Dalua
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Dalua - João Da R.f. Neiva
DALUA
Ecos do Garimpo
João da R. F. Neiva
Copyright © João da Rocha Freitas Neiva
Todos os direitos reservados
Capa: Suria S. Neiva
Designer: Gian Felipe
Diagramação: Vivian Alamo
Ofereço este livro:
Aos meus pais (in memorian),
minhas filhas, Suria e Indra,
à minha esposa Maria Izilda
e aos
Garimpeiros de Lençóis.
Embora este livro tenha sido inspirado em fatos reais e nas histórias dos garimpeiros de Lençóis, os personagens e o enredo são de ficção, assim, qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas trata-se de mera coincidência.
Agradecimentos
José Ribeiro da Rocha
Bau
Vani
Damaré
Seo Anisio
Seo Germinio (in memorian)
Elson
Moreno (in memorian)
Mestre Oswaldo (in memorian)
e aos garimpeiros de Lençóis
PREFÁCIO À 1ª EDIÇÃO
A saga do garimpo de pedras preciosas nas Lavras Diamantina já desfruta, de há muito, de um lugar irrecusável no espaço da literatura brasileira, através de ensaios, romances, contos, crônicas e poesias, além de vários estudos especializados sobre o campo da geografia da geologia e da mineralogia.
Em realidade, porém, o gênero literário mais consagrado sobre o aventureirismo e a temerária ilusão da busca da riqueza fácil no ventre das terras alcantiladas na majestosa Chapada Diamantina é, sem dúvida, o romance, pela sua capacidade de abordagem dos costumes, das ambições, dos sacrifícios, das poucas alegrias e dos enormes desencantos decorrentes do trabalho árduo e da labuta rude e desigual entre o homem e a natureza.
Estas considerações vêm a propósito da leitura do livro do jornalista João da Rocha Freitas Neiva, intitulado Dalua-Ecos do Garimpo
, centrado na cidade de Lençóis, a velha e tradicional capital do diamante da Bahia, cenário de grandes acontecimentos históricos, políticos e econômicos que adormecem no tempo e começa a ressurgir como pólo fascinante de atividades turísticas, que vem atraindo consideráveis levas de pessoas nacionais e estrangeiras, ávidas de aventuras no seio da paisagem imensa, muita delas, todavia, corrompidas pelos tóxicos e pelas doenças transmissíveis pelo sexo.
O romance, em toda sua dimensão é simples e reflete a vida da população garimpeira.
Gravita em torno de personagens sem outras alternativas senão a serra, o rio e a gruna, em cujo ventre podem estar acumuladas montanhas de cascalho rico e, dentro dela, milhares de quilates de diamantes; mas, que sem dúvida, só a audácia dos bravos arrostando o perigo da morte consegue trazê-lo à superfície.
Interpretando com inteligência os anseios do garimpeiro, João da Rocha Freitas Neiva descreve, com excelente realismo, desde as esperanças do bambúrrio até o desencanto da fixação do preço aviltante da pedra pelo comprador, o capangueiro, em cujas mãos o miserável estrebucha, mas termina se entregando se regatear, vendo dolorosamente reduzidos, às proporções mais simples, todos os seus sonhos de assegurar à família uma condição humana mais condigna. Neste particular o autor coloca aos olhos e à consciência do leitor uma das feridas mais repugnantes da ordem social lavrista, onde o poder espoliativo se revela sem alma e sem entranhas.
Para quem conhece em profundidade o processo histórico da Civilização do Diamante nas Lavras da Bahia, sabe perfeitamente que o mesmo vem passando por uma radical transição entre os antigos métodos de operação manual e o atual sistema de dragagem, através de motores a sucção. Essa transição melhorou consideravelmente o sistema de enriquecimento dos patrões e acabou de desgraçar o estado de miserabilidade do garimpeiro em razão das novas relações de trabalho. Disso também se ocupa o autor, registrando um fato novo na literatura do garimpo.
Mas em meio de todo esse cenário de comovente realismo encontram-se igualmente, no universo dessa gente pobre, beirando à miséria, páginas de suave poesia e sensibilidade, como por exemplo, a do nascimento do filho do garimpeiro Gilbertinho com a moça Marilia que morre de infecção logo depois do parto.
Inspirado pela coincidência de ter pegado na gruna um lindo diamante exatamente no dia em o filho nasceu Gilbertinho deu-lhe o nome de Dalua, que apesar da beleza do nome, cresceu doente e órfão, tornando-se por ironia do destino um guia turístico, cujas oportunidades de contacto com jovens mulheres de outras terras, de outros costumes e de outros conceitos de moral e de existência, são muitas.
Dalua torna-se pois o personagem que marca a nova transição da vida da região e dos Lençóis, do garimpo em decadência para o turismo em ascensão. Desfruta, apesar de pobre e humilde, de doces oportunidades e apaixonantes experiências sexuais nos desvãos das serras e no encantamento das cachoeiras. Mas paga um alto preço por essas horas plenas de amor: vê-se degradado pelos tóxicos e infectado pela AIDS. E ao tomar consciência da herança maldita que lhe foi deixada por uma linda turista, foge da cidade e vai esperar a morte no ventre de uma velha gruna que era seu antigo refúgio, como o fugitivo de um mundo ingrato e desumano.
Walfrido Moraes
PREFÁCIO À 2ª EDIÇÃO
Quase 20 anos passados da primeira edição de Dalua –Ecos do Garimpo, e ao voltar à Chapada, me senti na obrigação de revisar e ampliar o livro para não deixar no esquecimento que vejo a respeito do garimpo. Depois da proibição, justa e protetora do meio ambiente, da exploração da preciosa pedra, o garimpo como que ficou como sendo uma maldição nestas lavras que deram origem a tanta história e, por que não, conformou a beleza da natureza tal como a vemos e também da arquitetura e da urbanização da região.
O garimpo e o garimpeiro principalmente estão cada vez mais esquecidos e mal vistos, mas isso é algo que não pode ocorrer, não se pode permitir. O garimpo de qualquer forma não morreu, pois ainda há os que, garimpeiros de serra
, continuam freqüentando as grunas, os poços esquecidos e faiscando aqui e acolá, seguem retirando da terra a riqueza mais bela que há, o diamante. Desde sempre, pessoas como o querido e inesquecível Mestre Oswaldo, o artista de muitas vertentes, Everaldo Soares Barbosa e eu sempre defendemos a inserção do garimpo e do garimpeiro na nova atividade, o Turismo. Mas isso não aconteceu, ainda.
E para não deixar que o esquecimento envolva totalmente a riqueza que o garimpo e o garimpeiro representam desde o ponto de vista histórico, econômico, cultural e social, decidi reeditar esse pequeno romance que retrata de maneira ficcional fatos da realidade da vida da lavra diamantina. Este livro trata exatamente disso dar a dimensão da importância do garimpo e do garimpeiro inserido na sociedade lençoense, não como objeto, mas como autor de uma das mais belas e tristes sagas do ser humano.
Ao mesmo tempo, pois é um livro que fixa um momento, o da passagem do garimpo ao turismo como atividade econômica preponderante, retrata a nova vertente da cidade, da qual haveria ainda muito a contar. Mas esse pode ser um novo episódio da novela da Chapada, cuja crepitante vida sempre é um borbulhar de novidades, de motivos inspiradores.
O autor
I
A névoa límpida paira etérea sobre a Chapada Diamantina como um brilho eterno. Um brilho tão intenso e fascinante que, como o diamante, ofusca história do povo que faz sua história. Nos meandros da cordilheira suas serras conformam vales para onde correm rios, riachos, ora em cachoeiras, quedas, corredeiras, ora por praias pedregosas ou arenosas.
Num desses vales, o dos cedros d’água, corre o rio S. José, que emprestou do santo o nome e as qualidades de trabalhador. Em seu leito, por mais de século milhares de trabalhadores seguiram sua rota, descobrindo-lhe os afluentes que descem a serra para formarem o Baixio, grande concentração de garimpos e garimpeiros, onde as águas começa a inundar os Marimbus, micro-região pantanosa de mais de 50 km².
O S. José avoluma-se com as águas ferruginosas do rio Lençóis , foco de tração, desde o século passado, de milhares de garimpeiros. Vieram por Mucugê, organizaram Lençóis, se espalharam pelas serras até o Ventura e mais adiante Jacobina e Santo Inácio.
No vale dos cedros, de Lençóis a Andaraí, não ficou recanto que não se cortasse. Ribeirão, Capivara, Roncador, Piçarras. Depois, la pelos lados do Santo Antonio da Cravada, Mosquito, Riacho do Mel, Estiva, mais de um século de gente chegando. Primeiro do Tijuco, em Minas Gerais, e do Recôncavo, depois de todos os lugares.
Nesses tempos epopéicos estas serras fantásticas chegaram a abrigar cerca de 150 mil almas andarilhas de aventura e escravidão apenas na região de Lençóis. Em mais uma das inúmeras demonstrações de pouca ou nenhuma consciência ecológica os donos de terras e