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Garras Afiadas
Garras Afiadas
Garras Afiadas
E-book420 páginas5 horas

Garras Afiadas

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Sobre este e-book

O município de Barutanga e todos os personagens deste livro são fictícios; qualquer semelhança é mera coincidência. Nesse município, são mostradas diferentes situações de administração municipal. Na primeira fase, um prefeito eleito pela primeira vez sofre, nos quatro anos de gestão, um terrível massacre de calúnias, difamações, depreciação de seus trabalhos, e uma intensa e injusta perseguição, durante os quatro anos, por parte do grupo derrotado e que ali governara imbatível por muitos anos. A segunda fase apresenta a situação de alguns municípios, que estiveram ou estão sob governos que não pautam suas ações na seriedade, na probidade e no respeito à coisa pública. Mostra alguns aspectos de administrações municipais, que mergulham num mar de irregularidades, buscando os prefeitos com suas realizações, não o bem estar do povo, mas suas próprias projeções e, principalmente, ofuscar, encobrir e apagar o feito de seus antecessores, especialmente de seus inimigos políticos. Aborda também muitas formas espúrias com que alguns prefeitos agem, e no intuito de apagar a imagem de seus adversários, conseguem, muitas vezes com o acobertamento de suas maiorias nas câmaras legislativas, adquirir, através de leis específicas e protetoras, respaldo para seus atos criminosos; como: destruir obras já feitas, desviar a finalidade de algumas, desativar de forma permanente outras, para apagar o nome e a imagem de quem as realizou. Neste propósito, pouco lhes importam os prejuízos que causam ao erário público; o que lhes vale mesmo, é se postarem de donos da situação, donos do poder, donos da coisa pública. Enaltece também aqui o brilhante trabalho dos promotores de Justiça, nas fiscalizações, nas denúncias, nos ajuizamentos e nas reduções de tantos crimes nessa área. Contudo, mostra contundentemente que muito mais grave esporadicamente ocorrem tais crimes, quando excepcionalmente sob o olhar de alguns promotores que, de posse de denúncias, fazem que cuidam, mas descuidam, olham e viram-lhes as costas; outras vezes, iniciam ou dizem iniciar as averiguações, mas pouco depois se acomodam e não se ouve falar mais no assunto. Tais casos nos parecem raros, mas quando ocorrem, produzem resultados extremamente devassadores, pelo estímulo que dão ao administrador improbo, desonesto e corrupto.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de jan. de 2015
Garras Afiadas

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    Garras Afiadas - Cláudio Liva

    Sinais do encarniçado antagonismo

    A cerimônia de posse do novo prefeito de Barutanga reuniu uma multidão de pessoas. Muitos eleitores seus e muitos contrários.

    Alguns dos novos eleitos para a Câmara municipal ocuparam o microfone, até que chamaram o Tobias.

    Explodiu uma salva de palmas e muita gritaria de vivas ao novo chefe do executivo, mas também se pode ouvir muitas pessoas vaiando. As vaias, naquele momento, pareciam um sinal de alerta para as inevitáveis dificuldades que o empossado enfrentaria.

    Enquanto ele discursava no alto do palco do plenário do legislativo, lá embaixo, atrás dos novos vereadores, um jovem casal todo sorridente o ouvia exultante; o advogado Roberto Mendes, único filho do novo prefeito e sua namorada Lenira, a contadora da prefeitura. Os olhos de ambos brilhavam de satisfação.

    — O que me preocupa é a pancadaria que os opositores vão desfechar sobre o meu pai — falou o dr. Roberto.

    — Ah, que nada! Seu pai é um homem muito inteligente e experiente; saberá contornar tudo, tenho certeza. Além disso — cochichou ela — estarei por perto para ajudá-lo.

    O namorado sorriu satisfeito e beliscou levemente seu queixo.

    — Vamos ouvi-lo — falou ele apertando carinhosamente seu braço.

    A plateia parecia pregada no orador que, naquele momento, agradecia aos seus companheiros vereadores e cabos eleitorais pelo apoio recebido na campanha.

    Encerrada a cerimônia, foram todos para um dos restaurantes da cidade festejar tão importante conquista, num festivo almoço. Ali, o novo prefeito, seu vice, seus familiares e amigos permaneceram numa efusiva festa por mais de duas horas, acomodados em dezenas de mesas. Enquanto isso, lá na câmara travava-se uma batalha na escolha da nova mesa legislativa para o primeiro biênio da nova gestão.

    O almoço festivo já se ia adiantado quando os novos vereadores, pró Tobias, chegaram ao local com feições contrariadas.

    — Não deu Tobias — falou o vereador Coronil tomando lugar à mesa — tentamos todos os artifícios que havíamos combinado, mas, não deu. A presidência é deles.

    — A presidência e toda mesa — completou a vereadora Mirian ao lado.

    — Nem a secretaria? — inquiriu Tobias.

    — Nada! — respondeu o vereador Coronil puxando uma cadeira pra si.

    — Tentamos convencer o Sérvulo para votar no Coronil, mas, não aceitou — emendou o vereador Patrício.

    — Vai ser uma administração difícil Tobias — sentenciou a vereadora Mirian.

    — Não vai ser fácil. Nada farão sem ordem do chefão Bino. Mas, valeu a luta de vocês. Perdemos uma batalha, mas, lutamos; isso é muito importante. — falou Tobias

    Começava ali para o Tobias uma pequena antevisão das dificuldades que o esperavam pela frente.

    Perto do final do almoço festivo, numa mesa ali perto, Lenira com ar preocupada, falou ao seu namorado:

    — Estou apreensiva pelo papai.

    — Por que apreensiva? — perguntou o dr. Roberto.

    — Temo que ele seja exonerado.

    — Não, não! Já conversei com meu pai, vai mantê-lo no cargo de chefe da farmácia municipal.

    — Ai que bom! — exclamou ela aliviada — fico tranquila, ele, claro, ficará muito mais, com certeza.

    Ao final do almoço festivo, foram direto para o clube da cidade, onde as homenagens prosseguiram, culminando ao final do dia, com um baile que se adentrou pela noite.

    Tobias e Priscila deixaram o clube logo depois do início do baile, estavam mutito cansados.

    Na volta ao lar, em plena noite, de longe perceberam o fervilhar de gente em frente sua casa. Os parentes que não satisfeitos de festejá-lo na posse e no clube, se adiantaram e já os aguardavam ali, para completar a linda festa da qual Tobias era a figura central.

    Desceram do carro sob aplausos da pequena multidão que ali estava. Tobias vestia ainda o terno escuro, com o qual participara da cerimônia de posse. Priscila vinha inebriada por todas as homenagens que seu marido recebera; e também pelos elogios que merecera por estar tão elegantemente vestida.

    Apresentei-me à altura de primeira dama, que sou. Meu vestido azul caríssimo e meus sapatos comprados em loja chique da capital me ajudaram muito em minha produção — pensou ela, não se contendo em si de alegria.

    Os semblantes de ambos demonstravam o quão deliciosos foram os aplausos, os vivas, os abraços e os gritos festivos dos que comemoravam a posse dele no cargo mais importante do governo municipal de Barutanga.

    Somente quando todos se retiraram da casa é que se dirigiram para o quarto. Estavam extenuados. Passava da meia noite. O dia foi exaustivo demais para ambos.

    Priscila não se cabia em si de alegria. Seu rosto lindo parecia iluminado com o prazer que experimentara durante todo aquele dia, vindo das bajulações que seu marido recebera.

    Tobias fechou a porta do quarto e começou a se despir. Olhou ávido para o box do chuveiro mais adiante. Nesse momento Priscila se aproximou e falou-lhe ao ouvido:

    — Deixe que eu tiro. Te amo muito meu querido — cochichou ela enquanto lhe despia. — Sou a mulher mais feliz do mundo. Você é quem me proporcionou hoje, a maior de todas as alegrias que já senti em minha vida. Estou muito, muito orgulhosa de você — disse ela ao mesmo tempo em que segurou fortemente sua nuca e o puxou para um beijo delicioso, quente e selvagem.

    — Também te amo muito Priscila. Você é a mulher mais linda que conheci em toda a minha vida, não existe outra igual — resmungou ele, enquanto retirava o vestido do corpo da mulher amada. Você é demais, demais, e demais mesmo! — falou-lhe com voz incendiada, voltando a beijá-la com sofreguidão. Depois de muito sugar a delícia do beijo ardente, envolvente e enlouquecedor de Priscila, retirou seus lábios de sua boca desejosa e escorregou-os para baixo, lambendo-a e sugando-a como quem lambe e suga o sabor delicioso de um favo de mel.

    Vamos! — disse ela.

    — Vamos — concordou ele, ao mesmo tempo em que a envolveu com seus braços, carregou-a e a levou para o chuveiro. Um banhou o outro; sem interromper os amorosos carinhos. Ali gozaram profundamente da delícia do amor.

    — Você parece uma nova pessoa, diferente da Priscila que conheço, está tão quente, tão acolhedora, tão envolvente — balbuciou ele.

    — O merecimento é todo seu meu amor. Você me transforma, me muda, me enlouquece, me incendeia — respondeu ela ofegante.

    Depois, na cama, continuaram se amando loucamente, trocando carícias como se fosse a primeira vez. Um possuindo o outro com desmedida avidez.

    Aquela interação amorosa de ambos foi até altas horas da noite. No dia seguinte o casal parecia muito mais animado.

    As homenagens para o novo prefeito não paravam. As festividades comemorativas ao empossamento ocuparam todo aquele final de semana. Assim passaram-se aqueles dias.

    Dois meses depois, o prefeito de Barutanga em pleno trabalho, assinava um maço de papéis sobre sua mesa, quando Neco, seu auxiliar entrou em seu gabinete.

    — Parece assustado, Neco?

    — Nem tanto. Só preocupado.

    — Porque? — perguntou Tobias.

    — Porque você nem bem começou o seu mandato, e a cambada dos contras está mais ouriçada do que nunca!

    — Como ouriçada?

    — Soube que a oposição tem feito reuniões na calada da noite, estimulando todos os cupinchas a fazerem uma campanha de difamação muito forte contra você e sua administração.

    — Muito forte?

    — Sim Tobias; muito forte! Soube de um dos membros do grupo, que estão exigindo a completa difamação de sua pessoa e de suas obras, para desestruturar sua administração.

    — Ah, mas, quem vai empreender uma missão tão suja assim?

    — Não se sustente nessa esperança, porque dentre os que te difamam já tem muitos funcionários da prefeitura. E o estão criticando abertamente nas ruas.

    — Verdade Neco?

    — Verdade.

    — Mas estão usando de mentira, claro.

    — Estão. Mas, a técnica é essa mesma. Tática ensinada pelo nazista Joseph Goebbels e muito difundida na Alemanha no tempo do Hitler. Afirmar insistentemente uma mentira, como se fosse verdade; que pela insistência, ela passa a ter força de verdade.

    — Incrível! — exclamou o prefeito com ar preocupado e parando de assinar. — Estão orquestrando tudo isso, é?

    — Sim!

    — Foi o seu recadeiro que te contou?

    — Foi.

    O prefeito apertou os lábios fortemente, demonstrando ter sentido o impacto da notícia. A preocupação ficou estampada em seu rosto; coçou a cabeça por alguns segundos; em seguida olhou demoradamente para seu companheiro e disse:

    — O que devemos fazer?

    — Acho que você deve reunir os companheiros de partidos que o apoiam e discutir com eles o assunto, tirando daí ideias para estabelecer uma estratégia de resistência aos ataques.

    — Hum! — resmungou o prefeito.

    Nesse momento, Marina, a secretária entrou na sala e depositou alguns papéis para Tobias assinar. O executivo leu rapidamente e os assinou. A moça agradeceu e se retirou com os documentos em mãos. Só então, o prefeito voltou-se para o companheiro.

    — Está certo, Neco. Você e o Alcindo cuidem disso, marquem a reunião. — Boa ideia.

    Uma semana depois se realizou a reunião. Muitas ideias foram apresentadas; algumas aceitas pela maioria do grupo e outras descartadas. Ao final, selecionaram as consideradas melhores e daí se empenharam em traçar um plano de, como rebater as críticas dos adversários.

    Alguns dias mais tarde, o prefeito Tobias fez uma reunião com os principais chefes de setores da prefeitura, procurando saber de cada um deles, quais problemas individualmente e no coletivo, destacavam como mais importante no geral e em suas áreas específicas naquele momento. A ideia pareceu-lhe boa na ocasião. Teve muita participação dos presentes. Muitos outros encontros desse tipo se sucederam.

    Seis meses depois, porém, Neco entrou no gabinete apressado.

    — Tobias!

    — O que? — quis saber o prefeito, levantando a cabeça e olhando-o surpreso.

    — Notou que as reuniões com os chefes estão se esmorecendo?

    — É. A última foi até constrangedora.

    — Pois é. O advogado proibiu os encarregados de comparecer e ameaçou a cada um deles em particular, de serem exonerados quando o ex-prefeito voltar.

    — Como você sabe disso?

    — O recadeiro me disse.

    — Afinal quem é esse seu recadeiro, para que eu tenha ideia se é de confiança, ou talvez seja ele o encrenqueiro?

    — Não posso te revelar. Jurei. Mas, pode confiar; ele me é demasiadamente fiel.

    — Hã! Então ele os está ameaçando é? Desgraçado!

    — Você devia tê-lo mandado embora no começo.

    — Mas, é concursado Neco! Tem estabilidade!

    — Não sei. Tem que achar um jeito. Ele age com muita maldade e mau-caratismo. É perigoso demais pra você.

    — Mas, afinal, por que todo esse ódio por mim?

    — Hiii! As causas são tantas. Não aceitam de forma alguma terem perdido a eleição para você, e muitas coisas mais! Entretanto, a última chapuletada que você lhes deu, e estão cochichando por aí até de te matar, foi o seu aparecimento na TV onde você comentou a distribuição de leite vitaminado para as crianças de todo município.

    — Uai! Mas, por acaso é mentira?

    — É verdade, mas, não aceitam por você não ter ao menos mencionado o nome do ex-prefeito, o verdadeiro autor dessa conquista para as crianças de Barutanga. Afirmam irados que você roubou a imagem do ídolo deles. E não aceitam isso.

    — É. Até que podia ter falado, de quem foi a ideia de começar esse projeto, mas, não me ocorreu na hora. Bem! agora já passou. Mas, mudando de assunto. E a estratégia de defesa que estamos empreendendo ante as difamações; está surtindo algum efeito?

    Nessa hora entrou na sala Alcindo o seu chefe de gabinete. Pediu licença e entregou-lhe uma pasta.

    — Seo prefeito aqui está o processo do convite da limpeza pública, depois de analisado e assinado, me chame para apanhá-lo.

    —Sim! Claro!

    O rapaz voltou-se e saiu com a mesma rapidez com que entrara.

    — Então Neco! Está surtindo efeito ou não?

    — Tobias, sinceramente até agora não. Os nossos companheiros falam muito aqui nas reuniões, lá na rua se emudecem.

    — Porcaria! Já devia ter imaginado isso.

    — Bem! Já vou para minha sala. Só vim lhe avisar da situação. Tome muito cuidado. Corre um sussurro de que estão planejando o seu assassinato.

    — O que! Meu assassinato!

    — É. Não pretendia lhe falar, mas, melhor você saber.

    Tobias pensativo coçou demoradamente a cabeça. Depois se voltou para o Neco.

    — Não acredito que o façam. Já me ameaçaram por telefone várias vezes durante a campanha. É só intimidação! Só barulho!

    — Tome cuidado. Prevenção e caldo de galinha não fazem mal pra ninguém.

    Neco saiu. O prefeito permaneceu por um longo tempo pensativo, fixando a porta fechada às costas do auxiliar. Depois, balançou a cabeça tentando se desfazer dos maus pensamentos e se voltou para os papéis à sua frente.

    — Ah! Esses malditos desgraçados não terão coragem de nos fazer mal. São muito covardes para tanto. — Resmungou pra si mesmo. Voltou sua atenção para a papelada sobre a mesa, enquanto ouvia a voz do vendedor de laranja lá na rua, enaltecendo seu produto.

    No encerrar do expediente de uma sexta-feira, depois de longa vistoria nas estradas vicinais, carentes de reparos, o prefeito Tobias subiu a rampa do paço municipal, esbaforido, chapéu na mão, abanando-se, quando dobrou para o corredor que dava acesso ao seu gabinete, se deparou com seus vereadores juntos da porta do gabinete, aguardando-o.

    — Oi! Estão me aguardando?

    — Sim. Precisamos falar com você — adiantou-se o vereador Coronil.

    — Vamos entrar.

    Seguiram direto para o gabinete.

    — Então; o que os trouxe aqui?

    — Tobias! Resolvemos falar contigo sobre o matadouro.

    — O que tem o matadouro?

    — Oras! — interveio o vereador Patrício — está desativado pelo ex-prefeito há mais de quinze anos. Não pode continuar assim.

    — Já fiz pedido de verba ao Governo do Estado a fim de proceder uma reforma nele. É inadmissível o descaso, o abandono a que foi relegado o nosso matadouro. Tudo para acobertar abates clandestinos. Uma tremenda pouca vergonha — desabafou o prefeito — Imagine, desativar um órgão tão importante no controle de qualidade das carnes a serem servidas ao povo. Um absurdo! — completou, Tobias.

    — O antecessor desativou para que seus mais fortes cabos eleitorais, os açougueiros, prosseguissem com as matanças no mato, a fim de não pagar imposto nenhum — explicou a vereadora Mirian — foi o que lhes havia prometido na sua primeira eleição. Dali pra cá, mais de quinze anos, perdura essa pouca vergonha.

    — O pior é que; ultimamente — emendou o vereador Coronil — estão colocando nos balcões de açougues, carnes de gado morto nos pastos por doenças, por raios, por envenenamento com agrotóxicos jogados nos riachos. Tudo, tudo, de conhecimento do chefão Bino, mas criminosamente protegidos pelo seu olhar complacente.

    — Meu Deus do céu! A que ponto chegaram! — exclamou Tobias assustado. — E será que nunca morreu ninguém em consequência disso?

    — Quem vai saber? — replicou a vereadora Mirian. — Todos os enfermos mais graves são internados na santa casa daqui; teoricamente uma irmandade, mas, que na verdade é uma propriedade particular do ex-prefeito. Os atestados de óbito são fornecidos pelos seus médicos todos subjugados a ele. Se, ocorreram óbitos por esse motivo, evidentemente tiveram como causas apontadas outras bem diferentes.

    — Claro! Imagine que iriam apontar causa que poderia incriminar a prefeitura e por extensão o próprio prefeito Bino. — emendou o vereador Patrício.

    — É inacreditável tudo isso. — resmungou Tobias. — Mas, podem ficar sossegados — continuou o prefeito — já estamos tomando providências para reativarmos o nosso antigo matadouro municipal.

    Se houve da parte de alguém, mais algum esforço, no sentido de corrigir logo o problema de venda de carnes clandestinas na cidade, não se ficou sabendo, mas, por coincidência ou não, cerca de um mês depois, chegou na cidade uma fiscalização estadual, e, multou vários açougueiros; confiscando toda carne exposta para venda, nos seus estabelecimentos. Aquilo incendiou repentinamente todos os proprietários de açougues na cidade.

    — Prefeito do céu! Acuda-nos! — exclamou o vereador Patrício, entrando assustadíssimo no gabinete do Tobias. — Estourou uma guerra na cidade.

    — Guerra! Do que você está falando?

    — Abaixou uma fiscalização estadual nos açougues da entrada da cidade, multou-os por falta de nota fiscal, confiscou e inutilizou com querosene toda carne.

    — Verdade isso? Patrício!

    — Verdade. Dois açougueiros multados foram até minha casa me acusando de tê-los denunciado. Falei que não fui eu. Então se voltaram contra você. Estão vindo aí furiosíssimos e falando em te matar. Chame urgente a polícia para te defender.

    — Não há necessidade disso. Só falam. Não têm coragem para isso.

    — Não sei não! acho que...

    O vereador não completou a frase, foi interrompido com a entrada intempestiva no gabinete, de uma dezena de açougueiros alteradíssimos.

    — Por acaso lhes dei licença para entrar? — gritou Tobias.

    — Vá pro inferno a licença. Queremos falar com você coisa muito importante. — Respondeu Pereira, que pelo jeito liderava o grupo.

    — O que estão... — Quis saber Tobias, mas, foi cortado por Barbino outro açougueiro muito irado.

    — Queremos saber quem vai pagar o prejuízo que tivemos hoje em nossos açougues.

    — Que prejuízo? — conseguiu falar o prefeito.

    — Uns malditos fiscais estaduais, chamados por você para nos multar vieram, nos multaram e jogaram querosene nas carnes de nossos açougues. — respondeu aos gritos Pereira.

    — E o que eu tenho a ver com isso?

    — Já falei! Você está nos perseguindo, chamou os malditos fiscais para nos prejudicar. Não adianta negar. Queremos que nos pague o prejuízo que tivemos.

    — Isso mesmo! Temos despesas pra pagar, temos casa e família para sustentar, quem vai cobrir nossas contas — completou Barbino.

    — Isso mesmo! — concordaram mais atrás os outros, cerca de dez companheiros.

    — Ninguém vai lhes pagar coisa nenhuma! — gritou Tobias levantando-se da cadeira. — Vocês estão vendendo carnes irregulares, sem notas, produtos de abates clandestinos. Recorram na Justiça! E sumam daqui!

    — Você não vale nada Tobias! — gritou Pereira. — Vamos expulsar você daqui muito em breve! Tem que voltar o nosso amigo Bino. Aquele sim era prefeito. Nos protegia!

    — Isso mesmo! Ele nos protegia. Nenhum fiscal entrava na cidade para nos prejudicar. Se entrasse ele expulsava o desgraçado. Você vai sair voando dessa mesa, isso nós prometemos! Desgraçado! Ordinário! Vagabundo! — berrou Barbino iniciando a retirada, caminhando de lado enquanto falava.

    Deixaram o gabinete, proferindo os mais agressivos xingamentos ao prefeito. Se já eram contra o novo prefeito, agora assumiram a condição de inimigos perigosos.

    Lá fora, um deles, não identificado contornou o prédio até a vidraça da sala que haviam acabado de deixar e berrou:

    — Compre urgente o caixão maldito! Vai precisar dele por estes dias.

    — Quem será ele? — perguntou Tobias assustado.

    — O vitrô embaçado não deixa saber com certeza, quem é. O que importa é a ameaça de morte que ele te fez. — respondeu o vereador Patrício.

    Tobias saltou da cadeira e correu para fora.

    — Qual dos açougueiros gritou na minha janela? — perguntou fixando cada um dos que na sala ao lado aguardavam para falar com ele.

    — Não vi quem foi — responderam todos.

    O prefeito retornou para seu gabinete, balançando a cabeça enojado. Voltou para a sua cadeira e correu a mão por sobre os cabelos demoradamente, como sempre fazia quando estava nervoso.

    — Só isso me faltava! Sair daqui e enfrentar um fiscal que está correto, certíssimo no desempenho de sua função. Que absurdo! Ou, pior ainda, pagar o prejuízo que tiveram com a perda das carnes adquiridas irregularmente, porque: se fosse o ex-prefeito pagaria.

    — Não. Não falaram que ele pagaria, — emendou o vereador Patrício — falaram que não deixaria o fiscal chegar sequer na cidade, muito menos fiscalizá-los.

    Esse episódio acrescentou mais força ao falatório contra o prefeito. A cada dia que passava, mais comerciantes e fazendeiros do município, os considerados formadores de opinião, engrossavam a fileira dos difamadores de Tobias, não se importando do quão mentirosas eram suas afirmações.

    Numa tarde, no encerrar do expediente; Neco entrou no gabinete com ar preocupado.

    — Por que essa carranca Neco?

    — Preocupação, Tobias.

    — O que está acontecendo?

    — Oras, você está sabendo.

    — Mas, quero ouvir de sua boca. Fale!

    — A pressão está muito forte.

    — Pressão?

    — O município todo não fala outra coisa, só difamação e ameaças contra a sua administração e contra a sua vida.

    — Mas, porque? Não estamos fazendo nada errado!

    — Até eles sabem disso. Não estão preocupados se você está errando ou acertando. Querem te ver fora. Os chefes, coordenadores de toda essa campanha difamatória contra você, estão em constantes reuniões, estimulando mais pressão sobre você e seu governo. Quanto mais pressão melhor, dizem eles! Criam novas mentiras difamatórias, uma atrás da outra, e agora já anunciam que você vai renunciar em poucos dias. Garantem que não chegará à metade da sua gestão.

    — Mas, ninguém vai acreditar nisso, Neco!

    —Já estão acreditando. Lembre-se da técnica de persuasão do nazismo: O importante não é o fato, mas a versão que se dá a ele.

    — Hum! Inacreditável! — gemeu Tobias passando a mão por sobre sua cabeça preocupado. — Quanta bandidagem!

    — Outra coisa; vai reformar o matadouro?

    — É minha intenção. Só estou esperando a liberação da verba.

    — Não sei se vai te ajudar ou te prejudicar ainda mais.

    — Está louco Neco? Como pode essa obra me prejudicar? Ela é imprescindível! Seria um crime de minha parte ignorar a situação calamitosa e criminosa que o ex-prefeito manteve por tanto tempo, toda população desta terra, comendo carne porcaria, sem nenhum controle, carne de gado acidentado, doente e envenenado por agrotóxicos. Impossível não tentar modificar essa situação. Tenho que ao menos tentar mudar isso!

    — A sua intenção é mais que louvável Tobias. O problema é a armação dos bandidos nessa obra.

    — Explique Neco, não estou entendendo. O que te revelou desta vez seu recadeiro?

    — Contou-me que a oposição já se adiantou.

    —Hum?

    — Incumbiu um funcionário da prefeitura, para orquestrar um desastroso serviço de mão de obra nessa reforma, plantando condições para ser embargada futuramente quando o ex-prefeito Bino voltar.

    — Você está falando a verdade, ou são conjecturas suas?

    — Verdade!

    — Imagine que o Peva vai endossar uma bandalheira dessa!

    — O seu mal é ser muito confiante nos outros, sabia? Já aceitou e já estão festejando o embargo do matadouro. Você precisa mudar esse modo de ver as coisas. Precisa enxergar a realidade, estamos lidando com bandidos Tobias! Bandidos sim! Ainda está com espírito de seminarista! Seja mais esperto, homem! Mais vivo! Mais desconfiado! Se conseguir a verba, afaste o Peva da fiscalização e coloque pessoas idôneas para supervisionar a obra.

    Tobias permaneceu em silêncio, com feição crispada, olhando com ar enigmático seu auxiliar. Neco então, meio encabulado levantou-se e se retirou, sem dizer mais nada.

    — Acredito e sei que são bandidos, mas, não a tal ponto. Não! Não chegarão a tanto, jamais! — Resmungou Tobias.

    Nisso tocou o telefone. Ele apanhou e o levou ao ouvido.

    — Alô!

    Sua vida está por poucos dias maldito. A bala que te mandará para o inferno; já está em minhas mãos.

    — Alô! Quem fala? Quem está falando? Quem... Desligou a linha.

    Tobias muito pálido abaixou o aparelho lentamente, olhando para o alto fixando o nada. Por um bom tempo permaneceu assim, pensativo e muito preocupado. Em seguida pôs o telefone no gancho e só então percebeu que tremia; tremia muito.

    — Meu Deus do céu! Custo acreditar — monologou.

    Encostou os cotovelos na mesa e pôs seu rosto entre as mãos e permaneceu assim por alguns minutos se recuperando do impacto da ameaça.

    Não! Não me farão nada, tenho certeza. É só ameaça. Não tem coragem de cumprir. Não têm. Ele é bandido sim, mas não tanto.

    Enquanto Tobias buscava abrigo na confiança de que a oposição jamais extrapolaria os limites da falação, o município em geral, era envolvido cada vez mais, por inúmeros comentários depreciativos e ofensivos contra ele.

    Embora não lhe parecesse, sua estabilidade emocional em sua vida particular e até no cargo que ocupava, dava sinais de abalos, levando preocupação aos que lhe cercavam. Nesse clima, ele se esforçava ao máximo para que os ataques, contra sua pessoa, não afetassem a intensidade de seu desempenho à frente do governo que exercia.

    — Não tem moral para me agredir assim — resmungava seguidamente pra si mesmo.

    Noutra ocasião, reuniram-se na casa de Tobias vários de seus amigos. O prefeito estava exausto da viagem que fizera a capital naquele dia, em busca de verbas para diversas obras no município, confessou o cansaço ao Neco e ao vereador Doriva, seus amigos mais próximos:

    — Tenho que reconhecer que a difamação que me foi despejada pelos bandidos, está surtindo efeito em meio a população.

    — Por que diz isso Tobias — perguntou o vereador Doriva.

    — Por que nas vistorias que fiz nas estradas e prédios escolares na zona rural na semana passada, percebi o distanciamento e a forma fria com que o povo está me tratando de uns dias para cá.

    — Falei pra você, não falei? A pressão está muito forte nos comentários desairosos que despejam contra você e sua administração —concordou Neco...

    — Estou sinceramente surpreso com essa campanha difamatória desencadeada por eles, contra tudo o que eu faço. Pior! — completou o prefeito. — Estou sendo tomado por uma tensão que nunca senti antes.

    — Já que estamos falando sinceramente — falou o vereador Doriva, fixando o prefeito — Já devem estar sabendo que os nossos adversários estão agora, dando o prazo de seis meses para a sua renúncia. E com toda empáfia, prometem, que se não renunciar morre.

    — Mas, quem fala isso, Doriva? A gente precisa chamar na Justiça esses ameaçadores. Isso não pode continuar assim!

    — A gente pergunta, ninguém sabe, nessa hora todos fogem do assunto...

    Assim a situação do prefeito Tobias, já na metade do primeiro ano de governo, a cada dia que passava mais difícil ficava, muitos de seus companheiros de partido abalados ante a intensidade de acusações disparadas contra seu líder, se acovardavam, preferindo escudar-se de defendê-lo das injustas ofensas e, para não ficar destoantes da onda dominante, concordavam com as calúnias, voltando-se traiçoeiramente contra o próprio companheiro. Com isso, o confronto que até então se limitara às raias da disputa partidária, avolumava-se perigosamente em direção à pessoa do Tobias.

    Barutanga já fora palco de sérios e preocupantes embates políticos partidários em décadas anteriores, quando por diversas vezes se sucederam em suas ruas violentos confrontos entre partidários políticos antagônicos, mas, nunca se presenciara ali, uma verdadeira compressão estrangulante de um político, por meio de perseguição organizada, verbal, rasteira e imoral como a que agora agitava todo aquele município.

    Lá no interior do paço municipal, Tobias se espremia inconfortável, a cada notícia que lhe chegava de novas críticas criadas pelo grupo adversário e distribuídas por todo município, pelos seus fortes enredeiros e fanáticos seguidores dos inimigos de Tobias, constituídos em sua maioria por aposentados e por muitos refratários ao trabalho.

    — Puxa! Mas, a tudo o que faço e até ao que planejo fazer, eles irrompem contra a minha administração, acusando-a de errada, de defeituosa, e não satisfeitos atingem até a minha pessoa, com calúnias, difamações e injúrias! — Lamuriou-se Tobias desconsolado, fixando o Neco e o vereador Doriva a sua frente.

    — Como se a gestão do ex-prefeito, tivesse sido correta — emendou o vereador Doriva

    — É bem assim mesmo! — Falou Neco — As pessoas olham e criticam o remendo da calça do próximo, despreocupando-se da vergonhosa exposição de sua própria nudez.

    — Por que você não contrata uma auditoria independente que faça um exame minucioso na gestão dele nos quatro anos anteriores e verifica se ela foi tão ilibada como querem dar a entender — sugeriu Neco.

    Tobias fitou fixamente o amigo, estendeu o braço e com o indicador apontado para ele disse:

    — Você tem razão. É o que vou fazer. Vamos tirar a limpo se o bandido tem moral para me difamar como vem fazendo.

    — Brilhante ideia sua viu Neco! — concordou o vereador Doriva. — Tenho certeza que a auditoria vai descobrir cobras e lagartos nos porões do governo anterior; tenho certeza que vai.

    De fato, plenamente de acordo com o sugerido pelos seus fiéis amigos, Tobias decidiu perscrutar com atenção especial, a administração da Prefeitura de Barutanga, referente ao quatriênio anterior.

    Algum tempo depois, uma equipe de auditores independentes examinou todas as entranhas da administração anterior. Os profissionais trabalharam ali vários meses fechados num forte mutismo. Nada diziam ou revelavam do que examinavam. Ao termino do levantamento, entregaram o resultado ao prefeito Tobias,

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