Manual do policial antifascista: O que pensa e como atua um agente de segurança que luta pelos direitos humanos
De Leonel Radde
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Sobre este e-book
Este livro apresenta o pensamento e a trajetória de um policial civil vegetariano, budista e que, ao se assumir de esquerda, desagrada tanto o próprio campo político quanto a direita. Eleito vereador de Porto Alegre em 2020, seu mandato é dedicado à defesa dos direitos humanos e ao esforço de derrotar o fascismo.
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Manual do policial antifascista - Leonel Radde
DE QUE PAÍS PRECISAMOS?
Esta não é uma obra de autoajuda, como tantas outras que fracassam ao tratar da vida e de seus sentidos, mas os questionamentos apresentados no parágrafo anterior surgiram quando resolvi escrever este livro. Afinal, por que alguém teria interesse em ler estas páginas?
As coisas começaram a fazer sentido quando percebi que a pretensão não era esmiuçar minha trajetória, mas sim tratar de temas atuais e graves, como a escalada fascista e a urgência de barrar esse ciclo perverso de violência e intolerância. Como consequência – pois são indissociáveis –, outro propósito era refletir, entre outros assuntos, sobre direitos humanos e desmilitarização da polícia.
Não se trata de uma autobiografia, mas um tanto de mim aparece ao longo deste livro, afinal o desenvolvimento dos tópicos parte da atuação política que tenho praticado nos últimos anos e das minhas perspectivas, o que me levou a começar por quem me antecede.
Meu pai foi um diretor de teatro que alcançou projeção e reconhecimento no Rio Grande do Sul. Trabalhista convicto, conviveu com seu líder maior, Leonel Brizola, fundador do Partido Democrático Trabalhista (PDT), a quem homenageou. Entenderam de onde veio a inspiração para o meu nome? Ele odiava a legenda à qual me filiei, o Partido dos Trabalhadores (PT), e aqui posso falar da minha mãe, uma das fundadoras do partido em Porto Alegre, além de ter sido uma bancária de intenso engajamento no movimento sindical. Esperava que eu seguisse qualquer profissão, menos a de policial.
Se não bastasse afrontar os princípios partidários do meu pai, contrariei a minha mãe em algo que era tão caro para ela e, por concurso público, ingressei na Polícia Civil do Rio Grande do Sul. Complexo, né?
Começo a minha apresentação de forma breve: sou Leonel Guterres Radde, pai, policial civil, político de esquerda, antifascista, vegetariano, budista, professor de aikido, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, licenciado em História e mestre em Direito.
Sei que muitos consideram impossível um policial se intitular de esquerda e antifascista – e, ainda por cima, vegetariano e budista –, mas justamente daí surge um dos temas tratados aqui: a dificuldade do campo progressista em discutir segurança pública, um assunto que precisa ser encarado por todos.
Entendo a relutância de segmentos da esquerda em lidar com o fato de um policial ser de esquerda. A relação entre as forças de segurança e os movimentos sociais, negros e de classes menos abastadas nunca foi amistosa; pelo contrário, tem a marca da violência, truculência e intolerância. E tudo piorou durante a ditadura instaurada em 1964, quando os governos promoviam terrorismo de Estado para aniquilar os opositores do arbítrio.
E a direita bruta e extremada, por sua vez, me desqualifica e ataca porque sou antifascista. Aproveito para fazer uma ressalva: não associo o fascismo à direita, mas há um segmento da direita que, embora pequeno, é barulhento, nocivo e até mesmo letal. O fascismo é um movimento ancorado na extrema direita.
Neste livro, discuto as aparentes ambivalências e o tensionamento que orbita em torno dessas relações e desses entendimentos. Além disso, registro minha inconformidade. Pode parecer singelo, quase clichê, mas o que me move a prosseguir agindo todos os dias é o fato de não tolerar tanta injustiça e desigualdade.
A vida se tornou tão precarizada que não há espanto geral quanto a isso. A dor do outro é tão disseminada e banalizada que não choca na dimensão em que deveria. A propósito, enquanto escrevo este texto, ucranianos e russos se matam em mais uma guerra, uma das mais regulares ações humanas, desde quando rivais disputavam a posse do fogo.
O Manual do policial antifascista, embora tenha esse nome, não pretende ser um guia prático que busca ensinar como fazer algo. A intenção é que ele parta da minha experiência e se expanda ao encontro de leitores que, assim como eu, entendem que o fascismo não é apenas um assunto restrito a livros de História. Trata-se de algo concreto e perigoso que já deu sinais suficientes de que está em curso, bem perto de nós.
Estas páginas combinam relatos pessoais com reflexões sobre temas urgentes e importantes para pensar o Brasil de hoje, entre eles segurança pública e fascismo, no intuito de ampliar o entendimento sobre o país que temos e o país de que precisamos.
UMA DEFINIÇÃO DE FASCISMO
O país não está sob esse tipo de regime, mas pensamentos e atitudes fascistas cada vez mais se tornam comuns, e a história comprova o risco que há em desprezar essas evidências.
Sou conhecido como um policial antifascista; daí surge o título deste livro. Em minhas aparições públicas, visto uma camiseta que estampa a palavra antifascismo
. Acabei me tornando referência para quem pretende denunciar pessoas ou atos fascistas, tanto que eu e a equipe que trabalha em meu mandato de vereador recebemos mensagens diárias sobre o assunto.
Por causa da recorrência do tema nos textos que se seguem, esboço algumas considerações conceituais nestas primeiras páginas.
A palavra fascismo deriva do termo latino fasces, que era usado para designar um feixe de varas atadas em torno de um machado, representando a força pela união. Na República Romana (509 a.C.--27 a.C.), esse objeto simbolizava a prerrogativa atribuída aos magistrados de punir e decapitar cidadãos que contrariassem o poder.
E o regime fascista consiste em uma estrutura de pensamento e de poder com perfil totalitário e autoritário. Suas origens remontam à Europa, no período que se sucedeu à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), principalmente em países assolados por graves crises econômicas – em especial, Itália e Alemanha. Os fascistas tinham obsessão por superar o declínio e a humilhação de suas pátrias.
A crise do capitalismo, no meu ponto de vista, gera o fascismo. Faz pessoas ressentidas quererem se sustentar como indivíduos, agindo, portanto, com ódio, repulsa aos outros, xenofobia, sem dividir o que têm. Ansiando por se sentirem pertencentes a um pequeno grupo, querem se elitizar e responsabilizam o desemprego e a violência pela situação pela qual passam. Esse é um sentimento verificado depois da Primeira Guerra Mundial e que retorna em ciclos, como ocorreu recentemente no Brasil.
Na Itália, o Partido Nacional Fascista foi fundado em novembro de 1921 por iniciativa de Benito Mussolini, que tomou o poder em outubro de 1922, após a Marcha sobre Roma. Essa manifestação culminou em um processo que levou o rei Vítor Emanuel III a entregar o poder aos fascistas, que almejavam reviver a glória do Império Romano. Não queria pouca coisa a turma do Duce.
A Alemanha, derrotada no conflito mundial, também foi terreno fértil para a estruturação desse regime, nela chamado de nazismo
e liderado por Adolf Hitler. Trata-se de algo circunscrito a um determinado período histórico e a um país, sem deixar de constituir uma forma de fascismo, mas datado, pois não se repete.
Nos últimos tempos, muito se fala em neonazismo, que preserva do nazismo as ideias de supremacia racial, nacionalismo ferrenho, racismo e ódio a judeus, comunistas e gays, ampliando essa lista com negros e índios, no caso do Brasil, onde vários indivíduos se mobilizam em torno desse legado nefasto.
Os neonazistas se organizam em grupos e partidos em todos os continentes. Em sua dimensão pública, podem adotar uma postura mais comedida para não despertar atenção em demasia. Em comum, idolatram o Führer e negam o Holocausto.
Reluto em aceitar o conceito de neofascismo porque entendo