Guia Incompleto, Desatualizado e Provisório para Estudantes Universitários
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Sobre este e-book
É um guia para estudantes universitários, mas pode ter utilidade para qualquer pessoa, em qualquer fase da vida. O essencial é aceitá-lo como um guia incompleto, pois trata somente dos temas de que gosto, desatualizado, porque foi escrito por um saudosista incorrigível, e provisório, já que só faz sentido enquanto não surgir outro melhor. O Autor, no Prefácio.
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Guia Incompleto, Desatualizado e Provisório para Estudantes Universitários - Giordano Bruno
PRIMEIRA PARTE - COMO REDIGIR A MISSÃO PESSOAL?
Como trabalham os detetives?
Um
grande detetive identifica pistas onde uma pessoa comum não enxerga nada. O segredo não está nas coisas, obviamente, mas nos olhos de quem vê.
O Dr. Watson tinha o hábito de celebrar o talento de seu companheiro, que podia descobrir indícios nos lugares menos prováveis. E o grande Sherlock explicava: Talvez eu tenha me exercitado para ver o que outras pessoas deixam passar.
Guilherme de Baskerville, personagem de Umberto Eco em O Nome da Rosa, também era conhecido por seu enorme poder de observação. No final de um longo percurso, ao encontrar o despenseiro da Abadia, acompanhado de um agitado punhado de monges e fâmulos
, deu prova definitiva de suas habilidades. Percebendo que estavam em busca do cavalo favorito do abade, disse, sem sequer ter visto o animal, o lugar onde se encontrava, a cor do pelo, a altura, o tamanho da cabeça, a largura das orelhas, o formato dos cascos, o tipo de galope e, para surpresa de todos, até mesmo o nome do fugitivo. Quando seu companheiro pediu que explicasse a façanha, a resposta foi a seguinte: Meu bom Adso, durante toda a viagem tenho te ensinado a reconhecer os traços com que nos fala o mundo como um grande livro.
Observar, identificar traços, descobrir pistas, eis o trabalho de um detetive. Mas o que isso tem a ver com vocação, carreira, planejamento pessoal? Tudo, absolutamente. E eu explico.
É extremamente difícil encontrar alguém que saiba com clareza o tipo de atividade que deseja fazer, o verdadeiro chamado, o seu lugar no mundo. Na maioria dos casos, as pessoas ou não têm consciência da pergunta ou não sabem como respondê-la. Daí o valor de identificar pequenas pistas. Por isso, nos próximos tópicos, pretendo sugerir uma série de exercícios para ajudar nesse trabalho de investigação. Aos leitores, naturalmente, caberá a tarefa de treinar os olhos para ver.
Qual o tamanho do seu mundo?
Ant
es de avançar, precisamos descobrir quais são as dimensões do nosso campo de investigação. Dito de outro modo, será necessário um esforço para identificar qual é, afinal, o tamanho do mundo em que habitamos. A boa notícia é que parece possível resumir as alternativas a apenas duas. Mas a notícia ruim é que os habitantes desses diferentes territórios não estão acostumados a dialogar.
Sem o propósito de criar polêmica, C. S. Lewis começa o seu belíssimo Milagres com a seguinte distinção:
Alguns acreditam que não existe nada além da Natureza. Chamo essas pessoas Naturalistas. Outros julgam que além da Natureza existe algo mais. Denomino-os Sobrenaturalistas.
Um pouco mais adiante, com a clareza habitual, o autor de As Crônicas de Nárnia oferece as seguintes explicações adicionais:
O Naturalista acredita que um grande processo de formação
existe por conta própria
no espaço e no tempo e que não existe nada além disso. O que chamamos coisas e acontecimentos específicos são apenas partes nas quais analisamos o grande processo em determinados momentos e locais no espaço. A essa realidade única e total ele chama Natureza. O Sobrenaturalista acredita que uma Coisa existe por conta própria e produziu a estrutura do espaço, do tempo e da progressão dos acontecimentos sistematicamente interligados que os preenche. Ele chama Natureza a essa estrutura e a esse preenchimento. Ela pode ou não ser a única realidade que a Coisa Inicial produziu. É possível que haja outros sistemas além daquele a que chamamos Natureza.
Assim, deve ficar claro que, para os naturalistas, as pistas para a descoberta da vocação somente podem ser encontradas nos limites da Natureza, uma vez que toda a realidade se esgota em seu interior, enquanto que, para os sobrenaturalistas, as pistas podem estar para além da Natureza ou podem ter sido nela dispostas por aquela Realidade Última de que tudo deriva.
Trocando em miúdos, um ateu e um cristão, por exemplo, ficariam inevitavelmente constrangidos a buscar estratégias diferentes para descobrir o tipo de atividade a que se dedicar. Vocação, para o primeiro, não poderia se referir a Deus, em cuja existência não acredita, mas apenas aos próprios desejos e aptidões. Para o segundo, vocação poderia ser entendida como uma espécie de convite feito por Deus.
Aliás, esse tipo de distinção parece nos conduzir a uma outra pergunta, que pretendo analisar no tópico seguinte.
De todo modo, algumas ideias podem ser úteis para naturalistas e sobrenaturalistas e, conforme espero, podem até ajudar no diálogo respeitoso e alegre entre pessoas com diferentes formas de ver o mundo.
D
escobrir ou inventar o sentido da vida?
Em relação ao sentido da existência humana, talvez seja bom começar com três possibilidades teóricas. Na primeira, acredita-se que simplesmente não há qualquer sentido e que são igualmente vãs as tentativas de descobri-lo ou criá-lo. Na segunda, acredita-se que o sentido da vida é criação humana, individual ou coletiva, mas necessariamente humana, podendo variar, portanto, no tempo e no espaço. Na terceira, acredita-se que a vida tem um sentido verdadeiro, cabendo aos seres humanos apenas descobri-lo.
A primeira linha de pensamento, embora pareça elegante, não costuma se realizar na prática. Afirmar que a vida não tem sentido é mais fácil do que viver como se ela, de fato, não tivesse. Mesmo que não saibam ou não queiram articular em palavras, todos vivem em busca de algo, todos se organizam a partir de certos valores, todos possuem alguma ideia de vida boa, todos sabem reconhecer quando perdem algo precioso.
Assim, parece razoável resumir a controvérsia a dois campos: o dos que pensam que o sentido da vida é criado e o dos que pensam que o sentido da vida é descoberto.
No primeiro, a liberdade pode não ser total, pois, de alguma forma, todos percebemos que uns caminhos são melhores que outros. Acharíamos estranho que nos dissessem, por exemplo, que os pais não devem corrigir os filhos pequenos, que os filhos não devem cuidar dos pais na velhice, que as pessoas saudáveis não devem ajudar a prover o próprio sustento, que os enfermos não devem receber cuidados especiais ou que as promessas não devem ser cumpridas. Certas realidades parecem excessivamente estáveis e se colocam fora dos domínios da vontade humana. Mesmo para quem acredita no poder de criar um sentido original para a vida, há limites difíceis de transpor, desde que não se abdique de níveis elementares de saúde mental e de harmonia na convivência entre pessoas.
Por outro lado, no segundo campo, a liberdade pode não estar completamente ausente, pois, mesmo havendo um sentido último para as coisas, a visão humana só o poderia alcançar de modo parcial, deixando amplo espaço para escolher o que fazer e como fazer.
De todo modo, seja para criar um sentido que organize a vida, seja para descobrir, as pistas podem ser úteis.
No primeiro caso, para revelar o que toca mais intensamente o coração ou pode satisfazer às necessidades mais profundas. No segundo, para ajudar nos processos de busca e discernimento.
Por isso, indicarei exercícios que ajudam a pensar no sentido da vida ou, de modo mais simples, nas ideias de vocação, trabalho e carreira.
Qual era o seu sonho de criança?
Meu
pai é um típico torcedor do Clube Atlético Mineiro. Nunca desiste de nada. Não se importa com sofrimento. E tem explicação para qualquer modalidade de fracasso esportivo. Se o time perde um jogo, diz que foi bom para o treinador sacar o lateral que não joga nada. Se perde o campeonato, diz que foi necessário para a diretoria demitir o treinador que não tem visão de jogo. Se desperdiça uma temporada inteira, diz que foi importante para eleger uma diretoria mais comprometida.
Para ele, foi difícil aceitar que o filho torcia pelo Flamengo, o grande adversário daqueles gloriosos anos 80. Eu costumo indicar três culpados. O primeiro é a Rede Globo que, para aquelas bandas de Minas Gerais, só transmitia o Campeonato Carioca. O segundo é o Doutor Araújo, querido médico, que sempre começava as consultas dizendo: E o nosso Flamengo?
. Mas o motivo principal foi ter visto o Zico jogar. Tanto que até hoje tenho dificuldade de utilizar a palavra craque para me referir a outros atletas.
Quando criança, assim como a maioria dos meus amigos, eu queria ser jogador de futebol. Depois dos jogos, ficava rememorando os lances, lamentando os passes errados, saboreando novamente os dribles e as assistências. Sonhava com o dia em que entraria na Gávea. Imaginava a estreia com o Maracanã lotado. E planejava repetidas vezes o que diria na primeira entrevista. Era sempre algo mais ou menos assim: Agradeço a todos os que me incentivaram, mas principalmente à minha mãe, que nunca desistiu de mim, e também ao meu pai e ao tio Geraldo, que foram meus primeiros treinadores
.
A verdade é que tudo não passou de um sonho. Nunca cheguei a fazer teste em um time de verdade. Acho que o meu caso era mais de