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Escravidão Cruel
Escravidão Cruel
Escravidão Cruel
E-book440 páginas6 horas

Escravidão Cruel

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Sobre este e-book

Caliu e muitos de seus amigos moradores da Vila do Mel ouviram, desconfiados, a animadora proposta de Edgar, oferecendo-lhes muitas vagas de emprego em uma grande propriedade rural. Todos em frente ao representante da fazenda, sentiam-se atraídos pelas palavras do moço, mas ao mesmo tempo, temiam ser enganados e escravizados, como se ouvia dizer de muitas ocorrências pelo Brasil afora. Afinal, acabaram sendo convencidos por ele e levados de ônibus para o norte do país. Quando chegaram ao local sofreram uma grande decepção; a surpresa foi enorme. A partir daquele momento, sentiram na pele o desgosto de terem partido de sua terra. Uma angústia terrível lhes invadiu, fazendo desaparecer toda alegria que os dominara durante toda a viagem. Passaram-se as semanas e meses. Caliu e seu amigo Justino, os mais revoltados, não aceitavam aquela forma humilhante com que eram tratados e, sempre que se viam longe dos olhos dos guaxebas, declaravam quanto desejavam sumir dali.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de jan. de 2018
Escravidão Cruel

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    Escravidão Cruel - Cláudio Liva

    capa.jpg

    Escravidão Cruel

    Cláudio Liva

    Capa: Dijansen Carlos Aureliano, Ulisses José Gomes Quirino

    Editoração: Ulisses José Gomes Quirino

    Revisão: Lúcia Lemos Ribeiro Penatti

    Todas as obras de Cláudio Liva estão disponíveis em sua página no Clube de Autores. Acesse: https://goo.gl/eVRVX2

    https://www.clubedeautores.com.br/

    Sumário

    7 Seminário para exportadores

    27 A Sedução do Gato

    38 O clima na fazenda Tijuco

    51 Surpresa desagradável

    80 Tortura e morte de aliciado

    91 Desmatar é o novo serviço dos aliciados

    102 A Taberna de Betinha

    111 Grande tristeza no acampamento central

    124 Preparando o caminho para a liberdade

    143 Quermesse na Viela

    157 Sofrimento da turma do abacaxi

    173 A preocupação do Juvêncio

    184 O perigo de traições

    194 Emboscada

    205 Tijuco enlouquecida

    219 Conspiradores aliviados

    228 O nome do remédio

    243 Tijuco em chamas

    257 Fuga pelo rio Arinos

    272 Nas mãos dos índios

    283 Fazenda contrata assassino profissional

    290 Nova aquiescência dos empreiteiros.

    295 Caliu em Goiânia

    309 Caliu encontra o irmão de Justino

    329 Deputado Tiguera muito irritado

    339 Prontos para a viagem

    349 Os vingadores chegam em Buritibana

    359 A vingança fatal

    372 De volta para casa

    Em memória de Pedro Antônio Quirino e Beatriz Madalena de Meira

    Seminário para exportadores

    Doutor Fermino saiu do avião com a mesma pressa dos demais passageiros. Sempre notara isso. Com raras exceções, os passageiros desembarcam e seguem em direção à saída, caminhando apressados, como se estivessem atrasados para alguma coisa.

    Era cedo. Brasília ainda estava acordando. Ganhou o túnel de desembarque, percorreu os corredores laterais do aeroporto, e saiu no saguão de entrada. Aguardou ali sua mala. Apanhou-a ao passar a sua frente e tomou a direção da saída. De longe viu o motorista do Deputado acenando-lhe. Foi em sua direção.

    – Bom dia, doutor!

    – Bom dia! – respondeu doutor Fermino.

    – Dá-me sua mala que eu a guardo. – falou o motorista.

    Em seguida, encaminharam-se em direção ao veículo. Ocuparam seus lugares e partiram para o centro da cidade. Uma hora depois, doutor Fermino, da janela de seu quarto no hotel, contemplava extasiado a Esplanada dos Ministérios. Nessa hora, tocou seu celular, retirou-o do bolso, colocou-o no ouvido, e assentiu com a cabeça.

    – Ótimo! Já vou descer. – respondeu.

    Devolveu-o ao bolso e foi em direção ao guarda-roupa.

    O recado que acabara de receber fê-lo apressar-se em se aprontar. O motorista já o aguardava embaixo. Poucos segundos depois, chegou até o carro, entrou e partiram dali.

    – O Deputado já está o aguardando, em seu gabinete. – falou o motorista – Ele já tem em mãos, as inscrições para o seminário.

    – Estou ansioso por conhecer o Centro de Convenções tão comentado em nossas reuniões. – falou doutor Fermino. – Nesse momento o local do seminário já deve estar repleto de gente.

    – Ah, sim! – concordou o motorista – O seminário que ali será promovido pela Apex – Agência de Promoção de Exportações, atrai demais os empresários interessados em conhecer ao máximo possível, os intrincados caminhos da exportação. E a Apex visa a exatamente dotar, principalmente os responsáveis por pequenas e médias empresas, de informações importantes sobre os mecanismos de exportação, transmitindo-lhes todas as instruções necessárias, além de situar-se como instrumento para colocá-los em contato com os mercados compradores do exterior.

    – E como é que você tem todo esse conhecimento a respeito da Apex? – perguntou doutor Fermino, admirado.

    – Eu já trabalhei lá, antes de vir para a Câmara dos Deputados. – respondeu o motorista.

    Alguns minutos depois, doutor Fermino chegou ao prédio da Câmara. Tomou o elevador, saiu no longo corredor do terceiro andar e o percorreu apressado, em direção ao gabinete do Deputado. Andou rápido, até que se defrontou com a placa: Juventino Tiguera – Deputado Federal. Já estivera ali várias vezes, mas em todas elas se confundira com tantos nomes e tantos gabinetes. Empurrou cautelosamente a porta, o suficiente para olhar o interior da sala, e deparou-se com o olhar de uma das escriturárias que o reconheceu.

    – Olá, doutor Fermino! Entre! – convidou ela.

    – Obrigado!

    Passou por entre os demais funcionários, instalados nas mesas dispostas nas duas salas, e seguiu para a porta do gabinete do Parlamentar. Bateu levemente na porta e a empurrou, mostrando parte do seu rosto, arrancando uma exclamação de alegria do Deputado, detrás de uma mesa.

    – Fermino! Entre! Até que enfim chegou.

    – Olá! – saudou o visitante.

    O anfitrião veio ao seu encontro, abraçando-o festivamente.

    – Como foi de viagem? –

    – Muito melhor! Hoje não tive aquele enjoo que sempre me incomoda.

    – Ótimo! Vamos então. Estamos atrasados. Apanhe a sua pasta. Aí dentro há todas as informações sobre os temas do seminário e também a relação de palestrantes.

    Saíram do gabinete, atravessaram por entre as mesas, caminho inverso ao percorrido há pouco pelo doutor Fermino, tomaram o amplo corredor e se foram.

    De longe, notaram que o estacionamento, no local do evento, estava repleto de carros, e a frente do centro de convenções continha uma multidão de pessoas.

    Após algumas voltas pelos corredores do estacionamento, localizaram a vaga que lhes fora reservada.

    – Ali! – falou doutor Fermino.

    – Que bom! Já estava desanimando. – completou o Deputado.

    Deixaram ali o carro e seguiram para o interior do centro, onde seria realizado o seminário.

    O Deputado insistia em perguntar ao doutor Fermino sobre o andamento de cada projeto, da sociedade empresarial à qual pertenciam. Afinal, ele era um dos mais importantes sócios do grupo, que possuía em todo o país, mais de quinze fazendas que produziam uma quantidade enorme de produtos, negociados em grande escala no mercado interno e agora, também colocados em volume cada vez maior, no mercado externo. Em sua grande maioria, produtos vindos do agronegócio. E a mais nova atividade do grupo a encher de alegria seus sócios, pelo volume de exportação, era a de minérios, que tinham iniciado há menos de dois anos.

    Doutor Fermino, pacientemente, relatou-lhe cada detalhe inquirido pelo Deputado Tiguera que, além de companheiro na sociedade, era também seu amigo de longa data.

    – Estou muito contente em saber do progresso de nossa empresa. –falou o Deputado. – Mas precisamos buscar mais conhecimentos na área, para podermos implementar mais sucesso ao nosso grupo.

    – Por isso estamos aqui. – retrucou doutor Fermino – Pena que o médico, doutor Homero, não compareceu. Mas o importante é que aqui estamos. Estou muito animado com este seminário, tudo indica que ganharemos muito mais conhecimentos, sobre os mecanismos de exportação.

    – Já é a terceira vez que ele falta. É uma pena, afinal, também é sócio. Todos nós temos que nos esforçar ao máximo para que o nosso objetivo seja alcançado. – falou o Deputado.

    Nisso, um grupo de pessoas interrompeu seus passos. Cercaram-no abraçando-o e lhe despejando muitos elogios e bajulações.

    – Você está com muito prestígio por aqui, heim! – elogiou doutor Fermino, prosseguindo pelo corredor.

    – É só começo, Fermino. Tenho muito espaço para ocupar pela frente. Vou chegar lá.

    – Pelo jeito vai longe mesmo. – concordou doutor Fermino.

    – Esta carreira dá prestígio e muito espaço para se trabalhar.

    – Deve ser muito estimulante lutar pelos interesses do povo, defender os interesses de suas empresas e ainda receber tantos mimos como acabei de presenciar. – disse doutor Fermino.

    – Epa! Espere. Espere aí! São só admiradores. Não sabem que sou proprietário de muitas terras. Tampouco sabem que sou sócio de um grande grupo empresarial, ligado ao agronegócio. E nem quero que saibam. Silêncio!

    – Ué! Por que esconder isso?

    – Porque meus discursos inflamados na Câmara, em defesa dos heroicos produtores do campo, por serem explorados com tributos escorchantes e nunca lembrados pelos governantes, perderão muito de seu brilho se souberem disso.

    – Ah! Entendi! Acalme-se. Nunca vai acontecer isso!

    – Ah, Fermino! Claro que acontecerá. Uma imagem simpática é a do político comprometido com a defesa da classe laboriosa, mas esquecida; outra completamente diferente, é a do defensor que usa o nome da classe para defender seus próprios interesses. Entendeu?

    – Está bem! Fique tranquilo, guardarei segredo.

    Correspondendo aos cumprimentos dos que gritavam o nome do Parlamentar, ele e seu amigo foram vencendo lentamente a distância até o recinto do seminário. Adentraram-se no espaço destinado ao evento. Dali em diante foram conduzidos por um funcionário da agência promotora, até as cadeiras reservadas em seus nomes.

    Nem haviam se acomodado em suas cadeiras e o recinto, quase lotado, explodiu em palmas, saudando o Coordenador do seminário, que surgiu no palco, acompanhado por um senhor.

    Acenando à grande plateia, o Coordenador tomou o microfone e disse:

    – Este é o doutor Sílvio Campos, professor especialista em mercado exterior.

    Esse anúncio foi recebido com nova explosão de palmas. Em seguida anunciou aos presentes onde ficavam o telefone público, a sala de comunicação pela internet, fax, a lanchonete, a sala médica, os banheiros. Anunciou também que a sala de informações estaria aberta, disponível ininterruptamente, durante todo o horário normal de funcionamento daqueles dois dias de evento. E prosseguiu falando:

    – Quero lhes apresentar um preâmbulo sobre a importância deste seminário, dizendo que muitos outros serão feitos ainda neste ano, devido à importância do tema. Informando e formando mais interessados em ingressar no grupo ainda restrito de exportadores. É muito importante o impulso que as exportações estão dando à economia do Brasil. Eu gosto de comparar este grande comércio de exportação com as negociações de uma miniempresa urbana ou rural que, para sobreviver, precisa vender seus produtos para sua comunidade, mesmo que esta se constitua de poucas famílias. Que, mesmo nessa pequena área, para crescer e alcançar seu objetivo, tenha que colocar seus produtos no mercado a preço bom, para poder competir com a concorrência, senão sucumbe, morre. Sem vocação e sem conhecimento necessários ao funcionamento de produção e comércio, não se vai chegar a lugar nenhum. É imprescindível essa base de conhecimento a respeito do que se precisa fazer e como fazer para vencer. Em grau muito maior, mas com bastante semelhança, são os caminhos que os exportadores deverão seguir, ou seja, também têm que conhecer os meandros da exportação, têm que produzir a preço bom, com qualidade, e se escorar em órgãos especializados, que possam lhes dar todo tipo de informações, orientando e indicando os melhores caminhos que deverão seguir. É importante saber tudo isso. E esta agência, a APEX, está pronta e preparada para dar esse apoio, com cursos e acompanhamentos, para que vocês, exportadores, possam conseguir o que desejam; ou seja, ampliar suas atividades e conquistar mais mercados consumidores para seus produtos. Agora, fiquem com o doutor Sílvio Campos, que vai lhes falar sobre: Balança comercial e abertura de novos mercados no exterior.

    – Esse é ótimo! Especialista nessa área. – esclareceu o Deputado.

    – Excelente! – concordou doutor Fermino.

    O palestrante pegou o microfone, apresentou-se à plateia e iniciou a abordagem do tema.

    Realmente dominava com absoluta competência o assunto, o que lhe permitia em certos momentos, brincar com alguns pontos mais curiosos, arrancando gargalhadas da plateia, que parecia fixá-lo com ar de admiração.

    Em sua cadeira, o Parlamentar acompanhava o discorrer da palestra, como se estivesse sorvendo algo extremamente saboroso, e do qual não queria perder nenhuma gota. Seguidamente, chamava a atenção do colega, tocando-lhe o ombro, sem tirar os olhos do especialista.

    – Ouça! Essa parte é importante!

    Palestrante – ...Estamos hoje assistindo a um número bem maior de empresas nacionais instalando unidades em terras estrangeiras, vendendo por lá mais livremente seus produtos, e até conseguindo condições favoráveis para empréstimos.

    – Claro! – aprovou o Deputado – Temos que aproveitar a boa maré, e quem sabe, muito em breve estejamos também, como esses, colocando um entreposto de venda nos Estados Unidos! Quem sabe?

    – E por que não? – concordou o amigo. – A conquista é o prêmio dos corajosos! Dos que acreditam.

    Palestrante – ...O que quero dizer-lhes, senhores exportadores, é que acreditem em vocês mesmos, acreditem nos trabalhos de vocês, no potencial de suas empresas ou empreendimentos, tenham confiança de que vão vencer, que a vitória e o sucesso serão alcançados.

    Nesse momento, o Palestrante encerrou sua apresentação, colocando-se à disposição dos presentes para elucidar algumas dúvidas. Muitos saíram de seus lugares e levaram suas perguntas por escrito, depositando-as em uma caixa previamente colocada sobre uma mesa, próxima do palestrante. Ele respondeu uma por uma. Alguns minutos depois, encerrou definitivamente sua participação, sob calorosos aplausos.

    Ouviram pelo som que haveria, a partir daquele instante, um intervalo, e que a próxima palestra teria início dentro de trinta minutos. A maioria se levantou e saiu do salão.

    O próximo palestrante, doutor Fernando Sales, foi apresentado pelo Coordenador do evento, que também expôs as suas qualificações. A seguir, o apresentado apanhou o microfone e deu início à palestra, destacando o assunto que iria abordar: O campo rende grandes negócios.

    O Deputado olhou para o seu sócio, com expressão alegre.

    – Quem diria! Depois de tantos anos, o Brasil curvando-se diante dos produtores rurais.

    – Quem diria mesmo! – concordou o outro – Quando era criança, ouvi muitas vezes, meu pai e meus tios reclamarem pelo descaso do governo com a produção rural, com o povo da roça. Você sempre foi morador da cidade, talvez nunca ouviu isso.

    – Ouvi, sim! O produtor rural em todo Brasil sempre reclamou do tratamento que recebia dos governos. Por isso é que me veio a vocação de entrar na política e lutar por eles. É sentimento que trouxe comigo desde menino.

    – Quem diria!

    – Vamos ouvir – convidou o Deputado, apontando para o palestrante.

    – Palestrante – ... Estamos vivendo um momento único da nossa história econômica. Os produtos do agronegócio crescendo como nunca se viu. E, o mais importante, alavancando o aumento extraordinário de nossas exportações, para o mundo afora. A soja encontrou, além das terras férteis do Centro e Sul, um solo propício no cerrado, com a pesquisa da EMBRAPA. O Nordeste, que sempre nos transmitiu uma imagem de miséria e sofrimento, apresenta-se agora como grande produtor de frutas, algodão, etc. O papel de origem vegetal ganha cada vez mais mercados compradores no exterior. A carne brasileira invade comércios nunca atingidos antes. O agronegócio está se revelando um verdadeiro gigante da nossa exportação.

    – Até que enfim estão reconhecendo o nosso trabalho. – disse doutor Fermino.

    – Verdade mesmo! Mas, em vista do crescimento da nossa produção, isso teria que acontecer um dia. Ouçamos agora. – falou o Deputado.

    Palestrante – ... Estamos produzindo bastante, crescendo bastante e exportando bastante, mas ainda estamos longe dos níveis alcançados por países como China e México, por exemplo, que estão em estágio de desenvolvimento semelhante ao nosso e exportam muito mais que nós. Ocupamos a ridícula posição de menos de dois por cento de participação no comércio mundial. É vergonhoso!

    – Infelizmente, isso é verdade! – confirmou o Deputado.

    – Puxa! Mas, com todo esse crescimento, essa situação ainda não mudou? Pensei que fosse diferente. – comentou doutor Fermino.

    – Ouça o que ele está falando. – tornou seu sócio.

    Palestrante – ... O que nos deixa apreensivos é que, senão toda, mas grande parte da culpa por isso, vem justamente daquele que deveria estar cobrando eficiência e resultados do setor produtivo: o governo federal. Estimula, anima, mas a parte que é fundamental no escoramento do projeto produtivo e exportador, sumamente importante, fica a desejar. O que assistimos é como a um time de futebol que quer vencer o jogo, a torcida estimula, mas no campo, os atletas se esmeram em marcar gol contra. As nossas estradas, os nossos portos de embarque, a nossa burocracia refletem isso. Estradas lamentáveis, com pouca ou nenhuma conservação. Falta a construção de novas vias, que escoem a produção de fortes regiões produtoras. Tais deficiências, somadas à defasagem dos nossos portos de embarques, verdadeiros portões para o mundo, mais a lenta e calvarística burocracia a que os exportadores, se veem forçados a enfrentar toda vez que se propõem a exportar, completam do nosso lado, a gama de dificuldades e empecilhos para o crescimento da nossa participação no comércio globalizado.

    – Tudo o que ele falou é verdade mesmo, Fermino. Estamos lutando para valer, com o governo para que se mude esse estado de coisa. – confirmou o Deputado – Temos chance de que isso mude agora, porque acabamos de aprovar um projeto de Lei, chamado PPP, pelo qual queremos que melhore essa situação.

    – Esperemos que mude mesmo. Porque o que ele está mostrando é a pura realidade! O Brasil precisa crescer comercialmente e precisa exportar mais para crescer. Daí, vem o agronegócio e levanta a bandeira do crescimento, passa a produzir como nunca se viu antes, mas, descobre que fez loucura, fica preso no campo porque não tem estradas boas. Quando chegam ao porto, enfrentam outro martírio, uma fila interminável para desembarcar, não se falando na maldita burocracia, taxas para todos os lados. Tem que mudar tudo isso e logo. – falou Fermino.

    – Vamos ouvi-lo! – convidou o Deputado.

    Palestrante ... – São visíveis os resultados alcançados pelos empresários do setor do agronegócio. Estão explorando com extrema habilidade as nossas vantagens em relação a outros países. O que estamos vendo, são os nossos riquíssimos recursos naturais sendo explorados com grande competência e capacidade empreendedora. E, para chegar a tudo isso, buscaram o acompanhamento biotecnológico de ponta. O que nos convida a tirarmos o chapéu para esse empresariado que reconheceu a importância da ciência, para que o sucesso fosse possível. E, graças a toda essa visão, esse setor está dando banho de eficiência. Hoje, buscam aperfeiçoar e qualificar cada vez mais o produto que vendem, agregando-lhe mais valores. Não se vende apenas o couro primário como sempre fizemos, mas se investe no produto acabado, cujo valor agregado é muito maior. Assim se está fazendo também com muitos outros produtos.

    Nessa altura, os participantes estavam tão empolgados com a palestra, que, por diversas vezes, a interromperam para aplaudir.

    Contudo, ela chegou ao fim. O palestrante a encerrou e se pôs a responder perguntas dos presentes.

    Logo a seguir anunciaram novo intervalo de hora e meia para o almoço. Todos saíram e foram para o restaurante.

    Após o almoço, as cadeiras foram pouco a pouco sendo ocupadas.

    Para a próxima palestra, o Coordenador geral apresentou-lhes o doutor Alexandre Calmon. Após relacionar suas qualificações, anunciou que ele falaria sobre: A importância da pesquisa no campo e a contribuição da biotecnologia.

    O palestrante se apresentou com alegria, brincando e demonstrando total descontração, o que contagiou a todos. Certamente já escolhido para aquele horário, pós-almoço, a fim de empolgar a assistência.

    – Vou falar sobre a pesquisa no campo. – enfatizou ele.

    De início, fez grandes elogios aos trabalhos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a EMBRAPA.

    Palestrante – ...O Brasil deve muito a essa empresa, quanto as suas pesquisas no campo do agronegócio. Graças a ela, o cerrado vive hoje um extraordinário surto produtivo. Se antes relegado a um plano inferior, como solo pouco aproveitável, após estudos da Embrapa e muita pesquisa, transformou-se numa área de grande exploração e produção do agronegócio. Ali se produziu tanta soja, que propiciou ao Brasil a posição de segundo maior produtor e de maior exportador do mundo, nessa área. E para coroar ainda mais nossa alegria, nos mesmos laboratórios, também se produziu com sucesso a variedade de algodão, que fez renascer a sua produção nessa mesma área. Não bastasse toda essa eficiência, a Embrapa desenvolveu uma variedade de algodão, cuja pluma já nasce colorida. Por essa particularidade, o seu valor é bem maior no mercado. E já está se desenvolvendo espécie resistente ao bicudo. Tudo isso só se conseguiu e só foi possível graças aos anos de pesquisa daquela empresa. Quando se aliam trabalho e ciência, o resultado será sempre promissor.

    Enquanto falava, o palestrante deixava transparecer em seu rosto, uma expressão de grande satisfação. Não perdeu em momento algum a alegria e a simpatia. E o que mais nele se destacava era a sua impressionante capacidade de se comunicar. Durante a explanação, e pela contundência das afirmações, criava nos rostos dos presentes, expressivos ares de grande empolgação.

    – Impressionante! O homem fala com tanta vibração, que mexe com a gente. – comentou o Deputado.

    – Realmente! Palestra assim, a gente nem sente passar o tempo. – concordou doutor Fermino.

    Os dois riram satisfeitos, mas não tiveram tanto tempo para isso, o palestrante, com seu brilhante trabalho, arrancava aplausos da assistência.

    Palestrante – ... É inegável a contribuição da Embrapa, para o vertiginoso crescimento produtivo no campo. Chama a nossa atenção para a necessidade de se dar apoio à pesquisa em nosso pais. Porém, é inacreditável o que está acontecendo. Apesar do reconhecimento da sua contribuição para o atual estágio do agronegócio, a Embrapa está passando por grande falta de recursos. É vergonhoso reconhecer isso. Fiquem alerta, senhores empresários, para socorrerem a empresa. O setor de pesquisa deste país não pode ser prejudicado. A interrupção, mesmo que temporária da pesquisa num laboratório, representa muitas vezes, décadas de atraso na consecução do objetivo almejado. E o comércio globalizado pressupõe encarniçada competitividade. Nesse aspecto, tempo a perder é o que a exportação não tem e nunca pode ter.

    – Estão me entendendo? – perguntou o palestrante.

    – Sim! – gritaram todos.

    – Ótimo! – exclamou o doutor Alexandre Calmon.

    – Não podemos permitir esse descaso com a Embrapa. De jeito nenhum! Vou ver o que posso fazer na Câmara – falou o Deputado, a seu companheiro.

    – Isso mesmo! – aprovou ele – Imagine! Tratar com descaso esse setor tão importante para o Brasil. É o cúmulo se isso acontecer.

    Palestrante – ...A procura de novos mercados e a manutenção dos já conquistados, requerem constantes buscas de quantidade suficiente para cumprir os contratos assumidos, e requerem qualidade dos produtos exportados. Estas duas características, sejam de qual produto for, sejam de qual setor for, de qual procedência for, passam especialmente pelas mãos da pesquisa científica, melhorando a qualidade e alcançando produtividade cada vez maior.

    – Esse cara é sensacional, Fermino! – entusiasmou-se o Deputado.

    – Empolgante! – concordou doutor Fermino – Vou comprar os seus livros. Tem muito conhecimento e sua apresentação é fantástica. – reforçou.

    Os dois foram interrompidos pela explosão de palmas, com que a plateia se manifestou ao especialista.

    Em seguida o Deputado tocou o braço do amigo.

    – Escute! Escute o que ele está falando.

    Palestrante – ... Não fiquem às margens desses problemas. Acho até que já devem procurar a empresa e ver no que podem ajudá-la. É fundamental que o setor privado faça parceria com o público, tomando-se todas as precauções necessárias, pois já vi muitas vezes tão logo o privado se dispor a participar de empreendimentos, antes por conta exclusiva do público, ocorrer então, um grande incremento de força e crescimento no projeto.

    Em seguida, o palestrante encerrou sua participação, colocando-se à disposição para responder perguntas, após o quê, encerrou e saiu do recinto sob estrondosa ovação.

    Poucos minutos depois, o Coordenador do evento anunciou o próximo e último palestrante:

    – Doutor Olegário Celso, aqui ao lado, fará a última palestra de hoje. Abordará o tema: Exportação – produtos saudáveis e respeito ao homem e à natureza.

    – Fermino! Temos que adquirir cópias de todas as palestras proferidas aqui. Serão de extrema valia para os nossos engenheiros e técnicos em todas as áreas. Principalmente esta, que diz respeito às exigências dos importadores quanto aos produtos que compram. – falou o Deputado.

    – Claro! Claro! É bom mesmo. – respondeu o amigo. – Passaremos aos responsáveis por cada setor de nossas empresas, para que eles se inteirem do assunto, discutam e coloquem em execução essas novidades. É muito importante se atualizar.

    Palestrante – ...Entenderam o que lhes falei?

    Ao ouvir isso, os dois sócios se deram conta de que, enquanto conversavam, o palestrante dera início a sua apresentação.

    – O que foi que ele explicou? – perguntou o Deputado.

    – Não sei. Estávamos conversando ... – respondeu doutor Fermino.

    – Vamos fazer silêncio. Vamos ouvi-lo.

    Certo! – concordou o sócio.

    Palestrante – ... Muitos são os gargalos que estrangulam as nossas exportações. Já se falou aqui das estradas, dos portos e da burocracia. Barreiras terríveis que atrapalham, dão prejuízos, atrasam os embarques, tirando o sono dos nossos exportadores. Quanto às estradas e demais empreendimentos, tudo leva a crer que as coisas deverão melhorar com a aprovação da Lei das PPPs, como é chamada a lei que deverá regular as parcerias entre o poder público e o privado, nas construções, conservação e reformas de obras que hoje, esfaceladas e defasadas, estão emperrando os transportes e embarques dos nossos produtos. É preciso que os exportadores lutem com denodo máximo, para que sejam corrigidos esses entraves. Cuidem para que sejam resolvidos todos os problemas de logística e infraestrutura. Mas as barreiras de que vou tratar aqui, são outras. Tão ou mais importantes que as mencionadas. São as barreiras sanitárias. O respeito pela saúde, pelos direitos do ser humano, e o respeito pelo meio ambiente.

    – Escute, Fermino. Essa explanação quero ouvi-la com toda clareza, porque, talvez tenhamos que fazer algumas alterações, em nossos contratos sociais.

    – Alterações nos contratos sociais? Uai! Afinal, do que você está falando, Deputado?

    – Vamos ouvir primeiro, depois, se for o caso, discutiremos o assunto.

    – Está bem.

    Palestrante – ...A barreira sanitária tem que ser enfrentada e eliminada de uma vez por todas. O relaxo nesse campo pode provocar o descrédito nos negócios do Brasil como um todo lá fora. Há que se tomar todas as medidas possíveis, para se evitar o que aconteceu em 2004, quando três dos nossos principais produtos de exportação tiveram sérios questionamentos quanto a sua qualidade, no exterior. A carne bovina, devido aos focos de aftosa no norte do país, a soja, devido ao uso exagerado de agrotóxicos em algumas fazendas, e a laranja, suspeita de estar contaminada pela pinta preta. Se queremos ganhar novos mercados, e nos firmar como grande exportador no mundo globalizado, temos que cuidar da saúde dos produtos que oferecemos.

    – Hii! A coisa é muito séria, Fermino!

    – Claro! Claro! Já sabemos disso.

    Palestrante – …O Brasil precisa aplicar muito mais recursos na vigilância sanitária e, se necessário, criar um órgão vigilante específico, para acompanhar bem de perto, todos os caminhos percorridos pelos produtos de exportação, desde o seu início até o seu embarque. Cercar todos os agentes de produção, com todos os tipos de cursos de formação, necessários para dotá-los, de mais conhecimentos e capacitá-los a um melhor desempenho em suas atividades. O que não pode mais acontecer, são esses erros crassos, que servem para enfraquecer a credibilidade dos compradores quanto aos nossos produtos.

    – Incrível! Parece até que ele está falando a respeito do nosso centro agropecuário. – comentou o Deputado.

    – Ué! Não vejo porquê? – retrucou doutor Fermino.

    – É modo de dizer, Fermino. É que me preocupo demais com todos esses cuidados que devem ser tomados. Afinal, estamos exportando carne. Não estamos?

    – Sim! Carnes, reprodutores, matrizes e sêmen. Mas tudo com o máximo cuidado, quanto à saúde dos nossos animais. Isso eu garanto! – afirmou doutor Fermino.

    – Seja como for, é bom redobrar as cobranças a respeito. Não quero de jeito nenhum, que algum tipo de foco seja detectado em algum desses produtos e o escândalo venha me atingir. Minha carreira vai para o brejo. Não posso nem pensar nisso. – explicou o Parlamentar.

    – Fique sossegado! Não vai acontecer isso, nunca! – garantiu o companheiro.

    – Escute! Escute! O que ele está falando agora, é muito importante para o nosso caso. – alertou o Deputado.

    Palestrante – ... Se quisermos ganhar o respeito do mercado globalizado, temos que mostrar nosso comprometimento com a saúde de tudo que vendemos. E, temos que demonstrar severo compromisso com o meio ambiente e com o respeito ao ser humano. Estes dois últimos fatores são muito considerados pelos nossos importadores. Os grandes mercados consumidores não aceitam comprar produtos que custem a degradação do meio ambiente. E nem aceitam os produzidos por mãos de escravos brancos, ou pela exploração de menores.

    – Está vendo, Fermino? Era isso que eu temia escutar. Não posso nem imaginar o meu nome envolvido com um escândalo desse!

    – Do que você está falando, Deputado?

    – Se uma fiscalização do Ministério do Trabalho, em alguma das nossas fazendas, descobrir o desmatamento irregular, e o tipo de mão de obra ali empregada, desabará como uma bomba atômica sobre minha cabeça, entendeu?

    – Entendi. Mas não vai acontecer isso. Fique tranquilo.

    – Como ficar tranquilo, Fermino? Estão como cães farejadores, procurando isso para se promoverem! Todos os dias, jornais noticiam descobertas pelo Ibama, de desmatamentos criminosos. E também notícias de que o Ministério do Trabalho investiga casos semelhantes, como os assassinatos de Unaí. Uma denúncia dessa – abaixou a voz – Falo aqui entre nós. Lá fora não posso falar isso. Uma denúncia dessa, intrometida, feita pela Comissão Pastoral da Terra, será o suficiente para fazerem um arrastão nas nossas fazendas, expondo-me ao mundo todo, como bandido. Nem quero pensar nisso. Entendeu, Fermino?

    – Mas, o que você pensa em fazer? – perguntou doutor Fermino.

    – Lá! Lá! Escute! Escute o que ele está falando. Depois eu explico para você.

    Palestrante – ...Portanto, senhores exportadores, prestem bem atenção: jamais usem desses espúrios recursos para produzir. Saibam que estarão sempre sob os olhos dos compradores. Eles são muito bem informados. O poderoso mercado mundial fiscaliza tudo o que compra e de onde compra. E, se por acaso descobrem que o objeto de sua compra está de uma ou outra forma ligada com o tráfico de drogas, com trabalho humano forçado, ou degradação do meio ambiente, sua mercadoria será imediatamente recusada, devolvida, ou terá seu embarque suspenso. Os consumidores nos grandes centros são extremamente exigentes, quanto à origem dos produtos que consomem. Por isso, tomem muito cuidado. Um desrespeito a esses itens, prejudica vocês, e pior, prejudica toda a imagem que o nosso país se esforça tanto para construir.

    Nessa altura, o palestrante encerrou sua apresentação sob estrondosa salva de palmas, passando a responder as perguntas dos presentes.

    O Deputado e seu amigo, foram até a mesa da coordenação e adquiriram as gravações de todas as palestras, tendo apenas que aguardar alguns minutos para levarem também a última. Pouco tempo depois, estavam de volta ao gabinete do Parlamentar.

    – Fermino! Sente-se aí. – mandou o Deputado – Agora eu quero lhe falar das minhas preocupações e das alterações que deverão ser feitas, como já lhe disse.

    O sócio sentou-se e ficou aguardando.

    Enquanto isso, a chefe do gabinete aproximou-se do Deputado e entregou-lhe algumas anotações, indicando os números para os quais deveria ligar com urgência. Ante um sinal do patrão, ela mesma começou a fazer as ligações.

    Depois de aguardar por quase meia hora, tempo suficiente para ler as principais notícias de um jornal do dia, o Deputado o chamou para sua sala.

    – Fermino, o que tenho para lhe falar é muito importante. Já venho pensando nisso há alguns meses. Temos que fazer algumas alterações em nossos contratos sociais, e acho que até ...

    – Você já começou esse assunto lá no seminário, quero saber por que? O

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