O Fim Dos Velhos Tempos
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O Fim Dos Velhos Tempos - Georges Waisman
O fim dos velhos tempos
Uma História baseada em fatos mais ou menos reais
Georges Waisman
W143o Waisman, Georges, 1962 -
O fim dos velhos tempos / Georges Waisman. Santos, 2014. 81f.
1. Literatura brasileira. 2. ficção.
I. Título.
CDD – B869.3
CDU – 821.134.3
Sumário
Capítulo 1 – A família 5
Capítulo 2 – Joapé 21
Capítulo 3 – A Lagoa dos Bagres 28
Capítulo 4 – O sonho 32
Capítulo 5 – Aipodilândia 45
Capítulo 6 – O retorno 63
Para Márcia, Duda, JP e Rebeca
Capítulo 1 – A família
Aquela ideia fixa marcava-lhe a curta existência. Só sabia que precisava empinar pipas, soltar balões ou apenas contemplar um diabo de poeira subindo para sentir-se um pouco aliviado, mesmo que por breves instantes.
Nascera no vilarejo de Joapé, distante uns quinze quilômetros de Massarandú, longe de qualquer lugar importante. Não havia registro do ano, pois naquelas brenhas isso não importava muito. Os dias aguardavam as noites, as estações do ano traziam calor e frio, numa sucessão monótona que não alterava o destino de ninguém, já traçado, com hora marcada para acabar. Os filhos viviam como os pais que seguiram os avós e que não se lembravam mais como tudo começara.
Na falta de um nome mais adequado batizaram-no como João Aparecido do Nascimento Neto em homenagem ao avô paterno, mas só o conheciam como Juca de Naná, ou simplesmente Juca.
Encarnava a liberdade como poucos, andava com os pés descalços, trapizomba e a carapinha desgrenhada. Movia-se com malemolência dos malandros da beira do cais, projetando o peito para frente e as espáduas para traz. As pernas, ah as pernas.... Andava todo arreganhado com os braços pendurados parecendo pêndulos presos naquele tronco ossudo e bronzeado. De vez em quando, principalmente no meio dos homens ou dos garotos mais velhos, coçava as partes tentando exalar masculinidade, marcando assim o território como os cães. Banho só de chuva ou na lagoa, isso quando a curuba ficava muito forte.
Era o que se podia chamar de um ser natural, integrado à natureza, como os animais selvagens, as pedras, plantas e as águas dos rios.
Os dias claros, daqueles que encandeiam as vistas, provocavam-lhe uma imensa alegria, os olhos emanavam um brilho espelhado, as gargalhadas inundavam o ar, mexia com tudo e com todos. Quando chovia, curvava-se como uma velha árvore, sustentando com dificuldade o peso dos galhos ressecados e das gotas que encharcavam as folhas.
De temperamento irrequieto, tinha um bicho carpinteiro no corpo, como dizia a avó. Tudo o que fazia tinha um objetivo fixo, colher um mísero olhar de alegria do pai, nem que fosse de relance. Nonato mal esforçava-se para levantar as pestanas, alegando sempre cansaço, mesmo que em dias santos ou nos domingos. Por vezes dizia-se sem tempo, o que convenhamos por ali, havia de sobra. Homem prático e econômico nas palavras achava que o filho se entregava em excesso a coisas sem serventia. Maldizia os que sonhavam, que sorviam as pequenas coisas, que agiam por impulso movidos pela emoção.
O desprezo do pai provocava-lhe uma amargura sem fim, deixava-o amuado e retraído. O peito queimava e a garganta ficava seca. Achava-se o pior dos piores. Curava-se quase sempre escondido num canto qualquer, com a cabeça enfiada entre as pernas.
Com o passar do tempo percebeu que de nada adiantava aquele sofrimento resignado. Passou então a poupar seus sentimentos, agindo com indiferença, embora aquilo não lhe fosse espontâneo. Sabia que o problema não era seu, mas sim daquele homem bruto, que se tornara seco com as frustrações causadas pela vida. Os anos foram passando, até que a relação entre os dois se tornou quase que vazia.
Sentia-se bem quando a cabeça se enchia com alguma ideia luminosa. Uma vez bolou um jeito de prender pequenos Acarás pelas costas nos anzóis, deixando-os vivos por mais tempo para atrair peixes maiores. Antes de levar seu projeto a termo teve uma pequena crise de consciência, imaginando-se um sádico que torturava suas vítimas lentamente até matá-las. Neste caso era pior, pois os peixinhos tinham a ilusão de liberdade, nadavam em círculos, como se fossem cavalinhos de um carrossel mortal. Não gostava de judiar dos seres vivos, principalmente dos bichos com pouca sabedoria instintiva, mas precisava testar seu invento. Colocou-os presos nos vinte e cinco anzóis do espinhel, causando-lhes o menor sofrimento possível, para em seguida, ancorado numa pequena reentrância na margem da lagoa, aguardar a piracema trazida pela subida da maré.
Recolhidas as primeiras braças, com certa facilidade, a linha ficou retesada sugerindo que algum anzol tivesse se prendido numa pedra, ou na melhor das hipóteses, na boca de uma Arraia que se enterrara na lama do fundo. Essa impressão se desfez tão logo safanões brutais quase o arremessaram dentro d’água. Nunca havia sentido tamanha força vindo de