Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Morganwish-walker
Morganwish-walker
Morganwish-walker
E-book391 páginas5 horas

Morganwish-walker

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Sarah Louise Morganwish e Andrew Walker. Duas pessoas que, mesmo vivendo em mundos tão diferentes, tendo sofrido perdas e decepções, e nada sabendo um sobre o outro, foram guiadas por forças maiores que governam o destino e o carma de todos os seres. Prefiro pensar que a vida tem sempre um meio de nos recolocar na estrada – na nossa estrada. Aquilo que chamamos de acaso, sorte, destino. Pode parecer engraçado eu falar sobre destino, quando prezo pela racionalidade da existência. Só que a própria razão revela que existem coisas que estão, indubitavelmente, destinadas a acontecer. Por exemplo: todo rio nasce destinado a se tornar mar. O homem pode interferir em seu curso, drená-lo... A natureza pode até secá-lo. Ainda assim, o rio cumprirá o seu destino, já que após evaporar, se juntará ao mar quando retornar em forma de chuva. Não há como negar a mão do destino em se tratando de rio e mar. A própria existência... Todos nós nascemos destinados a morrer. MORGANWISH-WALKER, escrito por Lydia Gomes, é um livro que celebra o amor e a força de nossas raízes – sejam elas humanas ou mágicas. 41 capítulos que nos inspiram aos bons sentimentos, à conquista da felicidade, à paz, ao melhor que há em cada um de nós.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de jul. de 2020
Morganwish-walker

Leia mais títulos de Lydia Gomes

Relacionado a Morganwish-walker

Ebooks relacionados

Ficção Geral para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Morganwish-walker

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Morganwish-walker - Lydia Gomes

    LYDIA GOMES

    MORGANWISH-WALKER

    MORGANWISH-WALKER

    Lydia Gomes

    Todos os direitos reservados.

    Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização prévia da autora.

    Romance escrito em 2013, com 1ª edição publicada em 2014.

    3ª edição

    Ano de publicação desta edição: 2020

    Conceito de capa e arte final: Lydia Gomes

    Dados bibliográficos

    GOMES, Lydia [Lydia Martha de Mendonça Gomes]. Morganwish-Walker. Romance. 3ª edição. Nova Friburgo, 2020.

    Em memória de minha avó materna, que sempre se divertiu com as minhas invencionices.

    Em memória de meu pai, que foi um grande fã das obras de Sir Arthur Conan Doyle.

    Aos meus filhos.

    MORGANWISH-WALKER

    CAPÍTULO 1

    Este é um daqueles momentos em que a vida nos obriga uma parada estratégica, tendo como objetivo a arrumação de tudo o que se encontra fora do lugar.

    Sinceramente, lido de modo relativamente natural com limitações – desde que as coisas que me são caras estejam à minha disposição: as pessoas que eu amo, meu material de pesquisa, meus livros...

    Por outro lado, fico completamente sem ação quando me sinto essencialmente tolhida.

    É claro que, a qualquer minuto, do nada, pode surgir algum veículo neste fim de mundo e me resgatar da morte eminente.

    [NOTA: parece excessivamente dramático, e talvez seja, mas a verdade é que se nada acontecer nas próximas horas, a noite cairá e eu ficarei à mercê da neve e dos habitantes selvagens desta região.]

    Não sei por quanto tempo ainda terei bateria na filmadora para gravar este depoimento, mas é a única maneira de eu me manter lúcida, calma e, literalmente, à espera de uma bela virada no cenário do dia.

    Preciso manter minha capacidade de raciocínio; preciso encontrar uma solução.

    Como eu estava dizendo... Ah, sim... As pausas que a vida vez por outra nos obriga a fazer.

    Ok. Tenho vinte e cinco anos razoavelmente bem vividos. Não tenho muitos amigos, mas os que tenho valem por mil. Não visito meus pais desde as férias de verão do ano retrasado e nossas conversas online estão ficando cada vez mais raras. Deixei Langford – lugar onde nasci e fui criada – logo depois de ter concluído o Sixth Form na cidade vizinha. Parti em busca dos sonhos que me ensinaram a cultivar desde menina: cursar arqueologia e trabalhar num grande museu. E agora, cinco anos depois, sou uma antropóloga – descobri, na hora exata, que este, sim, era um sonho completamente meu – que se dedica à observação cultural das mais distintas civilizações, e que escreve pequenos artigos para uma revista especializada em antigas culturas. Meu trabalho é, através da antropologia, criar uma ponte entre os velhos costumes e os costumes contemporâneos. Algo incrivelmente válido, visto do alto, mas nada eficaz para a minha vida, se observarmos com mais atenção.

    Meus artigos são tão pequenos que nem eu mesma os noto quando, finalmente, são publicados.

    Não que eu não saiba escrever ou tenha preguiça de ir além da trigésima linha.

    Meu editor, Robert Nownlie, até simpatiza comigo, mas não me dá o respaldo profissional que concede aos demais.

    Acho que é uma questão de idade... Bom, ao menos eu espero que seja.

    O fato é que, possivelmente, na visão dele, uma recém-formada não tem bagagem suficiente para criar pontes entre sociedades, ideias e ideais.

    Possivelmente, torno a dizer, ele imagina que, com o passar dos anos e tendo vivido, realmente, grandes experiências, minhas boas palavras possam se transformar em palavras essenciais, como aquelas escritas por Jeffrey Thompson – o articulista número um da Essential Observatory Magazine.

    Nada tenho contra Mr. Thompson, deixo bem claro. Tampouco contra Mr. Nownlie.

    Sou grata pela chance de estar empregada dentro da minha área – o que, cá entre nós, nem sempre acontece – e ainda poder conviver com pessoas realmente experientes.

    O que me incomoda é não ser levada tão a sério quanto eu gostaria – nenhum dos artigos que escrevi foram publicados na íntegra ou tiveram destaque nas páginas da revista.

    Às vezes, tenho a sensação de que meus artigos são usados mais como uma espécie de tapa buracos da diagramação, do que pelas observações que faço.

    Pronto, vida. Se era isso o que você queria que eu admitisse ao forçar essa pausa me prendendo no meio desta pseudo estrada que leva de nenhum lugar a lugar nenhum, missão cumprida.

    Eu, Sarah Louise Morganwish, admito que minha vida profissional é uma porcaria, porque ninguém me leva a sério de fato, ninguém respeita as pesquisas que eu faço, ninguém se importa com as palavras que eu escrevo.

    Admitido está. Sendo assim, vida, você já pode fazer essa minha imitação de carro voltar a funcionar, ou mandar algum veículo parar por aqui, ou devolver o sinal ao meu celular, ou até me teletransportar para um belo café em Paris, Nova Iorque, Tóquio, Rio de Janeiro... Apenas me tire daqui!

    [NOTA: descontroles acontecem quando sua água acabou, não há comida, não há qualquer sinal de vida humana, e você fica na dúvida sobre onde o frio está mais intenso: dentro ou fora desta porcaria de carro.]

    Ok, vida. Parece que não é apenas sobre meu lado profissional que você quer que eu reflita.

    Vejamos... Já admiti que não tenho muitos amigos – e volto a dizer que os que tenho valem por mil.

    Minha relação com meus pais é tranquila, mas distante.

    Vida afetiva eu não tenho desde que namorei Doug Swanson, há dois anos, quando ainda estávamos na universidade.

    Não por qualquer tipo de trauma. Pelo simples fato de achar difícil encontrar alguém que entenda esse meu jeito de ser.

    Em vez de pubs... Noites e madrugadas perdidas com leituras sobre civilizações antigas.

    Em vez de acessórios, sapatos, roupas sensuais... Moletons, pantufas com carinhas de bichinhos – daquelas que toda criança ama calçar – e mais livros.

    Nem mesmo um carro decente eu consegui comprar, porque preferi investir minhas economias em um velho, porém espaçoso, estúdio, onde cabiam todos os meus papéis, todas as minhas caixas.

    Olhando por esse lado, foi realmente melhor não ter cursado arqueologia. Imagine só o que eu iria querer guardar...

    Enfim...

    Que homem deseja se relacionar com uma mulher que está mais interessada na influência de antigas culturas na sociedade contemporânea, do que nas incríveis peripécias do seu pênis?

    Eu gosto de pênis. Só não acho que ele deva ser separado da parte pensante.

    Sou mais racional do que eu mesma gostaria, admito. Mas não sei ser diferente.

    Por favor, que ninguém confunda racionalidade com frieza. Sou apenas alguém que ao invés de ser conquistada pela pele, ou pelo estômago, prefere ser conquistada pelo que lhe alimenta o pensar.

    Por mais que meus pais tenham me criado dentro de um conceito filosófico intrinsicamente conectado com os conceitos aplicados pela teologia, e por mais que as sociedades antigas que tanto despertam meu interesse tenham, sempre, ao menos uma teoria sobre espiritualidade, decidi, há tempos, me libertar de qualquer expressão dogmática, focando minha atenção nessa oitava maravilha da natureza: a mente humana.

    Mais fácil eu me apaixonar por um pensamento do que por um corpo.

    Então, como alguém tão distante assim dos impulsos e dos sentidos pode ter uma vida afetiva?

    Por favor, vida, me dá um desconto.

    Prometo que se você me tirar daqui, vou tentar ser mais aberta a investidas românticas – só, por favor, me mande alguém que, além de usar o pênis use, e bem, o cérebro.

    Agora me tira daqui!

    [NOTA: não vou ficar mais justificando qualquer descontrole.]

    Droga!

    Se eu fico no carro, não acho nada ou alguém que possa me ajudar.

    Se eu saio do carro e parto em busca de ajuda, posso não encontrar nada, ninguém, e ainda me perder.

    Droga!

    Pense, Sarah. Pense!

    Seja você mesma, Sarah Louise Morganwish!

    Vejamos... Como as pessoas lidam com situações adversas?

    Buscando apoio na sociedade, no grupo.

    E quando um ser está só?

    Faz exatamente o mesmo. Busca apoio.

    Preciso sair e buscar ajuda.

    Mochila, celular, filmadora, chave do carro e botas perfeitas para trilhas cobertas por neve. E é em momentos como este que eu agradeço por não gostar de saltos.

    Tudo o que eu preciso fazer é memorizar, ao máximo, o caminho percorrido. Assim, posso voltar para o carro se começar a nevar ou se a situação se complicar.

    Vou deixar a filmadora ligada até a bateria acabar. Mesmo que não mantenha um foco específico – qualquer foco –, continuo com o registro de todas as coisas que estão passando pela minha mente.

    [NOTA: comparar este depoimento com outros registros de pessoas em situações adversas.]

    Minha última lembrança de civilização me remete há cerca de duas horas. Descontando o tempo em que eu fiquei trancada, com o carro já parado, restam-me cerca de uma hora e meia.

    Se eu levei quase duas horas de carro sem ver qualquer vilarejo ou casa isolada, é sinal de que voltar por aonde eu vim seria a pior das minhas opções.

    Posso seguir em frente, seguindo esta via louca que eu encontrei. Mas tenho que levar em consideração o fato de que nada e ninguém veio de lá para cá – onde quer que seja este lá.

    Também posso inventar uma rota alternativa... Algo que apenas alguém a pé consiga seguir.

    Onde está o Bear Grylls quando se precisa dele?

    [NOTA: ver todos os programas sobre sobrevivência na natureza, incluindo os do Mr. Grylls.]

    Voltar pela mesma estrada, nem pensar. Sendo bem racional, vejamos... Cara, criar nova rota; coroa, seguir em frente. E a escolhida foi...

    Deus salve a Rainha!

    Nova rota, aqui vou eu.

    Atenção ao caminho, Sarah. Preste bastante atenção.

    Guarde imagens, sons, cheiros. Guarde tudo aquilo que possa servir de referencial.

    E quando voltar para casa, por favor, lembre-se de sentar-se com o Mr. Nownlie, explicando a ele exatamente como você se sente sobre seus artigos publicados com o devido cuidado de quem precisa, e muito, do salário que recebe no final do mês.

    Acho que ter essa conversa vai ser importante para mim, tanto quanto prestar mais atenção a tudo aquilo que, de um modo ou de outro, vem me incomodando há algum tempo.

    Aliás, para ser muito sincera, está mais do que na hora de eu começar a prestar atenção no que se passa ao redor – e não apenas pela necessidade de marcar o caminho.

    Fiquei tão indignada com o carro quebrado, que nem me dei conta de como é belo este lugar.

    É estranho observar a natureza de dentro dela.

    Estamos tão acostumados a passar – apenas passar – pela natureza, que quando desejamos observá-la a fundo, sentamos diante da televisão.

    Como se fora da caixa mágica em alta definição, a natureza servisse apenas para atender aos nossos anseios.

    Exatamente assim como eu, hoje.

    Mal encerrei meu almoço e já estava na estrada, seguindo rumo ao noroeste.

    Havia combinado de me encontrar com uma senhorinha que vive em Llanymynech e que conhece muitas estórias de antes e do pós-guerra.

    Por telefone, acertei minha estadia num bed & breakfast da mesma região onde vive Mrs. Ivy Gwiwdyr e não me preocupei em traçar qualquer outra rota alternativa – exatamente o contrário do que estou fazendo agora.

    Fazendo agora...

    Ok, Sarah. Este lugar é realmente fascinante, mas você precisa se concentrar no caminho. Falta pouco tempo para escurecer.

    Está tão frio que até os animais estão entocados. Se houver alguma morada por aqui, vai ser mais fácil encontrá-la observando o céu, ao invés do chão.

    Ninguém, em sã consciência, estaria num frio deste sem o aconchego de uma lareira acesa.

    Eu preciso apenas subir um pouco mais e, de lá, observar o céu em busca de algum sinal.

    [NOTA: estudar sobre o início das comunicações através da fumaça.]

    Caminho entre árvores de azevinho – que ficam ainda mais belas em contraste com o branco da neve.

    Tudo é tão quieto por aqui.

    Mesmo que eu não estivesse registrando meus pensamentos neste depoimento, tenho a sensação de que tudo ao redor poderia ouvir o que me vem à mente, por tão grande ser o silêncio que se revela nesta hora.

    Mais alguns passos, e já poderei ter uma visão melhor do lugar em que estou.

    As árvores esconderiam qualquer construção, mas a fumaça não.

    Eu só preciso de uma chaminé ativa.

    Por favor, vida, me ajuda. Já que teletransporte está fora de cogitação, esquece o café em Paris e me dá uma chaminé ativa. Basta uma...

    Uma...

    Só uma...

    É Isso! Finalmente, vida humana além da minha!

    Muito bem, vida! Muito bem!

    Preciso apenas descobrir como chegar lá sem me perder no caminho.

    Posição: duas horas.

    Um descampado após os azevinhos e... Aquelas árvores... Que árvores são aquelas? Daqui não consigo reconhecer.

    O importante é manter a posição e atravessar o descampado. A construção está entre as árvores que surgirão logo a seguir.

    Checagem de bateria da filmadora: suficiente, eu acho.

    Eu deveria estar filmando minha conversa com Mrs. Gwiwdyr, mas estou descendo em busca de um sinal de vida, enquanto gravo tudo o que se passa pela minha pensante mente.

    Se meus pais soubessem a aventura inesperada que estou vivendo, certamente diriam que é obra divina, ou algo assim.

    Prefiro pensar que a vida tem sempre um meio de nos recolocar na estrada – na nossa estrada.

    Aquilo que chamamos de acaso, sorte, destino.

    Pode parecer engraçado eu falar sobre destino, quando prezo pela racionalidade da existência. Só que a própria razão revela que existem coisas que estão, indubitavelmente, destinadas a acontecer.

    Por exemplo: todo rio nasce destinado a se tornar mar.

    O homem pode interferir em seu curso, drená-lo... A natureza pode até secá-lo. Ainda assim, o rio cumprirá o seu destino, já que após evaporar, se juntará ao mar quando retornar em forma de chuva.

    Não há como negar a mão do destino em se tratando de rio e mar.

    A própria existência... Todos nós nascemos destinados a morrer.

    Claro que muitos falam sobre a influência do destino nas mínimas questões do dia a dia, só que isso me levaria a pisar em terreno que abandona a razão.

    Lynda e Terence Morganwish, meus pais, afirmariam, com todas as forças, que o destino, por interferência divina, quis que meu carro quebrasse e eu fosse obrigada a caminhar rumo ao desconhecido – o que eles certamente chamariam de um salto de fé.

    Não deixa de ser um salto de fé, eu, aqui, seguindo rumo ao único sinal de vida humana que pude encontrar. Afinal, eu nada sei sobre o que/quem irei encontrar.

    Pode ser uma pessoa boníssima, como pode ser exatamente o contrário.

    No entanto, mesmo sem qualquer certeza, eu continuo caminhando em direção a ela – porque, seja lá quem for, até onde eu sei, somente essa pessoa pode me ajudar.

    Sei me cuidar o suficiente para me colocar perante um completo estranho – vantagens de se viver onde o índice de violência doméstica ainda é alto: meninas britânicas são incentivadas a participar das aulas de defesa pessoal com a mesma frequência que são incentivadas a participar das aulas de música e artes cênicas.

    Lógico que estes meus conhecimentos me ajudam até a segunda página. Eu, definitivamente, não teria condições de escapar, sozinha, de alguém extremamente ruim, extremamente hábil e extremamente mal intencionado. Mas aí é que entra o salto de fé – que eu concordo que exista, só que sem a visão dogmática da fé.

    Simplesmente acreditar que coisas boas podem acontecer, mesmo quando o cotidiano nos faz lembrar daqueles que circulam pelo mundo apenas com o intuito de atrasá-lo, piorá-lo, denegri-lo.

    Eu tenho total consciência de que existe vida humana entre as árvores após o descampado – que, aliás, é menor do que eu imaginava. Já atravessei mais da metade –. Se este ser contribuirá comigo, da maneira que lhe for possível, ou se apenas tentará me atrapalhar, não cabe a mim conjecturar.

    Um passo depois do outro.

    Antes, eu estava sozinha, trancada num carro quebrado numa estrada deserta.

    Agora, estou seguindo em direção a um ser humano – algo que também se traduz na esperança por água, comida, abrigo.

    Sobre o depois, só posso esperar que a vida se manifeste da melhor forma possível, tendo plena consciência de quem eu sou e do que eu posso ser ou fazer.

    Estou a poucos passos de uma cabana de madeira. Preciso desligar a filmadora. Fim do depoimento.

    CAPÍTULO 2

    – Olá! – gritou Morganwish. – Alguém em casa?

    A fumaça, vista à distância, continuava saindo da chaminé – indício de que alguém estava dentro da casa ou muito próximo a ela.

    Morganwish insistiu:

    – Olá! Tem alguém em casa?

    Alguns latidos foram ouvidos. Nenhum outro som. Nenhum movimento.

    Tentou mais uma vez, aumentando ainda mais o tom de voz.

    Novos latidos. Nenhum movimento na porta ou próximo às janelas.

    Entretanto, passos apressados vieram do outro lado das árvores.

    – Estou indo – gritou uma voz masculina.

    Sarah Morganwish se dividiu entre o alívio e a preocupação.

    Olhou em volta, procurando por rotas de fuga, caso fosse necessário correr. Também tentou encontrar qualquer utensílio que pudesse ser usado em sua defesa.

    Mal vislumbrou algumas ripas de madeira, quando o homem se aproximou.

    Aparentando ter entre trinta e trinta e cinco anos, o dono da casa se apresentou:

    – Sou Andrew Walker. Em que posso ajuda-la? – soltou, estendendo a mão para cumprimentá-la.

    O tom gentil da voz – acompanhado por um olhar de igual intenção – fez com que Morganwish respirasse mais relaxada.

    – É um alívio encontrá-lo, Mr. Walker – confessou, retribuindo o cumprimento. – Sou Sarah Morganwish, articulista da Essential Observatory Magazine.

    – Por favor, entre – disse, já com a porta da cabana aberta. – Não sei o que uma articulista da EO pode querer de mim, mas com certeza deve ser algo sério, ou você não teria se abalado até aqui num tempo desses.

    Não foi a primeira vez que Sarah Louise Morganwish usou seu cargo na revista para obter algum tipo de privilégio.

    Meu crachá, às vezes, parece o papel psíquico de Doctor Who: abre as mais improváveis portas, ela gostava de dizer mentalmente a si mesma.

    Naquele momento, além de abrir a porta da cabana de madeira onde morava Andrew Walker, seu cargo poderia lhe servir de escudo protetor.

    Na maioria dos casos, pessoas mal intencionadas fazem o possível e o impossível para não chamar a atenção da mídia e, consequentemente, do departamento de polícia, pensou.

    O velho cão da raça beagle, deitado próximo à lareira acesa, abanou levemente o rabo, mas desistiu de se levantar.

    – Este é Owen – apresentou Walker. – Companheiro de longa data, mas que já está mais cansado do que nós dois juntos.

    Morganwish sorriu.

    – Eu ouvi os latidos, mas estranhei quando não vi chegar nenhum cão perto da porta ou das janelas.

    – Tudo o que ele quer da vida agora é se aquecer junto ao fogo e um bom prato de comida – confirmou o homem, acarinhando o amigo canino. E voltando o olhar para Morganwish, perguntou: – Falando em se aquecer... Você aceita um chá?

    – Seria ótimo, obrigada.

    Andrew Walker aparentava ser um homem verdadeiramente gentil, especialmente pelo zelo que tinha com o bichinho, o que fez com que Morganwish o observasse melhor.

    Walker possuía uma beleza máscula, com traços fortes, definidos. O contraste entre a pele alva e os cabelos castanhos, já chamava a atenção. Ainda havia os lábios bem traçados e os olhos, de um azul claro acinzentado, emoldurados por cílios e sobrancelhas do mesmo tom do cabelo. Sem dúvida, um homem muito atraente – algo que nem mesmo ela conseguiria negar –. Mas o que um homem jovem e fisicamente interessante, fazia numa velha cabana de madeira no meio do nada?

    – Então, Ms. Morganwish – começou, enquanto servia chá com bolo –, a que devo a visita?

    Proteja-se de algum modo, Sarah Louise Morganwish, pensou.

    – Eu estou fazendo algumas pesquisas para o meu próximo artigo na EO. Estou, inclusive, com uma entrevista marcada com Mrs. Ivy Gwiwdyr, que mora mais adiante, seguindo pela estrada. Vamos conversar sobre as lembranças da II Grande Guerra, sobre o antes e o depois. Para ampliar ainda mais o olhar, conversei com meu editor sobre a possibilidade de entrevistar outras pessoas que vivenciaram aquele período ou que sentiram mais a fundo os efeitos deixados por uma guerra mundial.

    – Minhas impressões sobre guerras não são tão interessantes assim, Ms. Morganwish – disse, em tom tristonho. – Sem querer parecer descortês, acredito que você tenha perdido a viagem.

    Sarah Morganwish estava habituada a interpretar pessoas, estudando-as palavra por palavra.

    Sabia que havia dito apenas meia verdade para Andrew Walker, mas estava nítido que suas palavras e suas emoções destoavam por completo. Sua experiência lhe dizia que, por trás daquele homem se escondia ao menos uma grande história.

    – Perdoe-me se eu pareci demasiadamente intrusa, Mr. Walker. Não foi minha intenção – Morganwish tentava se redimir perante o olhar dele. – Não sou jornalista. Não investigo ou escrevo sobre a vida de uma pessoa em especial. Sou antropóloga. Entrevisto pessoas para compreender a História e estabelecer uma ponte entre os nossos costumes e os costumes de outros povos, especialmente os antigos. Sei que eu deveria ter lhe contatado antes de vir aqui, mas quis aproveitar a viagem.

    – Eu é que peço perdão se, mesmo sem querer, pareci rude. Onde estão os meus bons modos, não é mesmo? – brincou, voltando a sorrir com o olhar. – Suas coisas, seu carro, estão aqui perto? Logo a noite cai...

    – Pois é... Eu tenho reserva para um bed & breakfast em Llanymynech, próximo à propriedade de Mrs. Gwiwdyr, e tinha o intuito de só parar aqui na volta – disse, mantendo a meia verdade –, mas meu carro quebrou na estrada.

    – Como já está tarde, faremos o seguinte: vou até seu carro e pego sua bagagem. Você passa a noite aqui e amanhã descobrimos o defeito. Que tal?

    Sem qualquer outra opção, Morganwish concordou.

    Entregou as chaves do carro a Andrew Walker e sentou-se ao lado de Owen, que demonstrou já gostar da nova companhia.

    Lentamente, passou os olhos sobre a sala de estar, tentando entender mais sobre seu anfitrião através dos detalhes contidos na decoração.

    Apesar dos bons móveis, tudo naquele lugar era simples, voltado apenas para o conforto, aconchego e bem-estar de seus usuários.

    Nenhum porta-retrato à vista. Nada que indicasse a existência de uma família, namorada ou namorado.

    Todo o cenário indicava ser, aquela, a casa de um ermitão.

    Bonito, gostoso, gentil e solitário: quem não quer levar para casa um homem assim?, Sarah Morganwish pensou, rindo de si mesma.

    Entretanto, apesar de reconhecer o inegável charme de Andrew Walker, Morganwish sabia, por experiência própria, que quando um ser decide se isolar do mundo, dificilmente abriria mão do seu infinito particular para dividi-lo com outro alguém.

    Owen tinha toda a razão em querer ficar ali, bem próximo à lareira. O clima estava definitivamente melhor.

    Não apenas pelo calor produzido pelas chamas, mas pela própria energia que ela sentia naquele cantinho da casa. Algo decididamente afetuoso.

    – Você é um cãozinho de sorte, Mr. Owen. E eu sou uma pessoinha de sorte por estar aqui ao seu lado.

    Eu deveria ter um bichinho também, pensou. Essas criaturinhas fazem mesmo um grande bem a quem convive com elas.

    – Então, Mr. Owen, o que o senhor acha sobre eu ter um cãozinho ou um gatinho? Devo apenas lhe confessar que seria um pouco complicado eu ter alguém para cuidar...

    – Você se acostumaria – soltou Walker, já de volta.

    Morganwish virou-se em direção à porta, e contemplou, quase sem querer, a beleza natural do homem à sua frente. Em segundos, recuperou a razão.

    – Eu e Mr. Owen estávamos conversando. Nem ouvimos a porta abrir...

    – Owen ouviu, mas sabia que era eu. – E sorrindo, acrescentou: – Você é sempre tão formal assim?

    – Meus pais são muito formais. Sou filha única. Fui criada à moda antiga, digamos assim.

    – Eu compreendo, mas aviso de antemão: Owen não gosta de tanta formalidade. Ele tem poucos amigos. Na verdade, ele só tem a mim e a um velho esquilo que mora na árvore ao lado da cabana.

    – Um cão de caça amigo de um esquilo? – ela brincou.

    – Aprendizados que a idade confere: por que conservar uma rixa que nem mesmo é sua, se você pode criar laços de amizade?

    Sarah Morganwish sorriu com os olhos. E Walker gostou do que viu.

    Talvez pela luminosidade temperada pelas chamas, ou por estar se sentindo bem mais à vontade do que quando chegou, Morganwish fazia-se notar em detalhes.

    O corpo bem desenhado fazia com que, mesmo em roupas nada sensuais, um desejo surgisse na mente daquele homem.

    Seu rosto era bonito, com traços delicados, olhos castanhos e uma boca tentadora.

    Os cabelos, num tom castanho-avermelhado, caiam por sobre o ombro seguindo em direção aos seios, proporcionais ao seu biótipo. Com fios levemente repicados, seus cabelos lhe conferiam uma bela moldura que, mais uma vez, transformava a boca no foco principal.

    Tentando desviar-se da súbita vontade de beijá-la, Walker concentrou-se nas leves sardas que contrastavam com a pele alva.

    Sardas em meio a tanta formalidade? Há uma moleca travessa trancada em você, Sarah Morganwish, pensou, sorrindo por dentro.

    – Esta é uma cabana – disse, quebrando o silêncio. – Owen e eu não costumamos ter hóspedes. Façamos o seguinte: você dorme no meu quarto e eu fico aqui, próximo à lareira com meu velho amigo.

    – Não seria justo. Se você não se importar, prefiro ficar aqui.

    – Sim, eu me importo. Jamais deixaria um hóspede dormir desconfortavelmente, enquanto eu durmo tranquilo numa cama macia e quentinha – decretou. – Venha comigo, Ms. Morganwish. Vamos acomodar sua bagagem.

    Deixando a sala de estar, eles entraram num pequenino corredor onde havia a porta da cozinha, à esquerda, e do banheiro, à direita. Em frente, ficava a porta do quarto de Walker.

    Ao entrarem no aposento, Morganwish deparou-se com uma grande e aconchegante cama – visivelmente confortável –, um

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1