Diálogos sobre Formação de Formadores da Educação Infantil
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Sobre este e-book
Pensando nisso, Diálogos sobre formação de formadores da educação infantil traz elementos para a compreensão de como os formadores se tornam o que são, ou seja, quais elementos constituem sua profissionalidade.
Utilizando as narrativas de formação como metodologia de pesquisa, foram identificadas experiências de naturezas diversas, que tiveram especial sentido nos percursos formativos dos formadores. Essa multiplicidade deu contorno a uma ciranda de experiências, de natureza sensível, lúdica, estética, política e da ação pedagógica, com destaque às experiências relativas à escuta de crianças.
Considerando que a escuta ainda não é reconhecida como um elemento constitutivo da profissionalidade docente, a obra tematiza e aprofunda tal questão e contribui para provocar uma reflexão sobre a urgência de inserir o desenvolvimento dessa atitude como um dispositivo de formação.
A inserção da escuta de crianças na formação dos profissionais é revolucionária, porque demanda mudanças de concepção, por vezes profundas, sobre criança, professor e escola. Na educação infantil, em especial, escutar a criança significa ir muito além do que ela expressa por meio da fala, mas aprender a escutar suas múltiplas formas de expressão. Portanto, a obra colabora para o aprofundamento dos estudos relacionados à formação de formadores e inaugura uma reflexão sobre a necessidade de inserção da escuta de crianças como atitude fundamental na constituição da profissionalidade de formadores e professores.
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Diálogos sobre Formação de Formadores da Educação Infantil - Mônica M. Samia
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2017 do autor
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
Dedico este livro a cada formador
que se abre para escutar a si e aos outros,
como forma de tornar-se.
E às crianças,
sentido maior da minha profissão.
A vida é dialógica por natureza.
Viver significa participar de um diálogo:
interrogar, escutar, responder, concordar, etc.
Neste diálogo, o homem participa todo e com toda a sua vida:
com os olhos, os lábios, com as suas ações.
Ele se põe todo na palavra e esta palavra entra no
tecido dialógico da existência humana, no simpósio universal.
(Mikhail Bakhtin)
APRESENTAÇÃO
A vida aflora a partir do centro de novos começos.
Todas as coisas interminavelmente, reorganizando-se.
O mundo é um verdadeiro caleidoscópio.
(Inez Carvalho)
Quem forma o formador?
Como ele se constitui no que é?
Essas foram as perguntas norteadoras da pesquisa de doutorado realizada entre 2012 e 2016 na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, que deu origem a este livro. Implicada em compreender mais profundamente como se dá a constituição da profissionalidade dos formadores e reconhecendo a força do diálogo nos processos de aprendizagem, lancei-me na aventura de realizar uma pesquisa, escrever uma tese e publicar este livro, buscando colaborar com os estudos e práticas ligados à formação de formadores.
Nos Diálogos 1 e 2 me dedico a problematizar e contextualizar essa questão, visto que esses profissionais são centrais para que os processos formativos possam, efetivamente, incidir na melhoria da qualidade da educação. A escassez de produções brasileiras que abordam especificamente a formação de formadores é um dos elementos tematizados, assim como as singularidades da sua formação no âmbito da educação infantil.
No Diálogo 5, trago as aprendizagens, sínteses e provocações que o percurso investigativo promoveu, compartilhando um modo singular de compreender as muitas nuances que pertencem ao território das respostas que emergiram do processo investigativo: a ciranda de experiências. Dentre elas, as experiências ligadas à escuta como dispositivo de formação mereceram destaque, pela sua emergência na consolidação de uma relação pedagógica mais dialógica e alteritária.
Entretanto as descobertas não se limitaram à compreensão da constituição da profissionalidade dos formadores e suas ressonâncias na formação dos professores e nas práticas pedagógicas. Muitas foram as aprendizagens sobre a forma de fazer pesquisa, sendo essa outra contribuição que pretendo deixar com esta obra. No Diálogo 3, especificamente, detalho minhas escolhas epistemológicas e metodológicas, trazendo as narrativas de formação como caminho metodológico para a pesquisa, buscando compreender quais experiências tiveram especial sentido na trajetória profissional de formadores. O Diálogo 4 traz a narrativa do campo e minhas inquietações e caminhos relativos ao diálogo compreensivo sobre as narrativas. Considero que há uma contribuição sobre a busca de coerência entre concepção e prática do pesquisador nessa parte da obra.
Por fim, o capítulo 6 retoma os sentidos do percurso investigativo, tanto do ponto de vista dos formadores que participaram diretamente da pesquisa quanto para mim, profundamente tocada pela experiência.
Dediquei-me à pesquisa e à produção deste livro, escrevendo sobre e para nós, formadores, mas com forte inspiração e conexão com as crianças. É em direção a elas que caminho, almejo que sejam o ponto de chegada desse empreendimento. Digo isso porque estou implicada em contribuir para que o ciclo formativo seja completo. E ele não se completa quando temos profissionais mais bem formados, críticos, reflexivos e envolvidos. O ciclo se completa somente quando, ao sermos melhores, fazemos melhor. E o melhor que podemos fazer está nesse outro que é a criança. Afinal, a alteridade do educador consiste na possibilidade de estar com o outro. Esse outro, criança, que vive histórias singulares nas instituições de Educação Infantil e que tem direito a relacionar-se com profissionais competentes, sensíveis, éticos e implicados.
No texto De volta para o futuro: uma segunda ruptura para a geografia escolar
, Carvalho (2013) trata da rendição à falta de controle. Exercitando um pensamento caleidoscópico, convidou-me a desvencilhar o pensamento sobre como as coisas deveriam ser, para assumir a complexidade e a imanência; a acreditar no mundo como uma rede de complexidade na qual, os eventos – um instante do tempo e um ponto do espaço – são os condutores de uma ou de algumas das possibilidades de estar no mundo
(p. 40). Assumindo a polissemia do termo complexidade, a autora vincula-se às ideias de Floyd Merrel, apresentadas no livro Simplicity and Camplexity: Pondering, Literature, Science and Painting, que advoga sobre a existência do Ponto Cinza, que seria a plenitude da complexidade:
O ponto cinzento não é branco nem preto ou é branco e preto ao mesmo tempo. É cinza porque não é nem pra cima, nem pra baixo; não está nem quente, nem frio, está cinzento porque é um ponto não-dimensional, um ponto entre as dimensões (MERREL, 1997, p. 138 apud CARVALHO, 2013, p. 39).
Minha experiência pessoal aconteceu da seguinte forma: cria da Modernidade, consciente do olhar cartesiano que orientou muitas das minhas experiências e dos movimentos de ruptura que optei por fazer, ao longo da pesquisa e na escrita do livro, ora estava no preto, ora no branco, ora em outro lugar. Mais uma vez, entreguei-me ao movimento de ruptura, ao exercício de um novo paradigma que proclama a imanência, a subjetividade, a provisoriedade, a complexidade, dentre tantas novas formas de ser e viver.
Ao fazer a pesquisa e textualizar sentidos, o movimento, os deslocamentos, a reinvenção de mim potencializaram minha condição de aprendiz. Cheguei no meu ponto cinza, que permanentemente se atualizará em outros múltiplos matizes, visto que o efeito ressonante da experiência permanece vigoroso.
As aprendizagens que emergiram das narrativas, em diálogo com minhas experiências, ajudaram a compreender a constituição da profissionalidade dos formadores e revelaram percursos do processo de tornar-se o que são. Explicitaram o caráter múltiplo, sistêmico e sensível da formação e me colocaram frente a frente com uma evidência:
Não estamos mais presos ao chão, à terra, estamos envoltos no ar. Não mais taurus, somos aquarius. Por esta metáfora, as ressonâncias são como vento, às vezes brisa, às vezes névoa, às vezes tornado; uma nebulosa atmosférica que envolve a tudo e a todos. (CARVALHO, 2013, p. 41).
Na transição para aquarius, me percebo mais sensível ao sensível e ainda mais estimulada a cirandar por essa multiplicidade de experiências que a vida, generosamente, tem ofertado no meu percurso como formadora e aprendiz.
Compartilho com os leitores aquilo que meu olhar foi capaz de captar, na certeza de que muitas outras nuances serão descobertas na leitura deste livro.
OU ISTO OU AQUILO
Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe anel,
ou se põe anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhhor, se isto ou aquilo.
(Cecília Meireles)
O FRIO PODE SER QUENTE?
O quente pode ser frio,
depende do dia que a gente vê,
depende de onde a gente vê.
O fino pode ser redondo
e o doce pode ser amargo
e o que parece um mar,
também pode ser um rio.
Depende de quê?
Depende do jeito que a gente vê.
Uma árvore é tão grande
se a gente olha lá para cima,
mas do alto de uma montanha ela parece
tão pequenininha.
Grande ou pequena,
depende de quê?
Depende de onde a gente vê.
O amanhã de ontem é hoje.
O hoje é o ontem de amanhã.
O ontem, hoje, amanhã,
depende do que? Depende do jeito que você vê.
Curto e comprido
Bom e ruim
Vazio e cheio
Bonito e feio
São jeito das coisas ser
Depende do jeito da gente ver.
Ver de um jeito agora e de outro jeito depois
Ou menor ainda
Ver na mesma hora os dois.
(Jandira Masur)
MEU PONTO CINZA
Ou isto... ou aquilo?
Mas... se o frio pode ser quente?
Ou isto ou aquilo:
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Mas não é que tem coisa
Que é isto e aquilo?
Bom e ruim
Vazio e cheio
Bonito e feio
Depende do jeito da gente ver.
Ver de um jeito agora
E de outro jeito depois
Ou melhor ainda
Ver na mesma hora os dois.
Eis o ponto cinza!
(Mônica Samia)
PREFÁCIO
POR UMA DOCÊNCIA ESCUTADORA
Em Diálogos sobre Formação de Professores da educação infantil, Mônica Samia, com sua incomparável determinação, propôs um diálogo. Um diálogo sobre um tema necessário, contemporâneo, complexo: a formação de formadores. Um diálogo sobre um segmento fascinante da educação, subvalorizado quando o parâmetro é a seriedade científica, igualmente importante, a educação infantil.
Inspirada em Barthes, no clássico A Aula, direi, primeiramente, sobre a honra que tive em orientar esse diálogo e a alegria que é o convite para escrever este Prefácio.
Afirmada a honra e a alegria, prossigo iniciando um diálogo entre o trabalho de Mônica e a definição de diálogo que nos apresenta Comte-Sponville, em seu Dicionário Filosófico (2011):
Diálogo. O fato de dois ou muitos falarem entre si para buscar uma mesma verdade. É, portanto, um gênero de conversa, porém voltada mais para o universal do que para o singular (como na confidência) ou o particular (como na discussão). Considera-se, geralmente, que o diálogo, pelo menos desde Sócrates, é uma das origens da filosofia. Muitos falarem entre si, se for para buscar o verdadeiro, supõe em todos uma razão comum e a insuficiência, em cada um, dessa razão. Todo diálogo supõe o espírito universal e nossa incapacidade de nos instalar nele. Daí a troca de argumentos e, às vezes, a tentação do silêncio.
De fato, durante o processo da investigação que originou este livro, muitos foram atraídos a falarem entre si para buscar a verdade da educação infantil. Uma verdade contextualizada, segmentada e, portanto, plural. Plural, mas contendora de um cerne.
Nesse sentido, o processo investigativo foi mais voltado para o universal, apesar de apoiado, também, em alguma confidência singular, quando metodologicamente buscaram-se as confidências dos pares formadores, notadamente, na Ciranda das Experiências, assim como não se pôde fugir das discussões particulares fruto dos insolúveis dilemas inerentes à temática.
Ao escolher a forma do diálogo, ao deixar falar entre si filosofou-se. E ao filosofar, a interpretação centrou-se em uma dimensão ontológica do mundo real. Ganhou com isso o pensar sobre a Formação de Formadores, sobre a educação infantil, em uma aposta mais filosófica e menos cientificista.
Dialoga-se com trocas de argumentos, porque sempre haverá insuficiência em nossas razões. Essas insuficiências foram dialogadas, as Rodas de Conversa são um bom exemplo.
Falar entre si, ao mesmo tempo que requer um falante, exige um escutador. E essa é a profícua contribuição deste livro. Um diálogo provocativo que propõe, ao fim, a necessidade do formador e do professor serem aprendizes de escutadores. Aprendizagem valorosa, visto que busca a instauração de um fecundo falar entre si no exercício com as crianças.
Enfim, uma tese de doutoramento da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia que, ao agitar a nossa incapacidade de nos instalar, quiçá, nos livre da tentação do silêncio.
E, agora, socializada em livro, torna-se um convite – a nós formadores e a outros tantos agentes sociais – ao diálogo sobre a Formação do Formador, sobre a educação infantil, sobre o escutar pedagógico.
Maio de 2017
Maria Inez Carvalho
Doutora em Educação
Sumário
DIÁLOGO 01
SINGULARIDADES DA OBRA: UM COMEÇO DE CONVERSA
1.1. DESCORTINANDO A PESQUISA, O OBJETO E A METODOLOGIA
1.1.1 Em busca de uma profissionalidade dos formadores
1.1.2 Formação
DIÁLOGO 02
SINGULARIDADES DO OBJETO: A QUEM SE DESTINA A FORMAÇÃO DE FORMADORES?
2.1. FORMAÇÃO DO FORMADOR: UM CAMPO DE PESQUISA, TEORIAS E PRÁTICAS EM CONSTRUÇÃO
2.2. ESPECIFICIDADES E DIVERSIDADE NOS CONTEXTOS DE ATUAÇÃO DOS FORMADORES
2.2.1 O contexto da formação universitária e a educação infantil
2.2.2 O contexto da formação contínua e a educação infantil
DIÁLOGO 03
SINGULARIDADES DO CAMPO DE PESQUISA: A ABORDAGEM METODOLÓGICA
3.1. AS ESCOLHAS EPISTEMOLÓGICAS
3.1.1 Meu círculo de Bakhtin
3.1.2 O tempo/espaço da pesquisa
3.1.3 O lugar do ‘outro’ na pesquisa
3.1.4 O lugar do pesquisador na pesquisa: eu no/com o outro
3.1.5 O texto na pesquisa / a pesquisa no texto
3.2 AS ESCOLHAS METODOLÓGICAS
3.2.1. A opção pelas narrativas de formação
3.2.2. Rodas de conversa
3.2.3 Entrevistas com especialistas
DIÁLOGO 04
SINGULARIDADES DA RODA: UM OLHAR SOBRE O CAMPO
4.1. Quem são os outros do campo da pesquisa?
4.2. O a-com-tecer do campo
4.3. DIALOGANDO SOBRE A RODA DE FORMADORES: OS OLHARES DAS OBSERVADORAS
DIÁLOGO 05
SINGULARIDADES NAS NARRATIVAS DOS FORMADORES: A CIRANDA DE EXPERIÊNCIAS
5.1. DESCOBRINDO FORMAS DE INTERAÇÃO COM AS NARRATIVAS
5.2. MÚLTIPLAS EXPERIÊNCIAS, MÚLTIPLOS SENTIDOS
5.2.1. A ciranda de experiências: um olhar caleidoscópico das narrativas
5.2. UMA EXPERIÊNCIA SINGULAR: A ESCUTA DE CRIANÇAS COMO DISPOSITIVO DE FORMAÇÃO
DIÁLOGO 06
SINGULARIDADES DA EXPERIÊNCIA DE ESTAR EM RODA
6.1. SOBRE OS SENTIDOS DA RODA: A VOZ DOS FORMADORES
6.2. SOBRE OS SENTIDOS DE PESQUISAR