O abominável homem das neves e outros contos
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Sobre este e-book
José Viana Filho
José Maria Soares Viana Filho é natural do Maranhão, da cidade de Santa Inês. Bacharel em Cinema e Administração de Empresas. O Abominável Homem de Neves é sua primeira publicação pela Litteris, como também, sua primeira imersão no gênero textual do conto. Possui ainda o romance Relicário de lembranças ainda não publicado.
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O abominável homem das neves e outros contos - José Viana Filho
José Viana Filho
O Abominável
Homem de Neves
e outros contos
LitterisCopyright© 2022 by José Viana Filho
Direitos em Língua Portuguesa reservados ao autor através da
LITTERIS® EDITORA.
ISBN: 978-65-5573-114-9 (versão digital)
ISBN: 978-65-5573-115-6 (versão impressa)
Revisão: José Mauro de Freitas
Diagramação: Cevolela Editions
Capa: Leonardo Dessantes
Editoria: Artur Rodrigues
Deucimar Cevolela
CIP - Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
LitterisLITTERIS® EDITORA LTDA
CNPJ 32.067.910/0001-88 - Insc. Estadual 83.581.948
Av. Marechal Floriano, 143 sala 805 - Centro
20080-005 - Rio de Janeiro - RJ
Tel: (21)2223-0030/ 2263-3141
E-mail: litteris@litteris.com.br
www.litteris.com.br /www.litteriseditora.com.br /www.livrarialitteris.com.br
Agradecimentos
Para professora Georgiana Viana Kosinski,
pelo apoio incondicional antes mesmo
dessa ideia de reunir os contos em livro,
como também, por suas análises críticas e sensatas.
Ao Sérgio Ronnie Brandão Ferreira,
pelo prefácio e por sugerir e vivenciar
algumas estórias desses contos.
Para minhas irmãs Vianas ,
leitoras assíduas e incentivadoras.
Para meu Pai, José Maria Viana
que rascunhou alguns argumentos e
liberou
memórias suas.
Para minha Mãe, Marly Viana;
que trouxe para minha jornada os rastros das suas
histórias e estórias de infância;
com os quais criei e reinventei personagens.
Para minha esposa Moiseane Rodrigues Tobias Viana,
que sabe os caminhos das minhas estórias em contos, poemas e romances; da mesma maneira que sabe os do meu coração.
Prefacio
Sérgi Roonie Brandão Ferreira©
Um poeta. Um escritor e contista. Um apaixonado por música. Um amante e um cinéfilo. Um enorme amigo e irmão que tenho. Tenho o maior prazer em falar e apresentar Jose Viana Filho e sua obra aqui escrita.
Amante de Martin Scorsese, já teceu grandes elogios ao grande diretor norte americano em sua monografia no curso de Cinema. Formado em Administração e Cinema, entretanto com uma alma de escritor sempre revelada pela incontida paixão, em elaborar histórias referenciais do que admira, gosta, viveu ou ouviu pela tradição oral de seus amigos e familiares.
Desde cedo notei a capacidade inerente dele,de se fazer irônico para melhor destilar certa dose de cinismo, com pitadas de humor em comentários junto a colegas. A vivência arguta e perspicaz sobressaia de antemão. Sempre foi uma consciência intelectual, sem parecer pedante e sempre me apresentou as melhores canções e autores dentro do universo literário contemporâneo, além de sermos amantes do cinema em grande profusão.
Natural de Santa Inês no Maranhão, a cidade aparece como um dos ambientes mais fortes em seus contos e de sua terra natal sai muito do seu jeito de falar e contar uma história. A criação e a educação familiar e escolar que teve, fez de Jose Viana Filho o indivíduo que admira artes como cinema, literatura. Poesia em maior profundidade, e que se encontra no conto como a forma mais liberta que usa para explorar seus temas em geral.
Seus contos são estórias do cotidiano e das pessoas que cercam seus familiares e o que lhe influencia. Jose Viana Filho, o meu grande amigo e irmão Jose Maria, para os íntimos; sabe contar um causo
, tem o ritmo da música pop e da mpb que envolve sua vida e sua família. Presume elencar suas obras usando referencias pop e rock com graça e ironia. Admiro o estilo que as narrativas lhe surgem e como as apresenta e dita: em sequência como um desenvolver literário, essencialmente, também, musical e singular.
Quem lê Jose Viana Filho, sente a batida rítmica de um conto ou texto que traz poesia do dia a dia, em conjunto com o respeito por temas do imaginário familiar, tradicionais e peculiares do nosso cotidiano: ora local e maranhense da gema, ora de uma identidade mais nacional e universal. O autor emerge com temas religiosos, familiares, maranhenses e cariocas, ideias sobre o pop e a música brasileira; cadenciando as narrativas sempre como um recheio deveras interessante, quase uma marca pessoal nítida.
Vejo em contos como Bonsucesso Mon Amour
ou historias tragicômicas herdadas quase de um realismo mágico local, cheio de maranhensidade típica; como no surpreendente conto do caboclo maranhense que se arvora de protetor do seu povoado, contra estupradores e pedófilos. Sendo ele defensor de uma religiosidade natural e acima da Igreja oficial da localidade. Gerando uma narrativa estilosa e incrível, na capacidade de mostrar e lidar com algo que fez parte real do cotidiano local nos anos passados, e que à primeira vista, parece ser algo violento e tão trágico que pontua o quanto pode ser medieval nosso Estado ou Nação.
Juntar temas resgatando o cotidiano da sua gente e da sua região, ao mesmo tempo que fala de narrativas totalmente ficcionais, ainda que, recheadas de pitadas do meio social em que vive e convive, acaba se revelando uma das principais maneiras dele criar e catalogar o seu modus operandi literário.
Um autor que ordena reminiscências de infância e de família e histórias que são reflexos de suas paixões musicais e literárias, esse é Jose Viana Filho na literatura.
©Sergio Brandao é professor. Bacharel em Cinema pela UNESA-RJ, Pós-graduado em Docência do Ensino Superior e em Tutoria de educação a distância pelo IESF.
Sumario
SEU ISAÍAS E O FIM DO MUNDO (Baseado em uma história real)
O ABOMINÁVEL HOMEM DE NEVES
DE TODAS AS MANEIRAS (ou A Loirinha da Duvivier)
MARIA DO VOVÔ
O SOTO-GARI MADUREIRA
SEU SANTOS
SÃO FRANCISCO MARGINAL
FUDAMENTAL É MESMO O AMOR
O RETRATISTA (ou Uma Pose Para Georgiana)
DIA 31 DE JULHO (ou Sucesso Em Qualquer Lugar)
O ANO EM QUE NÃO PECAMOS
JOÃO GOLINHA
A MULHER DO LAURO
A REVOLUÇÃO DAS PUTAS
ZEZÉ VIANA
MINHA DOCE RECEITA DE AMOR
ISAÍAS E O FIM DO MUNDO
(Baseado em uma história real)
"...Não gosto de palavra acostumada.
A minha diferença é sempre menos.
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora."
Manoel de Barros
1Capitulo I
A rua dos castrados
Não há quem se lembre, ou que pelo menos tenha dito em qualquer esquina, bar ou banco de praça. A cidade é muda e sem memória. Um baú de relicários esquecidos.
O fato é que, na década de 1950, essa cidade (que aqui não terá nome) tinha uma rua de homens castrados. Envoltos em luto e vergonha. Eram homens que se aventuraram em seduzir e prostituir meninas adolescentes; elas quase sempre acabavam grávidas e se viam vingadas por um grupo denominado Justiceiros de Deus
.
Os Justiceiros de Deus eram todos devotos da Igreja Católica, mais precisamente frequentadores da Catedral Metropolitana da Cidade, e assíduos trabalhadores da pastoral. Eram dizimistas, organizadores de festas, de quermesses e de toda ou qualquer organização que envolvesse a Igreja na Cidade. Eram sete, todos com mais de 40 anos e casados. Uns eram pais, outros, até avôs, e agiam com total ratificação de suas esposas.
Dizem, e não há qualquer comprovação desse relato, que foi a filha do fundador do grupo que engravidara de um dos seus peões da fazenda que motivou a criação do grupo. Outros já falam que foi quando a filha mais nova, de outro membro do falso prelado
interiorano, morreu de complicações do parto na Capital. O fato é que o maior entusiasta dos atos de violência, contra homens que sequer eram julgados pela Justiça, era seu Isaías.
Seus Isaías era mecânico autodidata, um dos melhores da região. De carros de passeios a conserto de ônibus, criou seus seis filhos com as mãos sujas de graxas e macacão cinza. Seus quatro filhos homens começaram cedo a ajudá-lo e, assim, a aprender o ofício, que levariam a ferro e a fogo para o sustento de suas futuras famílias.
Assíduo frequentador das missas matinais e devoto parceiro, quase um diácono, do padre João, seu Isaías foi um dos principais entusiastas da formação do grupo, e se dizia ungido para a missão que Deus reservara para ele: ser o juiz e fazer valer a sentença a todos os desonradores de adolescentes da Cidade.
Era dele a primeira casa doada para o desafortunado pecador castrado. Dele também a escolha do santo que abençoaria tais atos: São Bento de Núrsia, o monge italiano. A espetacularização do ato da castração ganhou tanto interesse da população, que há quem fale que o último castrado teve mais público que a Paixão de Cristo encenada nas ruas do centro da Cidade.
Seu Isaías era o principal divulgador dos atos de castração: usava sua surrada camionete para divulgar, pelas ruas do centro e bairros distantes, esses atos. Pode até não haver lembrança de nenhuma geração mais nova, ou os mais velhos se envergonham de falar que tais atos aconteciam, bem ali na Zona Rural de uma grande cidade do Maranhão.
Até o final de 1963, quando aconteceu o último caso de castração, foram 26 homens se dividindo em sete casas de alvenaria simples, ajudados com contribuições das pastorais da Cidade, como também por comerciantes e familiares.
Eram enclausurados e envergonhados pelas suas condições terem sido expostas a quase toda a Cidade. Eram homens mortos para a sociedade, quase monges devotos da vergonha. Padre João foi voto vencido, quando tentou argumentar para acabar com essa barbárie medieval da castração pública. A liga das mulheres e todas as carolas e misseiras avançaram
sobre o pároco, fazendo-o apenas usar um ou outro sermão para expor sua indignação. Seu Isaías, em resposta ao padre, fez um discurso longo e veemente no dia 21 de março de 1963 agradecendo a São Bento e a todos os justiceiros de Deus por terem, na visão dele, acabado com os crimes sexuais na Cidade.
Não há quem se lembre que aquela rua ― que ficava no final da Zona Rural e que à noite era contemplada com os sons do riacho e quedas d’água, como os ruídos de um roncador acompanhado da sinfonia de grilos, cigarras e sapos ― era também a rua em que se ouviam choros e gritos de homens humilhados e castrados.
Capitulo II
A Reforma da Igreja e o Lutero tupiniquim
Foram dois longos anos do começo da década de 1960 que fizeram seu Isaías ficar mais famoso. De juiz executor de castrados a praticamente um profeta do Cristianismo puro, ele era um mecânico anunciador do apocalipse. Mas não foi da noite para o dia; seus embates com o padre João e até com o bispo do Estado começaram após a diluição do seu falso prelado da ordem de São Bento.
Seu Isaías contra-atacou da forma mais veemente possível: questionou quase todos os atos e ações do padre João, expôs ideias mais radicais aos dogmas da Igreja Católica, propôs conteúdos que iam ao encontro do Concílio Vaticano II, o que lhe concedeu uma fama de reformista tupiniquim.
A paciência do padre João ia de encontro à pouca diplomacia de seus Isaías, que mais parecia um papa ao impor todas as suas definições ao reverendo da paróquia. Ele transitou por diversas áreas da pastoral, propondo, inclusive, mudanças no recolhimento do dízimo, implantação de votos de pobreza franciscanos, estudos da Bíblia com interpretações teatrais, cursos extensos para batismos e casamentos e a abolição definitiva dos leilões de frangos, porcos e carne de boi nas festas santas.
Não se sabe exatamente quando deixou de frequentar a igreja, as reuniões das pastorais e o terço de Nossa Senhora da Conceição, mas foi no ano de ١٩٦٤ que ele declarou não mais ser católico apostólico romano, mesmo com sua esposa, dona Maria do Bom Parto, e seus seis filhos jamais terem abandonado a paróquia e suas atividades e trabalhos semanais.
Foi no Natal de 1964 que seu Isaías começou a pregar o Evangelho e a fazer seus sermões, quase sempre com um olhar veemente e crítico contra a Igreja Católica, tendo, claro, o padre João como foco de seus discursos efusivos, virulentos e enfáticos. Dessa época também, temos relatos dos começos de suas visões sobre o fim do mundo. Misturando as descrições do apocalipse bíblico com visões do seu dia a dia da sua cidade, o Lutero tupiniquim fez crescer sua fama e presença de devotos no fundo do quintal de sua oficina.
Conforme sua fama de pastor foi crescendo, vieram, também, os adjetivos depreciativos: doido, maluco, beato do mal, pastor da desgraça e tantos outros adjetivos que seu Isaías ganhava e que envergonhavam todos os seus familiares e amigos. Há quem diga que seu rancor e ódio pelo fim do seu falso prelado de São Bento fora transformado em um objetivo para atacar a Igreja que tanto o acolheu.
Capitulo III
A arrecadação forçada e o começo do fim do mundo
Sempre às 22 horas de quarta-feira, uma rua da Zona Rural de uma cidade importante do interior do Maranhão se agitava com o fim do culto de seu Isaías. Seu terreno, que antes era usado para colocar os diversos carros e motos de sua reconhecida oficina, agora era um improvisado templo com cadeiras de ferro emprestadas pelo seu Zuza, conhecido dono do boteco do bairro, que, com fama de muquirana, justificou que era um investimento para assegurar seu lugar no Céu. Seu Zuza, com sua vasta barriga e sua fiel camisa colocada no seu ombro esquerdo, afirmava com toda veemência e fé que seu Isaías era um profeta tardio enviado por Deus.
Além das cadeiras, a mesa, as toalhas, as águas, assim como toda indumentária usada pelo profeta da Zona Rural, eram sempre doadas, recolhidas e lavadas pelas irmãs Brito, quatro carolas que abandonaram padre João para seguir o pastor Isaías.
A aglomeração se desfazia ao longo de pouco mais de uma hora e meia, e os quase 300 devotos eram unânimes ao pedirem que seu Isaías fizesse também os cultos aos domingos. O pastor sempre agradecia e logo afirmava que era necessário dinheiro, que não tinha um sistema de arrecadação criado e que