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Tolerância: Conceitos, Trajetórias e Relações com os Direitos Humanos
Tolerância: Conceitos, Trajetórias e Relações com os Direitos Humanos
Tolerância: Conceitos, Trajetórias e Relações com os Direitos Humanos
E-book280 páginas5 horas

Tolerância: Conceitos, Trajetórias e Relações com os Direitos Humanos

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Sobre este e-book

Tolerância: conceitos, trajetórias e relações com os direitos humanos descortina perspectivas históricas e exalta concepções contemporâneas de um valor basilar à vida em sociedade, não obstante seus reflexos negativos e tênues limites. A obra revela por que não há como atingir patamares mais avançados de autorrealização – no âmbito das habilidades de empatia, compreensão, diálogo e serenidade, por exemplo – sem um razoável domínio dos melhores traços presentes na tolerância, posto que o respeito ao momento do outro e ao seu direito de pensar e conduzir-se, condição essencial ao tolerante, constitui dever fulcral da consciência em estado de expansão e evolução. O livro trata de temática e ideias para serem refletidas por todos os interessados em compreender a tolerância enquanto conquista de quem decidiu renunciar à heterodominação com a intenção de harmonizar-se no convívio com o diferente.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de out. de 2018
ISBN9788547313203
Tolerância: Conceitos, Trajetórias e Relações com os Direitos Humanos

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    Tolerância - Hugo Espínola

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO SOCIOLOGIA DO DIREITO

    À minha mãe, Ana; esposa, Caroline; e filha, Sancha,

    pela tolerância a mim concedida.

    APRESENTAÇÃO

    Enquanto viveres, brilha.

    E de todo não te aflijas.

    A vida é curta.

    E o tempo cobra suas dívidas.

    (Canção grega composta por Seikilos,

    em cerca de 200 a.e.v. a 100 e.v.)

    A história registra descobertas de princípios frutos de pensamentos, preceitos e realizações de personalidades de destaque na religião ou que se tornaram religiosas. Ideias surgidas em éticas religiosas e no seio de religiões forneceram valores que aperfeiçoaram o modo de ser e agir das pessoas ao longo dos séculos. São alguns exemplos de transformações nas percepções e no discernimento humano, creditadas à religião: a heresia monoteísta revolucionária de Amen-hotep IV (Aquenatón); o sistema filosófico humanista criado por K’ung-fu-tzu (Confúcio); o legalismo e as proibições mosaicas, aperfeiçoadoras da moral judaica; a descoberta do diabo e do paraíso, por Zarathustra (Zoroastro)¹; a revolta de Jeremias contra o sacrifício de crianças, considerado comum na época²; a redenção humana sem a necessidade de deuses externos, presente na psicologia filosófica de Buda³; os princípios humanísticos presentes no Sermão da Montanha, por Jesus de Nazaré; a defesa de Onésimo, por Paulo de Tarso⁴; os questionamentos metafísicos ("Quid est Deus?) realizados pelo Boi Mudo⁵, e a sua filosofia, baseada na aliança entre fé e razão⁶; o princípio de não coerção na religião", gênese da liberdade de consciência no mundo islâmico, presente no Alcorão (2:256); a teologia pacifista e anti-idólatra de Manak⁷; as Teses de Lutero, questionadoras do absolutismo, manipulação e oportunismo da Igreja Católica; a práxis da filosofia satyagraha, levada a cabo por Mohandas Karamchand Gandhi; a luz que brilhou sobre o mundo, nos valores de Giovanni di Pietro di Bernardone⁸; a ideia de autonomia espiritual, presente na filosofia de John Locke; a contribuição da ética protestante ao espírito do capitalismo; a teologia da libertação, de Gustavo Gutiérrez, Leonardo Boff, Jon Sobrino e Juan Luis Segundo, dentre outras.

    No Brasil, ao mesmo tempo em que historicamente a Igreja Católica se distinguiu pelas estreitas ligações com os governos mais reacionários, setores progressistas do catolicismo muito contribuíram com os movimentos sociais de caráter reformista, principalmente por meio da ação pastoral católica (Pastoral da Terra, Pastoral Operária e Pastoral Carcerária). Por sua vez, o Partido dos Trabalhadores teve entre suas origens influência de projeto político da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), instituição que passou a privilegiar o combate à ditadura depois que o regime demonstrou estar em seus momentos finais, com objetivo de retomar a centralidade católica no país e tonar o catolicismo (popular e de massas) um fator político estratégico e operante dentro do Estado brasileiro.

    A par da contribuição positiva, a história da religião está marcada ao longo dos milênios por uma geografia de fé, perseguições e conflitos, misturados à luta pelos poderes econômico e político. Alguns exemplos demonstram nossa afirmação: o antissemitismo, presente em vários momentos históricos; o sistema de castas, principalmente nos países de população hindu; as perseguições contra os primeiros cristãos; a Conquista Árabe (711-1492) e a Reconquista da Península Ibérica (718-1492); as lutas entre sunitas e xiitas, iniciadas no século VII; os conflitos étnico-religiosos desvelados no Sudão, Etiópia e Nigéria, que remontam ao século X; as Cruzadas (1096-1272), as Inquisições e a caça às bruxas; as Apostasias, católica e protestante; a catequese dos indígenas, na conquista do Novo Mundo; o Holocausto nazista contra judeus, ciganos, eslavos, testemunhas de Jeová, padres católicos e mórmons; a Apostasia islâmica, condenando infiéis à morte em vários países; a guerra na ex-Iugoslávia, entre cristãos ortodoxos, católicos e muçulmano-islâmicos; os conflitos em Timor-Leste, envolvendo muçulmanos e católicos; as perseguições religiosas patrocinadas pelo Irã; os atentados terroristas realizados pelos talibãs e Al-Qaïda, nomeadamente o do 11 de Setembro, dentre outros.

    Na história ocidental pós-moderna, os fluxos migratórios criaram numerosas sociedades multiculturais e plurirreligiosas, complexas no tocante às práticas e identificações religiosas dos seus membros. Atualmente, em diversos países a parcela secular da população convive diariamente com pessoas de diferentes expressões religiosas.¹⁰ Nas grandes metrópoles, o ambiente em que se desenvolvem as relações intersubjetivas está caracterizado pelo pluralismo de concepções, seja no campo das crenças e descrenças, como também na forma como os indivíduos interpretam os fenômenos espirituais e as suas repercussões nas ações do dia a dia.

    Não obstante, o Apelo Espiritual de Genebra (1999), quando líderes religiosos e grupos humanitário-seculares pediram um fim ao uso da religião como causa de violência; a Declaração de Ética Mundial (1993), pela qual o Parlamento das Religiões Mundiais conclamou todos os seres humanos, religiosos ou não, para trabalharem em favor de uma mudança individual e coletiva de consciência, por meio da reflexão, meditação, oração e pensamento positivo, comprometida com uma ética mundial de maior compreensão mútua, e com formas de vida compatíveis com as dinâmicas sociais promotoras da paz e benéficas à natureza; e ainda o esforço de alguns teólogos, como Theodore Hesburgh¹¹ e Hans Küng¹², no sentido de promover lições que resultem no progresso humano, com base em convicções humanistas, em reconciliações entre religiões e num ecumenismo de matriz católica¹³, convivemos em pleno século XXI com conflitos político-religiosos em diversos países, que causam a morte de inúmeras pessoas, como os existentes na Irlanda do Norte (católicos x protestantes); na Nigéria (muçulmano-islâmicos x cristãos); no Sudão (muçulmano-islâmicos x cristãos); em Nianmar (budistas x mulçumanos rohingyas); no Sri Lanka (budistas x hindus); na Tailândia (budistas x islâmicos); na Índia, Paquistão e China (islâmicos x hindus); no Iraque, Irã e Curdistão (sunitas x xiitas); em Israel e Palestina (judeus x islâmicos); no Afeganistão (talibãs x grupos islâmicos); no Tibet (budistas x governo da China); ademais, com exemplos de intolerância, como a perseguição aos praticantes da fé Bahá’í; as tensões entre cristãos, hindus e islâmicos na Indonésia; os conflitos étnico-religiosos no Congo, Ruanda e Burundi; a perseguição aos cristãos e a lei que combate a blasfêmia com a morte, no Paquistão; a lei egípcia que obriga as pessoas a declararem a filiação religiosa no documento de identidade; as leis de registro religioso existentes no Cazaquistão, Bielorrússia, Sérvia e Uzbequistão; as rigorosas leis de observância ao islã, presentes em vários países árabes; a lei suíça que proíbe a construção de minaretes; as práticas de apedrejamento e de mutilação genital feminina; a excisão do prepúcio em meninos; os atentados terroristas realizados por minorias islâmicas; a islamofobia;  a nova cruzada promovida pelos Estados Unidos da América contra o denominado eixo do mal (Doutrina Bush), aparentemente ressuscitada por Donald Trump.

    De fato, a intolerância religiosa tornou-se uma das principais causas de perseguição das minorias no mundo, conforme o relatório anual da organização não governamental Minority Right Groups International, de 2010. Essa constatação levou o diretor da citada ONG a declarar, por ocasião da divulgação do citado relatório, que a intolerância religiosa é o novo racismo, pois muitas comunidades que enfrentaram discriminações raciais durante décadas são agora perseguidas por causa de sua religião¹⁴. Em seu relatório, intitulado State of the World’s Minorities and Indigenous Peoples 2010, o Minority Right Groups International alerta também para o fato de que os islâmicos, nos Estados Unidos e na Europa, estão entre as minorias que mais sofreram com o enrijecimento dos controles estatais e com as campanhas celebradas por grupos políticos radicais após o 11 de Setembro.¹⁵

    No mesmo sentido, o instituto de pesquisas Pew Research Center publicou em 2012 um robusto relatório, baseado em 20 indicadores de modos como os governos locais e nacionais restringem as liberdades por motivo religioso, e em 13 indicadores de hostilidades sociais praticadas por indivíduos e grupos que infringem crenças e práticas religiosas, demonstrando um forte incremento das perseguições religiosas no mundo. Ficou verificado no relatório que as discriminações sofridas por convicções religiosas surgem com frequência em 63% dos 197 países e territórios pesquisados, contra 56% em 2009.¹⁶

    Atentas a esse problema, a Organização das Nações Unidas e a sua Comissão de Direitos Humanos17 aprovaram diversas resoluções e normas contra a intolerância religiosa no decorrer dos últimos anos, demonstrando o predomínio de uma preocupação geral com a escalada da violência motivada pela religião no mundo atual. Observe-se com tento que a Conferência Geral da Unesco, ao aprovar em sua 28ª reunião a Declaração de Princípios sobre a Tolerância (1995), afirmou que os países signatários estavam¹⁸

    Alarmados pela intensificação atual da intolerância, da violência, do terrorismo, da xenofobia, do nacionalismo agressivo, do racismo, do antissemitismo, da exclusão, da marginalização e da discriminação contra minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas, dos refugiados, dos trabalhadores migrantes, dos imigrantes e dos grupos vulneráveis da sociedade e também pelo aumento dos atos de violência e de intimidação cometidos contra pessoas que exercem sua liberdade de opinião e de expressão, todos comportamentos que ameaçam a consolidação da paz e da democracia no plano nacional e internacional e constituem obstáculos para o desenvolvimento.¹⁹

    Sobre o crescimento da irascibilidade causada por motivos religiosos, destaca-se um dos textos do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, que justamente enfatizou o surgimento de intolerância contra membros de várias comunidades religiosas, em distintas partes do mundo.²⁰ A preocupação do Conselho de Direitos Humanos revela-nos que a ONU considera os novos casos de intolerância religiosa uma tendência crescente no planeta.

    No Brasil, após o início da diminuição da hegemonia religiosa católica na sociedade, fenômeno ocorrido a partir do final da década de 1980, percebe-se um ressurgimento da intolerância religiosa, principalmente dirigida aos adeptos de confissões de matriz africana, aos espíritas e aos ateus. A maior parte de ex-católicos migrou para igrejas protestantes, principalmente para igrejas neopentecostais surgidas a datar de 1977, que promovem pregações inspiradas na teologia da prosperidade e fazem expressivo uso de televangelismo. O trânsito de fiéis ocorrido em seguida a esse período produziu uma grande massa de adeptos nessas novas denominações religiosas, muitas vezes com características sectárias e de intolerância. Tal conjuntura proporcionou profundas modificações nas interações entre os adeptos das novas igrejas e o restante da sociedade brasileira, fator que influencia na qualidade da convivência inter-religiosa praticada ordinariamente no Brasil.

    Segundo dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a população evangélica vem crescendo no país desde 1991, quando os adeptos de igrejas protestantes atingiram quase 10% da população (até 1980 os católicos eram aproximadamente 90%). Pela primeira vez, o Censo de 2010 demonstrou não apenas o crescimento do catolicismo em um ritmo menor, mas revelou a queda da quantidade dos seus fiéis em números absolutos, com uma redução na ordem de 1,7 milhão de pessoas em 10 anos (decréscimo de 12,2%), quando os católicos passaram a representar 64,6% da população total. Em contrapartida, a representatividade dos evangélicos na população brasileira passou de 5,2% em 1970 para 22,2% em 2010. Por outro lado, a multiplicidade de crenças e descrenças no Brasil ficou demonstrada pelo Censo de 2010 quando, de uma população total de 190 milhões de pessoas, 123 milhões se declararam católicos, 42 milhões evangélicos das mais variadas origens, 3,8 milhões espíritas, 1,3 milhão testemunhas de Jeová, 600 mil pertenciam às religiosidades afro-brasileiras, 560 mil católicas da Igreja Brasileira, 107 mil seguidores do judaísmo, 243 mil budistas, 35 mil islâmicas, cinco mil hinduístas, 74 mil de tradições esotéricas, 63 mil de tradições indígenas, sendo que 628 mil não possuíam religiosidade determinada e 15 mil afirmaram múltiplo pertencimento. Em 2010, havia 15 milhões de pessoas que se declararam sem religião, entre arreligiosas, ateias e agnósticas. Nesse censo, a composição dos grupos de religião estava representada em 25 grandes grupos religiosos e mais 26 subgrupos.

    Diante do surgimento da diversidade no ambitum religioso e do aumento dos conflitos baseados nas diferenças entre os credos, o governo brasileiro instituiu o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, por meio da Lei nº 11.635/2007. O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é comemorado anualmente no dia 21 de janeiro em lembrança ao falecimento de Gildásia dos Santos e Santos, ialorixá do terreiro Ilê Axé Abassá de Ogum, localizado em Salvador, Bahia, fato ocorrido na mesma data, em 2000. Mãe Gilda, como também era conhecida, possuía saúde frágil e morreu após ver sua foto publicada no Jornal da Igreja Universal do Reino de Deus, em uma reportagem cujo título afirmava Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes. A foto que constou na reportagem havia sido tirada quando Mãe Gilda estava participando de uma manifestação em favor do impeachment do então presidente Fernando Collor. Após mover ação indenizatória contra essa igreja por uso indevido de imagem, os herdeiros da ialorixá receberam indenização pecuniária por força de decisão judicial. Além disso, foi determinada a publicação de uma retratação.

    O Mapa da Intolerância Religiosa, documento produzido em 2011, trouxe um perfil da violência à liberdade de culto ocorrida no Brasil durante os anos de 2000 a 2010²¹. Esse documento afirmou que desde a década de 1980

    [...] o Brasil, a partir do Rio de Janeiro, tomou conhecimento do recrudescimento em potencial da intolerância religiosa que, mediante proselitismo, beligerantemente ataca a religião de matriz africana, afro-umbandista e indígena²².

    Estão igualmente expostos no Mapa da Intolerância Religiosa fatos emblemáticos de intolerância religiosa ocorridos recentemente no Brasil, como as violências sofridas por adeptos do Santo Daime; os assassinatos do cartunista Glauco Villas-Boas, fundador da Igreja Céu de Maria, e de seu filho, Roani; os ataques a imagens sacras da Igreja Católica, como o protagonizado pelo bispo de uma igreja neopentecostal, que chutou a imagem de uma santa em um programa televisivo e por um evangélico que invadiu uma missa e atirou uma imagem no chão, dentre outras narrativas de fatos que manifestam ataques de evangélicos, destinados principalmente a imagens de santas católicas; os casos de evangélicos perseguidos principalmente por familiares católicos que não aceitaram as suas conversões; as perseguições a pessoas desassociadas de igrejas pertencentes às Testemunhas de Jeová, realizadas por membros dessa igreja; os de intolerância contra islâmicos, nomeadamente por conta de notícias jornalísticas vindas do exterior; os ataques sofridos por judeus a partir de algumas entidades evangélicas; as perseguições a membros de religiões de matriz africana, intentados principalmente por evangélicos, tendo sido registrados casos de invasões a terreiros; e casos de crianças vítimas de intolerância religiosa nas escolas, discriminadas pelas suas orientações religiosas.²³

    Afora os confrontos inter-religiosos, ataques dirigidos a ateus têm surgido no Brasil. O caso que mais repercutiu foi o promovido por um conhecido jornalista que, ao tecer comentário sobre um homicídio em programa televisivo apresentado em 27 de julho de 2010, associou a prática de crimes hediondos ao ateísmo. O jornalista alegou que esses delitos eram realizados por pessoas que não possuem limites por não terem Deus no coração e que, por isso, recusava a audiência dos ateus ao seu programa. Os comentários do apresentador repercutiram em todo o Brasil, provocando reações. Houve ajuizamento de ação judicial, em 03 de setembro de 2010, pela Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA), visando à retratação do apresentador. O Ministério Público de São Paulo instaurou Inquérito Civil para apurar o caso, em 23 de setembro de 2010, tendo em vista possível violação à liberdade de consciência dos ateus.

    Em face do aumento dos conflitos religiosos no Brasil, em 2009, a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa entregou ao presidente do Conselho de Direitos Humanos da ONU e à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Governo Federal do Brasil relatório apresentando diversos casos de intolerância religiosa que se transformaram em ações judiciais. Nomeadamente, o relatório entregue aos citados organismos relata promoções de incitação à perseguição, desrespeito e demonização contra as religiões afro-brasileiras, em especial contra umbanda e candomblé, realizadas por igreja neopentecostal.²⁴

    Não casualmente, muito embora o Brasil tenha se mantido estável no tocante ao Índice de Restrições Governamentais com Base na Religião (GRI) do Pew Forum’s of Religious Restriction Index Scores entre os anos de 2009 e 2010, permanecendo no rol dos países com restrições governamentais religiosas consideradas em um nível baixo, o país esteve sempre a avançar negativamente no Índice de Hostilidades Sociais com Base na Religião (SHI) desde o ano base da pesquisa, tendo incrementado a sua nota de 0,8 (2007) para 1,7 e 3,3, em 2009 e 2010, respectivamente. Esse fato levou o país a passar a figurar no ranking daqueles que possuem de média a alta hostilidade social por motivação religiosa.²⁵

    A partir de um contexto de conflitos e choques de opiniões, lutas por poder e interesses diferentes, presente contemporaneamente no mundo e no Brasil, Tolerância: conceitos, trajetórias e relações com os direitos humanos, primeira obra da Coleção A César o que é de César, levanta questionamentos sobre a capacidade da tolerância ainda suscitar, nas sociedades hodiernas, a tão sonhada harmonia social, predispondo nas pessoas uma interação produtiva com aqueles que possuem posições política-filosófica-religiosas diversas. Como a tolerância religiosa se encontra nas sociedades multiculturais e plurirreligiosas, marcadas pelo aumento dos conflitos inter-religiosos, é questão posta em reflexão neste livro.

    Procurando responder ao questionamento, delineia hipótese da tolerância possuir limites que se revelam frágeis – principalmente por absorver valores presentes em discursos de intolerância –, embora continue sendo importante instrumento de equilíbrio nas relações entre fiéis de religiões diferentes. Nesse prisma, a Declaração de Princípios sobre a Tolerância da Unesco (1995) suscitou uma nova concepção de tolerância, enfatizando que atualmente ela não é concessão, condescendência, indulgência.²⁶

    Com base nesse cenário, Tolerância: conceitos, trajetórias e relações com os

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