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O Despertar Místico De Um Anti-herói
O Despertar Místico De Um Anti-herói
O Despertar Místico De Um Anti-herói
E-book138 páginas1 hora

O Despertar Místico De Um Anti-herói

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Sobre este e-book

A caminhada de um ser rebelde e inquieto rumo ao autoconhecimento e à contemplação. O Despertar Místico de um Anti-Herói, narra as duas etapas da história de um personagem que se sente perdido em sua própria rebeldia e vulgaridade, mas que acaba encontrando na estrada, montado em sua moto, uma nova forma de perceber a vida. A improvável mistura entre motos, álcool, brigas, filosofia e espiritualidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de out. de 2018
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    O Despertar Místico De Um Anti-herói - Jonivan De Sá

    InkedCaptura de tela 2018-10-01 18

    É um homem que promete? Ou que cumpre? Um conquistador? Ou um herdeiro? Um outono? Ou uma relha de arado? Um médico? Ou um convalescente?

    É um poeta? Ou alguém que diz a verdade? Um libertador? Ou um dominador? Um bom? Ou um mau?

    Eu ando entre os homens como entre os fragmentos do futuro, desse futuro que contemplo.

    Nietzsche

    PARTE I

    EREMITA: PERDIDOS ENTRE A MÁ LITERATURA E AS LOJAS DE CONVENIÊNCIA

    EREMITA: PERDIDOS ENTRE A MÁ LITERATURA E AS LOJAS DE CONVENIÊNCIA

    I

    Pague pra ver. O ar gelado entrando pelas narinas é o que nos faz mais vivos. Se um dia o ar deixar de entrar, esqueça. Acabou. Hora descansar para o que vem depois. Sabe-se lá o que vem depois. A moto se comportava incrivelmente bem na estrada. Eu já estava a umas cinco horas de casa. Há uma hora havia entrado na região montanhosa da serra. Vales, verde e tudo mais que pode fazer bem para uma pessoa na minha situação. Inconsciente. Atmosfera saudável e mística. Apavorado demais com a miséria alheia. E por alguma ordem misteriosa que vinha de dentro, disposto a mergulhar de cabeça em tudo aquilo que fosse medíocre e humano. É a fraqueza dos fortes em tempos de guerra. Se deixar levar por tudo o que nos afasta de nós mesmos, mas, que no fim das contas, nos permite conhecer melhor as pessoas, as coisas, o mundo. O que acontece por aí. Quem vive e como vive. Se é que vive. Ao final, nos faz conhecer melhor nós mesmos. Nada pode pagar isso.

    Naquela manhã terminei a papelada de transferência da casa. Cedo já pude me livrar disso. Havia vendido por um bom preço. A especulação imobiliária havia acabado de me fazer um homem ainda mais livre. Com os duzentos mil reais rendendo alguma quantia na poupança e a minha pensão eu poderia viver algum tempo por ai. Rodando de cidade em cidade. Quem sabe, aplicando pequenos golpes. Tudo ajuda. Mais dia, menos dia, a sede de viver vai nos transformar em desajustados. Falo do ponto de vista judicial. Quem tem alguma coisa na cabeça, mais dia, menos dia irá quebrar uma lei ou outra. É inevitável. O processo de autoconhecimento passa por isso. Conhecer é em algum nível, transgredir. Seja uma lei, um sagrado mandamento ou uma placa na estrada. Nunca se sabe.

    Despedi-me da casa. Pus meu velho colchão no lixo. Já havia me livrado de tudo mais. Talvez eu nunca mais visse aquela maldita casa. Seria demolida, certamente. Bem, que se foda. Serviu-me como deveria e pelo tempo que deveria. Depois de passar no cartório para acertar os papéis, tomei café no posto de gasolina na saída da cidade. Com os fones tocando Black Alien e Speed, Jah Jah Overall e pensando que pro Thomas Kuhn a verdade científica não passa de uma convenção entre compadres. Por muito tempo achamos que a verdade residia em algum lugar livre da nossa influência. Ledo engano. Emporcalhamos tudo. Mas seguimos no constante esforço por limpar o espaço que ainda nos resta. Alguns de nós, digo. Quanta ciência há por traz de um rap da velha guarda? Uma torrada enorme com presunto, queijo e bife; uma também enorme xícara de café: um homem não precisa de muito, afinal. A moto estacionada ali fora, brilhando no sol, parecendo um caminhão de mudanças. De certa forma, acabou se transformando em algo semelhante a isso.

    Fim da linha para mesmice. Nesse primeiro dia, iria rodar até não conseguir mais ficar sentado na moto. Vinha fazendo uns quinhentos quilômetros quando resolvi parar no próximo posto que aparecesse. O lugar estava cheio de caras com harley-davidsons, vestindo coletinhos com oitocentos e cinquenta e seis patches variados. Motoqueiros de moto-encontro. Há uma distancias bem grande entre nós. Graças ao bom e justo Deus. Estacionei a moto e passei por eles de cabeça baixa, em direção à conveniência.

    – Vocês fazem torradas?

    – Claro, respondeu a atendente.

    Gente inocente, pensei. Deve passar dez horas por dia no balcão daquela loja. O que uma pessoa assim pensa? Crises existenciais? Afetam-se pelo que acontece no conflito entre a Palestina e Israel? Café preto ou com leite? A teoria do conhecimento deveria realmente valorizar aspectos históricos ou ensaiar um retorno forçado à busca pelo segredo último da natureza? Penso que deveriam tentar conciliar as coisas através de uma espécie de interconexão entre história, conhecimento e sentimentos a partir da construção de uma disciplina que unisse epistemologia, psicologia e práticas pedagógicas diferenciadas. Alguém deveria tentar.

    – Bem, me faz uma torrada, então, por favor.

    Eu poderia viver facilmente de torradas e café, pensei mais uma vez. Quando saí da conveniência um dos caras das motos veio até mim.

    – Está indo para o moto-encontro?

    – Não. Vocês são daqui? Indaguei.

    – Sim, estamos indo pro moto-encontro.

    – Sabe me dizer onde eu consigo pó aqui perto?

    – Pó?

    – Sim, uma buchinha de cinquenta.

    O cara chegou mais perto e perguntou:

    – Cocaína?

    – Isso. Cocaína gostosa.

    – Não, cara, a gente não é dessas coisas.

    – Eu imaginei.

    Se afastou todo cagado. Sempre funciona. Deixa-os completamente sentimentais. Abasteci a porra da moto e saí correndo. Eu geralmente pergunto por armas:

    – Sabe onde eu consigo uma ponto quarenta?

    – Não, cara, não. Jamais.

    Eles ficam doidinhos.

    II

    O ar gelado. A tarde já ia alta quando comecei a pegar trânsito mais intenso na rodovia. Isso sempre indica a proximidade de grandes centros urbanos. Era exatamente esse o caso. Seiscentos quilômetros depois, eu estava cansado pra caralho. Na primeira merda de cidade que aparecer, eu paro. Dito e feito. Alguns quilômetros adiante em meio ao trânsito ainda mais intenso surge a entrada da cidade. Há vários anos, já havia estado ali. Pessoas conhecidas. O passado. Que se foda.

    A entrada levava direto à avenida central. O que facilita a vida de quem procura alguma pensão barata. Segui o fluxo. Horário de pico. Sem muito esforço encontrei uma rua cheia de hotéis. De todos os tipos. Com fachadas luxuosas e os mais econômicos. Estacionei a moto na frente de um do segundo tipo. O sol já começava a se pôr. Deixei a moto bem na porta, onde poderia ver enquanto acertava as condições no balcão da portaria. Depois de tudo acertado, eles me indicaram onde era a entrada da garagem. Havia um portão de metal, parecia seguro. Se eu fosse sair à noite, o pessoal me daria uma chave do portão.

    – Bem, talvez eu precise.

    – Tudo certo, é só pedir aqui na portaria.

    Abri o portão, liguei a moto e entrei. Fechei o portão. Havia bastante espaço na garagem. Era um hotel pequeno e barato, mas com essa garagem bem grande. Cabiam uns trinta carros e mais algumas motos ali dentro. Com espaço de manobra acima do convencional. É do tipo de coisa que nos completa como seres humanos: uma garagem espaçosa, cerveja na promoção, dinheiro fácil. Mulheres afim.

    Um dia, fui melhor que tudo isso. Há muito tempo. Antes desta vida. Vivia calmo, meditativo. Na beira de um rio, entoando cânticos sagrados. Atraindo bons espíritos. Não hoje. Chegou o tempo de se afundar no seio da humanidade. Em toda a sua podridão e inconsciência. Mais um entre muitos. Mais disposto a fazer merda do que a maioria dos demais. Com condições de fazê-lo. O que agrava um pouco mais a situação. Sempre tenho a impressão de um dia ter sido melhor. Espiritualmente falando. Mas também tenho a latente curiosidade em conhecer o que há abaixo da linha da lucidez e da calmaria que nos leva a estágios espirituais avançados. Um dia, fui melhor que tudo isso. Um dia, voltarei a ser melhor. Não hoje. Nem amanhã. Talvez depois.

    Sentia-me um playboy enquanto tomava um banho quente, no meu pequeno quarto. Dia de semana, fora do período de férias. Esses hotéis ficavam realmente baratos. Baratos e vazios. Perfeito. Poucas coisas conseguem ser tão agradáveis quanto um lugar barato e vazio. Não tenho mais casa. De maneira completamente ingrata e fria, abandonei todo e qualquer laço familiar sabe-se lá até quando. E esse era, então, o primeiro dia. Banho quente e descanso. Nada mais justo. Deitei na cama e liguei a merda da televisão. Crise política. Crise econômica. Estamos afundando. Um dia, nada disso terá importância. Um dia, as pessoas vão rir do quão sem sentido tudo era.

    Vesti-me e fui até à portaria.

    – Estou saindo pra jantar agora. Vou precisar da chave do portão.

    – Tá na mão! Disse o cara atrás do balcão, enquanto jogou a chave pra mim.

    – Tem um esquema bom há umas três quadras daqui, completou. Arroz, feijão, bife e fritas. Fica à esquerda.

    – Pode crer. Valeu mesmo.

    Fui à garagem e liguei a moto. Maravilha. Ela estava mais leve sem toda aquela tralha de mochilas e tudo mais. O ronco daquela merda sempre pode melhorar o dia de alguém. Rodei pelo centro da cidade até encontrar o lugar mais podre que havia na região. Estacionei, sentei em uma mesa na calçada. O garçom se aproximou com o cardápio.

    – Arroz, feijão, bife e fritas.

    – Certo, sai em uns vinte minutos.

    – Beleza. Me traz uma cerveja de litro.

    – Certo.

    Enquanto o pedido não vinha, fui ao banheiro. Era um banheiro apertado com apenas um sanitário e uma pequena pia. Quando abri a porta, me deparei com um cara, debruçado

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