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Fascismo e Ideologia: Diálogos Identitários e de Gênero, Democráticos e Socioambientais
Fascismo e Ideologia: Diálogos Identitários e de Gênero, Democráticos e Socioambientais
Fascismo e Ideologia: Diálogos Identitários e de Gênero, Democráticos e Socioambientais
E-book366 páginas4 horas

Fascismo e Ideologia: Diálogos Identitários e de Gênero, Democráticos e Socioambientais

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Sobre este e-book

"Ora, é comum entre os autodenominados pensadores pós-modernos em busca de notoriedade reproduzirem (de modo velado ou explícito) ideologias que visam preservar a ordem social estabelecida". (Dr. Claudinei Luiz Chitolina – Unespar). Fascismo e ideologia traz uma visão clara sobre os problemas que as estruturas estabelecidas engendram e ampliam, num efeito retroalimentado, afligindo uma parcela gigantesca da sociedade brasileira. Problemas na conjuntura educacional ou de ordem político-democrática, as questões de gênero, de identidade e ambientais são abordadas com rigor científico e abertura dialógica impactantes. A obra oferece pontos de vistas que permitem enxergar a partir do encobrimento ideológico das armadilhas e estratégias de dominação coletivas e individuais. E como escapar ao assédio alienante? Como enfrentar forças poderosas? A obra bosqueja algumas possibilidades e alternativas que fazem a leitura valer a pena.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de jun. de 2022
ISBN9786525024004
Fascismo e Ideologia: Diálogos Identitários e de Gênero, Democráticos e Socioambientais

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    Fascismo e Ideologia - Márcio Moreira Costa

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    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    Ao sonho de uma sociedade digna,

    igualitária, educada, honesta...

    livre do fascismo.

    Agradeço a todas as forças e energias envolvidas e que contribuíram,

    direta ou indiretamente, para este resultado.

    Saber e não saber, estar consciente de mostrar-se cem por cento confiável ao contar mentiras construídas laboriosamente, defender ao mesmo tempo duas opiniões que se anulam uma à outra, sabendo que são contraditórias e acreditando nas duas; recorrer à lógica para questionar a lógica, repudiar a moralidade dizendo-se um moralista, acreditar que a democracia era impossível e que o Partido era o guardião da democracia [...].

    (G. Orwell, 1984)

    Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmo somos desconhecidos – e não sem motivo. Nunca nos procuramos: como poderia acontecer que um dia nos encontrássemos?

    (F. W. Nietzsche, Genealogia da Moral)

    APRESENTAÇÃO

    A tarefa aqui posta é intensamente desafiadora pela magnitude do que se pretende apresentar: este livro; com a energia de seus autores, suas assinaturas literárias e a profundidade epistemológica e rigor científico com que se expressam. Ao mesmo tempo, é uma tarefa que proporciona um misto de alegria e satisfação por fazer parte de todo o processo, dada a riqueza de experiências compartilhadas e que se condensam, à sua forma, em cada um dos capítulos a serem descobertos a seguir.

    É um livro que traz, como característica predominante, a intensidade nômade. Não com a pretensão de carregar o mesmo rigor conceitual que o termo possui para o pensamento de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Porém, o nomadismo da obra se dá pelo seu deslocamento epistêmico, isto é, um conhecimento que está em movimento e, portanto, identitariamente dialógico. Sustentando-se não por crenças ou ideologias fantásticas, mas pela sua força lógico-argumentativa, seu rigor científico e sintonia com os fatos explorados e demonstrados. Nesse sentido, o teor filosófico presente em suas páginas, mesmo que apenas como pano de fundo em certos trechos, conecta assuntos e temas de esferas distintas criando espaços para o diálogo fluido e de rara profundidade.

    É imperativo que se destaque aqui ainda toda a energia dialética-educativa, e humanizadora por consequência, que transpõe a minha experiência com este trabalho. É surpreendente perceber a conexão existente entre os textos, dada pelo seu compromisso com a dimensão humana e o próprio processo humanizador dos indivíduos. Discutindo suas potencialidades e apontando também possíveis fragilidades; num formato que permite ao leitor a interação com o discurso, como numa catarse necessária para um cenário marcado por um viés anti-intelectual e de vaziez de conteúdo. Tais propósitos e análises forjam experiências concretas, desde os debates em salas de aulas, de conversas informais e ainda dos trabalhos científicos, até a construção desta obra.

    Toda a fortuna de conhecimento, condensada aqui neste trabalho, tem ainda como característica contrapor-se à intolerância dialógica que se alastra no espaço social sob influência das redes sociais. O que ressalta seu valor literário e científico frente ao desafio midiático de esvaziamento e, como constatou Zygmunt Bauman, de liquefação da realidade.

    A obra Fascismo e ideologia: diálogos identitários e de gênero, democráticos e socioambientais, enfim, nasce efetivamente do projeto de extensão Live Nómade: palestras em série, organizado pelo Grupo de Pesquisa Nómade, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia. O projeto ocorreu no ano de 2020 e contou com o privilégio da participação dos professores Dr. Vitor Cei (Ufes), Dr. Claudinei Luiz Chitolina (Unespar), Dr. Jelson Oliveira (PUCPR), Dr. Francisco Leno Danner (Unir), Dr. Edson Pilger Dias Sbeghen (Unoesc), Me. Celuy Roberta Hundzinski (École Polytechnique, Paris-França) e Dr. Selmo Azevedo Apontes (Ufac), entre outros. Os capítulos, em sua maioria, formaram-se das palestras que ocorreram ao longo da execução do projeto. Temas como fascismo, democracia, identidade, educação, gênero, sustentabilidade, ética e meio ambiente foram amadurecidos e articulados. Outros temas, de relevância socioexistencial indiscutível, como corpo-trans e parlamento dos corpos, completaram a riqueza do livro que tenho a honra de apresentar.

    Participe desse diálogo. Ótima leitura!

    Márcio Moreira Costa

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    Sumário

    INTRODUÇÃO 17

    Por Gaudêncio Frigotto

    PRIMEIRA PARTE - Crítica social 25

    O AUTOR E A SÍNTESE 27

    Por Márcio Moreira Costa

    CAPÍTULO 1

    Bosquejo de uma genealogia do bolsonarismo

    (2013-2018) 29

    Vitor Cei

    O AUTOR E A SÍNTESE 57

    Por Décio Keher Marques

    CAPÍTULO 2

    Sociedade do desempenho, meritocracia e educação:

    uma abordagem crítica 59

    Claudinei Luiz Chitolina

    O AUTOR E A SÍNTESE 115

    Por José Vagner Silva

    CAPÍTULO 3

    Amazônia, justiça climática e responsabilidade

    ambiental 117

    Jelson Roberto de Oliveira

    O AUTOR E A SÍNTESE 131

    Por Marciane de Souza

    CAPÍTULO 4

    O sujeito-grupo trans como ficção estético-política viva: da lógica da identidade à relacionalidade e à politicidade fundantes 133

    Leno Francisco Danner

    SEGUNDA PARTE - Epistemologia e identidade 183

    O AUTOR E A SÍNTESE 185

    Por João Paulo Silva Martins

    CAPÍTULO 5

    A (re)construção da identidade e a produção

    da subjetividade 187

    Edson Pilger Dias Sbeghen

    A AUTORA E A SÍNTESE 201

    Por Magda Oliveira Pinto

    CAPÍTULO 6

    Identidade da Mulher: representações histórica

    e comparativa 203

    Celuy Roberta Hundzinski

    O AUTOR E A SÍNTESE 223

    Por João Paulo Silva Martins

    CAPÍTULO 7

    Identidade e linguagem do pesquisador e da pesquisa: uma perspectiva a partir do tópos 225

    Selmo Azevedo Apontes

    SOBRE OS AUTORES 245

    COLABORADORES 249

    INTRODUÇÃO

    Por Gaudêncio Frigotto

    O fascismo é um movimento chauvinista, antiliberal, antidemocrático, antissocialista, antioperário. Seu crescimento num país pressupõe condições históricas especiais, pressupõe uma preparação reacionária que tenha sido capaz de minar as bases de forças potencialmente antifascistas. (Leandro Konder)

    A epígrafe acima retirada do livro Introdução ao Fascismo¹, escrito durante o exílio na Alemanha num dos períodos mais brutais da ditadura empresarial militar de 1964, nos ajuda a entender os enormes desafios do tempo presente no Brasil. Desafios que se situam no âmbito cultural, econômico, político, jurídico e educacional e que se expressam, ao mesmo tempo, na batalha das ideias, ações e atitudes práticas.

    Certamente não podemos afirmar que estejamos vivendo no Brasil um regime fascista como foram as experiências históricas clássicas da Alemanha e Itália. Todavia, não podemos negar que a partir dos movimentos de 2013 e, especialmente, 2014 e 2015 até o golpe de Estado de 2016, deslanchou-se um movimento reacionário que acabou por eleger, em 2018, um bloco de forças claramente com concepções e práticas fascistas. Com efeito, como destaca a historiadora Virgínia Fontes,

    [...] o caráter do novo governo não significa que tenha sido implantado no Brasil um ‘regime fascista’, mas evidencia que há tendências fortes nessa direção, e os seus desdobramentos dependerão do quadro de resistência e enfrentamento nacional, assim como das tensões internacionais².

    As concepções, atitudes e práticas protofascistas, atualmente erigidas a políticas de governo, desvelam que o projeto do integralismo da década de 1930 foi superado no plano jurídico e político, mas não no plano cultural, social, econômico e educacional. O autoritarismo, o conservadorismo e o moralismo ao longo de nossa história sempre foram ativados para deflagrar ditaduras e golpes de Estado para impedir conquistas mais amplas de direitos da classe trabalhadora. Desde os debates e lutas pelo fim do regime escravocrata apela-se para o espectro aterrador do comunismo contra a propriedade, a liberdade, a pátria, os valores da família e da religião para não alterar a estrutura de uma das sociedades mais injustas e desiguais do mundo.

    Os argumentos do escritor José de Alencar em 1876, então deputado pela Bahia, mostram o anacronismo da classe dominante brasileira e seus prepostos. Percebendo as tendências abolicionistas nos quadros de poder da monarquia Alencar advertia sobre o que poderia acontecer com a abolição.

    Tolerado semelhante fanatismo do progresso, nenhum princípio social fica isento de ser ele atacado e mortalmente ferido. A mesma monarquia, senhor, pode ser varrida para o canto entre o cisco das ideias estritas e obsoletas. A liberdade e a propriedade, essas duas fibras sociais, caíram desde já em desprezo ante os sonhos do comunismo³.

    Nas marchas pré-ditadura empresarial militar de 1964, nas mobilizações que antecederam o golpe de Estado de 2016, no processo eleitoral de 2018 e agora, na permanente pregação do núcleo ideológico de extrema direita do governo Bolsonaro, reverbera-se a ameaça à propriedade, à liberdade, aos valores da religião e da família pelos comunistas e pela ideologia de gênero. Vale ressaltar que, diferentemente das ditaduras, os regimes fascistas ou protofascistas operam nos marcos das instituições republicanas e, como tal, como mostra Mark Bray, é mais difícil de combatê-los.

    O fascismo e o nazismo emergiram como clamores emocionais, antirracionais, fundados em promessas másculas de renovação do vigor nacional. Embora a argumentação política seja sempre uma estratégia importante para se comunicar com a base popular do fascismo, ela é menos eficaz quando confrontada com ideologias que rejeitam os termos do debate racional. A razão não parou os fascistas nem os nazistas. Embora a razão seja sempre necessária, de uma perspectiva antifascista ela infelizmente não basta por si só. Por isso, não é surpresa que a história mostre que as instituições republicanas nem sempre foram uma barreira ao fascismo. Pelo contrário, em diversas ocasiões, funcionaram como um tapete vermelho⁴.

    O golpe de Estado de 2016 expressa a natureza da forma mediante a qual passou-se a desestabilizar os regimes democráticos, mesmo na materialidade frágil da democracia brasileira, para salvaguardar os privilégios de uma minoria de bilionários que constituem menos uma classe burguesa no sentido clássico, e mais uma plutocracia. A ganância e o DNA escravocrata e colonizador dos que arquitetaram, no plano parlamentar, jurídico, militar e midiático, o golpe de 2016 não perceberam o ovo de serpente que acalentaram. Só em outubro de 2018 se deram conta e nem a autocrítica posterior de parte desses mentores nos livrou da esfinge instalada no poder e suas redes sociais, e que estão, dia após dia, destilando o negacionismo da ciência e a pedagogia do medo, do culto às armas e à violência, do ódio à diversidade e ao pensamento divergente e efetivando o desmonte das instituições democráticas.

    Usualmente na introdução de uma coletânea busca-se dar ao leitor uma visão de cada capítulo e a relação que eles estabelecem com o tema geral da obra. Portanto, não seria necessário o preâmbulo apresentado. Esta coletânea, organizada por Márcio Moreira Costa, todavia, nasce de um projeto de extensão realizado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (Ifro) e que reúne sete conferencistas de diferentes instituições universitárias para debater temas que põem em movimento o pensar crítico sobre fascismo e ideologia na interface com as questões da identidade, de gênero, democracia e meio ambiente. Um pensar crítico formativo para docentes, corpo diretivo e técnico, estudantes e sua extensão na sociedade.

    Nesse sentido, o formato da coletânea assume um caráter pedagógico específico original numa dupla dimensão. Primeiro cada capítulo, resultante das conferências dos pesquisadores convidados, tem a leitura e uma apresentação do seu conteúdo por um colega pesquisador ou pesquisadora que participou do projeto. Por isso, sob esse aspecto, não caberia reiterar o eixo de cada capítulo, pois quem participou do debate e leu posteriormente o artigo tem mais elementos de fazê-lo com mais justeza. E as apresentações são primorosas.

    O segundo aspecto pedagógico é de que a coletânea ao abordar temas diversos com pesquisadores de campos disciplinares e formações específicas em suas análises traz ao mesmo tempo: a dimensão processual do conhecimento e, no plano ético, político e cientifico, o combate às posturas irracionalistas e fundamentalistas que cancelam o outro por razões que são estranhas ao que nos define como seres humanos e as relações que nos humanizam. Posturas essas de caráter fascista em curso no Brasil. Assim, brevemente, atenho-me a destacar para o leitor o caráter original e educativo desta coletânea.

    De imediato, cada um dos sete capítulos, no recorte abordado, se caracteriza por uma densa crítica social que capta o que o historiador Mark Bray destaca na citação: "A razão não parou os fascistas nem os nazistas. Embora a razão seja sempre necessária, de uma perspectiva antifascista ela infelizmente não basta por si só" (grifos meus). Em seus sete capítulos que passam dominantemente pelo olhar da filosofia, psicologia social, linguística e literatura, está presente certamente o uso da razão, mas com recursos de análise que partem do entendimento da irracionalidade do modo de ser e agir fascista.

    Não por acaso, a categoria que tece a unidade, na diversidade do conjunto de temas tratados, é a de diálogo. Categoria antitética ao irracionalismo, ao negacionismo ou a posturas dogmáticas ou fundamentalistas. Se tomarmos o sentido etimológico dado pelos gregos ao termo διάλογος vê-se que é uma palavra composta de διά (através de) e λογος (saber, conhecimento). Para que o diálogo se estabeleça são necessários a existência e o reconhecimento do outro como sujeito, independentemente de sua identidade de gênero, visão de mundo e suas opções políticas, científicas, religiosas etc. Por isso, diálogo não é sinônimo de concordância ou consenso, mas, desde Sócrates, trata-se de um processo entre interlocutores cujo fim é o de buscar o conhecimento que se aproxima da verdade dos fatos e dos fenômenos humanos. Desse modo, o ato de conhecer por sua historicidade sempre será processual e aberto, ainda que não relativista.

    A publicação da coletânea transforma o projeto de extensão institucional numa contribuição aberta, não apenas nacionalmente, mas para o intercâmbio internacional. No conteúdo dos temas abordados e na forma de exposição esta contribuição alargada incide no fato de que as análises nos permitem apreender a junção desagregadora, antidemocrática e desumanizadora de três fundamentalismos que se relacionam e potenciam e que orientam as concepções e práticas fascistas do bloco de forças de extrema direita que constituem o bolsonarismo.

    O fundamentalismo político anula o espaço da dialogicidade, e o que ele busca é eliminar o pensamento crítico divergente por meio do incentivo à cultura do ódio, da violência, da ameaça e da difamação mediante a prática de produção e divulgação massiva de mentiras (fake news). Daí a questão instigadora do texto que abre a coletânea e desvela a genealogia do bolsonarismo. O entendimento das (im)possibilidades da democracia implica o desafio de confrontar os processos de internalização e de manipulação alienadora que levaram a eleger um presidente que não esconde o apoio à tortura, personifica o machismo, a homofobia, a misoginia, nega a ciência e se mostra frio, alheio e cínico perante a morte de mais de 600 mil seres humanos pela pandemia e a dor dos familiares, amigos e colegas pela perda.

    Num nível mais profundo, no plano da subjetividade humana, opera o fundamentalismo religioso, especialmente, mas não só, de algumas denominações neopentecostais, que se articula e reforça o fundamentalismo político do bolsonarismo. Mais profundo, porque regride à idade média buscando subordinar a ciência à crença. A história nos mostra o que resultou disso. O cientista político José Luis Fiori, numa síntese histórica da relação entre religião e violência, destaca o sentido desagregador e desumanizador dessa junção no Brasil sob o governo Bolsonaro.

    Hoje, a palavra bolsonarismo é usada em todo o mundo, como sinônimo de violência irracional e destruição psicopática, feita em nome de versículos bíblicos, mas sem nenhum sentido ético e humanitário. Já e utilizada também como um sinal vermelho de advertência sobre o limite a que pode chegar a humanidade quando perde o sentido ético da política e da história, e se joga contra tudo e contra todos, movida pelo ódio, medo e paranóia, transformando a religião num instrumento de vingança e destruição da possibilidade de convivência entre os homens⁵.

    Os temas da coletânea que versam sobre o sujeito Trans, a identidade na formação da subjetividade humana, a identidade da mulher e identidade e linguagem explicitam a firmação do sentido oposto de como são tratados pela junção desses dois fundamentalismos.

    Por fim, o fundamentalismo econômico que se funda sobre o dogma da soberania do mercado para o qual tudo tende a se transformar em mercadoria, a educação, a saúde, a terra, a água, o conhecimento e os seres humano. Dogma que parte da concepção de uma natureza humana sem história centrada na tese de que todos nascemos com a tendência de buscar o bem próprio. Um egoísmo positivo que seria a chave da competição que conduziria ao progresso para todos. Não importa que a história do modo de produção capitalista e as relações sociais de classe que o sustentam demonstrem o oposto: o aumento sistemático da desigualdade em todo o mundo nos últimos cem anos, como indica a pesquisa de Thomas Piketty (2014)⁶.

    Em texto, Francisco de Oliveira⁷ (1998), ao analisar as perspectivas da sociedade brasileira para o século XXI, tendo como cenário as políticas ultraconservadoras do neoliberalismo na década de 1990, apreende o que é o fundamentalismo econômico em curso desde o golpe de Estado de 2016. Uma agenda que revoga os direitos sociais básicos à vida e os direitos subjetivos afirmados na Constituição de 1988, liquida com o patrimônio público e avança na pilhagem das terras indígenas cobiçadas pelo agronegócio e pela expropriação privada da riqueza do subsolo. A perspectiva que Oliveira percebia, há 20 anos, era de que o realismo mercantil conservador, que atrofia a esperança, para se manter, tenderia a chegar à regressão do projeto nazi-fascista que tem na violência a moeda de troca como código da sociabilidade e como resultante o agravamento do apartheid social.

    A noção ideológica de meritocracia é a expressão que sintetiza o dogma da soberania do mercado e de uma natureza humana que tende ao bem próprio. O texto da coletânea Sociedade do desempenho, meritocracia e educação desmonta essa ideologia e mostra seu caráter desumanizador. Por sua vez, o texto Amazônia, justiça climática e responsabilidade ambiental nos revela que a determinação fundamental do aquecimento global, que ameaça a vida no planeta, situa-se no caráter das relações de produção capitalistas para as quais, em função do lucro e da acumulação sem fim, não reconhecem nenhum limite ético.

    Há mais de um século e meio Karl Marx, ao analisar A grande indústria e a agricultura sob a apropriação privada pelo capital da ciência e tecnologia, mostra a dupla destruição que se efetiva: Por isso, a produção capitalista só desenvolve a técnica e a combinação do processo da produção social ao minar simultaneamente a fonte de toda a riqueza: a terra e o trabalhador ⁸.

    Esta breve introdução à coletânea espera ter mostrado a sua relevância e atualidade que nos ajudam, a um tempo, a buscar entender os tempos sombrios que vivemos e, pela densidade crítica e ação política, as ferramentas de enfrentamento para a superação. Ela constitui, também, um exemplo de trabalho coletivo para não cair na armadilha do fascismo de neutralizar o pensamento crítico e a luta e ação políticas pela pedagogia da mentira, da ameaça e do medo. Este é como nos mostra Antônio Candido ao analisar o caráter da repressão em referência às práticas da ditadura empresarial militar de 1964. O que escreve no último parágrafo do texto volta a ter triste e assustadora atualidade.

    Sinistra mentalidade redutora, que nos obriga a ser, ou voltar a ser, o que não queremos ser; e que mostra como Alfred de Vigny tinha razão, quando anotou seu diário: Não tenha medo da pobreza, nem do exílio, nem da prisão, nem da morte. Mas tenha medo do medo⁹.

    PRIMEIRA PARTE

    Crítica social

    O AUTOR E A SÍNTESE

    Por Márcio Moreira Costa¹⁰

    Começo com uma pergunta que eu já fiz outras vezes e ainda estou tentando responder: como consolidar a democracia no Brasil [...]? – é com esta indagação que Vitor Cei inicia o capítulo a seguir, denominado Bosquejo de uma genealogia do bolsonarismo (2013-2018), expondo sua preocupação com o cenário político brasileiro. Em busca de respostas, o autor produz um esforço genealógico corporificando os elementos forjadores do bolsonarismo no país. Para tanto, Cei se volta para a atuação dos personagens, agrupando-os num perfil comum: criticam a tudo e a todos e adotam o discurso de que ninguém pode dar solução à sociedade brasileira atual. Para então se fazer a pergunta: Em nome de que milhares de brasileiros ocuparam as ruas do país em junho de 2013?. E é com essa abordagem arrojada que desvela todo um processo de esvaziamento de sentido da

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