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O Terror Melodramático de Bollywood a Índia Imaginada no Filme Mission Kashmir (2000)
O Terror Melodramático de Bollywood a Índia Imaginada no Filme Mission Kashmir (2000)
O Terror Melodramático de Bollywood a Índia Imaginada no Filme Mission Kashmir (2000)
E-book227 páginas2 horas

O Terror Melodramático de Bollywood a Índia Imaginada no Filme Mission Kashmir (2000)

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Sobre este e-book

O livro O Terror Melodramático de Bollywood: a Índia imaginada no filme Mission Kashmir (2000) apresenta ao leitor uma análise histórica que evidencia como a Índia moderna foi pensada e representada pelas lentes de uma produção de ficção da indústria hindi, mundialmente conhecida como Bollywood. Ao mobilizar conceitos e referências fundamentais da história cultural e política, assim como os pressupostos incontornáveis ao uso do cinema como fonte histórica, a obra deslinda considerações sobre temas atuais como nacionalismo, identidade e terrorismo. O livro aparece como uma excelente fonte de erudição no que se refere à história da Índia e à história da Ásia, uma vez que demonstra uma contextualização histórica concisa e dinâmica sobre uma região ainda pouco explorada pela historiografia lusófona.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de out. de 2022
ISBN9786525011202
O Terror Melodramático de Bollywood a Índia Imaginada no Filme Mission Kashmir (2000)

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    O Terror Melodramático de Bollywood a Índia Imaginada no Filme Mission Kashmir (2000) - Bruno Tadeu Novato Resende

    I

    Introdução

    As disputas políticas e identitárias que caracterizavam o contexto de produção e a narrativa do filme Mission Kashmir remetem ao processo de independência da Índia, que ocorreu entre as décadas de 1930 e 1940 e estabeleceu fronteiras nacionais em uma região multiétnica e multiconfessional sob a égide da religião. Lorde Mountbatten, governador do Raj britânico², em acordo com as principais pretensões dos grupos que comandavam o país e tinham representação no congresso indiano, percebeu que a política de partição, tendo como pressuposto as religiões hindu e islâmica, seria inevitável, dado que a fragmentação do território era preferível diante da possibilidade de a independência não acontecer para o raj como um só país.

    Esse processo de partilha, além de acirrar as disputas entre os grupos confessionais que viviam nas regiões que configuram a Índia moderna, criou em 15 de agosto de 1947 duas nações soberanas: a União da Índia, de embasamento hindu, e o Domínio do Paquistão, cujas bases nacionais estariam no Islã.

    De acordo com Guha (2007), a União da Índia nasceu das articulações políticas conduzidas pelo movimento independentista conhecido como Congresso Nacional Indiano³ junto ao último vice-rei da Índia, Lorde Mountbatten. Os advogados e os estadistas hindus Mahatma Gandhi e Jawaharlal Nehru eram os principais representantes dessa agremiação política durante as negociações e por essa razão são historicamente reconhecidos como os pais da Índia. Após a separação dos britânicos, o país adotaria a alcunha oficial de União até 26 janeiro de 1950, quando a constituição local foi efetivamente outorgada pelo parlamento e o nome oficial passou a ser República da Índia.

    Já o Domínio do Paquistão surgiu com uma dissidência do movimento independentista de Gandhi e Nehru criada pelo presidente da liga muçulmana, o advogado Mohammad Jinnah, que acreditava na repartição da região como melhor solução para o antagonismo entre hindus e muçulmanos que perdurava desde o século XIX. O território paquistanês da época, além das terras que configuram o país atualmente, também abrangia Bangladesh, sob o nome de Bengala Oriental, e a partir de 1955, Paquistão Oriental. Apesar de Jinnah ter pensado a laicidade como um dos pilares da nova nação, a constituição de 1956 assegurou que o Paquistão seria uma república islâmica.

    A decisão da partilha contribuiu para que mais de um milhão de pessoas perdesse suas vidas e suas propriedades no sistema de troca de população, processo conhecido como a maior migração em massa da história da humanidade, que praticamente obrigou os civis a seguir para uma determinada localidade conforme a confissão professada. O sucesso da migração proposta por Índia e Paquistão se deveu, sobretudo, ao medo de represálias por parte das minorias nos locais onde um grupo social era majoritariamente superior a outro (GUHA, 2007).

    Na região de Bengala, por exemplo, o conflito entre hindus e muçulmanos, que remonta às últimas décadas do século XIX, ganhou uma nova faceta após a independência. De acordo com Guha (2007), a classe média hindu, por intermédio da repartição, dividiu a área e colocou os muçulmanos nas áreas menos desenvolvidas em torno da capital da província, essa medida contribuiu para que os episódios de violência religiosa se tornassem uma constante até a atualidade.

    Outro caso bastante simbólico é a experiência dos sikhs, grupo confessional de grande expressão numérica na região do Punjab. Os adeptos da religião, que se aproximava tanto do islamismo, pelo monoteísmo, quanto do hinduísmo devido à prática do roti-beti rishta⁴, demoraram algum tempo para tomar consciência das vantagens políticas que a partição da Índia britânica poderia lhes garantir. Quando a organização política finalmente aconteceu, as pretensões independentistas dos sikhs foram ignoradas em consequência da incapacidade desse grupo confessional em construir uma liderança política expressiva junto às forças articuladoras da independência, isto é, os britânicos, o Congresso Nacional Indiano e a Liga Muçulmana (GUHA, 2007).

    Essa inexpressividade política contribuiu para que os sikhs atravessassem um dos processos mais violentos durante a partilha, envolvendo perseguições, assassinatos, sequestros, estupros e mais de 10 milhões de refugiados que seguiram, em sua maioria, para a Inglaterra, os Estados Unidos e o Canadá (GUHA, 2007).

    Desde sua independência, a Índia sofreu com uma constante instabilidade política causada pela insatisfação de grupos sociais específicos com as políticas do governo central de Nova Délhi. O movimento Mahagujarat (1960),

    o movimento comunista Naxalita de Bengala (1960), a insurgência por uma Caxemira livre (1980) e o movimento Assam (1980) aparecem como alguns dos expoentes mais emblemáticos dessas organizações identitárias e políticas que não se sentiam contempladas pelo projeto de nação implantado em 1947 (GUHA, 2007).

    A chegada dos anos de 1960 assinalou o início de um período extremamente turbulento para a política indiana em função não só da ascensão dos movimentos identitários, mas também do aumento da violência interconfessional entre hindus e muçulmanos. Com quase 700 incidentes entre os anos de 1966 e 1968, a maioria desses conflitos estava associada a provocações de cunho religioso, como tocar uma música alta na frente de uma mesquita ou o assassinato de uma vaca na frente de um templo hindu. Os estados de Bihar e Uttar Pradesh lideraram os índices de violência devido à incapacidade dos governos locais em compreender as nuances históricas e políticas que envolviam essa disputa (GUHA, 2007).

    A crise política iniciada nos anos de 1960 impactou profundamente o mandato de Indira Gandhi, que governou o país entre os anos de 1966 e 1977. A chefe de governo precisou trocar os ministros-chefes, responsáveis pela governança dos estados, por quatro vezes em razão das pressões de movimentos separatistas e de grupos que ansiavam a criação de novos estados. Em 1975 a instabilidade se tornou generalizada em decorrência das acusações de corrupção eleitoral por parte da oposição ao governo, e o presidente Fakhruddin Ali Ahmed, ao decretar estado de emergência, garantiu à Gandhi plenos poderes para governar por decreto até 1977.

    Após a suspensão do estado de emergência em 1977, o partido sikh Akali Dal voltou a apresentar ao parlamento indiano uma resolução que havia fracassado em 1973 por causa da alta popularidade de Indira Gandhi na época. Estruturada segundo o artigo da constituição que assegurava a autonomia dos estados, a resolução de Anandpur Sahib expunha uma série de questionamentos sobre a centralização política do governo de Délhi e exigia que os sikhs pudessem exercer a soberania sobre o Punjab conforme a lógica da partilha de 1947. Ao mesmo tempo, e de forma correlata, o líder religioso Jarnail Singh Bhindrawale ganhou relevância no cenário político da região ao denunciar, por meio de seus sermões, como os sikhs eram discriminados pelos hindus e como se assemelhavam muito mais a escravos do que a cidadãos (GUHA, 2007).

    Em 1980, o orgulho sikh sofreu um duro golpe quando os Akalis perderam o controle do estado de Punjab para um partido historicamente associado aos hindus e ao governo central de Nova Délhi, o partido do Congresso. Não satisfeito com os resultados da eleição, um grupo de estudantes se reuniu no Harmandir Sahib⁵ em junho desse mesmo ano e declarou a independência de uma república sikh, com o nome de Calistão, cujo presidente seria um sikh que vivia em Londres, Jagjit Singh Chauhan (GUHA, 2007). A nova república teria suas fronteiras determinadas pelo Punjab histórico, abarcando não só o estado indiano, mas também o Punjab paquistanês e regiões ao norte e ao oeste da Índia (CRENSHAW, 1995).

    Embora não fossem apoiadores explícitos do movimento separatista do Calistão, Jarnail Bhindrawale e o presidente do partido Akali Dal, Harcharan Singh Longowal, defendiam a autodeterminação sikh como um projeto distinto e separado da nação que nasceu sob a égide do hinduísmo em 1947. Por ser um estudioso da história da região, Bhindrawale era um ferrenho opositor à coexistência com a Índia por acreditar que a diferença entre os grupos confessionais seria sempre desarmônica em defluência de suas experiências históricas distintas.

    Ao retomar, de forma enviesada, as vitórias do império sikh contra o império mugal nos séculos XVII e XVIII, o líder religioso incentivou os punjabis à desobediência civil e à resistência política ao governo central entre os anos de 1981 e 1984. Quando a situação se tornou insustentável, em junho de 1984, Indira Gandhi ordenou ao exército que executasse a operação Blue Star e acabasse com a insurgência por meio de uma incursão ao Harmandir Sahib (GUHA, 2007). A operação terminou com o assassinato de Bhindrawale e a prisão de Longowal.

    Na manhã de 31 de outubro Indira Gandhi foi assassinada por dois de seus guarda-costas sikhs, Satwant e Beant Singh, em retaliação aos danos causados pela operação Blue Star ao templo sagrado do sikhismo. Esse fatídico episódio resultou em uma revolta antissikh orquestrada em bairros de Nova Délhi e que depois se alastrou por outras regiões do país.

    De acordo com Gould (2004), o Congresso Nacional Indiano, que era o mais proeminente e bem-sucedido movimento do nacionalismo anticolonial

    do século XX, foi responsável por influenciar e coordenar a campanha de desobediência civil que se espalhou pelo país, principalmente após a década de 1930. Embasado em uma retórica religiosa flexível, o movimento independentista estabelecia o povo indiano como uma comunidade hindu⁶ à parte do resto do mundo e se autodeterminava como representante da nação indiana independentemente das muitas diferenças sociais, ocupacionais, de castas ou religiosas. O Congresso adotou essa posição como um contraponto ao discurso da administração colonial, que defendia as diferenças religiosas da Índia como irreconciliáveis.

    A ideia de representar todos os grupos sociais da Índia proposta pelo Congresso falhou em virtude de três fatores fundamentais: a separação desejada pelos muçulmanos desde o século XIX; o fortalecimento de instituições do nacionalismo hindu, como a Arya Samaj⁷ (Sociedade Nobre) e a Hindu Mahasabha⁸ (Associação Hindu); e a estrutura de comunidades divididas incentivada pela administração colonial (GOULD, 2004).

    Gould (2004) esclarece que, malgrado o Congresso defendesse o secularismo, ou, segundo o congressista Aurobindo Ghose, defendesse que as bases da nação da Indiana estariam em uma religião eterna que englobaria todas as confissões, ciências e filosofias, incluindo o cristianismo e o islã, o imaginário religioso hindu, assim como o estímulo de práticas comuns aos praticantes dessa confissão, foi privilegiado. Esse privilégio se deu em virtude de os historiadores e de os responsáveis pela criação da estrutura política da nova nação serem incapazes de entender as implicações destrutivas de separar a ideia de religião e espiritualidade dos conceitos de comunidade e comunalismo.

    No que tange à história da Caxemira, espaço em que a narrativa do nosso documento visual se desenvolve, a política de partilha também resultou em uma série de problemas políticos e identitários que perduram até a atualidade. A Caxemira, por ter maioria muçulmana, deveria ter sido incorporada ao Paquistão, no entanto, quando o marajá Hari Singh, por ser hindu, hesitou em integrar o território sob seu controle ao país vizinho, as tensões entre as duas nações escalaram rapidamente (SCHOFIELD, 2010).

    O marajá recorreu ao governador-geral da Índia, Lorde Mountbatten, que sugeriu aos principais articuladores da independência a secessão da Caxemira como um terceiro Estado, porém os representantes da Índia e do Paquistão barraram essa petição. Sem nenhuma opção política e jurídica disponível, Singh postergou sua decisão até outubro de 1947, quando os paquistaneses colocaram em prática a Operação Gulmarg⁹ e o obrigaram a fugir e declarar em 22 de outubro a adesão à União da Índia (SCHOFIELD, 2010).

    A adesão de Jamu e da Caxemira à Índia acarretou uma série de conflitos armados entre os dois países recém-independentes, cujos principais resultados foram: a extinção do principado; o domínio das áreas de Caxemira Livre e Gilguite-Baltistão pelo Paquistão; a manutenção do controle indiano sobre as partes mais valorosas do território; e a criação, pela Organização das Nações Unidas (ONU), de uma linha de cessar-fogo que viria a se tornar em 1972 a Linha de Controle. O acordo que definiu esse limite fronteiriço também determinava que a região de Jamu e da Caxemira deveria definir o seu destino por meio de um plebiscito (STEIN, 2010).

    Em 1948, a Caxemira passou a ser administrada pelo sheik Abdullah, um aliado político de Nehru que liderou a oposição ao governo do marajá Singh e participou do movimento de emancipação colonial organizado pelo Congresso Nacional Indiano contra os britânicos (LARSON, 1995). Contudo, a relação amistosa com Nehru se deteriorou após as eleições e a formação da Assembleia Constituinte de 1951, uma vez que Abdullah enxergava um risco de opressão por partes das forças conservadoras hindus que se estruturavam, principalmente, por intermédio do Bharatya Janata Sangh (BJS)¹⁰.

    No ano de 1953, Abdullah determinou que a assembleia deveria decidir o futuro da Caxemira por meio de três opções determinadas por ele: a independência, o pertencimento à Índia ou o pertencimento ao Paquistão. Essa política foi concebida por Nehru e outros líderes políticos da Índia como uma inclinação pró-Paquistão e como uma traição à boa-fé da Índia que o havia conduzido ao cargo. Em agosto do mesmo ano, sheikh Abdullah foi encarcerado, acusado de traição pelo governo central, e permaneceu na cadeia pelos próximos sete anos (LARSON, 1995).

    Em 1954, Bakshi Gulham Mohammad assumiu seu cargo e garantiu, mediante a aprovação do Artigo Constitucional 370 no parlamento indiano, um estatuto especial na constituição indiana para o estado de Jamu e da Caxemira¹¹. A resolução frustrou os objetivos daqueles que ansiavam por um plebiscito, porque além de autonomia a instituição jurídica assegurava também que o estado seria, daquela data em diante e para sempre, integrante da República da Índia. Sheikh Abdullah seria reconduzido ao cargo em 1975, pela primeira-ministra Indira Gandhi, que caucionou mais autonomia para as autoridades locais no que concerne à legislação do território, porém manteve os assuntos referentes à integridade territorial sob o controle de Nova Délhi.

    Insatisfeito com os rumos políticos da região, o movimento pró-secessão fundaria o Partido Frente Plebiscito, de maioria muçulmana. Na década de 1970, o partido adotou uma posição separatista junto à comunidade internacional e criou uma ala insurgente conhecida como Frente de Libertação de Jamu e Caxemira (FLJC, em inglês: Jamu and Kashmir Liberation Front – JKLF) (LARSON, 1995).

    Por fim, encerrando as considerações que dizem respeito ao contexto histórico do nosso objeto, a ascensão da Al-Qaeda, e de sua agenda internacionalista, na Ásia Meridional no início dos anos de 1990 atribuiu ao conflito uma nova face. Novos movimentos extremistas inspirados e financiados pela própria organização de origem afegã conferiram ao conflito na Caxemira uma característica religiosa que até então não aparecia de maneira axiomática.

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