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O Programa Bolsa Família e a Questão Social em um Território de Fronteira
O Programa Bolsa Família e a Questão Social em um Território de Fronteira
O Programa Bolsa Família e a Questão Social em um Território de Fronteira
E-book493 páginas6 horas

O Programa Bolsa Família e a Questão Social em um Território de Fronteira

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Sobre este e-book

O livro de Denise Rissato vem a púbico justamente no momento em que o Instituto Brasileiro de Geogra?a e Estatística (IBGE) indica que 50 milhões de brasileiros vivem na linha de pobreza, sendo que 13,5 milhões vivem em pobre-za absoluta. O caráter imperativo da política pública nele analisada — o Progra-ma Bolsa Família — situa-se, primeiro, em permitir transcender a linha da fome absoluta de milhares de crianças e, como tal, livrá-las da morte precoce. Mas também incide sobre a diminuição do trabalho infantil, a escolaridade obrigató-ria para os bene?ciários e, na medida em que se torne uma política de Estado com controle democrático, pode ter impactos na economia e estimular a luta pelo acesso de outros direitos básicos.
A forma necessária e imperativa dessa política social e de outras, porém, acaba por revelar que a questão social é a desigualdade estrutural em nossa socieda-de e que, portanto, a necessidade é de lutar por reformas estruturais para superá-la. Uma tarefa árdua, pois, como mostram Florestan Fernandes (2005; 2009) e Francisco de Oliveira (2003) em suas análises sobre nossa formação histórica, a classe dominante brasileira tem na manutenção da pobreza estru-tural e na negação sistemática da universalização da educação básica os pilares de sua dominação. Para tanto, vale-se da manipulação populista das massas e, sempre que há alguma mudança mais signi?cativa no plano dos direitos sociais, apela para ditaduras ou golpes de Estado. O último, em 2016, acabou entre-gando o poder a um campo de forças de extrema direita que está liquidando com o país. Essa estratégia tem como ?m o uso do aparato do Estado para a defesa e a manutenção dos privilégios de uma minoria de ricos. A prova inequí-voca disso está em que, em plena pandemia, o Brasil produziu mais 35 novos bilionários e a fortuna de 42 bilionários brasileiros cresceu em 34 bilhões de dólares, cerca de 180 bilhões de reais.
O leitor terá neste livro base para entender por que o Bolsa Família, nos curto e médio prazos, é uma necessidade, que, porém, não pode ser eterna. Portanto, um livro que nos interpela para lutar contra as estruturas que produzem a desigualdade em nosso país.

Gaudêncio Frigotto
Docente do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana - UERJ/RJ
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de jun. de 2022
ISBN9786525020938
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    O Programa Bolsa Família e a Questão Social em um Território de Fronteira - Denise Rissato

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    O Programa Bolsa Família

    e a Questão Social

    em um território de fronteira

    Editora Appris Ltda.

    1.ª Edição - Copyright© 2022 da autora.

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis n.os 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.

    Catalogação na Fonte

    Elaborado por: Josefina A. S. Guedes

    Bibliotecária CRB 9/870

    Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT

    Editora e Livraria Appris Ltda.

    Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês

    Curitiba/PR – CEP: 80810-002

    Tel. (41) 3156 - 4731

    www.editoraappris.com.br

    Printed in Brazil

    Impresso no Brasil

    Denise Rissato

    O Programa Bolsa Família

    e a Questão Social

    em um território de fronteira

    [...] na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais [...] e o modo de produção da vida material, condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência

    (Karl Marx, 1982, p. 25)

    APRESENTAÇÃO

    Por que o Estado importa contra

    as desigualdades sociais?

    Este livro resulta de um trabalho de investigação cuja ênfase lançou luz sobre um dos problemas mais dramáticos da exploração da classe trabalhadora: o trabalho infantojuvenil. Não é um trabalho sociológico, em sua essência, pois foi realizado por uma economista, mas sem sombra de dúvidas vai além de uma abordagem econômica, desvelando, a partir da identificação de um cenário dramático de envolvimento de crianças e adolescentes no trabalho, na maior parte das vezes ilegal, o papel necessário do Estado em desenvolver políticas públicas de acolhimento e de superação da desigualdade.

    É também um livro contra a violência, violência cruel contra crianças e adolescentes, que abandonam as escolas para buscar sustento complementar para suas famílias, em face da crescente pobreza, em um processo que acaba gerando, por exemplo, altos índices de homicídios na adolescência — 9,7 por mil habitantes, no período pesquisado, enquanto a média nacional era de 2,0 por mil. São, segundo a autora, milhares de crianças e adolescentes que se mantêm, ano a ano, envolvidos em atividades de comércios, como guias ou carregadores e, tragicamente, no tráfico entre fronteiras internacionais, na cidade sede da tríplice fronteira brasileira, Foz do Iguaçu, no Paraná.

    Uma nova face da cidade é mostrada por Denise Rissato. Cidade turística internacional, molhada pelas brumas das famosas Cataratas do Iguaçu; iluminada pelas luzes e jatos de águas nos escoadouros da maior represa nacional, a Represa de Itaipu; com comércio farto do outro lado da Ponte da Amizade, por onde circulam milhares de pessoas para compras comerciais no maior shopping a céu aberto do mundo, na Ciudad del Este, no Paraguai; e com belos restaurantes e resorts no lado argentino da fronteira, Foz do Iguaçu é correntemente identificada com um cenário de riqueza que, no entanto, esconde um submundo de tráfico e pobreza.

    Qual a responsabilidade do Estado e quais políticas públicas podem ser implementadas para mitigar, senão reverter, esse grau de desigualdade? Foi com o propósito de buscar debater o fenômeno que a economista se aventurou em uma investigação profunda sobre o Programa Bolsa Família (PBF), um programa de transferência de renda condicionado à educação, à saúde e à assistência social dirigido às populações pobres e extremamente pobres (RISSATO, 2021, p. 24), conforme sua definição. Temos assim um esforço analítico de uma economista que não se deixa legar pelas teorias de crescimento econômico e da produção da riqueza, empenhando toda a sua expertise na economia política, pondo ênfase no desenvolvimento social, na mitigação da pobreza, na redução das desigualdades. Com isso, a autora demonstra com muita competência que nas sociedades capitalistas, a pobreza não decorre da escassez de bens e serviços, mas sim da má distribuição da renda e da riqueza socialmente produzidas (RISSATO, 2021, p. 26).

    Cabe destacar que este livro é uma coroação bem-sucedida da experiência da produção do conhecimento em caráter interdisciplinar e da cooperação acadêmica interinstitucional. O texto tem por base a tese de doutoramento da autora, defendida no Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH/UERJ), como resultado de pesquisa desenvolvida no âmbito de um Doutorado Interinstitucional (Dinter-Capes) entre o PPFH/UERJ e a Universidade do Oeste do Paraná (Unioeste), ao longo do qual vários professores do programa ministraram disciplinas na cidade de Foz do Iguaçu, podendo, com isso, acompanhar mais de perto, em campo, a complexa realidade estudada.

    O PPFH é um programa interdisciplinar constituído por pesquisadores de diversas áreas e disciplinas, que estabelecem juntos uma dinâmica de troca de conhecimentos e de realização permanente de seminários. Essa não é uma prática generalizada no Brasil, onde predomina a produção científica com base em conhecimento disciplinar, ancorada em teorias e métodos afeitos a uma ou outra disciplina. A inexistência de uma área científica interdisciplinar no CNPq é uma evidência desse fato.

    A experiência de interlocução e formação do programa, em particular na oportunidade criada com o Dinter, permite entender que, em um curso formado com pesquisadores das áreas de Educação, Filosofia, História, Sociologia, Economia, Geografia, Psicologia, Saúde Pública e Serviço Social, o debate sobre fenômenos sociais, como o tratado pela autora deste livro, pode ser produzido por diferentes olhares e ênfases, possibilitando o aprofundamento teórico necessário para abordar a violência infantojuvenil em uma perspectiva sociológica, da educação escolar, da saúde pública e da assistência social em um ambiente geográfico complexo como o da tríplice fronteira.

    Todos esses saberes, manejados com eficiência por uma economista que empenha seus conhecimentos às causas sociais, produziram como resultado o livro que o leitor ou a leitora tem agora em suas mãos e que, com certeza, traz uma contribuição inestimável para a compreensão da questão da pobreza e do desafio de construção de políticas sociais capazes de enfrentá-la em um país estruturalmente desigual como o Brasil.

    Floriano Godinho de Oliveira

    Professor associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

    PREFÁCIO

    AS POLÍTICAS SOCIAIS VISTAS A PARTIR

    DE SUAS FRONTEIRAS

    A história da emergência e do desenvolvimento de uma política social em cada contexto nacional pode se tornar uma obra de ficção se não forem levadas em conta as complexas relações a partir das quais essa política efetivamente se constitui. Isso pode envolver relações concernentes às condições de formação econômico-social do país em estudo, às condições de participação desse país em diferentes conjuntos ou blocos político-econômicos em nível internacional, à sua posição histórica de dependência ou dominação, aos contextos políticos de consolidação e expansão do Estado em seu sentido ampliado no contexto estudado e às mútuas influências entre diferentes políticas no curso de sua formação histórica, dentre outras.

    Em um país tão marcado pelo desenvolvimento econômico e social desigual, como o Brasil, todos esses aspectos são importantes e exigem o desenvolvimento de estratégias de investigação e análise condizentes. Mas arriscamos defender que a apreensão das relações entre políticas públicas se apresenta como um desafio cujo grau de dificuldade merece, da parte dos que estudam, pesquisam e atuam nessas políticas, atenção e cuidados bastante especiais.

    Primeiramente, porque o desenvolvimento econômico e social desigual implica a produção histórica de desigualdades territoriais e institucionais extremamente diversas e complexas, com repercussões importantes sobre o reconhecimento jurídico de direitos sociais e sobre a definição e realização de políticas capazes de garantirem o exercício dos direitos pactuados.

    As intensas disparidades territoriais do Brasil, por si, tendem a frear o desenvolvimento de leis que definam, em bases claras e abrangentes, direitos sociais referenciados nas formas mais avançadas eventualmente logradas em alguns pontos do território nacional. O estoque de disparidades a enfrentar é, em geral, um dos motivos da contenção do avanço e da abrangência das disposições jurídicas sobre direitos: para não se tornarem peças simplesmente retóricas, as leis devem guardar alguma correlação com suas possibilidades concretas de execução, bastante frágeis em um país com tantos sujeitos à margem dos mais elementares direitos e com estruturas político-administrativas tão díspares.

    Mas as assimetrias políticas alimentadas pelas desigualdades estruturais são certamente o motivo principal. Como alertam pensadores políticos fundamentais, como Antonio Gramsci (2002, 2012) e Florestan Fernandes (1974), as desigualdades estruturais incidem sobre as condições de participação política. A ocupação desigual dos postos de autoridade e de decisão envolve a produção e a apropriação de verdadeiros excedentes de poder (FERNANDES, 1974) influentes no próprio desenvolvimento das forças sociais políticas que poderiam disputar futuros mais promissores para as políticas referidas a direitos. E essa assimetria política tem correspondências institucionais importantes, implicando limitações estruturais em variados aspectos da própria administração pública: na constituição do fundo público e nos padrões de sua aplicação; na organização das bases técnicas da gestão; na montagem e manutenção das bases institucionais para a realização de serviços, dentre outros.

    Um dos resultados dessas disparidades é a enorme diferenciação das condições de realização de políticas públicas dentro de cada setor de atuação do Estado, impedindo que termos gerais como política de saúde, política de educação ou política de assistência designem formas minimamente unitárias de realização concreta de cada política.

    Outro resultado é a diferenciação entre políticas, já que a demora histórica na organização de um Estado capaz de estruturá-las e expandi-las implica que elas se desenvolvam permanentemente segundo ritmos e orientações desiguais, apresentando, dentre outros problemas, padrões distintos de distribuição territorial e de cobertura populacional, bases financeiras e institucionais não equivalentes, bem como funções compensatórias que, na prática, adiam a efetiva expansão de serviços verdadeiramente públicos.

    Aqui reside, de nosso ponto de vista, uma segunda dificuldade para a apreensão das relações entre políticas: como essas relações não se dão em contextos e entre setores igualmente estruturados, podem apresentar motivações e formas de realização muito variadas no tempo e no espaço, obrigando que os estudos, as pesquisas e as análises se ancorem em

    critérios, procedimentos e estratégias que levem à identificação adequada das variações e, ao mesmo tempo, as situem apropriadamente na dinâmica de que participam.

    Este foi o princípio norteador da pesquisa que deu origem a este livro, relacionada à tese de doutoramento da economista Denise Rissato — que tive a oportunidade e a satisfação de orientar — sobre as condições de realização de uma política de transferência de renda de destacada relevância na configuração da política social brasileira nos últimos 20 anos: o Programa Bolsa Família.

    Realizada no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPFH/UERJ), em um curso de Doutorado Interinstitucional (Dinter) vinculado à Universidade do Oeste do Paraná (Unioeste), a pesquisa de Denise Rissato analisa o referido programa em uma cidade média brasileira (Foz do Iguaçu, no Paraná) localizada na tríplice fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina), buscando ressaltar o quanto as relações entre contextos econômico-sociais distintos e entre políticas públicas em diferentes estágios de organização influem na definição das suas efetivas condições de realização.

    Sob vários aspectos, é um trabalho que toma o que poderíamos chamar de situação de fronteira como uma referência central para a delimitação empírica e para a orientação analítica do estudo realizado.

    A situação de fronteira está evidentemente presente na cidade de Foz do Iguaçu, não apenas por sua localização geográfica, mas principalmente, pela sua importância regional. As fronteiras terrestres do Brasil são extensas, mas poucas cidades de fronteira apresentam um peso similar na dinâmica de relações econômicas e sociais cotidianas regionais, uma dinâmica que incide nas formas de configuração e exploração do trabalho, incluindo problemas relativos à situação infantojuvenil, com implicações importantes para o delineamento e a execução de políticas relacionadas à questão da pobreza e suas múltiplas expressões. O trabalho de Denise Rissato apreende de forma extremamente sensível essas implicações e as coloca no centro das reflexões sobre os desafios da política analisada, mostrando a pertinência de sua vinculação à escolarização, à atenção à saúde e à garantia de assistência.

    Essa vinculação acaba evidenciando outra situação de fronteira empírica e analiticamente relevante para o estudo: as fronteiras entre políticas.

    Do ponto de vista das delimitações político-administrativas do território, as fronteiras podem ser entendidas como linhas que demarcam precisamente limites entre domínios espaciais correspondentes ao exercício do poder institucionalizado, como no caso dos limites entre nações e entre unidades subnacionais, como os estados e municípios, no Brasil.

    Do ponto de vista político e sociológico, porém, a noção de fronteira não designa necessariamente essas linhas de demarcação instituídas. Ao contrário, pode se referir também a áreas cujos limites são ainda difusos, encontrando-se em disputa ou expansão. É nesse sentido, por exemplo, que são feitas as discussões de Francisco de Oliveira (2003) sobre as condições de expansão da fronteira agrícola, no Brasil. Longe de afirmar a fronteira como uma linha estática de demarcação territorial protegida pela força da lei, Oliveira descortina toda uma dinâmica de expansão da propriedade fundiária, ancorada em disputas desiguais e ilegais do uso da terra ou amparada em políticas governamentais de legalidade muitas vezes artificial e duvidosa.

    É nesse sentido que a noção de fronteira nos parece fecunda para assinalar as áreas em que ocorrem relações fundamentais entre políticas em constituição, áreas de encontros e desencontros, de aproximações e estranhamentos, nas quais as supostas especializações e autoridades vão sendo interpeladas por realidades em que os problemas não são setorializados e as supostas especificidades e responsabilidades setoriais vão sendo questionadas pelos desafios de atuação conjunta ou complementar; áreas nas quais as definições prévias do escopo, das funções e da cobertura de cada política vão sendo colocadas à prova pelos novos desafios de ação.

    O estudo de Denise Rissato debruça-se sobre cada uma das principais políticas setoriais que constituem e conferem base institucional à realização do Programa Bolsa Família — a política de educação básica, de saúde pública e de assistência social. Mas não o faz como se cada uma dessas políticas fosse um universo próprio e bem delimitado. Inspirado na dinâmica contraditória da vida em uma área de fronteira, o estudo toma as áreas nebulosas entre políticas como fundamentais para a identificação e compreensão das suas condições concretas de realização e dos desafios que se evidenciam para os profissionais e pesquisadores não conformistas.

    Estruturado sobre sólida pesquisa bibliográfica, documental e de campo, bem como sobre a rigorosa correlação entre informações quantitativas e aspectos sensíveis da realidade estudada reconstruídos por meio de pesquisa qualitativa, o texto agora publicado apresenta ao leitor, de forma densa

    e clara, variados aspectos das condições objetivas e subjetivas de realização do referido programa que possibilitam discutir em profundidade as questões relacionadas ao seu alcance social, às conquistas que apresenta, aos seus impasses técnicos, político-administrativos e institucionais e aos desafios de superação de suas limitações. Por suas características e inegáveis qualidades é, sem sombra de dúvidas, um estudo de referência para profissionais consolidados e em formação vinculados a variadas políticas setoriais sociais, bem como para pesquisadores do campo de políticas públicas, contribuindo de variados modos para a ampliação do conhecimento sobre o tema e do reconhecimento de sua importância acadêmica, social e política.

    Rio de Janeiro, janeiro de 2021.

    Eveline Algebaile

    Professora associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

    Referências

    FERNANDES, Florestan. Mudanças sociais no Brasil. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1974.

    GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política. v. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

    GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: Il Risorgimento italiano. Para uma história das classes subalternas. v. 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

    OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista – O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003.

    LISTA DE SIGLAS

    Sumário

    ESTADO E POBREZA NO CONTEXTO DO CAPITALISMO DEPENDENTE

    OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA de renda CONDICIONADA NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE E A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA COM O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

    QUESTÃO SOCIAL, POBREZA E RISCO INFANTOJUVENIL EM FOZ DO IGUAÇU

    PROGRAMA BOLSA FAMILIAEM FOZ DO IGUAÇU: IMPLANTAÇÃO, REALIZAÇÃO E LIMITES

    INTRODUÇÃO

    Neste livro são apresentados e discutidos os resultados de uma investigação a respeito das incidências do Programa Bolsa Família (PBF) sobre a pobreza, sobre o trabalho infantojuvenil e os fatores de risco social a ele associados, que afetam crianças e adolescentes de famílias beneficiárias do programa, no município de Foz do Iguaçu, inserido no contexto da tríplice fronteira Argentina-Brasil-Paraguai.

    Foz do Iguaçu é um município situado no extremo oeste do Estado do Paraná, constituído por um lento processo de ocupação desde o período colonial, que, até meados dos anos 1960, foi praticamente ignorado pelas autoridades estaduais e federais, tornando-se uma espécie de refúgio para muitas famílias que, expulsas e expropriadas de suas terras durante os embates pela legalização da posse dessas terras no interior do Paraná, buscavam uma nova oportunidade para se estabelecer. A partir de 1968, o município foi transformado em Área de Segurança Nacional pelo governo militar brasileiro, que visava impor-se hegemonicamente na América do Sul. Em decorrência do modelo econômico adotado, o município recebeu investimentos em infraestrutura turística, abertura e fomento do comércio de fronteira, bem como a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Atraídas pelas oportunidades de emprego e pelas promessas de prosperidade, milhares de pessoas afluíram para o município e região.

    Contudo, antes mesmo do encerramento das obras de construção da hidrelétrica, grandes contingentes de população pobre já se faziam presentes em Foz do Iguaçu, situação que se agravou ainda mais a partir dos anos 1990, com a finalização da obra da represa e a consequente demissão de milhares de trabalhadores que no ápice do neoliberalismo brasileiro, ficaram expostos a toda sorte de vulnerabilidades sociais e econômicas (CATTA, 2009). É nesse espaço geográfico e social que a pesquisa apresentada neste livro foi realizada.

    Desde que cheguei em Foz do Iguaçu, no ano 2000, tenho observado e acompanhado o cotidiano dessa região e das pessoas que aqui vivem, sobretudo suas estratégias de sobrevivência e a forma como produzem a sua própria existência. Nesse sentido, pude observar, ao longo desses anos, as profundas contradições que caracterizam esse território. Ao mesmo tempo que se verifica uma grande circulação de pessoas de classe média e alta, em seus carros importados, de turistas de todas as partes do Brasil e do mundo e de bens e serviços destinados a satisfazer os sonhos de consumo dessas pessoas, também se observa um imenso número de pessoas, de todas as idades, falando diferentes idiomas, pedintes de todos os tipos, pais e mães de família, sem carteira de trabalho, oferecendo bugigangas e produtos dos mais variados tipos por alguns poucos trocados, muitos a pedir um pouco de comida, outros atravessando a Ponte Internacional da Amizade como verdadeiras mulas, carregando fardos de mercadorias nas costas, com semblantes cansados, não apenas do trabalho duro e penoso, mas, sobretudo, da falta de melhores perspectivas.

    Enquanto as autoridades oficiais de cada um dos três países procuram criar e fortalecer a ideia de que os habitantes que vivem do outro lado dos rios Paraná e Iguaçu são estrangeiros (CATTA, 2009), o que se vê é uma circulação contínua e incessante de pessoas com múltiplos destinos, uma multidão que, de alguma maneira, tenta sobreviver à força coercitiva das autoridades, aos perigos e riscos do trabalho ilícito, à perspicácia dos ladrões de bolsos e de sonhos, ao fantasma do desemprego, da fome e da desesperança.

    Contudo uma das questões que mais tem me inquietado é a situação das crianças e adolescentes que vivem e trabalham nessa região de fronteira. Bastam algumas poucas horas andando na área da divisa de Foz do Iguaçu com o Paraguai, nas proximidades da Ponte Internacional da Amizade, para constatar o grande número de crianças e adolescentes que andam pelas ruas, vendendo doces, brinquedos e as mais diversas quinquilharias, circulando livremente de um lado a outro da fronteira, muitas vezes desacompanhadas de um adulto responsável.

    Essa realidade social passou a ganhar maior visibilidade, a partir de meados dos anos 2000, diversas pesquisas que foram realizadas na região da tríplice fronteira colocaram em evidência um quadro social caótico marcado pela violação de direitos e por diferentes formas de exploração e violência praticadas contra crianças e adolescentes, especialmente as mais pobres. Dentre os principais problemas identificados, destacou-se o trabalho infantojuvenil em atividades informais e, até mesmo ilegais, relacionadas ao comércio transfronteiriço. Esses estudos mostraram que o trabalho precoce realizado em situações de extrema periculosidade e vulnerabilidade, em muitos casos, tem favorecido o aliciamento dessas crianças e adolescentes pelo crime organizado, contribuindo não apenas para altas taxas de reprovação e de evasão escolar, mas também para elevados índices de violência e mortalidade infantojuvenil na região (UNICEF, 2005; BESERRA;

    GRIGOLETO, 2006; SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA; FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA; OBSERVATÓRIO DE FAVELAS – LAV/UERJ, 2009; LUZ; FERRONATTO, 2009).

    Esses trabalhos revelaram que esse território, mais do que uma demarcação do espaço geográfico, caracteriza-se como uma fronteira de civilizações marcada pela luta de classes e pelas barbáries que nela se ocultam. Observa-se que Foz do Iguaçu, enquanto rota internacional e parte integrante dessa fronteira trinacional, é um espaço social diferenciado, no qual a pobreza, a desigualdade de renda, a falta de emprego, a fome, a miséria e a violência se acentuam e ganham maior complexidade, submetendo e sacrificando vidas, sobretudo daqueles que se encontram em uma situação peculiar de desenvolvimento como as crianças e os adolescentes.

    Desde que cheguei em Foz do Iguaçu, no ano de 2000, também pude ver a questão da pobreza roubar a cena e tornar-se o objeto principal das políticas sociais propostas pelas agências multilaterais e pelos governos nacionais. Depois de cerca de duas décadas de descaso com os problemas sociais, sob a hegemonia das ideias, das políticas e das reformas neoliberais, que resultaram no agravamento da pobreza dentro das nações e entre elas e, não era mais possível, simplesmente ignorar a miséria em que vivia a maioria da população mundial, seja porque a pobreza extrema passou a ameaçar a coesão e a paz social, seja porque o novo ciclo de expansão do capital passou a exigir novas estratégias que incluíam, ainda que em nova proporção e de novo modo, o crescimento dos mercados consumidores nos países em desenvolvimento. O debate crítico sobre os novos quadros econômico-sociais engendrados no contexto neoliberal e sobre as políticas criadas para enfrentá-los, dá visibilidade a uma multiplicidade de aspectos e argumentos acionados para justificar as interpretações e proposições hegemônicas.

    Connell (2000), dentre outros aspectos, destaca que, de um modo geral, os proponentes e formuladores dessas políticas de enfrentamento da pobreza partem do pressuposto da existência de uma cultura de pobreza, assumindo que a vida em situação de miséria é capaz de produzir ideias e comportamentos que se reproduzem de geração em geração, perpetuando a pobreza.

    Assim, com o intuito de romper com esse ciclo de reprodução da pobreza e inspirados na ideia de Amartya Sen (2010), de que a pobreza não decorre apenas da privação de renda, mas também do não acesso aos serviços sociais elementares, tais como a educação, a saúde, a moradia e a assistência social, os organismos internacionais e suas agências passaram a recomendar a adoção de políticas que, em alguma medida, vinculassem a superação da pobreza ao acesso aos serviços básicos de saúde, educação e assistência social.

    Foi nesse contexto que, a partir de meados dos anos 1990, os países latino-americanos, inclusive o Brasil, iniciaram a implementação dos primeiros programas de transferência de renda condicionada destinados às famílias em situação de pobreza. Naquela época, o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou dois programas de transferência de renda condicionados à educação dirigidos às populações pobres — o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), em 1996, e o Programa Bolsa-Escola, em 2001.

    No ano de 2003, no primeiro ano de mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), um homem de origem popular, sindicalista, trabalhador aposentado e militante político eleito por uma expressiva parcela da população brasileira que via em sua plataforma de governo a possibilidade de construção de um projeto societário alternativo àquele em curso, foi criado o Programa Bolsa Família (PBF), objeto da pesquisa apresentada neste livro.

    Cabe lembrar que, em 2003, o Brasil era um país corroído por profundas contradições econômicas, sociais e políticas, cuja tragédia social se expressava nas dezenas de milhões de homens, mulheres e crianças vivendo abaixo da linha de pobreza. Foi naquele contexto que foi implantado o PBF com os objetivos de combater a fome e a pobreza, de promover o acesso à rede de serviços públicos e fomentar a emancipação sustentada das populações em situação de pobreza.

    Desde a sua criação, em 2003, o PBF, um programa de transferência de renda condicionado à educação, à saúde e à assistência social dirigido às populações pobres e extremamente pobres, foi gradualmente expandido e passou a ser o maior instrumento de política social brasileira em número de beneficiários. Em 2014, onze anos depois de ter sido criado, existiam 29.164.446 famílias registradas no Cadastro Único para Programas Sociais do Ministério do Desenvolvimento Social (CadÚnico), sendo que 19.420.635 dessas famílias eram consideradas pobres, pois recebiam uma renda per capita familiar mensal de até R$ 154. Desse total de famílias, 14.095.333 encontrava-se em situação de extrema pobreza vivendo com uma renda familiar per capita mensal de R$ 77. No mesmo período, 99,34% dessas famílias extremamente pobres (um total de 14.003.441 famílias) foram atendidas pelo programa Bolsa Família no ano de 2014 (BRASIL, 2015d).

    Esses resultados, além de evidenciarem uma significativa expansão da política de proteção social brasileira, têm colocado o Brasil em um lugar de destaque no cenário internacional, como um país que tem avançado no sentido de superar a pobreza. Como exemplo disso, pode-se destacar uma notícia veiculada pela Agência Brasil, em 5 de março de 2013, anunciando que o Brasil iria sediar a Iniciativa de Conhecimento e Inovação para a Redução da Pobreza, um banco de experiências voltado ao estudo e a partilha internacional de políticas públicas e tecnologias sociais bem-sucedidas. Em entrevista dada à Agência Brasil em 5 de março de 2013, Jim Yong Kim, presidente do Banco Mundial (BM), afirma que a iniciativa reconhece o Brasil como um líder global na redução da pobreza e da desigualdade (AGÊNCIA BRASIL, 2013a).

    No dia 29 de abril de 2013, a Agência Brasil de Notícias divulgou uma reportagem com o título OIT: Bolsa Família contribui para redução do trabalho infantil, referindo-se ao Informe Mundial sobre o Trabalho Infantil publicado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), no qual a pobreza é apontada como um dos principais fatores que favorecem a exploração do trabalho infantil e no qual também são apresentados resultados obtidos na redução da exploração do trabalho infantil em alguns países que implementaram programas de transferência de renda às famílias pobres e extremamente pobres, inclusive o Brasil. De acordo com o referido informe da OIT, desde a sua criação, o Programa Bolsa Família contribuiu para reduzirem 8,7% a exploração do trabalho infantil no campo e 2,5% nas áreas urbanas (AGÊNCIA BRASIL, 2013b).

    Ao acompanhar tanto a realidade social enfrentada pelas famílias extremamente pobres e suas crianças e adolescentes, em Foz do Iguaçu e na região da tríplice fronteira, quanto as notícias e os debates políticos e acadêmicos sobre o PBF, uma série de questionamentos passaram a me inquietar, dentre os quais destaco: essa política pode contribuir para promover o desenvolvimento social e humano e contribuir para ampliação da oferta e do acesso aos serviços sociais públicos? Quais, de que modo e em que medida, os fatores objetivos e subjetivos interferem na realização dessa política? Em que medida o PBF pode contribuir para a redução do trabalho infantil que afasta as crianças da escola e de uma infância digna e as submetem às mais brutais e sutis formas de exploração do trabalho infantil, em um espaço social tão diferenciado, com tantas oportunidades tentadoras e aparentemente vantajosas, como as que existem na fronteira? Quais são as possibilidades e os limites desses programas no contexto local aqui exposto?

    Depois de um longo tempo de estudos e pesquisas, as reflexões e discussões sobre as questões anteriormente mencionadas ganharam a forma deste livro, que ora apresento ao debate. Nele, proponho uma discussão sobre os possíveis alcances e limites do PBF no enfrentamento da pobreza extrema e da exploração do trabalho infantil em atividades comerciais no território da tríplice fronteira, assumindo que este último, por si só, constitui-se em um fator de risco para o desenvolvimento e a vida de crianças e adolescentes pobres que vivem na região, na medida em que subtrai o tempo que deveria ser dedicado às atividades formativas e lúdicas essenciais para o desenvolvimento e a saúde infantojuvenil e favorece a sua exposição a outras situações de perigo e risco com as quais, por sua condição peculiar de desenvolvimento, não estão aptas a lidar.

    Desde já, apresento a tese afirmada ao longo deste livro: considerando que, nas sociedades capitalistas, a pobreza não decorre da escassez de bens e

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