A Segregação Socioespacial No Distrito Federal
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A Segregação Socioespacial No Distrito Federal - Richard Wilson Borrozine De Siqueira
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e tem no Distrito Federal, a sua capital, uma das unidades da federação cuja segregação é bastante evidente. Essa desigualdade normalmente é expressa em termos de restrições ao acesso à educação, saúde, oportunidades, bens e serviços, capacidade de participação e influência política, condições econômicas, financeiras, salariais, entre outras. A desigualdade social também se vincula aos efeitos acumulados de políticas e crises passadas, associados às estruturas sociais vigentes, em um encadeamento histórico que se prolonga em meio às contradições. Essa situação envolve especificidades como a alta participação governamental na renda, emprego e decisões políticas associadas a processos históricos acumulados de segregação física direta e processual – gradual como elementos da dinâmica de acumulação do capital e crises recorrentes que ainda trazem fortes consequências para o tempo atual.
No Brasil, a desigualdade nos remete a diversos problemas com alvo muito bem definido, como aponta Villaça (2011, p. 14): A obscena desigualdade que existe na sociedade brasileira se manifesta na enorme segregação que se observa em nossas cidades. Essa segregação cria um ônus excepcional para os mais pobres e uma excepcional vantagem para os mais ricos
.
Outra relação importante a ser observada, conforme assinala Villaça (2011) no trecho acima, é que a desigualdade é um dos vetores da segregação (urbana), ou seja, a desigualdade contribui fortemente para a divisão de classes no espaço urbano. De fato, uma das implicações socioespaciais da desigualdade, pode ser definida como segregação socioespacial que não se restringe à de cunho urbano. A segregação socioespacial pode ser definida como a separação, divisão, apartamento, etc. no espaço entre grupos (exemplos: classes sociais, grupos religiosos etc.) que tendem à homogeneização e manutenção dessa divisão como uma expressão de suas desigualdades e diferenças, dificultando, assim, o relacionamento e a integração social – processo que pode ter raízes históricas e ainda ser atenuado ou acentuado, dependendo das dinâmicas, estruturas, decisões políticas e econômicas envolvidas, bem como pela ocorrência de crises e seus efeitos como desemprego, queda de renda, despossessão etc.
A segregação no Brasil é uma das mais elevadas do mundo na medida que o país é um dos mais desiguais, embora essa associação não possa se dar automaticamente, pois são conceitos diferentes (desigualdade e segregação) e também porque o conceito polissêmico de segregação permite amplas e complexas abordagens e gradações interpretativas como veremos. De todo modo, alguns autores, como Negri (2008, p. 150-151), reforçam a questão socioeconômica como fator principal da segregação com implicações socioespaciais:
No caso do Brasil, a maioria das pesquisas demonstra que o principal tipo de segregação encontrada é a socioeconômica, por meio da qual as classes sociais distribuem-se de forma desigual no espaço urbano das grandes e médias cidades. Dessa forma, surge uma estrutura urbana dualizada entre ricos e pobres, uma organização espacial corporativa e fragmentada, onde as elites podem controlar a produção ou o consumo da cidade, através de instrumentos como o Estado e o mercado imobiliário, excluindo e abandonando a população de baixa renda à própria sorte. Em suma, o espaço é utilizado não como um mero reflexo das condições sociais, mas como um condicionador dessas. Parte-se do fato que é a desigual distribuição espacial dos segmentos sociais que causa o aumento das diferenças sociais. E isso acontece quando as desigualdades sociais são estruturadas no espaço e adquirem uma feição espacial.
A segregação pode ocorrer por meio de imposições explícitas (ex: remoção de favelas, demolição de cortiços, expulsão de grupos populacionais etc.) ou por meio de induções mais camufladas
com ampliação das restrições para determinados grupos minoritários em determinados locais pelo estabelecimento de regras específicas e proibitivas, dado o perfil do grupo a ser segregado ou ainda no âmbito de contextos que direta ou indiretamente levem grupos sociais a morar apartados ou segregados, em geral por razões socioeconômicas ou como resultado de projetos e políticas governamentais que orientam tal processo a delimitá-los em determinado espaço – nesse último caso uma segregação induzida
.
Outro tipo de segregação, a chamada autossegregação, ocorre especialmente entre grupos sociais que se posicionam de forma autotutelada e se afastam por razões como diferenças culturais, étnicas, religiosas, por questões de segurança e medo de violência etc., morando em condomínios residenciais murados, vilas etc., ou seja, espaços fechados à livre circulação de pessoas e com restrição à comunicação, compartilhamento de vivências e coexistência entre classes (ou etnias, culturas etc.) que não são as dos próprios integrantes desses condomínios e espaços fechados. É possível ponderar diferenças sobre a autossegregação, mas estas não criam uma categoria diferente ou especial de segregação – trata-se, essencialmente, de um tipo de segregação.
Vetter et al. (1981) demonstram haver relação direta entre as ações do Estado e a segregação. Segundo os autores, as ações do Estado têm impacto direto na segregação residencial na medida que as intervenções públicas seletivas alteram a renda do solo e beneficiam o mercado imobiliário que se apropria dos benefícios da valorização. Os autores apontam que é necessária uma avaliação da apropriação dos benefícios líquidos gerados pelos investimentos do Estado para análise da estrutura espacial da cidade. Para eles, esses investimentos do Estado dão início a uma causação circular que alimenta os processos de segregação socioespacial residencial em que as escolhas de localização dos bens e serviços geram desigualdades, na medida que resultam no favorecimento de uns em detrimento de outros. Nesse sentido, as áreas beneficiadas são afetadas em relação ao custo da terra (valorização imobiliária) e ao custo de moradia (tributos, tarifas e serviços). E essas mudanças impactam sobre a segregação residencial, redistribuindo os grupos socioeconômicos no espaço. O Estado pode ser parcialmente ressarcido desses investimentos por meio do pagamento de contribuições de melhoria por parte de particulares beneficiados.
Não obstante a questão da distribuição dos benefícios líquidos das ações do Estado, é importante notar a questão do discurso social. Essa questão nos remete a reflexões sobre o papel do Estado na produção do espaço (veremos este último conceito adiante). Rodrigues (2007, p. 75) aponta problemas e contradições nos discursos dominantes acerca disso:
No discurso dominante, o Estado parece estar acima das contradições e conflitos que produzem e reproduzem a desigualdade socioespacial, considerada um problema que será solucionado com o desenvolvimento econômico e planejamento territorial urbano. Na matriz discursiva dominante, o desenvolvimento é promovido pelos agentes tipicamente capitalistas de produção do espaço urbano e pelo Estado. Os agentes não tipicamente capitalistas, como os que produzem a cidade com autoconstrução, mutirão, favelas, ocupações coletivas, parecem ser apenas os causadores dos problemas. A produção do espaço pelos diferentes grupos societários é abstraída, pois não faz parte do mundo idealizado. Os problemas advindos da urbanização, como a segregação espacial, são tidos como causas e como desvios de um modelo de urbanização cujo pressuposto é a cidade ideal.
O discurso social está vinculado à influência dos poderes econômicos e políticos constituídos no âmbito do Estado e promovido pelas elites sobre a população em geral. Este discurso embasado no poder ideológico é um forte aliado à dominação nesse processo, como nos ensina Bobbio (1997, p. 11):
[...] ao lado do poder econômico e do poder político, o poder ideológico, que se exerce não sobre os corpos como o poder político, jamais separado do poder militar, não sobre a posse de bens materiais, dos quais se necessita para viver e sobreviver, como o poder econômico, mas sobre as mentes pela produção e transmissão de ideias, de símbolos, de visões de mundo, de ensinamentos práticos, mediante o uso da palavra.
No âmbito do Estado há elementos ideológicos notórios que certamente alimentam diretrizes quanto às ações e planejamentos governamentais, sobretudo, no caso de uma capital política de um país como o Brasil – esta que foi criada em um movimento pró acumulação do capital, lastreado na produção do espaço, com a transferência da capital do Rio de Janeiro para a região central do país, para além de outras razões como minimização dos efeitos desestabilizadores das insatisfações populares no âmbito das crises dos grandes centros urbanos, interiorização do desenvolvimento econômico, facilidades estratégicas de defesa territorial em tempos que as distâncias terrestres e centralidade eram importantes na defesa nacional, intensificação ou estímulos à acumulação de capital etc.
De fato, um dos entes mais desiguais do Brasil é o Distrito federal que contém a capital Brasília e que possui especificidades importantes a começar por uma história de desigualdade econômica, social e espacial atrelada às disputas fundiárias, planejamento urbano e práxis da segregação, exploração do trabalhador, transporte privado em detrimento do público, participação lucrativa do Estado na produção, mercantilização e especulação do espaço em meio a disputas políticas das oligarquias locais com captura de agentes públicos e processos de corrupção sistêmica e intensiva no âmbito de estratégias de acomodação de interesses diversos e sedimentação das práxis políticas e de arrefecimento de conflitos.
O binômio Cidades Satélites – Plano Piloto, oriundo de um processo de segregação explícito, embora tenha perdido parte do significado com as novas dinâmicas e centralidades polinucleares, ainda