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Professores Do Futuro
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E-book401 páginas4 horas

Professores Do Futuro

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Sobre este e-book

Ela saiu em busca de histórias, em sua cidade e em outros lugares do Brasil e até no exterior. Histórias inspiradoras e disruptivas, de professores líderes que de alguma forma teriam inovado na educação. Ao mesmo tempo que começou a narrar a histórias dos outros, passou também a olhar para sua própria história. O que a fez viver uma grande transformação, perceber a importância de honrar a trajetória por ela vivida e a relevância da narrativa no processo de formação dos estudantes, de outros professores, mas também de sua autoformação. Um movimento cíclico em busca do seu propósito e de compreender quem é esse professor do futuro.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de ago. de 2020
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    Pré-visualização do livro

    Professores Do Futuro - Anne Karynne Almeida Castelo Branco

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO

    ECDISE

    A TRAVESSIA

    ANTEVASIN

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    REFERÊNCIAS

    INTRODUÇÃO

    Nasci em Manaus, de pai e mãe maranhenses, resultando da confusa miscigenação entre portugueses, espanhóis, índios e negros, afinal de contas, sou brasileira. Tenho 34 anos e sou estudante do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da UFMT. Minha primeira formação foi a graduação em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda e foi no Mestrado em Educação em Ciências, que fiz na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), tantos anos depois, que pude adentrar nesse mundo para além das Ciências Sociais: o mundo das Ciências naturais. Foi nesse momento, já atuante como professora, que me dediquei também ao estudo da Difusão da Ciência e pude perceber a importância de fazê-la chegar ao maior número de pessoas. E, não sei bem ao certo essa coisa do tempo, mas foi nesse emaranhado teórico, nas vivências minhas e de outros, que comecei a me questionar sobre as nossas produções acadêmicas, como elas chegam inclusive aos pares e quem gostaria de lê-las. A primeira de muitas inquietações que me surgiriam depois.

    A sensação de que era possível fazer Difusão da Ciência, chegando mais próximo dos pares e da sociedade, numa escalada inversa à torre de marfim, me proporcionou a motivação necessária para seguir em uma nova jornada, o doutorado.

    Foi quando em sincronicidade, conheci a obra de um brasileiro, químico, professor-pesquisador, Dr. Rochel Montero Lago¹, que veio depois se tornar sujeito da pesquisa. Ele me fez perceber que isso era possível, pois unia ciência e literatura, numa complexidade agradável, que contava com suas várias personas² para trazer à tona, sua narrativa de transformação no processo de se tornar um professor-pesquisador com perfil de liderança e propósitos empreendedores na Ciência. Ele foi o primeiro de muitos que me inspiraram no caminho.

    O mundo das histórias de vida foi me envolvendo e juntamente com minha orientadora Profa. Dra. Edna Lopes Hardoim, chegamos à conclusão de que as narrativas eram parte importante do trabalho, o fenômeno e o método, delas advinham a compreensão do nosso objeto de estudo. Ali, a largada foi dada e o chamado³ foi aceito, mas a compreensão só adveio ao longo do caminho sendo trilhado.

    Nessa rota cheia de curvas e bifurcações, fui encontrando alguns outros aliados, um deles o Prof. Dr. Edvaldo Pereira Lima (2013; 2014), que me apresentou o Jornalismo Literário Avançado (JLA) no qual me baseei para coletar e narrar histórias de pessoas comuns, heróis do cotidiano, na perspectiva da transdisciplinaridade. O JLA tinha muito das minhas convicções de comunicadora e foi ganhando mais sentido à medida que suas bases epistemológicas entravam em consonância com a proposta de tese. Contrariava os modelos dominantes dos paradigmas reducionistas, mecanicistas e materialistas, que se apresentavam estáticos e simplistas. Para dar espaço ao modelo sistêmico, orgânico, complexo, integrado e dinâmico.

    Chamava-me para ler, ouvir e vivenciar narrativas, contar histórias, em uma imersão real e simbólica. Para ser narrador(a), autora, investigadora e personagem. Entrar no meu mundo e no mundo do outro com olhar de amplitude, daquela que busca contextos e evita julgamentos. Um olhar em primeiro plano para o professor, para o cientista, passível de desvelar o humano que somos, nossa individualidade e subjetividade, nossos conscientes e inconscientes individual e coletivo.

    Aqui já percebo que não sou mais uma e sim várias, fruto de uma construção coletiva e, por isso, não posso mais seguir na primeira pessoa. Descubro que nunca fui só uma e nunca estive só.

    A trama nos fez entrar em um mundo de luz e sombras. E nos colocava no campo, observando, interagindo, buscando sentidos, interpretando, com o olhar de pesquisadora e no exercício de fazer brotar na autora, a habilidade literária, enquanto narrava uma não ficção. Para isso, utilizava da Jornada do Herói, proposta por Campbel e adaptada por Edvaldo Pereira Lima ao JLA para delinear de forma consciente o texto, mas sempre na busca de evitar que este nos prendesse. A história deveria fluir, assim como aqueles dias em que estivemos no campo, coletando registros, buscando a flexibilidade e atuando mediante os imprevistos.

    Ainda no início da Jornada, os Professores Doutores Cinara Calvi Anic e Amarildo Menezes Gonzaga nos mostraram a possibilidade de ver a JH imbricada nas narrativas de professores de ciências, a teoria literária, a metalinguagem e a intertextualidade.

    Aos poucos despertamos o olhar para enxergar na história do sujeito alguém que narra ora escrito, ora falado, ora de suas vivências, ora em forma de ficção.

    Ainda que não a conheça pessoalmente, já que passei a dialogar literalmente com alguns dos autores, como os demais acima citados, Dra. Tatiana Salem Levy também foi fonte de inspiração, quando ousa escrever uma tese em forma de romance, na qual emana, em forma de auto ficção a sua história de vida. Ela me entregou uma chave⁴ e me fez perceber que um texto é científico pelo embasamento teórico de sua construção e não pelas citações que nele cabem.

    Assim, dentre tantos outros aliados, autores, amigos, companheiros de doutorado e até mesmo alguns inimigos, que contribuíram para a construção de uma espécie de rede de conhecimento, foi emergindo o que embasaria a nossa pesquisa e a necessidade de propor o novo, advindo das inquietações e consubstanciado pelos teóricos que se complementavam e nos permitiam a complexidade que necessitávamos alcançar.

    O caminho, até aqui, foi árduo, cheio de angústias e incertezas, com muita tensão pela opção em seguir pela pesquisa de padrão estético não tradicional. Passamos por estradas de provas, por guardiães, mas sempre, ao final de cada etapa, o prazer de se libertar das amarras pessoais e científicas, de chegar perto da morte e se permitir ver que ela pode ser parte de uma transformação.

    Esse estudo, com características científicas-empreendedoras, tomou fôlego na abordagem qualitativa. Uma busca para escrever as experiências dos sujeitos, ao tempo em que foram elaboradas e interpretadas. O eu e o outro como seres que interagem socialmente, um inconsciente coletivo que se revela por meio da linguagem, resultado da produção de significados ao longo da jornada (GONZAGA, 2007; FERNANDES, 2008; LIMA, 2012; CORREIA, 2003). Pela complexidade mediante os sujeitos, identificamos essa perspectiva como a melhor forma de tratar a questão de pesquisa que nasce do fenômeno estudado, do lido, do ouvido e do experenciado: Qual é a contribuição das narrativas na formação de professores-pesquisadores de Ciências, que atuam como líderes e adotam o empreendedorismo em suas atividades profissionais, na Era da Sabedoria?

    O aporte teórico, as entrevistas realizadas com os professores atuantes nas ciências e empreendedorismo, os questionários aplicados com estudantes das licenciaturas das ciências exatas e da natureza, a interação mútua no contexto social dos sujeitos (Rochel e Anne), a análise de documentos, além da observação participante, documentada por meio de diário de campo e registros ampliados, nos levaram a ter como objetivo geral: Analisar se narrativas de professores-pesquisadores de ciências, que adotam o empreendedorismo em suas atividades profissionais, podem ser um referencial orientador para a formação de novos professores-pesquisadores líderes com propósitos empreendedores, na Era da Sabedoria.

    E especificamente: 1) Narrar histórias de professores-pesquisadores de ciências que são líderes empreendedores, e também sujeitos colaboradores da investigação, identificando singularidades e divergências que emergem de suas narrativas. 2) Articular abordagens sobre os conceitos que irão emergir das narrativas de professores-pesquisadores de ciências, para efeito de sustentação teórico-epistemológica do problema central investigado. 3) Analisar os resultados obtidos a partir das singularidades e divergências quanto às categorias identificadas nas narrativas das histórias dos sujeitos colaboradores da investigação.

    A pesquisa, permitiu defender a tese "A análise de narrativas de professores-pesquisadores de ciências que adotam o empreendedorismo em suas atividades profissionais pode tornar-se um referencial orientador para a formação de novos professores-pesquisadores líderes com propósitos empreendedores, na Era da Sabedoria",  hoje se encontra desenhada nessa perspectiva.

    E nesse emaranhado de papéis que se revelavam, o eu investigadora/autora assumiu a função de contextualizar o estudado, o mais próximo possível da realidade; buscou por meio da descrição, de depoimentos, relatos, ações, o significado para os acontecimentos; passou a ver no processo uma importância maior que os próprios resultados, o que nem sempre foi fácil de compreender; até que pode chegar cientificamente na análise dos registros de forma intuitiva, pois não trabalhava com hipóteses, e sim, com o significado, o interesse maior é saber o modo como diferentes pessoas dão sentido às suas vidas (SILVA et al. 2006,  p. 76).

    A Pesquisa Narrativa foi o caminho possível para o desenvolvimento da tese em curso. O olhar psicossomático, constituído pelo plano da interioridade e de competências verbais, intelectuais e relacionais, que se afasta das proposições positivistas baseadas na objetividade, no nomotético e no universal, para dar espaço ao subjetivo, idiográfico, ao entendimento do universal singular, do indivíduo como um ser social. Uma relação com o complexo que perpassa pelo psicológico, sociológico, antropológico e linguístico (JOSSO, 2007; SOUZA, 2006).

    Durante todo o percurso, os critérios de uma investigação narrativa foram constantes: a responsabilidade ética, a necessidade de interação da pesquisadora no ambiente social dos sujeitos da pesquisa, da reflexividade presente antes, durante e depois da investigação. A compreensão da pesquisa a partir do retorno à infância da própria pesquisadora, histórias que foram interligadas. Um exercício que Souza (2006, p. 14) chamou de autoescuta. [...] como se estivesse contando para si próprio (a) suas experiências e as aprendizagens que construiu ao longo da vida, através do conhecimento de si. A construção de uma relação entre saberes da experiência e saberes científicos. O ato de narrar autorizado pela Ciência, que a nutri e é nutrido por ela, ao buscar na sua vida, desde a primeira infância, escutar-se e ser escutada (LANI-BAYLE, 2012). Um movimento constante de ir e vir com os sujeitos investigados.

    Seguíamos em diálogo com outros aliados que encontrávamos, autores como Correia (2003), Galvão (2005), Souza (2006), Josso (2007), Clandinin (2016) que foram fundamentais, para a percepção de que o humano, seja ele o outro ou a si próprio, precisa perpassar pelo simbólico, pela subjetividade e construção de sentidos, para só então ser racionalizado. (informação pessoal)⁵ . Assim, tendo as narrativas como corpus de análise significativa da pesquisa (Souza, 2006, p. 64), definimos como eixo norteador das entrevistas: A infância, adolescência, o processo formativo inicial, continuado, empreendedor e a carreira.

    Quase como um mapa, em que as pegadas iam sendo desenhadas à medida que cada pista se desvelava, usamos também outras fontes de captação de registros e análise como: Currículo Lattes, entrevistas em meios de comunicação, livros (narrativa escrita), a própria entrevista narrativa, palestras e reuniões proferidas (narrativa oral), observação participante e observação não-participante registrada em diários de campo e registros ampliados da pesquisadora (narrativa vivenciada).

    E foi preciso seguir as regras dessa jornada, critérios da Pesquisa Narrativa, momentos de imersão no ambiente social do sujeito da pesquisa. Por favor, tenha um pouco de calma, logo conhecerá a história toda. Por enquanto, só posso contar que a autora, narrador(a) e a personagem, foram a BH, cidade onde reside o sujeito, para o primeiro contato pessoalmente. Lá, ficaram por dez (10) dias conhecendo seu ambiente cultural, social, profissional e familiar, no período de 15 a 24 de janeiro de 2016. Depois, o acompanharam em uma viagem feita a Mato Grosso (MT), para participar de um evento de Química, na UFMT, por sete (07) dias, de 04 a 10 de julho de 2016. E retornaram a MG, no período de 17 de fevereiro a 02 de março de 2017. O percurso vivenciado foi registrado em diário de campo, registros ampliados, em gravações de áudio, vídeo e fotografias para posterior análise e composição dos textos de pesquisa.

    Da mesma forma, o fizeram durante a interação do sujeito no ambiente social da autora/investigadora. Ele veio a nosso convite, para Manaus, participou de um evento de Pós-Graduação em uma IES do Amazonas. Sua estadia na cidade durou seis (06) dias, de 12 a 17 de setembro de 2016. Palestras e reuniões foram gravadas, fotografadas, mediante autorização prévia e também formalizadas em diário de campo e registros ampliados.

    As experiências, as incertezas e a observação se constituíram como parte da investigação. O aprender a lidar com os improvisos, coisas que vão acontecendo no caminho (informação pessoal)⁶. Trajetória desvelada a cada passo e que leva a pesquisa para mundos até então desconhecidos, no entanto guiados pelo aporte teórico-metodológico, que nos permitiu o seguinte percurso:

    Tempo III: Leitura Interpretativa-compreensiva do Corpus – triangulação das narrativas oral, escrita e vivenciada.

    Portanto, peço aos leitores que se permitam despir, dos conceitos, das regras, dos paradigmas meramente racionais, e nos permitam estender a mão, ao tempo em que lhe chamamos, para através das palavras escritas, viver essa aventura conosco.

    ECDISE

    O CHAMAMENTO DO EU

    Um dia de festa, todos estavam felizes, um ciclo da vida dela tinha sido concluído. O ano era 2014, Anne estava terminando o mestrado e hoje, foi o dia de sua defesa da dissertação. Muito emocionada, revivia cada momento que passou. Não tinha sido fácil, ela sentia tudo de forma muito intensa.

    Olhava seus pais na plateia e sentia gratidão por isso, sabia o esforço que tinham feito para que chegasse até ali. Nunca tinha se imaginado com esse título até bem pouco tempo. Via alguns poucos amigos, colegas de jornada, alguns desconhecidos e a banca, composta por pessoas que realmente a inspiravam, isso fazia sentido.

    De repente, naquele emaranhado de sentimentos, Anne é bruscamente interrompida de seus pensamentos. Dr. Amarildo M. Gonzaga, seu orientador, além de tudo era poeta e lhe reservara uma surpresa.

    Não a definem,

    essas quatro letras,

    que se agigantam,

    quando se retroalimentam.

    De suas ações, flui sensibilidade

    De seus pensamentos, emerge simplicidade

    De suas palavras, advém compreensão

    Um pouco da Anne, enxurrada de emoções.

    Da Anne, o que se aprende...

    Da Anne, o que se sente...

    Fluem histórias, memórias, gente...

    E lá se vai a Anne,

    que muito deixou,

    para quem ficou...

    Era a primeira vez que alguém lhe escrevia algo e naquelas palavras estavam parte dela. Muito emocionada, chorava copiosamente. Sabia, que tempos atrás tinha conhecido sua sombra e aquelas palavras lhe ajudavam a compreender a importância do tão buscado equilíbrio entre seu consciente e o inconsciente pessoal.

    Já em casa, mas ainda envolta em seus pensamentos, fragmentos de sua história, como flashes, iam e voltavam na sua mente. Lembrou de sua primeira faculdade, em Publicidade e Propaganda, da única professora que a tinha incentivado para fazer um mestrado e que, por sinal, fazia parte de sua banca. Tanto tempo tinha se passado, por volta de 10 anos e isso ainda era importante para ela. Recordou sua segunda faculdade, em administração e de como tinha sido difícil terminá-la. Os últimos anos não tinham sido fáceis. A empresa que montou e fechou em menos de dois anos, era parte das estatísticas. O recomeço em uma nova área, no comércio varejista, agora não mais como empresária e sim, como empregada. Após um concurso, sua entrada no Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa (SEBRAE/AMAZONAS), e suas incansáveis viagens a trabalho. As mudanças nos planos. A repentina chamada para o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM), um concurso que tinha feito há 2 anos, o desafio de se tornar professora. Como as coisas pareciam se encaixar. Olhava para trás e tudo se entrelaçava. Esse dia, era como uma recompensa por tantos altos e baixos. O alívio de ter conseguido. A responsabilidade que vinha com a abreviatura de mestra antes do nome.

    As semanas foram passando e Anne se sentia diferente, não por agora ter um título, isso realmente não era o mais importante, era só uma consequência. Estava mais forte, segura, tinha-se descoberto capaz de viver outras aventuras. Adentrar no universo da educação e da ciência, conhecer aquele mundo novo, com uma linguagem inicialmente difícil e confusa, tinha causado nela uma grande transformação. Já se questionava enquanto professora. O exercício de buscar relação entre as áreas tinha apurado seus sentidos. Ela, a comunicação e a educação em ciências, já estavam conectadas, tudo estava de acordo, nem parecia aquela pessoa confusa e inexperiente na pesquisa, de um ano atrás.

    Já lhe perguntavam sobre um possível doutorado. Anne, ainda não se via retomando todo aquele processo, estava bem assim. Pensava em publicar um livro, falando sobre sua experiência no mestrado, amadurecer na pesquisa, continuar com suas aulas e ainda publicar alguns trabalhos.

    Mas, passados dois meses, Anne já estudava para a seleção de doutorado da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), pretendia fazer parte da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática (REAMEC). Ao mesmo tempo em que estudava, questionava a si mesma, se teria chegado o momento, em que lugar colocaria seus outros planos, se estaria de fato preparada para um desafio como esse. Sentia-se desconfortável, mesmo que isso não a impedisse de continuar com foco nas leituras.

    Final de 2014 se aproximava. Logo, ela e tantos outros candidatos estariam disputando algumas vagas. A ansiedade tomava conta, mas Anne estava segura. Ouvia em seu ambiente de trabalho que não passaria, pois não era da área. Aquilo a incomodava, mas de forma alguma lhe paralisava, pois sabia que as pessoas que falavam não conheciam sua trajetória do último ano. Afinal, o que caracterizava o fato de ser ou não da área, eram suas leituras, seu trabalho, sua pesquisa, suas publicações, ela sentia assim.

    Enfim, depois de alguns meses, um longo processo seletivo, estava aprovada e surpresa com o resultado alcançado. Era uma noite festiva, mas algo a angustiava. Sabia que seu projeto lhe proporcionaria seguir com uma proposta de tese, mas de fato, estranhamente, já não era algo que a motivava. Buscava questões relacionadas a Educomunicação, a Difusão Científica e o Ensino de Ciências, daria prosseguimento à sua pesquisa do mestrado. Ainda não sabia ao certo quem seria seu orientador ou orientadora. Mas, tinha uma intuição, de que seria uma das professoras da banca, que mais tinha lhe perguntado sobre a sua vida pessoal. Questionara se era casada, se tinha filhos, sua disponibilidade para viagens, coisas do tipo. Logo deu uma olhadela no Lattes e sim, ela poderia ter interesse naquele projeto. Isso deveria deixá-la feliz e entusiasmada. Mas, porque motivo isso a inquietava?

    Lá no fundo, sabia e relutava. Não entendia como poderia desenvolver um projeto dentro desse doutorado, pensando nas linhas de pesquisa que ele apresentava, na qual incluísse questões que vinham tornando turbulento aquele momento que deveria ser prazeroso. Afinal, que questões seriam essas? Regressemos alguns meses...

    Anne, tinha terminado recentemente o mestrado. Enquanto professora de Tecnologia em Produção Publicitária, participava de um evento anual do referido Curso. Durante uma das palestras, escutava um empreendedor da área de comunicação, que finalizava seu discurso dizendo: A escola não forma empreendedores, a escola forma cientistas. Foi o suficiente para desassossegá-la. Não concordava com aquela afirmação. Para ela, a escola nem formava empreendedores e muito menos cientistas.

    O tempo foi passando. Uma viagem, para Florianópolis – SC, estava em seus planos. Iria participar, apresentando uma comunicação oral, no Colóquio Internacional de Comunicação Cientifica, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).  No aeroporto, recebeu um panfleto e um guia turístico que apresentava Floripa, como o Vale do Silício brasileiro. Um breve texto informativo, destacava o potencial da cidade para a inovação tecnológica⁹. Aquilo chamou sua atenção, mal poderia saber a surpresa que essa viagem lhe guardava.

    O tema empreendedorismo sempre fez parte de sua vida. Filha de uma mulher empreendedora, que na sua infância, sempre incentivou sua participação no pequeno negócio da família, uma loja em bairro da periferia de Manaus. Quando pequena, costumava vender coisinhas para as colegas na escola: lápis, borracha, adesivos... Com a separação dos pais, o negócio, que parecia promissor, se desfez. Em sua adolescência, as coisas mudaram um pouco. Empreender passou a ter outro sentido. Precisava ajudar, por menos que fosse, com as despesas de casa. Então, fazia parte de seu mix de produtos, bijuterias, maquiagem, perfumaria... Sempre encontrava uma maneira de driblar a crise financeira que se instalou por muitos anos.

    Após finalizar a faculdade de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda e depois de trabalhar por dois anos na Secretaria de Estado da Cultura, estava desempregada. Novamente, o ato de empreender foi uma necessidade, que surgiu a partir de uma oportunidade, proporcionada pelo seu pai que a incentivou a fazer o Empretec¹⁰. Motivada, iniciou uma pequena papelaria na sala de casa, com um cartão de crédito e uma caixa de esperança. Mas, uma doença de um membro da família, fez seus planos serem adiados mais uma vez.

    As paisagens de Floripa haviam mexido com as lembranças de Anne. O taxi a deixara no hotel e logo seus pensamentos foram interrompidos.

    Na tarde do dia seguinte, já na UFSC, Anne apresentou sua pesquisa e para sua surpresa, na sequência, a fala estava destinada a dois jovens pesquisadores: Paulo e Maurício¹¹. Ambos eram físicos e apresentavam brevemente, pelo pouco tempo destinado a comunicação oral, sua trajetória como pesquisadores e empreendedores. Eram sócios de uma empresa, nascida na universidade e destinada a divulgar ciência.

    Para Anne, as coisas enfim, começavam a ganhar um norte. Se eles haviam conseguido encontrar uma relação entre a Educação, a Ciência e o Empreendedorismo, ela não estava ficando maluca. Ali mesmo começaram uma conversa, pareciam se esquecer da plateia, até que o mediador da sala, também físico e conceituado servidor do Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicação (MCTIC), entrou no diálogo e, o melhor, compreendia aquela perspectiva. Esse momento clareou muito os próximos passos que ela daria nos meses que se seguiriam.

    A primeira disciplina do doutorado se aproximava, a angústia com o projeto só aumentava, juntamente com a incerteza de quem iria lhe orientar.

    Dr. Amarildo, seu orientador no mestrado, também era professor da REAMEC. E seria ele a ministrar a primeira disciplina, no Amazonas, no polo da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Sabia que seu primeiro questionamento se daria sobre a questão ontológica implícita na sua futura pesquisa. Assim aconteceu!

    A proposta do Prof. Amarildo era que todos revisitassem seus projetos enviados durante a seleção. Já tinham conversado sobre esses pensamentos empreendedores. Ele dizia: A ideia é interessante, mas deixe isso para o seu pós-doutorado. Aquela frase soava estranha para ela, que sentia como se ele dissesse Até lá, já esqueceu isso! Mal ele sabia, que quando aquela jovem encucava com alguma coisa...

    Os dias seguiram com muita leitura, exaustivos pelo esforço que Anne fazia em revisitar o que havia escrito meses atrás. Relutava em começar uma nova proposta, talvez por conhecer o posicionamento do professor, por receio de se expor aos colegas, a maioria que acabara de conhecer, por temer não conseguir terminar de montar um novo projeto até o final da disciplina. Eram muitos os fatores que a faziam recuar. A ausência de certezas incomodava, as partes nem sempre se uniam, começava outro processo. Precisava abandonar o proposto, para compreender, desenhar, arriscar, despir-se do velho para corrigir as imperfeições.

    Até que, já não conseguindo mais escrever, resolveu correr o risco de forma calculada. Mesmo Prof. Amarildo, repetindo inúmeras vezes que tudo era fruto de um processo, Anne fazia dois trabalhos, o que já estava encaminhado e o outro, que lhe seduzira por noites a fio. Assim, começava a surgir uma nova proposta e possivelmente o roteiro de uma nova jornada.

    Reinventar-se, talvez seja a palavra que possa definir, senão o maior, mas um dos maiores desafios que tivera e tem que enfrentar nessa trajetória. Recomeçar, redesenhar e ainda redimensionar.

    Para isso, fez-se necessário iniciar o olhar para a trajetória, reflexivamente, pois só assim seria possível a compreensão dos momentos em que as histórias se cruzam e fundem. Revisitar-se nas memórias, que rememoradas se fazem presente. O olhar para dentro si, assim como o olhar para dentro do outro. E nesse vai e vem de histórias, verdades recontadas, a busca do sentido para a pesquisa. O encontro com um eu até então oculto, o eu narrador que conta o eu personagem. Talvez assim, se visse melhor, se olhasse de fora, como se estivera suspensa em um grande parêntese.

    Determinação e foco foram importantes para essa construção. Mas, além disso, foi preciso ter em mente que os conceitos até ontem aceitos, poderiam ser refutados. Que o dito poderia

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