Cultivando O Raciocínio
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Cultivando O Raciocínio - Willian Ricardo Soares
Prefácio
cultivando o raciocínio
CULTIVANDO O
RACIOCÍNIO
Incomoda-me um pouco este nome. Grades não me cativam. No entanto, sinto-me aprisionado; forçado à escrever apenas para fazer pensar. Mas eu quero escrever para alegrar. A literatura é uma forma de alegria
, disse o grande Jorge Luis Borges. E questionou: Se há tantos livros deliciosos para se ler, por que perder tempo com livros que não dão prazer?
Sou um cara fascinado pela condição humana. Desde pequeno; sempre fui observador. Encanto-me com os seres humanos. Hamlet também: Que obra de arte é o homem: tão nobre no raciocínio; tão vário na capacidade; em forma e movimento; tão precioso e admirável; na ação é como um anjo; no entendimento é como um Deus; a beleza do mundo; o exemplo dos animais
. Quando leio um autor – o que eu leio é o escritor mesmo – conheço seu coração. Escrever nada mais é que oferecer a própria carne como alimento a ser comido pelo leitor. De tudo quanto se escreve, agrada-me apenas o que alguém escreve com o próprio sangue. Escreve com sangue e aprenderás que sangue é espírito
, falou Zaratustra. Jesus era sábio; inventou a eucaristia. Um ato mágico. Devora-se o objeto como se fosse a própria pessoa, a fim de tomar posse de suas virtudes. Eu amo viver. Por isso escrevo.
, escreveu Rubem Alves, Para continuar vivo nos meus leitores. Quero que vejam o mundo com os meus olhos.
Eu amo os livros. Fazem-me parceiro de pessoas que viveram em momentos distintos da história. O Albert Einstein disse, em seu maravilhoso livro que jamais será best-seller, Como Vejo o Mundo, que nós somos todos mortais imortais. Isto é, mortais porque morremos e imortais por que somos todos um; somos a humanidade; estamos todos interligados e criamos juntos obras que nos sobrevivem
.
Portanto, decidi partilhar quem sou; para estabelecer comunhão com quem gostar do meu sabor. As coisas que estão aqui sou eu mesmo, acompanhado de todos os meus amigos. E como se faz com os bons amigos, quero apresentá-los…
Ensaios
antes de mais nada
ANTES DE MAIS NADA
"Tenho uma confissão: noventa por cento do que
escrevo é invenção; só dez por cento que é mentira."
– Manoel de Barros
***
Confesso: eu sou um farsante. O que, assim considero, me torna imune à qualquer tipo de acusação. Escrevo o que não sou – o que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?
"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente."
– Fernando Pessoa
Talvez, tento recorrer aos avessos para fugir da realidade – e adquirir a lucidez mínima necessária para suportá-la. Escrevo sobre o que me falta. Não alcanço nem mesmo a luz do poste; porém, ouso escrever sobre as estrelas…
Sou deveras vaidoso para considerar a possibilidade de ser totalmente sincero. As palavras nos resgatam do que a realidade nos rouba. Sei, no entanto, que não apenas eu, mas todos nós somos mentirosos – talvez não se trate de mentira propriamente dita, mas de esperança. Feito as flores, que brotam de uma terra feia, úmida, mal-cheirosa e suas raízes crescem desorientadas; mas quando aparecem… Surgem da forma mais bonita possível!
Ao leitor, advirto: meu compromisso não é com a verdade – não a tenho. O que tenho, quando tenho, são palpites – que possuem o incrível mérito de angariar, pelo menos, beleza suficiente para amenizar o sofrimento da realidade.
Sobre mim, peço encarecidamente a descrença do leitor…
literatura
LITERATURA
Nasci pobre. Talvez não mais do que a maioria – até porque o país onde nasci é pobre. Mas, de qualquer forma, considerava-me o mais desfavorecido dentre os meus amigos, pois eles tinham sempre mais do que eu. Minha educação foi conturbada; pais separados desde meu nascimento. Bastou para nascer um revoltado dentro de mim. Envergonhado. Até hoje sinto coisas que eu sentia na adolescência. Havia um sentimento assombroso que sempre me perturbava: sentia-me diferente. Eu tinha sonhos grandes; coisa de besta. Meus pensamentos eram incontroláveis: ora belos e grandiosos, ora horrendos e nojentos. Eu era vil, pecador; e não apenas malvado: era cruel a ponto de pensamentos absolutamente perversos.
No entanto, também morava em mim um menino terno, cheio de brilho nos olhos, curioso pela vida, encantado – ah, isso sim! sempre encantado com a natureza! – e calmo… Queria pisar no mundo devagar.
Filósofo. Mas não como Sócrates, Platão ou Aristóteles. Filósofo de verdade, na intimidade da minha alma. Ideias e filosofias tão profundas, que explicadas, ninguém entenderia (ou internariam-me num hospício). Havia em mim, eu achava, um ceticismo maior do que o de Carl Sagan e uma espiritualidade que nem Ghandi experimentara. Tinha vergonha de quem eu realmente era. Vergonha de tudo: do rosto; do corpo; da família; da casa; das ideias; do país; da escola, e dos sentimentos. Essa minha intensa timidez acontecia especialmente por pensar que somente em mim havia esse paradoxo metafísico e vazio espiritual aparentemente incurável.
Mas fui descobrir na literatura que eu não estou sozinho…
Eu sou vil, como o Álvaro de Campos: Vil no sentido mais mesquinho e infame da vileza
. Um pecador, como um bom Karamázov; um Fiódor Pavlovich mora em mim. Assombrado pela condição humana, assim como Shakespeare. Pensamento fértil, imaginativo, criador de mundos paralelos à realidade, fantasioso como Tolkien. Feito o Dom Quixote, sou meio desregulado e moinhos de vento, na minha cabeça, as vezes são gigantes também. Um mentiroso, da mesma condição do poeta Manoel de Barros, que noventa por cento do que escrevia era invenção e somente dez por cento era mentira. Sou poeta, parecido com Casimiro de Abreu – e ah, também tenho saudades dos meus oito anos... Sonhador, sou eu, como Bachelard diante de uma vela. Cheia de ternura, uma alma repleta de belezas, como a de Rubem Alves (uma ostra que produziu muitas pérolas). Quanto mais fundo mergulho no vasto mar da literatura universal, mais posso afirmar a famosa máxima: só sei que nada sei
, de Sócrates. Sou tão amante da natureza como o Alberto Caeiro… Hoje escrevo meus pensamentos não como quem explica; mas como quem apenas mostra; à moda de Nietzsche. Ainda que não interesse a ninguém, escrever tornou-se uma obrigação para mim diante de Deus
, como disse Tolstói. Fui ganhar conforto – e coragem – com as Sagradas Escrituras; que são um grande espelho para a alma. Despe nossas máscaras e nos posiciona diante de nossa própria nudez. Amadureci minha espiritualidade lendo as palavras de Cristo.
Portanto, a literatura pôs-me no chão, na vida. Mostrou-me que, nesta aflição, não estou só. As angústias e as utopias que tenho, não as tenho sozinho. Sou humano como todos. Sinto-me integrado à toda a humanidade, como o Carl Jung. A palavra é poderosa porque muda os pensamentos – e o mundo nada mais é que os pensamentos dos homens, nos ensinou o Veríssimo.
O Texto Sagrado diz que a palavra deu início a tudo. E talvez exatamente por saber do poder que há nas palavras, Deus resolveu escrever um livro…
ininsistência
ININSISTÊNCIA
Meu nome é Willian Ricardo Soares e eu sou um poeta – muito embora não maneje a delicada arte de traçar versos. A descoberta é recente, mas a coisa é antiga. E há pouco é que fui entender que, para ser poeta: se é na alma, muito antes de ser no papel. Platão tinha a ideia de que, antes de nascermos, nós contemplamos todas as coisas belas – e isso faz eco com as Escrituras Sagradas, pois a tradição cristã ensina que antes de nosso nascimento, as almas estão em Deus (e depois da morte, retornam). Portanto, nascemos sábios.