A Volta do Herói Sertanejo
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Sobre este e-book
Este livro retrata de maneira extremamente particular a vida de personagens sertanejos, com as suas alegrias e agruras, amores e traições, silêncios e espetáculos. Desde a idílica história que nomeia a obra, 'A Volta do Herói Sertanejo', ao pesaroso 'Crestados Corações', o autor tenta mergulhar na alma do homem nascido no sertão para então narrar a sua vida comum e os seus feitos. Talvez a vida comum do homem sertanejo traga maiores inquietações do que os seus feitos. É na simplicidade dos gestos, na pureza de espírito e na esperança nunca esmorecida que mora a força deste sujeito. É isso que as histórias procuram retratar, sem esconder as maldades e os vilões, as perfídias e os malfeitores. Este livro é mais um pedaço da colcha de retalhos de personagens icônicos; é mais um pedaço bonito e verossímil da vida no sertão, descrita por quem conhece o povo e o microcosmo desta região. Vale a pena conhecer cada história e se emocionar com cada uma delas.
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A Volta do Herói Sertanejo - Mailson Ramos
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A volta do herói sertanejo
MOCA Rocha contava dezoito anos quando deixou a cidade de Umburanas para servir à Marinha do Brasil. Era o segundo membro da família a fazer parte da Escola Naval. Por incentivo do Capitão de Fragata Magalhães Rocha, seu tio, ele se inscreveu e foi aprovado no concurso de admissão. Fez-se uma festa sem tamanho, finalizada com um jantar para cem convidados. Na ponta da mesa, diante de olhares que o devoravam, Moca foi saudado por comendadores e literatos, fazendeiros e grandes comerciantes. O rapaz de corpo esguio e expressão tímida era o orgulho dos pais.
A mãe, D. Diná de Castro, havia educado o filho de maneira rígida, tentando incutir em sua personalidade os melhores padrões de ética e moral; o comendador Rocha, seu pai, não era menos rigoroso; ele ensinou ao filho que existiam várias maneiras de vencer na vida, mas a principal delas seria alcançar o almirantado. Nas palavras do velho, a felicidade e o sucesso moravam no reconhecimento profissional.
Moca foi criado entre os mimos e privilégios de uma família rica que o preparou para ser um dos heróis da cidade. Havia em sua história um traço de conquista e reconhecimento que não podia ser desconsiderado. O seu trisavô fez parte da Revolução Acreana, em 1899. Era descendente dos mais ilustres políticos e pensadores da região, figuras notáveis homenageadas em monumentos e espaços públicos. A presença do seu sobrenome nas fachadas de escolas e centros comerciais fazia jus à importância da família e da tradição que ela ostentava com orgulho.
Quando o trem apitou prenunciando o momento da partida, Moca chorou. Filho unigênito, ele deixava os pais sozinhos e partia para uma empreitada pelo litoral do Brasil, nas fileiras da Marinha, onde lutaria para alcançar os melhores cargos e servir o país. As mocinhas o abraçaram entre risos e lágrimas, diante do mal irremediável da despedida. Elas deixavam escapar por entre os finos dedos de donzelas o mais belo pretendente.
E quando Moca se instalou em uma poltrona, no trem, as pessoas o saudaram com lenços brancos. A locomotiva ruminou o aço enferrujado de suas rodas sobre os trilhos. Andou para o futuro, engolindo os quilômetros do presente, mas deixando para trás um vívido passado. O poeta Benevides Fonseca, do alto dos seus quase dois metros, gritou para o público:
— Modesto Castro da Rocha! Que tu retornes para esta terra como um grande herói!
Os mais entusiasmados aplausos vieram dos pais. Eles estavam certos que o filho seria motivo de orgulho para a família e para a cidade de Umburanas. Partia para abraçar o futuro com as próprias mãos e ser um herói reconhecido por suas conquistas. Nada havia em seu caminho que não pudesse ser ultrapassado. Mesmo as barreiras mais dolorosas dos primeiros dias — como a saudade e a distância — seriam transpassadas diante da recompensa maior que era a construção de uma carreira promissora na Marinha.
As primeiras cartas de Moca, dirigidas aos pais, revelavam como havia sido o seu primeiro encontro com um navio. Ele se dizia impressionado com a tecnologia e que um capitão-tenente o havia recrutado para ser o seu secretário. O comendador Rocha não esperou a leitura completa da carta para alardear aos amigos que o filho pródigo iniciara com o pé direito a sua história na Marinha. O velho festejou com um jantar solene as boas novas enviadas pelo filho e, por ouvir os conselhos da ponderada D. Diná, desistiu de mandar soltar um par de rojões no terraço da casa.
A alegria estampada no olhar dos familiares seria um pouco mais cintilante quando, no mês seguinte, Moca enviou aos pais uma foto usando o tradicional uniforme branco de marinheiro, sentado diante de uma pilha de papéis, na mesa do capitão-tenente de quem era dedicado assessor. Ele parecia mais desinibido, tinha os olhos vívidos e os cabelos cuidadosamente cortados. O rosto voltado para a janelinha, onde imperava um azul típico do verão no litoral, era um rabisco perfeito do perfil de uma jovem promessa. Dizia nas cartas que outros oficiais superiores admiravam o seu trabalho, portanto, logo ocuparia um cargo mais proeminente.
Após os primeiros meses, Moca contou que havia realizado diferentes tarefas, todas elas administrativas, no Comando da Marinha. Comentavam que ele tinha aptidões para a matemática, mas não era uma negação ao redigir ofícios e memorandos. Disse que venceu um concurso de redação entre os cabos e foi elogiado pelo almirante de esquadra Epaminondas Domingos, quando da sua visita às instalações da base naval. Também relatava que era muito querido entre os oficiais de baixa patente, por sua disponibilidade de auxiliar aqueles que mais precisavam. Era dedicado sim, mas também sagaz. Um ano e meio após ingressar na Marinha, revelou aos pais que alcançara o posto de ajudante de ordens do almirante Domingos.
Quando o comendador Rocha e Dona Diná souberam da promoção, ficaram muito felizes. Moca estava definitivamente no cargo que merecia. Mas ele poderia crescer ainda mais. Diante da curiosidade em descobrir o futuro — e saber quando o filho ascenderia na carreira militar — Dona Diná subiu o Morro da Paciência para falar com uma cartomante. Mãe Luzia a recebeu numa manhã ensolarada de domingo.
— O que a senhora quer saber?
— Mãe Luzia sabe que a nossa família é formada por heróis. Primeiro eu queria saber se o meu filho ocupará um grande cargo na Marinha... E depois... O meu filho vai ser um herói?
A cartomante acendeu algumas varetas de incenso, fez algumas orações e cortou as cartas. Passou a dispô-las sobre a mesa lentamente, como se tivesse todo o tempo do mundo. Ela puxou três cartas. O mundo era o símbolo da primeira. A segunda, o imperador. E a terceira carta era a das três espadas.
— Ele já está no melhor posto. E será herói sim. Mas haverá desilusões e enganos nesta história. É tudo aquilo que posso dizer.
— Nada me interessa, além da confirmação de que Modesto será um herói, terá o seu nome marcado na história dessa cidade.
Dona Diná desceu o morro sem olhar para trás. Contou a boa nova ao comendador Rocha, que fez ouvidos moucos, enquanto escrevia um texto para o periódico de Umburanas. Cético, o velho não acreditava nessas coisas. Mais tarde, ele foi obrigado a rever as suas posições, quando Moca enviou uma carta dizendo que estaria a bordo de um novo navio, ao lado do almirante Domingos, em uma viagem da Bahia até o Rio de Janeiro. Ele seria o único suboficial a participar daquela viagem, por ordem do próprio almirante, que o apresentaria às autoridades da Marinha no Rio, ao desembarcar na base naval. "É possível que eu