda e histórica das bases racionais, filosóficas, cosmológicas, ontológicas e epistemológicas, não para negá-las, mas para relativizá-las, abrindo espaços e horizontes para outras racionalidades, cosmologias e visões de mundos, pressupostos necessários para a sonhada interculturalidade ou intercientificidade.

    Os estudos e pesquisas que compõem esta obra dão conta, em primeira mão, da riqueza e dos avanços no campo dos conhecimentos sobre os distintos mundos indígenas Macro-Jê, que podem ajudar no processo crescente da autoestima das gerações atuais de indígenas e no combate à ignorância da sociedade dominante, inclusive do mundo acadêmico, sobre os povos indígenas. Neste sentido, destaco alguns aspectos teórico-metodológicos inovadores que norteiam as narrativas.

    O primeiro aspecto refere-se à percepção de que as questões indígenas não podem ser tratadas de forma fragmentária e disciplinarmente. As narrativas, ao abordarem aspectos das línguas e culturas indígenas, estão tratando de todas as demais dimensões constitutivas das vidas e das existências indígenas, como o território, a cultura, a tradição, a educação, a saúde e assim por diante. Isso porque cada língua indígena está relacionada direta e intrinsecamente à visão de mundo que estrutura e organiza o sistema cosmológico, ontológico e epistemológico de cada povo. Uma língua indígena se constitui e se estrutura em base a uma visão de mundo, ou seja, uma língua indígena expressa uma visão de mundo em um determinado espaço social, histórico, temporal e racional. É dessa perspectiva que se afirma uma língua indígena como um dos mais importantes sinais diacríticos de identidade e de existência de uma pessoa ou de um povo indígena.

    Disso resulta o segundo aspecto das análises apresentadas: o da dinamicidade das estruturas, funcionalidades e organicidades das línguas e das culturas indígenas de um modo geral. Na medida em que as referências da vida social, ancestral, histórica – passado e presente – vão se atualizando e acompanhando a dinâmica da vida real intraétnica e interétnica, que na prática se traduzem em novas formas de vida, de pensamento e de existências, as estruturas e funções da línguas também se atualizam, se aperfeiçoam, se complementam, se superam. A predominância quase absoluta da oralidade no uso das línguas indígenas entre os povos indígenas acompanha e estimula essa dinamicidade da vida social indígena e das próprias línguas. Isso explica a dificuldade em gramaticalizar e ou escriturar essas línguas, do ponto de vista das normas e técnicas, embora toda a importância estratégica dos registros e sistematizações para fins de memória sócio-histórica. Daí todo cuidado que se deve ter ao gramaticalizar e escrever uma língua indígena, a fim de não engessá-la e empobrecê-la, e com isso sua função primordial de expressar a vida na sua dinamicidade real não seja perdida. Essas funções primordiais – simbólicas e práticas – de uma língua indígena são fundamentais para sua valorização prática ou, em outras palavras, para que a língua seja falada pelo grupo linguístico.

    O terceiro aspecto que destaco dos estudos sobre as línguas e culturas indígenas refere-se à dimensão ético-política, uma vez que as línguas e culturas indígenas representam a maximização das autonomias e alteridades dos povos indígenas. As línguas indígenas faladas elevam o grau simbólico e prático não apenas em termos de identidade específica, mas sobretudo uma identidade própria, particular, única de um povo. Identidade, autonomia e alteridade de um determinado povo fundamentam e sustentam sua relação consigo mesmas, com o outro semelhante, com a natureza, com mundo e com a vida. Um povo que já não fala sua língua própria ou que sofreu perdas consideráveis de elementos de sua cultura, em geral, apresenta visões e relações diferentes com o território ou com a natureza menos intensos, menos profundos e mais vulneráveis diante de influências naturais ou artificiais. Isso acontece porque, sem a língua ou com a cultura enfraquecida, os sistemas de conhecimentos, as visões de mundo e os sistemas de organização da vida estão fragilizados, deixando as pessoas ou povos sem referências próprias.

    As referências identitárias, tais como a língua, a cultura e o território, além de outras, são essenciais para a existência das pessoas e dos grupos em qualquer tempo e espaço. O trabalho de Odair Vedovato representa bem essa importância ao narrar e testemunhar o trabalho seminal de resgate de mitos registrados há mais de 80 anos por um antropólogo norte-americano pelo povo Xokleng/Laklãnõ em busca de uma ressignificação da própria existência sócio-histórica do povo, a partir de saberes ancestrais recuperados, não para reviver o passado, mas para repensar o futuro a partir de experiências vividas. Muitos povos indígenas no Brasil estão buscando esse resgate de memórias históricas, sobretudo no resgate de línguas indígenas; em muitos casos inclusive de apropriação de outras línguas indígenas ainda faladas, no caso de povos impossibilitados de reaprendizagem de suas línguas tradicionais, que foram extintas e não há registro delas e nem presença de algum falante.

    Outro aspecto extremamente importante e preocupante, abordado por alguns trabalhos, diz respeito às aceleradas perdas culturais ou desestruturações sociais observadas entre os povos indígenas estudados nos tempos atuais, que impacta diretamente no vigor das línguas indígenas. Fica claro que a nova onda de ataque e desvalorização das culturas e línguas indígenas vem das igrejas, principalmente das chamadas igrejas neopentecostais, que vêm invadindo e se multiplicando assustadoramente nas aldeias indígenas, e que são acolhidas sob o discurso de em nome de Deus e das obras sociais, mas que, no fundo, estão atrás das almas dos índios, que em outra palavra significa dizer conversão dos índios. Conversão esta que significa o índio abandonar suas culturas, seus saberes e suas espiritualidades tradicionais, suas línguas, seus rituais e seus modos de vida. É a continuidade ampliada do projeto de assimilação dos índios, que na prática significa perda cultural, perda de direitos e grave ameaça à existência étnica, cultural e linguística dos povos indígenas. Nesses casos, a resistência indígena fica mais difícil porque o inimigo é invisível ou visível apenas no plano da fé e das necessidades básicas materiais das pessoas e grupos em situações de profunda vulnerabilidade social e material.

    Último aspecto que quero destacar é o aspecto paradigmático da obra na medida em que quebra de forma mais frontal, embora às vezes de forma implícita nas narrativas, a hegemonia do pensamento colonial eurocêntrico sobre os povos indígenas, no âmbito das ciências sociais, e mais especificamente no campo da linguística. Os organizadores, Marcelo Silveira, Maria José Guerra e Ludoviko dos Santos, deixam isso claro no introdução do livro, ao destacarem as vozes de autores e sujeitos não coloniais presentes nos trabalhos, seja como autores ou como sujeitos de informação e de processos políticos de resistência e luta. Os novos olhares e vozes indicam um possível novo horizonte para a academia eurocêntrica e uma sociedade menos colonizante frente aos povos indígenas. Nesse sentido, o papel dos novos pesquisadores indígenas é grande e desafiador, mas, somados às novas posturas, atitudes e visões das novas gerações de pesquisadores não indígenas – linguistas, antropólogos, historiadores, arqueólogos, educadores –, podem construir novos rumos mais otimistas e promissores para os povos indígenas e para a humanidade, na sua diversidade cultural, linguística e existencial, assim como para a Academia, que, no Brasil, também passa por perseguição, desvalorização e desmonte sem precedentes.

    Por fim, destaco que os trabalhos aqui reunidos são para mim a prova inconteste da riqueza, do valor e da complexidade dos sistemas e modos de vida dos povos originários das Américas. Os trabalhos detalham, explicitam, fundamentam e demonstram didática, técnica e epistemologicamente o maior equívoco e crime de racismo da sociologia e da antropologia colonial que em seus primórdios qualificaram e mitificaram os povos indígenas como sociedades simples, ou seja, sociedades inferiores ou atrasadas. A ideia de sociedades simples como referência e característica básica das culturas indígenas é utilizada até hoje, e principalmente hoje, para desqualificar os povos indígenas como atrasados, selvagens ou animais de zoológicos, empecilhos para o progresso e para o desenvolvimento e tantas outras formas de discriminação, preconceito e racismo que assolam os povos indígenas desde o início da colonização.

    Os trabalhos apresentam uma enorme riqueza e sofisticação sociocultural, cognitiva, filosófica, epistemológica e civilizacional dos povos indígenas, a partir de seus sistemas culturais, sistemas de conhecimentos e sistemas linguísticos vigentes. Não se trata de saberes e valores do passado, mas do presente desses povos, que estão vivos e preparados para o futuro, seja qual for ele. Nesse sentido, a obra se constitui como um poderoso instrumento de descolonização e de afirmação categórica das autonomias e alteridades indígenas e que não precisam de esmolas existenciais e civilizacionais do Estado, mas de respeito e garantia de seus direitos, de suas existências e de seus modos de vida. É a partir dessas riquezas civilizacionais próprias acumuladas que os povos indígenas querem continuar contribuindo com o Brasil, com a humanidade e com o planeta, aliás, como sempre fizeram. O atual vocabulário português falado no Brasil apresenta um leque grande e importante de contribuições das línguas e dos conceitos indígenas, tais como: nomes de pessoas, de lugares, de cidades, de ruas, de bairros, de alimentos, de rios etc.

    Por fim, não poderia, de forma alguma, deixar de destacar a merecida homenagem ao digno professor Aryon Rodrigues, pela vida que dedicou aos estudos sobre as línguas indígenas no Brasil e com quem tive a honra de compartilhar por inúmeras vezes mesas de palestras e debates pelo Brasil afora sempre relacionadas às temáticas indígenas, prestada de forma subliminar pela professora Ana Suelly e pela obra, como um dos pioneiros e mais competentes estudiosos no campo. Sua dedicação, compromisso e sensibilidade com as questões indígenas devem nos inspirar e nos encorajar na continuidade de seus sonhos: um Brasil plural, étnica, cultural e linguisticamente.

    Prof. Dr. Gersem Baniwa

    Universidade Federal do Amazonas

    MACRO-JÊ: LÍNGUA, CULTURA E REFLEXÕES

    Apresentamos a antropólogos, a linguistas, a pedagogos, a sociólogos e a todos aqueles que estão envolvidos com a questão dos povos indígenas no Brasil uma publicação que pretende olhar essa questão com os olhos da diversidade. Sejam quais forem os contornos que essa questão assuma, seja qual for o modelo teórico e as dimensões do objeto que se ergam a partir dele, pretendemos aqui contemplar, dentro do possível, as múltiplas nuances de nossa questão central. Temos, neste nosso trabalho, a presença de estudos em torno do tronco linguístico Macro-Jê, trazendo contribuições de diversas perspectivas que compõem o campo das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Traçamos um quadro geral a partir da interdisciplinaridade, essencial às Ciências Humanas.

    Nosso trabalho, dentro dessa proposta, pesquisa as populações do tronco linguístico Macro-Jê no Brasil como um objeto múltiplo, com faces significativas que, ao mesmo tempo, se completam e se antepõem. Elaboramos um livro cujo objetivo primeiro é contemplar a diversidade, a pluralidade de perspectivas. Interessa-nos a visão interdisciplinar da questão Macro-Jê, sobretudo o enfoque plural, fazendo conviver ideias nem sempre contratuais, porém complementares, quando se tem em vista as múltiplas determinações de nosso objeto.

    Os trabalhos aqui reunidos mostram que nossa pesquisa científica alcançou resultados profícuos em várias direções do campo das Ciências Humanas, porém o que chama mais atenção é o sujeito pesquisador. O ponto de vista do pesquisador agora é outro. Não há apenas a voz do cientista branco, criado na tradição ocidental; há uma outra voz e um outro olhar – como vai nos lembrar a professora Vanessa Lea neste livro. Trata-se, agora, do ponto de vista do sujeito pesquisador Kaingang, Xokleng; é a voz das etnias que começa a constituir esse novo e múltiplo olhar acadêmico. Assim, nossos artigos aqui trazem não somente o olhar europeu, global, herdeiro da racionalidade ocidental, mas trazem também, antropofagicamente, essa racionalidade híbrida, bilíngue, trilíngue; um olhar científico multicultural. Os artigos de Carl Liwies Gakran, Isabel Prestes da Fonseca, Damaris Kanĩnsãnh Felisbino e Selia Fágtẽ Ferreira Juvêncio marcam essa presença fundamental das diversas etnias, compondo o nosso olhar científico. Sublinhamos a presença da pesquisadora Isabel Prestes da Fonseca, que confirma a necessidade de uma perspectiva multiétnica e multicultural para a compreensão do complexo panorama das línguas indígenas no Brasil. A pesquisadora da etnia Munduruku (família Munduruku, tronco Tupi) confirma o olhar da diversidade intrínseca na constituição dos povos indígenas no Brasil. A diferença é sempre bem-vinda, amplia nosso olhar e nos faz enfrentar conflitos no entendimento de uma unidade que é assegurada pela diversidade.

    Esta pesquisa aqui reunida tem origem na primavera de 2016, no norte do Paraná, quando a Universidade Estadual de Londrina teve o prazer de abrigar o VIII Encontro Macro-Jê, que reuniu linguistas, antropólogos, pedagogos, historiadores e, desse modo, foi palco de um debate bastante enriquecedor sobre questões relevantes para a análise de problemas relativos aos povos indígenas brasileiros. Toda essa reflexão é agora apresentada aqui, tomando corpo nas reflexões que os artigos desta publicação nos mostram.

    A perspectiva metodológica de nossos artigos foi alvo de atenção para que a pluralidade de perspectivas fosse também respeitada. Procuramos aqui contemplar não apenas a pesquisa voltada para a dimensão gramatical propriamente dita, mas ampliar os horizontes para uma visão mais abrangente, voltada também para o vasto campo das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

    A HISTÓRIA

    Este livro tem início com a apresentação da professora Ana Suelly Arruda Câmara Cabral, da Universidade de Brasília, que nos leva a uma reflexão indispensável quando se trata do estudo das línguas dos povos indígenas no Brasil: a reflexão sobre a contribuição deixada pelo Prof. Aryon Dall’Igna Rodrigues. Um livro sobre as línguas filiadas ao tronco Macro-Jê não poderia, jamais, deixar de lado o trabalho pioneiro daquele que, dentre outros trabalhos decisivos, elaborou e desenvolveu a hipótese da constituição de um tronco linguístico Macro-Jê, fundamental para a compreensão das relações históricas entre as línguas que compõem esse agrupamento genético.

    O professor Aryon D. Rodrigues inicia os estudos comparando o Guarani Antigo com o Tupinambá, abrindo, de forma sólida, os estudos contemporâneos das questões etnolinguísticas brasileira. Ana Suelly Arruda Câmara Cabral faz uma explanação clara do percurso científico de Rodrigues, a partir do que se delineou as balizas da própria pesquisa linguística no Brasil. Rodrigues deixa uma valiosa herança para os estudos da linguagem, para o estudo descritivo, tipológico e histórico-comparativo das línguas indígenas brasileiras, e para a documentação dessas línguas e aplicação desse conhecimento em benefício das comunidades falantes dessas línguas.

    O artigo de Ana Suelly Arruda Câmara Cabral nos leva a conhecer essa origem dos trabalhos científicos sobre etnolinguística feitos no Brasil e, desse modo, prepara o caminho para nossa abordagem da dimensão gramatical do enunciado, que é contemplada pelos artigos que discutem aspectos sintáticos, morfológicos e fonológicos de línguas do tronco Macro-Jê.

    Os primeiros trabalhos apresentados, neste nosso livro, nos proporcionam uma visão macro, tomando a perspectiva linguística de modo abrangente, dialogando com os limites históricos e indo além de uma linguística do enunciado, na qual há a preocupação com os limites estritos da descrição gramatical. É precisamente esse o diálogo entre a perspectiva macro e a perspectiva micro, entre o sistema gramatical propriamente dito e a inserção geral da língua em um contexto de dimensões sociais e culturais mais totalizante: discutir os limites, a confluência e a divergência de caminhos. Enfim, procuramos apresentar ao leitor um panorama variado de abordagens para que assim seja possível oferecer um pouco das complexas dimensões de nosso objeto.

    Prosseguindo essa parte inicial de introdução do leitor no universo dos trabalhos sobre o tronco Macro-Jê, temos a oportuna contribuição do Prof. Dr. Lúcio Tadeu Mota, da Universidade Estadual de Maringá. Mota nos expõe o percurso histórico dos povos Kaingang ao longo da Bacia do Rio Tibagi, dando um panorama não somente dos fatos históricos que envolveram essa trajetória, mas também da construção da identidade do povo Kaingang como sujeitos históricos. Mostra-nos que, apesar das tentativas de dominação por parte da expansão colonial e de um processo histórico assimétrico e desigual, os povos indígenas defenderam fortemente os territórios e mantiveram formas culturais próprias, portando-se enquanto populações diferenciadas em relação à sociedade envolvente.

    Explica-nos ainda que a reflexão aqui empreendida se ancora nos pressupostos da etno-história feita a partir da matriz norte-americana, discutida desde a Conferência de História Indígena de Columbus, em Ohio, EUA, em 1953. Prossegue explicitando que essa perspectiva leva em conta um tratamento interdisciplinar que combina fontes com dados históricos, etnográficos, arqueológicos, linguísticos, ambientais, dentre outros, agrega as tradições orais e os etnoconhecimentos dos povos nativos e se propõe a uma análise integrada do passado das populações indígenas.

    Essa abordagem deixa clara a preocupação interdisciplinar de nosso trabalho. As difíceis relações entre o geral e o particular, o micro e o macro, em Ciências Humanas, nos fazem assumir aqui os conflitos da interdisciplinaridade e permitir que olhares convergentes e divergentes convivam em torno do mesmo objeto.

    Lucio Tadeu Mota ressalta que a compreensão histórica deve envolver as múltiplas relações sociais, políticas, antropológicas, econômicas e linguísticas. O autor destaca, ainda, sob toda a descrição histórica e antropológica dos Kaingang, a identidade constituída dessa etnia como negociadores e mesmo guerreiros prontos a defender o traço étnico próprio da comunidade.

    Seguindo essas considerações, apresentamos artigos direcionados pelo descritivismo linguístico. É oportuno aqui não deixar de lado alguns aspectos metodológicos relevantes. Desde a primeira metade do século passado, já havia sido despertada no campo da linguística uma série de ideias que acabaram por traçar uma multiplicidade de caminhos e abriram uma série de linguísticas, de teorias e métodos. Temos, dentre tantos, e isso nos interessando de perto, os linguistas do funcionalismo da Escola de Praga; os linguistas do descritivismo americano de Bloomfield e Harris; e, já no pós-guerra, a influência dos britânicos de Oxford – John Langshaw Austin – e de Cambridge – Ludwig Wittgenstein – com a decisiva contribuição da pragmática, incorporando-a irreversivelmente ao funcionalismo americano. É, especialmente, nessa perspectiva herdeira do funcionalismo descritivista norte-americano que está situada boa parte dos trabalhos desenvolvidos nos últimos cinquenta anos pela etnolinguística brasileira.

    Esta publicação pretende apontar outras abordagens, contemplando não apenas artigos científicos dentro dos padrões e normas impostos pelo gênero da ciência; tentamos ir um pouco adiante com a voz dos próprios sujeitos da enunciação Kaingang, Xokleng, tecendo o discurso multicultural. Procuramos também incorporar trabalhos de linhas teóricas com perspectivas diversas do habitual funcionalismo pragmático.

    Nessa direção, apresentamos a sessão mais gramatical de nosso livro, ou melhor, a sessão que contempla a linguística descritiva. Para melhor ordenar as abordagens, agrupamos os artigos pelo tratamento das etnias. Temos, dessa forma, os estudos sobre Guató (família Guató), Maxakalí (família Maxakalí), Krahô, Suyá/Kĩsêdjê, Xokleng-Laklãnõ e Kaingang (família Jê).

    AS LÍNGUAS

    O artigo Marcas de contiguidade e não contiguidade na língua Guató, de Andérbio Márcio Silva Martins, aponta indícios de prefixos relacionais nessa língua, que são tomados como uma das propriedades gramaticais mais recorrentes em boa parte das línguas filiadas ao tronco Macro-Jê. O estudo de Martins é parte de sua tese de doutorado em que avaliou a hipótese levantada por Rodrigues (1986, 1999) de a língua Guató ser um membro do tronco Macro-Jê. Nesse trabalho, conforme o autor, foram encontrados novos indícios fonológicos, lexicais e morfossintáticos que favorecem a hipótese de Rodrigues (1986) de que a língua Guató constitui sozinha uma família linguística, a partir da comparação com línguas de diversas famílias linguísticas do tronco Macro-Jê, com base nos dados de Palácio (1984) e Postigo (2009).

    Entre as línguas Macro-Jê, a língua Guató difere substancialmente com respeito a certos traços tipológicos em relação com outros membros desse tronco, como a ordem em sintagmas genitivos, em que o núcleo precede o seu determinante, quando em outras línguas ocorre o inverso. Contudo, nas relações de posse e em sentenças transitivas, mesmo com objeto direto expresso, o núcleo é marcado pelo morfema i-, embora tenha sido interpretado como um caso de epêntese em análises anteriores, a fim de preservar o padrão silábico mais produtivo na língua, qual seja CV, como sugeriu Postigo (2009).

    A análise de Martins considera o morfema i- como marca de não contiguidade, de modo semelhante ao que é encontrado em línguas Macro-Jê, embora sua distribuição em classes temáticas difira em alguns aspectos, considerando a natureza lexical do tema, se nominal ou verbal. Conforme o autor, a função desse dispositivo morfológico é o de estabelecer dependência sintática entre o verbo transitivo e seu objeto não contíguo.

    Além desse morfema, é postulada também a existência do morfema -para marcar a contiguidade sintática do núcleo com respeito ao seu determinante. Mesmo que a língua Guató tenha sofrido rearranjos estruturais quanto à ordem [núcleo + determinante] é possível ainda encontrar nos dados disponíveis a ordem [determinante + núcleo]. Logo, o autor chega à conclusão de que Guató atualmente não possui um prefixo relacional, mas mantém um marcador de contiguidade sintática que corresponderia ao prefixo relacional identificado em outras línguas do tronco Macro-Jê.

    Andrey Nikulin, em seu artigo Algumas considerações sobre a fonologia do Proto-Maxakalí, inicia seu texto questionando a razão de reconstruir o Proto-Maxakalí e já responde dizendo que, antes de reconstruir o Proto-Macro-Jê, é necessário reconstruir as protolínguas intermediárias. O autor aponta alguns casos em que os dados das línguas Maxakalí extintas fornecem evidências relevantes para a reconstrução do Proto-Maxakalí, demonstrando assim a importância dos dados das línguas extintas da família Maxakalí para os estudos comparativos do tronco Macro-Jê. Assim, Nikulin passa a falar da família linguística Maxakalí (que correspondia aos atuais nordeste mineiro e sudeste baiano), distinguindo-a em: (1) Maxakalí, (2) Makoní, (3) Pataxó, (4) Pataxó Hãhãhãe e (5) Malalí.

    Em seguida, o autor faz considerações a respeito das fontes que o auxiliaram na pesquisa, citando as seguintes listas: de Nimuendajú (1939), de Anônimo, de Eschwege, de St. Hilaire, de von Neuwied, de Pickering (1961), de Scheibe (1957), de Azevedo (1963), de Bahetá (1982), de Martius, de St. Hilaire, relacionadas às cinco variedades mencionadas. Assim, o autor passa a falar sobre as mudanças sonoras que teriam acontecido na história do Maxakalí, iniciando pelos onset e partindo para as vogais; assim, ao falar sobre os ataques complexos do Proto-Maxakalí, o autor dá exemplos de raízes do Proto-Macro-Jê reconstruídas com um ataque complexo, para depois tratar das correspondências diversas do fonema *C do Pré-Maxakali com a língua Pataxó Hãhãhãe e Malalí.

    Enfim, Nikulin demonstra como os dados de baixa qualidade de línguas extintas da família Maxakalí permitem alcançar um entendimento melhor dos processos envolvidos na história da língua Maxakalí, o que pode contribuir para a reconstrução sistemática do Proto-Maxakalí, assim como, por sua vez, para a reconstrução do Proto-Macro-Jê.

    O artigo seguinte parte da pesquisa de doutorado de Mário André Coelho da Silva, intitula-se Um novo olhar sobre as formas longas e curtas em nomes no Maxakalí e dá continuidade aos estudos da língua Maxakalí deste livro. Essa língua, que é a única sobrevivente da família Maxakalí, é nativa de praticamente todos os aproximadamente 2000 indígenas dessa etnia, das quatro aldeias, localizadas nordeste de Minas Gerais, e aparentemente sem variação dialetal. Em seguida, o autor apresenta o inventário fonológico consonantal e vocálico do Maxakalí, que conta com dez consoantes (cinco oclusivas desvozeadas, quatro oclusivas vozeadas ~ nasais e uma fricativa) e dez vogais (cinco orais e cinco nasais de igual valor).

    O acento lexical da língua recai sempre na última sílaba da palavra, e a estrutura silábica máxima é /CCVC/, e não /CVC/ como descrito em pesquisas anteriores. Esses dois aspectos da língua são os principais para a análise da problemática das formas longas e curtas em nomes, presentes também em verbos e demonstrativos. O autor caminha em direção de concluir que a forma subjacente não é a forma longa, como tem se visto na literatura, mas a forma curta. Em seguida, o autor argumenta sincronicamente em favor de sua tese e o faz via léxico, morfologia, semântica, e fonética e fonologia. Por fim, são-nos apresentadas inconsistências da tese, mas que não se mostram fortes o suficiente para contrapô-la.

    A pesquisa demonstra, enfim, a importância de estudos diacrônicos para o entendimento do sistema sincrônico de línguas. A análise da alternância de formas permite constatar que a estrutura máxima da sílaba no Maxakalí é muito mais próxima de outras línguas do mesmo tronco, ao contrário do que é dito em trabalhos anteriores. E isso somente foi possível por meio da comparação entre línguas Macro-Jê.

    Para encerrar os estudos sobre o Maxakalí, temos o artigo de Silvia Siqueira Pereira, "Switch reference em Maxakalí", que apresenta como hipótese inicial o fato de essa língua exibir switch reference canônico, sinalizando o rastreamento de sujeitos em sentenças subordinadas, assim como não canônico, sinalizando o rastreamento de situações tópicas em orações coordenadas. O suporte teórico é a proposta de McKenzie (2012, 2015a, 2015b), e a Teoria Semântica de Situação (KRATZER, 1989, 2007).

    A autora explica que determinadas línguas exibem uma morfologia para correferência e outra para a não correferência de sujeitos em orações combinadas. Em Maxakalí, Switch Reference aparece em Orações Coordenadas Aditivas (em que tu indica mesmo sujeito e ha indica sujeitos diferentes) e Orações Subordinadas Finais (nũy indicando sujeitos iguais, e pu, sujeitos diferentes). Explica ainda que uma proposição pode ser verdadeira ou falsa dependendo do contexto sobre o qual ela é feita. Entende-se, assim, que a situação limita o significado de uma sentença e também está presente na estrutura da sentença. A situação abriga mundos, tempos (pontual ou período de tempo), eventos, espaços, indivíduos ou grupo de indivíduos.

    Foram levados em consideração aspectos da cultura Maxakalí, como hábitos, rituais, festas, roupas, músicas, comidas e o conhecimento de mundo dessa comunidade, por exemplo, localização geográfica de lugares frequentados pelos Maxakalí, problemas de saúde e sociopolíticos enfrentados pela comunidade.

    A análise dessa pesquisa em curso identificou que Switch Reference rastreia apenas sujeitos tanto em orações coordenadas quanto em orações subordinadas, além de haver a sinalização da situação-tópico nessa língua. O morfema ta analisado indica a mudança da situação-tópico tanto em orações coordenadas quanto em subordinadas.

    No artigo Verbos auxiliares em Krahô (Jê Setentrional), Maxwell Gomes Miranda descreve um conjunto constituído de verbos processuais e posicionais que funcionam, sintaticamente, como verbos auxiliares, com base na proposta de Heine (1993). O uso de construções oracionais com esses verbos é motivado para expressar e contrastar valores aspectuais, como progressivo, continuativo, ingressivo e terminativo, em situações discursivo-pragmáticas específicas. O autor mostra que o padrão oracional, do qual os verbos auxiliares são núcleo, é bastante consistente quanto a sua estrutura e função não só em Krahô, mas também em outras línguas Jê Setentrionais, como Apinajé, Kĩsêdjê (Suyá) e Xikrín (Mẽbêngôkre). Diferentemente dessas línguas, em Krahô, ao lado de outras variedades do conjunto dialetal Timbira, novas estratégias gramaticais para expressão de aspecto desenvolveram-se e coexistem com construções com verbos auxiliares.

    Ludoviko dos Santos, em seu artigo, Verbos de forma longa e nomes em Suyá, trata da eliminação de segmentos fonológicos, afetando principalmente a classe de verbos e nomes nessa língua, diferentemente da análise proposta por Guedes (1993) para o mesmo fenômeno, que o descreveu como um processo de reduplicação. A eliminação vocálica, em Suyá, de acordo com o autor, é um processo simples e muito abrangente, uma vez que se estende às principais classes de palavras, tanto nos casos de composição (sândi interno) quanto entre palavras (sândi externo) e pode ser reduzido à seguinte regra: palavras paroxítonas com sílaba final CV perdem a vogal final quando seguidas de qualquer elemento.

    Diferente da classe dos nomes, Santos demonstra que o processo de eliminação de segmentos fonológicos vocálicos e consonânticos afeta somente a classe dos verbos, o que pode ser tomado como um traço distintivo entre nomes e verbos em Suyá. O autor sugere que verbos de forma curta e longa estejam em distribuição complementar, visto que os primeiros ocorreriam como último elemento da oração, enquanto os segundos ocorreriam em orações negativas, no futuro e progressivas (SANTOS, 1997). Contudo, essa previsão não pode ser estendida a todos os casos condicionados, já que a ocorrência da forma curta do verbo, e não da forma longa, em alguns casos, pode ser explicada como uma proibição fonológica para sequência de duas consoantes em final de sílaba na língua Suyá, como nas situações em que envolve o morfema de tópico -na ~ -n.

    Outro ponto relevante da descrição e análise de Santos para os verbos de forma longa, em Suyá, é a possibilidade de tratar tais formas como nomes. O trabalho de Santos (1997) foi pioneiro ao demostrar que verbos de forma longa se comportam, sintaticamente, de modo semelhante à classe dos nomes, assumindo, portanto, funções argumentais.

    Em sequência, Odair Vedovato, com o artigo Em busca da língua ancestral: o Xokleng (Laklãnõ) em um mito registrado há 80 anos, recupera uma narrativa mítica coletada pelo antropólogo Jules Henry, que, até então, permaneceu inédita. A narrativa denomina-se His brother’s bones (Os ossos do irmão dele), que apresenta a versão original de Henry, acompanhada da transcrição fonética e glosas em inglês do autor, seguida pela escrita ortográfica adotada pelos Xokleng/Laklãnõ e, por último, a tradução em português. Conforme é sublinhado pelo autor deste trabalho, atualmente "mais de 50%

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1