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O Signo Dos Quatro
O Signo Dos Quatro
O Signo Dos Quatro
E-book297 páginas4 horas

O Signo Dos Quatro

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Sobre este e-book

John Mackey estava perto da tão sonhada aposentadoria, mas isso teria de esperar. Um lunático estava matando pessoas próximo à faculdade e brincando de charadas com a polícia. Jim Raw estava feliz com a namorada Lisa, mas um acidente fê-lo voltar em sonhos à antiga casa. Ele teria de fazer uma escolha e logo, caso contrário, a mulher que escolhera para si poderia ser a próxima vítima. Ambientada na Curitiba dos anos 80, M. Bertazzi traz a tona medos que as pessoas sentem de uma forma surpreendente.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de mar. de 2024
O Signo Dos Quatro

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    O Signo Dos Quatro - M. Bertazzi

    M. BERTAZZI

    O SIGNO DOS QUATRO

    2010

    Para Pai e Mãe que presentearam-me com a índole, a sensibilidade e ensinaram-me a arte da persistência.

    Para Sueli e Fábio. Um porque gerou o outro e soube fazer sua parte como ninguém. Outro porque mostrou a luz da paternidade e é extensão da existência.

    "Os tempos se impõem aos humanos. 

    Tudo tem a sua hora, cada empreendimento tem seu tempo debaixo do céu".

    (Eclesiastes  3)

    PREFÁCIO

    Sempre desejei escrever alguma coisa que passasse das quinze linhas iniciais. Este sentimento não tem muito de original, mas é a mais absoluta verdade.

    Uma manhã de domingo sentei-me ao computador sem a mínima noção por onde deveria começar. Olhei para fora e vi o vento que batia nas árvores e espalhava folhas pelo chão, pessoas que discutiam sobre assuntos quaisquer e gente que ia e vinha em direção à igreja. 

    De fato, eram coisas que não faziam sentido algum para mim, no entanto, comecei a perceber de certa forma óbvia e espero, não tardiamente, como a vida é rica em acontecimentos.

    Tateei umas ideias e me surpreendi como pareciam fluir bastante bem. Ao contrário de outras malfadadas tentativas, desta vez fiz questão de não ler o que havia escrito, apenas deixei que o louco ávido dentro de mim sentisse livre para dizer o que quisesse. A revisão ficaria para depois.

    Este é meu primeiro romance e quem embarcar nestas páginas, deve saber de algumas coisas que, no mínimo, me servirão de consolo quando perguntarem: de onde ele tirou estas ideias? Pelo menos eu avisei.

    Primeiro: a história e as personagens são ficção, mas suas ideias não. Em boa parte, tive colaboração de pessoas que vinham dar-me suas opiniões sobre determinada situação ou circunstância. Porém, mesmo possuindo algum cunho verdadeiro, procurei transformá-las para que dessem ao leitor uma visão mais ampla da psicologia das personagens.

    Alguns causos (como dizia nhô Quinco) de gente simples dariam uma ótima história.

    Segundo: peço desculpas a quem reconhecer certos lugares que aqui descrevi, pois alguns nomes e citações realmente existem, mas tomei a liberdade de acrescer ou retirar dados. Em alguns casos mudei-os geograficamente a fim de melhor adaptá-los ao clima da história. Outros lugares, porém, não passam de pura imaginação. De qualquer forma, os que existem procurei fazê-los obedecendo certa fidelidade às imagens originais. Espero sinceramente que tenha conseguido. Ao menos, concedam-me o perdão de ter tentado.

    Às três horas e doze minutos do dia oito de fevereiro de um ano esquecido, coloquei o último ponto neste romance e posso dizer que foi muito gratificante escrevê-lo, principalmente porque alguns fatos exigiram de mim e por certo exigirão de você, caro leitor, certa sensibilidade em sua compreensão. Aquela coisa de soltar as amarras da imaginação.

    Tenho como objetivo pegá-lo pela mão e caminharmos por algumas ruas, vendo pessoas. Talvez possamos imaginar o que estão pensando? Qual seu medo mais profundo? Qual delas carrega dentro de si um segredo terrível?

    Não raro, as aparências enganam e o medo, este sim, possui forma, é palpável e tem um gosto horrível.

    Talvez descubramos aquilo que já sabemos: todos nós não somos essencialmente bons ou maus, apenas desejamos, em geral a custo de algum sofrimento alheio, sermos apenas felizes. Afinal, o que mais nos resta, não é?

    Escrevi este romance apenas para satisfazer meu desejo de conhecer o outro lado de quem lê histórias. Conhecer o mundo de quem as escreve. Descobri que há um fundamento na loucura.

    Se consegui que você ficasse comigo até aqui, então não fui totalmente infeliz em minha tentativa de prender sua atenção.

    Isto é sinal que posso começar a contar-lhe minha história. 

    Boa viagem.

    SETEMBRO DE 1991

    1

    E

    le havia caminhado várias horas pelas ruas de Sunvalley. Seus passos ecoavam solitários pelas vielas e becos escuros como se o sol tivesse se apagado para sempre e ele fosse o único sobrevivente do holocausto previsto nas Centúrias. 

    O sino da Catedral a poucos metros, acabara de dar três badaladas uníssonas anunciando que era pouco mais de duas horas da madrugada. 

    Havia caído uma chuva fina e as ruas ainda estavam úmidas. As luzes amareladas dos postes refletiam-se em poças dando uma impressão desolada e fantasmagórica, como se seres da noite espreitassem pelos cantos sombrios reclamando seu domínio absoluto. 

    Um frio percorreu-lhe o corpo e ele ajeitou melhor o colarinho do sobretudo. Olhou para o céu e viu nuvens que caminhavam céleres, deixando transparecer um emaranhado de estrelas.

    Parou por um instante e tentou divisar a constelação do Escorpião e do Cruzeiro do Sul. Desde criança aprendera a identificá-las e sempre as encontrava. Esticava os braços no intuito de alcançar alguma coisa, mas elas apenas o observavam, distantes, majestosas. Desejava um dia poder tocá-las de verdade.

    Recomeçou a andar ouvindo o eco de seus passos. 

    O último carro passara por ele há quase uma hora e ainda não tinha visto qualquer alma viva (ou morta) circulando pelos arredores do centro da cidade. Na verdade, ele procurara locais mais ermos propositadamente. Não queria ser incomodado enquanto se deixava absorver pelo eco de seus próprios pensamentos.

    Algumas vezes julgava ter ouvido um ruído atrás de si. Olhava por sobre o ombro e o que via era somente a rua deserta. Acreditava que se fosse surpreendido enquanto estava distraído em suas reflexões, a coisa, seja lá o que fosse, acabaria por matá-lo do coração.

    É interessante como a noite parece misteriosamente estranha e por isso mesmo, maravilhosamente bela. Apesar de aflorar nossos mais íntimos pesadelos, nossos receios mais primitivos, a noite tem esse fascínio que nos permite comungar com o inesperado, com o inusitado, deixando todos os sentidos em alerta, emanando vibrações em todas as partes do corpo como se viessem dos poros. 

    Ele não sentia medo, mas o receio do desconhecido causava-lhe uma nítida impressão de desconforto, de vulnerabilidade.

    Tinha consciência que nada poderia fazer-lhe mal, afinal, não estava fisicamente ali, mas não conseguia afastar aquela sensação incômoda de estar à mercê dos elementos da noite, fossem quais fossem.

    Ver-se caminhando solitário, fazia-o sentir-se inquieto e não adiantava repetir para si mesmo que seus receios nada mais eram que sensações armazenadas pelo subconsciente. Era a lógica que prevalecia. A parte sensitiva de seu cérebro dizia que era real e pronto.

    Se porventura alguém insone cruzasse seu caminho, certamente não o veria, pois ele nada mais era que um espectro ambulante, uma projeção de si mesmo andando pelos labirintos sombrios, uma alma que vagava solitária pela cidade adormecida.

    Mesmo sabendo que o veículo que lhe impulsionava a seguir adiante não era carne, sua mente trabalhava como se não tivesse dado conta disso. Os tremores que lhe percorriam o corpo pareciam incrivelmente reais.

    Mas a noite não era feita só de temores, mesmo porque, os medos só existem na mente do homem. 

    Sorriu ante a diversidade de emoções que regem a vida do ser humano.

    No princípio as trevas cobriam o abismo, mas o espírito de Deus pairava sobre as águas e Ele disse: haja luz e se fez luz. Chamou então a luz de dia e as trevas de noite. Ordenou que as águas pululassem de seres animados e que a terra produzisse coisas vivas das mais diferentes espécies. E assim se fez.

    Por fim, criou o homem.

    Dotou-lhe de duzentos ossos, dez mil pupilas gustativas, sessenta e cinco por cento de oxigênio e inúmeros receptores nos olhos. No corpo, mais de duzentos músculos, quase cinco mil fibras nos ouvidos e trinta e cinco bilhões de neurônios cujos impulsos chegam a uma velocidade setecentos e vinte quilômetros por hora.

    Deu-lhe cem bilhões de células nervosas e um coração que bombeia aproximadamente seis litros de sangue por milhões de veias, vasos e artérias. E para que tudo isso siga um sincronismo adequado, há um quilo de massa cerebral capaz de guardar recordações, gerenciar os mais diversos movimentos e possibilidades infinitas. Era uma máquina perfeita. Não precisava ter medo.

    Quaisquer elementos que caminhassem sobre a terra, só existiam porque Ele ergueu sua mão e de sua vontade se fez o verbo. E mais, como prêmio extra por sua autossuficiência, Deus dera ao homem o domínio sobre todas as outras criaturas, a prelazia sobre qualquer coisa que caminhasse sobre a terra. 

    Enquanto seguia sem rumo, pensava nessa complexidade que fazia a mente dos seres humanos trabalharem e como deveria ser muito mais complexa a mente do Criador. Afinal, não eram pares?

    A existência de um ser maior olhando por ele o deixava seguro. Dava-lhe o conforto de saber que não estava só e que tudo que acontecia em sua vida tinha uma razão de ser, um motivo para estar ali. Nada era feito ao acaso e por mais que o motivo não estampasse aos olhos, sempre havia uma resposta para cada pergunta e não raro, mais de uma alternativa para cada problema. Era a lei da causa versus efeito e o efeito sempre subsiste na causa.

    Pensou no fio etéreo que ligava seu corpo à sua alma e isto também fazia sentir-se seguro. Não era um estudioso de gnosticismo, mas sempre teve curiosidade sobre isso. Leu alguma coisa sobre sonhos, viagens astrais e projeções, mas nunca havia sentido uma experiência empírica tão real como agora. Apesar do conflito emocional, estava encantado com a possibilidade de ver-se vagando fora do corpo.

    Parou em frente a um pequeno sobrado de construção antiga geminado com outros quatro construídos no mesmo estilo. De uma das três janelas, uma luz indicava que alguém estava acordado.

    Alguém insone como eu. Pensou.

    Teve o impulso de cruzar a rua a bater na porta do sujeito. Era uma coisa estúpida a se fazer, é claro, mas não sabia por que seus instintos ficaram mais aguçados, como se uma força maior o guiasse a fazer aquilo.

    O sujeito. Imaginava agora por que pensou exatamente nele como uma figura masculina.

    Estranho, mas não estava gostando daquela sensação. Estivera andando sem rumo, perdido em seus próprios pensamentos e com alguns receios infundados, mas de certa forma, sentia-se seguro.

    Agora experimentava uma confusão de sentimentos que o estavam deixando atordoado, incapaz de compreender por que deveria importunar alguém àquela hora da madrugada. Por que deveria entrar? O que diria? Com certeza, quem quer que fosse o colocaria fora dali a pontapés. E não teria total razão se fizesse isso?

    Ele não pode vê-lo. Falou sua mente. Você não está realmente aí, lembra-se?.

    É verdade. Pensou. Isto é apenas um sonho. E como temos sonhos bons também temos sonhos maus, no mínimo, estranhos.

    Atravessou a rua e parou diante da porta. 

    No céu, as nuvens tinham-se ido dando lugar a uma lua enorme, brilhante e fria. Ele levou as mãos à maçaneta para retirá-las em seguida. 

    O que estava fazendo, afinal? Iria espionar alguém? Não, não queria espionar. Nem sabia ao certo por que tinha parado ali. Não entendia por que estava com ímpeto de fazer aquilo. Mas não era uma coisa certa e pensasse o que quisesse pensar, agora estava com medo.

    Deu meia volta e teria ido embora, não fosse o ruído da porta abrindo atrás de si. 

    Girou rapidamente sobre os pés e instantaneamente foi atingido por vibrações incrivelmente fortes. Sentiu-se atirado para o outro lado da rua, como se uma câmera fosse recuada rápida demais e o tivesse afastado daquela sombra. Seu corpo gelou e espasmos percorreram-lhe as costas até a nuca. Engoliu em seco. 

    A penumbra do corredor deixava ver apenas uma silhueta, mas seus sentidos alertavam constantemente que era bom manter distância daquele homem. As vibrações que vinham dali eram ruins, maléficas o suficiente para lhe dar náuseas.

    Ele está me vendo. Pensou. Não consigo ver seu rosto, mas sei que ele está olhando para mim. Sentia que seu coração estava batendo rápido demais e ele sabia que iria desmaiar a qualquer instante.

    Viu quando o homem veio caminhando lentamente em sua direção. Quis sair correndo dali, mas suas pernas não obedeceram. Um zumbido começou a latejar-lhe o ouvido e de repente, o inevitável aconteceu e tudo ficou escuro.

    2

    S

    unvalley era o que se podia chamar de cidade moderna, apesar de boa parte de suas construções centrais ainda permanecerem no estilo do século XVIII gritando sua história para olhos que se dispusessem a enxergá-la e por que não, apreciá-la.

    Localizada próximo aos cinquenta graus de longitude oeste do Meridiano de Greenwich, viajantes que estiveram em meados do século XVI já citavam um lugar com possibilidades de minas de ouro e prata nos campos onde hoje encontram-se seus municípios limítrofes.

    Em 1649, o Administrador das Minas, Eleodoro Ébanos Pereira, recrutou pessoal da Vila de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá a fim de explorar não só a Mata Atlântica, mas regiões mais acima da Serra do Mar, especialmente as terras provenientes de formação Guabirotuba.

    Estas expedições acabaram por estabelecerem-se próximas ao rio Atuba onde criaram inúmeras vilinhas de garimpeiros, em geral de origem portuguesa, os quais viviam da retirada do chamado ouro de aluvião. 

    A história factual, como as lendas, funde-se de tal forma na memória dos habitantes de grandes cidades que só registros oficiais podem separar uma da outra, o que para Sunvalley, não era diferente.

    Conta o folclore da região que todas as manhãs no acampamento do Rio Atuba, a imagem de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais amanhecia voltada para uma determinada direção. Como havia predominância de grupos indígenas de tronco linguístico Jê e Tupi-Guarani, um cacique Tindiquera da tribo Tupi foi chamado para que indicasse exatamente para onde a santa apontava.

    Com auxílio de uma grande vara, o cacique percorreu uma enorme extensão de campos até que em dado momento fincou-a no chão dizendo: coré etuba. Em um significado literal do guarani, isto queria dizer muito pinhão. Acreditando ali ser o lugar apontado pela santa, foi erguida uma capela de pau-a-pique, sendo que muitas modificações se fizeram necessárias até chegar ao desenho atual com o título de Catedral.

    Em 1661 foi criada a fundação do núcleo de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais sendo que a primeira eleição de autoridades foi em 1693, promovida pelo então capitão-povoador Matheus Martins Leme. Nesta data, Sunvalley era elevada à Vila e posteriormente à Cidade em 1842.

    No século XIX acentuou-se a chegada de alemães, italianos, poloneses e ucranianos, estes em especial, vindos da Galícia. As comunidades judaicas e japonesas juntaram-se às etnias já existentes e moldaram a representação sociocultural e econômica da cidade, dando ao perfil arquitetônico riqueza decorativa de suas terras.

    Situada cerca de 930 metros acima do nível do mar, conta hoje com cerca de um milhão e trezentos mil habitantes e uma área de 430 km², onde a predominância da Araucária resiste à ação civilizadora e à criatividade de seus construtores.

    Apesar de clima temperado, Sunvalley tem oscilações de temperatura que podem variar de extremos em um único dia.

    As principais bacias hidrográficas (seis ao todo) correm para o sul desembocando no Iguaçu e seguindo até o rio Paraná. Estas bacias contribuem de modo especial para a natureza variável do clima.

    As casas do centro misturam-se nos estilos moderno e contemporâneo. Muitas delas ainda conservam sua forma original com platibandas ou arquitraves riquíssimas em detalhes, bem como balaustrada nas platibandas e cornija logo abaixo, quebrando um pouco o estilo clássico.

    Na arquitetura interna é possível ver o esmero de seus construtores, os quais faziam opção por cores suaves nas paredes, molduras no forro e cômodos sempre espaçosos, paradoxo das moradias dos tempos atuais.

    Não raro, ainda é possível encontrar em meio a tantas construções ecléticas, casas de madeira ao fundo com frente em alvenaria destacando as cores fortes, característica principal do movimento art déco.

    Na época, era comum a presença de porões, o que gerou e ainda gera muita curiosidade sobre histórias de passagens subterrâneas que interligam o Largo da Ordem às diversas regiões da cidade, algumas inclusive de cunho macabro.

    No bairro Mercês há a história da existência de túneis encontrados por um pirata inglês de nome Sulmmers ou Zulmiro, como posteriormente foi chamado. Conta-se que, receoso do descobrimento de suas riquezas extraídas de outras bandas, trouxe sua pilhagem até aquele lugar e encerrou-o sem contar a ninguém onde exatamente está sua localização.

    Moradores antigos garantem ter visitado o local e nunca encontraram sequer vestígios do dito tesouro e dão outra versão àquela história.

    Dizem que naqueles campos, existiu uma casa de madeira destinada à moradia de portadores terminais de hanseníase. Em seu interior, um alçapão dava acesso a uma escada de descida íngreme e um corredor bastante estreito. Cerca de seis metros em frente, abria-se uma sala ampla de aproximadamente dois metros de altura emoldurada em forma de arco sustentada por bovedillas.

    Há relatos que na época o preconceito em relação aos doentes era intenso, maior que nos dias de hoje. A fim de que os corpos de infectados não transitassem pela cidade, os mesmos eram incinerados naquele local, escondidos à vista da população, a qual preferia manter-se neutra quanto aos direitos humanos, neste caso.

    De estranho também pode-se citar que além desta grande sala, um estreito corredor seguia até uma parede fechada com tijolos novos, sugerindo uma passagem propositadamente interrompida. Mas interrompida para que? Eis uma pergunta cada vez mais longe de uma conclusão.

    Hoje não há nada que identifique sequer a localização exata onde ficava a entrada do tal túnel. Registros feitos com auxílio de uma Yashica 700 pelo então menino Key Imaguire, hoje professor de arquitetura e urbanismo, é tudo que sobrou de concreto para mostrar que o lugar realmente existiu.

    No Clube Concórdia, fundado por volta de 1880 e, portanto, um dos mais antigos da cidade, também há túneis com gradis em seu interior que dão para lugar nenhum, mas parecem seguir em direção às Ruínas de São Francisco e à Catedral. Tem-se conta que este lugar era passagem de fuga de alemães perseguidos pelas milícias nacionalistas em 1942.

    Quem criou estas passagens e por que as fez é o que tem mexido com o imaginário da população e suas teorias passado de geração em geração.

    Pesquisadores têm muitas reticências sobre o ilusionismo criado sobre estas construções subterrâneas, visto que não existem documentos oficiais que corroborem estas teorias, muito menos pesquisas concretas.

    Lendas ou não, muito já foi explorado e nada de conclusivo foi levantado. De qualquer forma, intervenções urbanas acabaram também por soterrar qualquer possibilidade de uma conclusão plausível, exceto se algo suceder nos próximos anos que venha a mudar a história.

    À parte das fábulas, a grande maioria das construções centrais hoje estava destinada ao comércio em geral, como escritórios, lojas de departamento, cafés e cinemas. O que não havia sido reformado tinha dado lugar às construções arrojadas, mas ambos os espaços pareciam conviver pacificamente bem uma ao lado das outras, como irmãs siamesas. 

    A rua do Comércio, a mais antiga e mais movimentada de toda Sunvalley, era a única que parecia resistir bravamente à criatividade dos arquitetos em quase toda a sua extensão.

    Muitos dos ambientes ainda preservavam a construção original e não raro, suas paredes podiam contar a história ao vivo e em cores do que foi e do que é hoje Sunvalley.

    O fechamento da rua para carros e o calçamento para movimentação exclusiva de pedestres, dera o que falar a trinta anos, quase custando a cabeça do prefeito, não fosse a promessa de que se as vendas caíssem a própria prefeitura arcaria com os prejuízos.

    É claro que tudo fora um blefe. Até que se chegasse à conclusão que o prefeito fizera uma jogada errada, ele estaria no Planalto, disputando intenções maiores, deixando os próximos governantes que descascassem o abacaxi

    Muito dinheiro tinha sido investido com a intenção de favorecer o comércio das ruas vizinhas, as quais, diga-se de passagem, possuíam muitos lojistas como correligionários doadores de campanha. Some-se ao fato que era sabido que se o prefeito caísse, levaria muita gente com ele e gente graúda, o que neste caso não era um bom negócio para ninguém.

    A verdade é que a rua do Comércio acabou se tornando o centro das atenções e as alamedas vizinhas viram uma movimentação maior de transeuntes dispostos a gastar seu dinheiro, para alegria dos lojistas.

    Trinta anos

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