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Mediação de conflitos em uma unidade de internação para adolescentes em conflito com a lei: uma perspectiva resultante de uma experiência real
Mediação de conflitos em uma unidade de internação para adolescentes em conflito com a lei: uma perspectiva resultante de uma experiência real
Mediação de conflitos em uma unidade de internação para adolescentes em conflito com a lei: uma perspectiva resultante de uma experiência real
E-book452 páginas5 horas

Mediação de conflitos em uma unidade de internação para adolescentes em conflito com a lei: uma perspectiva resultante de uma experiência real

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Sobre este e-book

Muito se fala em redução da maioridade penal. Muito se fala que "menor infrator não tem conserto". Mas quem acredita em tal assertiva já compareceu a uma unidade de internação, a fim de conhecer a história dos adolescentes lá internados? Conhecer a estrutura da unidade e a realidade dos funcionários do local? Há tempos, eu mesmo cheguei a proferir tais frases sem conhecer, sem vivenciar e experienciar essa realidade, que se tornou um dos maiores desafios que mudou a minha visão de mundo, e até mesmo a minha própria vida. Essa fantástica imersão culminou na elaboração desta obra, para que o leitor possa se permitir diversas reflexões sobre a temática e, até mesmo, rever suas percepções, muitas vezes distorcidas, a respeito da adolescência em conflito com a lei. Venha se desafiar!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de jul. de 2022
ISBN9786525248776
Mediação de conflitos em uma unidade de internação para adolescentes em conflito com a lei: uma perspectiva resultante de uma experiência real

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    Mediação de conflitos em uma unidade de internação para adolescentes em conflito com a lei - Anderson Pinheiro da Costa

    1. BREVE HISTÓRICO DO ATENDIMENTO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

    Contextualizar historicamente a forma como o Estado enxergava a criança e o adolescente pertencentes à classe social pobre, é crucial para compreender as razões pela qual hoje, ainda, muitos deles são considerados como ameaça a ordem social vigente, mesmo que esteja em vigência o paradigma da proteção integral, responsável por sustentar exatamente o oposto a esse pensamento retrógrado.

    1.1 A INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA NO BRASIL COLÔNIA

    As pessoas se divertiam com a criança pequena como com um animalzinho, um macaquinho impudico. Se ela morresse, então, como muitas vezes acontecia, alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois uma outra criança logo a substituiria. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato. (ARIÉS, 2014, p. 12).

    Para entender as bases normativas referentes à infância e à juventude que explicam a responsabilidade penal da criança e do adolescente, a história recorre a três doutrinas básicas: 1) a Doutrina do Direito Penal do Menor — também conhecida como indiferente penal ou doutrina menorista — que apregoava a não diferenciação no tratamento penal a ser dispensado a adultos e crianças; 2) a Doutrina da Situação Irregular, de caráter predominantemente assistencialista e repressor, que concebia a condição peculiar da criança e do adolescente como uma preocupação do Estado, percebendo-os com características e necessidades distintas das dos adultos; e 3) da Proteção Integral da Criança e do Adolescente, inspirada em normas internacionais emanadas principalmente da Organização das Nações Unidas, como a Declaração de Genebra de 1924, a Declaração Universal de Direitos do Homem de 1948, Pacto de São José da Costa Rica de 1960 e, especialmente, a Declaração Universal de Direitos da Criança de 1959. (LIMA, 2012).

    No período colonial, compreendido entre a colonização do Brasil até a chegada da Família Real, período em que a colônia foi preparada para receber a monarquia e boa parte da nobreza portuguesa, o afeto às crianças era algo praticamente ignorado (LIMA, 2012). Em tal período, a preocupação com a infância ficava a cargo da igreja que, por sua vez, realizava atos de amparo aos pequenos enjeitados por seus familiares, como sinônimo de caridade. (LIMA, 2012).

    Durante o período colonial, o Brasil assumiu como modelo legal o português, baseado nas Ordenações do Reino, mais especificamente as Filipinas⁴, sendo estas ordenações verdadeiras compilações jurídicas organizadas pelos monarcas da época (séculos XV, XVI e XVII), com o intuito de reunir em um só corpo legislativo as diversas leis e outras fontes do direito que, do ponto de vista do tratamento jurídico penal dispensado aos indivíduos que cometiam transgressões, não fazia qualquer distinção entre adultos, crianças e adolescentes. (SILVA, 2011).

    De acordo com as Ordenações Filipinas, a imputabilidade penal iniciava-se aos sete anos, eximindo-se o menor da pena de morte e concedendo-lhe redução da pena. Entre dezessete e vinte e um anos havia um sistema de jovem adulto, o qual poderia até mesmo ser condenado à morte, ou, dependendo de certas circunstâncias, ter sua pena diminuída. A imputabilidade penal plena ficava para os maiores de vinte e um anos, a quem se cominava, inclusive, a pena de morte para certos delitos. (SOARES, 2003, p. 258-259).

    Aos menores de dezesseis anos também não se impunha pena de morte, mas penas corporais e trabalhos forçados eram possíveis, podendo o juiz conceder aos menores infratores a redução da pena, conforme as circunstâncias do crime e condição peculiar do infrator (LIMA, 2012, p. 26). Para Silva (2011), eram condutas classificadas como crimes, pelas Ordenações, os comportamentos que a Igreja ditava como pecaminosos.

    Importante registrar que as penas incidiam a partir de uma análise de quem era o sujeito que havia praticado o crime, considerando o fato de que a sociedade colonial era hierarquicamente dividida, o que resultava em um tratamento diferenciado para cada categoria social, ou seja, os infratores de posições elevadas eram imunes a penas corporais, sendo castigados, em geral, com penas leves, já os de categoria social inferior eram submetidos a penas pesadas e humilhantes. (SILVA, 2014, p. 34).

    Para Aguirre (2009), o encarceramento, na época colonial, não era visto como uma espécie de pena, apesar da existência de cadeias, pois elas se destinavam apenas a abarcar presos que ficavam à disposição da justiça, à espera do término do julgamento a que estavam sujeitos ou a execução das penas a que estavam expostos.

    [...] as cadeias não eram instituições demasiadamente importantes dentro dos esquemas punitivos implementados pelas autoridades coloniais. Na maioria dos casos, tratava-se de meros lugares de detenção para suspeitos que estavam sendo julgados ou para delinquentes já condenados que aguardavam a execução da sentença. Os mecanismos coloniais de castigo e controle social não incluíam as prisões como um de seus principais elementos. [...] Localizadas em lugares fétidos e inseguros, a maioria das cadeias coloniais não mantinha sequer um registro dos detentos, das datas de entrada e saída, da categoria dos delitos e sentenças. [...] o encarceramento de delinquentes durante o período colonial foi uma prática social [...] destinada simplesmente a armazenar detentos, sem que se tenha implementado um regime punitivo institucional que buscasse a reforma dos delinquentes. (AGUIRRE, 2009, p.38-39).

    Conforme Rizzini (2011), apesar das Ordenações Filipinas não disciplinarem expressamente sobre o tipo de sanção imposta aos menores de sete anos que cometessem transgressões, crianças e adolescentes eram punidos de forma bastante severa, eis que, antes de 1830, não se ofertava tratamento diferenciado entre o infrator maior ou menor de idade.

    De acordo com Ramos (1999), a concepção de proteção e cuidado em relação à criança era inexistente, sendo os pequenos enxergados como animais que deveriam ter aproveitada sua força de trabalho enquanto durassem suas curtas vidas, considerando que a expectativa de vida das crianças portuguesas, entre os séculos XIV e XVIII, rondava os 14 anos, enquanto cerca da metade dos nascidos vivos morria antes de completar sete anos (RAMOS, 1999, p. 17). Para o autor, com a colonização no início do século XVI, o Brasil passou por um processo de povoamento no qual os imigrantes vinham com seus filhos e outras crianças, órfãs, que deveriam se casar com os súditos quando chegassem à Colônia (as chamadas órfãs do rei), e crianças pobres recrutadas pela Coroa Portuguesa, que serviriam como grumetes ou pajens. As crianças imigrantes vivenciavam uma difícil e cruel realidade, pois as dificuldades iniciavam-se ainda nas embarcações que os transportavam, deixando-as suscetíveis, além das penosas condições da viagem, a trabalhos forçados, punições e abusos sexuais por parte dos marujos e oficiais das embarcações. (RAMOS, 1999).

    A presença de mulheres era rara, e muitas vezes, proibida a bordo, e o próprio ambiente nas naus acabava por propiciar atos de sodomia que eram tolerados até pela Inquisição. Grumetes e pajens eram obrigados a aceitar abusos sexuais de marujos rudes e violentos. Crianças, mesmo acompanhadas dos pais, eram violadas por pedófilos e as órfãs tinham que ser guardadas e vigiadas cuidadosamente a fim de manterem-se virgens, pelo menos, até que chegassem à Colônia. (RAMOS, 1999, p. 16).

    Os grumetes, uma espécie de aprendizes de marinheiros, eram meninos entre nove e dezesseis anos, não raro com menor idade, submetidos às piores condições de vida, executando as tarefas mais perigosas e difíceis, além de receberem como comida uma ração (biscoito, água e carne salgada) de péssima qualidade, uma vez que o biscoito era bolorento, roído por baratas, a carne encontrava-se sempre em estado de decomposição e a água armazenada em barris de madeira, o que desencadeava uma série de doenças, além de, não raras vezes, recorrerem a ratos, baratas e pássaros para que pudessem se alimentar. (BUENO, 2015, p. 20).

    Detalhando esses horrores, Ramos (1999, p. 22) relata que:

    Visando enriquecer a dieta de bordo, os tripulantes tinham permissão para tentar pescar, mas estando sempre sobrecarregados pelos trabalhos diários e vigiados de perto pelo guardião, não sobrava tempo para que os grumetes tentassem desta forma melhorar suas refeições. Recorrer, então, aos muitos ratos e baratas era a única saída que lhes restava. Por vezes ainda, os grumetes tinham a sorte de algum cadáver exposto no convés servir-lhes de isca para captura de pássaros dos quais pudessem se alimentar. (RAMOS, 1999, p. 22).

    As famílias portuguesas procuravam alistar seus filhos como grumetes nos navios que iam para o Brasil e para a Índia, com o objetivo de, além de receber uma recompensa por parte da Coroa (parte do soldo a ser pago aos meninos era entregue às suas famílias), se livrar de uma boca para alimentar, ressaltando que, em geral, dada a falta de adultos, foram essas crianças que tripularam as caravelas quinhentistas. (RAMOS, 2010).

    Hierarquicamente, acima dos grumetes, apareciam os pajens, crianças da mesma faixa etária que recebiam um tratamento diferente do que era dispensado aos grumetes. Pela proximidade que tinham com os oficiais, a rotina desses meninos era menos árdua, pois executavam tarefas menos penosas, como servir à mesa dos oficiais, arrumar seus pertences e camas, além de exercer sobre os grumetes certa autoridade. Os pajens, diferente dos grumetes que recebiam chicotadas e todo o tipo de tratamento degradante, raramente eram castigados com severidade. (BUENO, 2015).

    Da mesma forma que os desafortunados grumetes, muitos dos pajens eram recrutados, também, entre famílias portuguesas pobres. Entretanto, na maioria dos casos, eles provinham de setores médios urbanos, de famílias protegidas pela nobreza ou de famílias da baixa nobreza, que viam na inserção dos filhos como pajens no contexto da expansão ultramarina uma forma de ascensão social. (RAMOS, 1999, p. 26).

    O soldo pago aos pajens era um pouco maior do que o pago aos grumetes, mas, menor do que era pago aos marinheiros. Entretanto, a proximidade que possuíam com os oficiais garantia aos pajens, além de proteção física e uma alimentação melhor do que a dada aos grumetes, eventuais gratificações. Todavia, tais vantagens não impediam que os pequenos pajens corressem os mesmos riscos de estupro e sevícias, mudando apenas a condição do algoz: em vez de marujos, oficiais. (RAMOS, 1999, p. 25).

    Em alguns casos, os oficiais faziam embarcar seus próprios parentes como pajens, sendo que, nessas situações, as crianças exerciam basicamente a função de aprendizes. Não era incomum o fato de alguns oficiais de patente mais alta, tais como capitães e pilotos, também embarcarem seus filhos, que ingressavam para aprender o ofício dos genitores. Essas crianças, apesar de não receberem soldo, possuíam alguns privilégios, como a não imposição de obrigações e deveres, além do trânsito livre nas embarcações, o que lhes colocava em uma situação intermediária entre a dos passageiros e a dos grumetes, por conta da vantajosa companhia emprestada por seus pais e parentes. (RAMOS, 1999).

    Enquanto os meninos pobres menores de 16 anos eram embarcados como grumetes e pajens nas naus portuguesas do século XVI, e alguns dos filhos dos oficiais, mesmo não sendo pajens, embarcavam simplesmente como acompanhantes de seus pais a fim de aprender seu ofício, as meninas órfãs de pai e pobres eram arrancadas à força de sua família e embarcadas sob a categoria de órfãs do Rei. (RAMOS, 1999, p. 26).

    Dada a falta de mulheres brancas nos novos domínios portugueses, a Coroa procurou reunir meninas pobres a partir de 14 anos de idade nos orfanatos de Lisboa e Porto, a fim de enviá-las principalmente à Índia, prática bastante comum a partir da segunda metade do século XVI. A essas meninas denominavam órfãs do Rei.

    Eram estranhamente consideradas como órfãs até mesmo as meninas que tinham apenas o pai falecido. Assim, podemos supor que existiu uma espécie de sequestro de meninas pobres, principalmente menores de 16 anos, em Portugal. [...] assim como várias órfãs foram enviadas à Índia, algumas teriam sido mandadas ao Brasil. Dentre essas, seriam preferidas as de idade inferior aos 17 anos, pois muitas das mulheres classificadas como órfãs do Rei, com idades superiores aos 18 anos, não passavam de prostitutas colocadas no orfanato pelos magistrados portugueses, a fim de livrar a sociedade das pecadoras. (RAMOS 1999, p. 27).

    Essas meninas, por diversas vezes, eram violentadas por marujos e oficiais, pois não dispunham de qualquer proteção nas embarcações, fato que contribuía para que religiosos que ingressavam nessas viagens não enxergassem com bons olhos o seu embarque, sobretudo quando menores de 18 anos, momento em que sua própria fragilidade física não permitia que se defendessem de eventuais ataques. (RAMOS, 1999, p.

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