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Metodologia e transdisciplinaridade nos estudos literários
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E-book387 páginas4 horas

Metodologia e transdisciplinaridade nos estudos literários

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Sobre este e-book

O segundo volume da Coleção Novos Estudos Neolatinos, Metodologia e transdisciplinaridade nos Estudos Literários, pretende convocar olhares renovados sobre o fato literário, expandir e promover o diálogo entre diferentes disciplinas.

Em busca de uma resposta à pergunta recorrente, "Onde está o texto (literário)?", pesquisadores provenientes de instituições nacionais e internacionais apresentam neste livro artigos que buscam consolidar um fazer crítico e metodológico que não esteja restrito ao texto, mas que considere o fato literário em toda sua complexidade – tratando de elementos como produção, circulação, materialidade e suportes determinantes da leitura –, mostrando que vários caminhos são possíveis no campo dos Estudos Literários.
IdiomaPortuguês
Editora7Letras
Data de lançamento26 de out. de 2022
ISBN9786559054947
Metodologia e transdisciplinaridade nos estudos literários

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    Metodologia e transdisciplinaridade nos estudos literários - 7Letras

    metodologia_capa_epub.jpg

    Coleção Novos Estudos Neolatinos

    (Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas – UFRJ)

    conselho editorial:

    Antonio Andrade (UFRJ/CNPq)

    Cristina Iglesia (Universidad de Buenos Aires)

    Elena Palmero González (UFRJ/CNPq)

    Éléonore Reverzy (Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3)

    Marcelo Jacques de Moraes (UFRJ/CNPq)

    Patrick Imbert (Université d’Ottawa)

    Romulo Monte Alto (UFMG)

    Zilá Bernd (Unilasalle/CNPq)

    Sumário

    Apresentação

    Mas e o texto? Ora, o texto. Considerações sobre a interpretação de obras literárias e outros caminhos para a área de Letras

    Márcia Abreu

    Os modelos da comunicação nos Estudos Literários

    Anthony Glinoer

    A teoria dos campos através do prisma do campo literário

    Joseph Jurt

    Um corpus epistolar. O Caso Dreyfus na correspondência de Émile Zola

    Alain Pagès

    Correspondências entre autor e editor, uma preciosa fonte de acesso às obras

    Jean-Yves Mollier

    Tornar-se célebre: Machado de Assis, autoria e edição

    Lúcia Granja

    A lista: do jornal ao romance e do romance ao jornal

    Éléonore Reverzy

    O momento literário e Portugal d’agora, de João do Rio: do jornal ao livro

    Silvia Maria Azevedo

    Tania Regina de Luca

    Le Père Goriot; a construção espacial de um novo gênero narrativo, suportes e edições

    Celina Maria Moreira de Mello

    Sobre os autores

    Texto de orelha

    Apresentação

    Nossa inquietação inicial, ao concebermos este segundo volume da Coleção Novos Estudos Neolatinos do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, era tentar responder a um questionamento recorrente que nos tem sido feito em diferentes fóruns da esfera acadêmica da área de Letras, nos quais somos frequentemente levados a nos justificar sobre a pertinência de nossas pesquisas no âmbito das Letras e instados a responder a perguntas como: Onde está a literatura (neste projeto, neste artigo, nesta pesquisa)?; Não há análise de texto?; Literatura sem interpretação de texto?. Isto nos levou a pensar que, após anos dedicados à pesquisa literária – no nosso caso específico, à literatura francesa, também vista na perspectiva da literatura brasileira –, tendo construído um sólido quadro teórico e renovado os corpora, criado grupos de pesquisa reunindo pesquisadores de diferentes instituições, participado de tantos outros, tendo estabelecido uma robusta rede de trocas intelectuais com pesquisadores de instituições nacionais e estrangeiras, o trabalho que desenvolvemos, cujos resultados se acumulam há quase duas décadas,¹ ainda carece de compreensão por uma boa parte de nossos pares, e de reconhecimento.

    A fim de apresentar renovadas possibilidades de pesquisa que não se limitem à interpretação de textos, pretendemos, neste livro, colocar em perspectiva abordagens dos Estudos Literários que vêm sendo desenvolvidas no Brasil e em outros países, voltadas para as instituições do campo literário (DUBOIS, 1978; BOURDIEU, 1992), a pesquisa de fontes primárias que privilegia acervos, coleções, contratos, correspondências (OLIVERO, 1999; ABREU, 2016; GRANJA, LUCA, 2018; PONCIONE, LEVIN, 2018), as relações entre autores, editores e outros mediadores (CHARTIER, MARTIN, 1985; ESPAGNE, WERNER, 1987; ESPAGNE, 2013; MOLLIER, 1988, 2015), as relações entre literatura e imprensa (THÉRENTY, 2007; KALIFA et alii, 2011), a literatura, seus espaços e cartografias (MORETTI, 1997; CASANOVA, 1999), os diferentes suportes do literário (McKENZIE, 1986; CHARTIER, 1994, 1995) e seus modos de produção, circulação e consumo (ESCARPIT, 1958). Para isso, convidamos pesquisadores com os quais temos discutido proveitosamente e partilhado nossas pesquisas ao longo dos últimos anos, de universidades francesas (Sorbonne Nouvelle-Paris 3; Paris Saclay/Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines), alemã (Fribourg-en-Brisgau), canadense (Sherbrooke) e brasileiras (UNESP e UNICAMP), cujas reflexões, centradas em diferentes metodologias do objeto literário, compõem este livro.

    Os capítulos aqui reunidos, portanto, cada um à sua maneira, mostram que as abordagens do fato literário não se confinam no texto e em sua interpretação, mas que há diferentes caminhos muito produtivos no âmbito dos Estudos Literários, para além da abordagem imanente, esta tendo sido hegemônica no âmbito dos Estudos Literários brasileiros. Não se trata, queremos ressaltar, de apresentar novidades, pois, afinal, as perspectivas metodológicas elencadas neste livro vêm sendo desenvolvidas há várias décadas em vários países – como a Bibliografia e Sociologia do Literário, a Crítica Genética, as Histórias do livro, da edição e da leitura, entre outras. Buscamos consolidar um fazer crítico e metodológico que não se restrinja ao texto literário, sem, contudo, evitá-lo, mas que considere o fato literário em toda sua complexidade, incluindo, no âmbito do campo literário, os agentes fundamentais em sua produção e circulação (ainda pouco privilegiados nas pesquisas), a materialidade dos textos e das fontes que informam e constituem o fazer literário, os suportes determinantes da leitura – elementos que nos levam a rever a própria tradição da História Literária, seus mitos e lugares-comuns.

    *

    Com um trabalho de pesquisa consolidado por uma equipe internacional, liderada em parceria com Jean-Yves Mollier, em torno da história da produção, circulação e recepção de obras literárias em eixo transnacional, desenvolvido entre 2010 e 2016,² Márcia Abreu, no capítulo intitulado Mas e o texto? Ora, o texto. Considerações sobre a interpretação de obras literárias e outros caminhos para a área de Letras, parte justamente da questão que nos assalta reiteradamente, imposta por boa parte dos integrantes da área de Letras no Brasil. A pergunta subentende que a única via para os Estudos Literários se encontra em abordagens interpretativas do texto, o que, a nosso ver, é uma limitação da área, estabelecida em zona de conforto, que multiplica interpretações e repete os mesmos métodos e abordagens, sem buscar ampliação nos quadros metodológicos e sem se colocar questões que permitam compreender a literatura de forma ampla. O propósito do capítulo é, assim, colocar em questão o papel demasiadamente valorizado da interpretação literária no campo das Letras por meio de um estudo da recepção crítica do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, desde o início do século XX. Examinada por diferentes críticos, a obra foi objeto das mais diversas (e por vezes conflitantes) leituras ao longo de décadas. O estudo procura então analisar a relação entre as diferentes interpretações do texto literário e a inserção histórico-cultural do crítico, defendendo o ponto de vista de que a interpretação acaba por dizer muito mais sobre o próprio crítico do que sobre o texto literário em pauta. A pesquisadora propõe novos e inusitados caminhos de investigação do literário – inclusive no que diz respeito à análise do texto – que poderiam iluminar conexões entre a literatura, os indivíduos e a sociedade. Os Estudos Literários deveriam, segundo ela, oferecer contribuições importantes para áreas de conhecimento que incluem a literatura em suas investigações, como é o caso da Biologia, da Antropologia e da Psicologia, dando assim novo sentido à pergunta Mas e o texto?.

    Na conclusão de seu capítulo, Márcia Abreu assinala que duas áreas de conhecimento com as quais as Letras vêm interagindo há algumas décadas são a História e a Sociologia, sobre as quais Anthony Glinoer se debruça em Os modelos da comunicação nos Estudos Literários. Este capítulo, partindo da metáfora elétrica para descrever o circuito de comunicação, amplia a descrição do quadro metodológico dos Estudos Literários ao colocar lado a lado Sociologia da Literatura e História do Livro, disciplinas que se desenvolveram na segunda metade do século XX, cujos textos seminais são o livro Sociologie de la littérature (1958) de Robert Escarpit – para quem a literatura deve ser vista como um processo de comunicação organizado pela produção, a distribuição e o consumo – e o artigo de Robert Darnton What is History of the Book? (1982) – que propõe um circuito de comunicação partindo do autor, passando por mediadores, até chegar ao leitor, levando igualmente em conta suas interações com outros sistemas, em variações no espaço e no tempo. Essas duas propostas facultaram uma ampliação considerável das possibilidades de exploração do literário. A partir desses troncos principais agregam-se outras disciplinas afins, como a Sociologia da Leitura, a Sociocrítica, no primeiro caso, e as Histórias da edição, da encadernação, do livro digital, da leitura, no segundo caso. O capítulo mostra como essas disciplinas, que passam a integrar os Estudos Literários, se baseiam em modelos do esquema de comunicação, dos quais o autor traça um panorama histórico até os dias atuais, quando o advento do livro digital abala a cadeia de produção do livro. Essas propostas permitem evitar abordagens do literário centradas exclusivamente no texto ou exclusivamente no contexto. O autor não nega, contudo, os limites das modelizações da comunicação literária, mas pretende demonstrar as vantagens de uma abordagem holística; observa, finalmente, que a literatura não se limita ao suporte livro nem ao escrito impresso, que o mundo digital embaralh[ou] os limites entre autor e leitor, entre livro autoeditado e livro publicado por um editor, entre o início e fim do processo de publicação – coerções que as pesquisas em Estudos Literários deveriam considerar.

    A Sociologia construtivista do campo literário de Pierre Bourdieu, tratada por Anthony Glinoer em seu panorama sobre os modelos da comunicação, será enfocada por Joseph Jurt no capítulo A teoria dos campos através do prisma do campo literário. O autor, partindo da recepção dos estudos de Pierre Bourdieu no Brasil, desde a década de 1960, discute o conceito de campo na obra do sociólogo francês, principalmente o de campo literário, que norteou uma de suas obras mais emblemáticas – Les Règles de l’art (1992). Desde então, esse conceito vem se mostrando fundamental para muitos pesquisadores nos Estudos Literários que adotam a perspectiva da Sociologia da Literatura, pois ele permite ultrapassar a alternativa entre a análise interna e a análise externa de uma obra. Bourdieu demonstra como Gustave Flaubert, considerado como um representante excepcional da literatura, também se situa, como qualquer outro agente do campo, em um contexto social, e que suas obras e posicionamentos se explicam a partir desse contexto e não de seu caráter de gênio. Na teoria dos campos, o livro e a literatura são vistos como produtos culturais, inseridos na lógica do mercado dos bens simbólicos. No capítulo, as bases que levaram Bourdieu a formular o conceito de campo são consideradas para a compreensão do seu percurso intelectual. Evitando uma abordagem global da sociedade vista como a-histórica, o conceito permite compreender o processo através do qual se autonomizam progressivamente esferas que se distinguem por leis específicas; ele supõe forças desiguais e lutas por conservação ou transformações. Além disso, fundamentando-se no conceito de campo literário em suas relações com outros campos, como o político, o artístico e o científico, Jurt examina questões acerca da recepção de obras literárias no seu país de origem e em um contexto nacional diferente, visando contribuir para a superação de um nacionalismo intelectual e compreender as relações existentes entre a literatura nacional e a chamada República Mundial das Letras.

    Na sequência, dois capítulos se dedicam ao estudo da correspondência de escritores. Alain Pagès, em "Um corpus epistolar. O Caso Dreyfus na correspondência de Émile Zola", toma o exemplo da correspondência de Émile Zola, indicando desde o início que, a fim de vencer a descontinuidade inerente a esse tipo de corpus, o trabalho sobre a correspondência de um escritor exige do pesquisador tanto um espírito detetivesco quanto sólidos recursos de erudição. No trabalho com esse tipo de corpus, múltiplos caminhos se apresentam diante do historiador dos fatos literários, que deve saber delimitar a leitura, direcioná-la de certo modo, definindo objetivos precisos. O autor propõe um percurso metodológico em três tempos (Abertura – Dinâmica Interna – Encerramento), que se faz como uma leitura dirigida. Pergunta-se como é possível delimitar, dentro de uma vasta correspondência como a de Zola, um corpus de cartas relativas ao Caso Dreyfus – acontecimento que atingiu a vida do romancista francês durante pelo menos três anos, entre 1897 e 1900, tendo abalado a França durante um longo período e repercutido mundialmente. Vários problemas são então considerados nesta empreitada. Em primeiro lugar, os limites cronológicos: onde começa e onde termina um corpus epistolar quando se procura isolá-lo no conjunto da correspondência reunida do escritor? Em seguida, a questão da exaustividade: que unidade, de natureza temática ou ideológica, pode ser identificada nesse conjunto? Seria coerente escolher apenas as cartas que mencionam diretamente o Caso Dreyfus? Como o pesquisador deve reagir quando a unidade é posta em suspeição pelo aparecimento de material novo e não publicado? E ainda: haveria, no caso de Zola, uma fronteira clara entre a carta privada e a carta aberta? Para Alain Pagès, o caráter maleável de um corpus epistolar permite ao pesquisador uma abordagem não cronológica, facultando-lhe o movimento de pesquisa em várias direções, a fim de reconstruir o sentido perdido do conjunto.

    Jean-Yves Mollier, por sua vez, trata, em Correspondências entre autor e editor, uma preciosa fonte de acesso às obras, da complexa relação entre escritores e editores através da análise de um corpus epistolar e de documentação provenientes dos arquivos da editora Michel Lévy frères/Calmann-Lévy. Concentrando-se no caso de Michel Lévy, outros editores também são elencados: Pierre-Jules Hetzel, Auguste Poulet-Malassis, Louis Hachette, Gervais e Georges Charpentier, e Gaston Gallimard, traçando um amplo panorama das forças em ação no campo literário francês em épocas precisas, através desses agentes fundamentais para o literário, capazes de conciliar valor estético e valor mercantil, e que são comumente deixados de lado em certas abordagens do texto. O caso de Gustave Flaubert é exemplar, pois a análise de sua correspondência permite ao historiador compreender mais eficazmente seus posicionamentos: partidário da arte pela arte, ao contrário do que diz a historiografia, Flaubert não havia ficado indiferente ao sucesso comercial de Madame Bovary, alcançado graças ao empreendimento do editor. Mollier explica ainda a passagem de um regime de produção literária em que o escritor dominava a relação comercial para aquele do coroamento do editor, em que esse passa a ditar as regras. Pela análise das correspondências e documentação, o autor destaca os casos de Barbey d’Aurevilly, Ernest Renan, Villiers de L’Isle-Adam e Anatole France, mostrando escritores que se viam como membros de uma elite cultural com dificuldades de assimilar as mudanças do mercado livreiro e a democratização da cultura e desmitificando imagens solidamente construídas pela historiografia. O confronto entre os arquivos da editora e a correspondência dos autores revela por vezes os bastidores de vidas tumultuadas, contrariando a História Literária a respeito do posicionamento do editor. Há ainda o escritor que, apesar de posições políticas diferentes, mantém ótima relação com seu editor. Enfim, o capítulo demonstra claramente o quanto o empreendimento literário resulta de decisões e ações coletivas, distanciando-se da visão romântica que considera o autor como o único responsável pela obra.

    Lúcia Granja, em Tornar-se célebre: Machado de Assis, autoria e edição, mobilizando igualmente a correspondência e vasta documentação, trata também das relações complexas entre escritores e editores, consolidando o argumento do capítulo anterior de que a literatura é um trabalho coletivo e que o escritor não vive em sua torre de marfim, ocupando-se unicamente em conceber a obra. Distanciando-se de uma abordagem ratificadora do cânone, a pesquisadora propõe examinar a construção da unanimidade em torno do nome de Machado de Assis, por meio de nova metodologia. Assim, ao evitar a doxa que faz do Brasil oitocentista o país do atraso cultural, ela parte da certeza de que, no final do século XIX, os bens culturais circulavam no Brasil sem defasagem temporal e com as mesmas regras mercadológicas europeias. Indaga, então, de que maneira um escritor brasileiro do século XIX, como Machado de Assis, sendo consciente das práticas editoriais nesse ramo de comercialização de bens ao mesmo tempo materiais e simbólicos, instrumentalizou esse conhecimento para erigir sua obra e sua reputação literária. Mobilizando documentos de fonte primária que são em geral deixados de lado nos estudos do processo de canonização da obra de Machado de Assis, a autora propõe uma metodologia para que o pesquisador do literário construa seu objeto, considerado em sua materialidade e historicidade. Granja destaca as estratégias e ações do próprio Machado de Assis junto à produção intelectual e editorial brasileiras (notadamente no que diz respeito à edição de suas obras), as quais o ajudaram a galgar a posição obtida no cânone nacional. Lança luz, além disso, sobre outras funções assumidas pelo escritor, como a de cronista e crítico, sobre sua capacidade de negociação com seus editores, as escolhas dos gêneros praticados e dos suportes de publicação, sempre levando em conta o processo de acúmulo de capital simbólico no campo literário brasileiro e a atenção dada por Machado às relações nacionais e internacionais do mundo da edição.

    Éléonore Reverzy, Silvia Maria Azevedo e Tania Regina de Luca analisam processos de criação e edição envolvendo o trânsito entre o jornal e o livro. No primeiro caso, em texto dedicado a Philippe Hamon – A lista: do jornal ao romance e do romance ao jornal – e partindo dos trabalhos desenvolvidos por Guillaume Pinson (2008) e Marie-Ève Thérenty (2007) sobre as microformas jornalísticas e as ficções sobre a vida mundana (PINSON, THÉRENTY, 2008), Éléonore Reverzy estuda o modo como romancistas realistas franceses integram ao texto literário a crônica mundana em suas diversas formas de escrita jornalística, por meio de intermináveis descrições-listas. Trata-se de uma literatura visual que deseja tudo exibir, constituindo ao mesmo tempo um dos modos de comercialização do real na sociedade capitalista oitocentista. As listas, provenientes das colunas sociais e dos carnets mondains publicados nos jornais, serviam igualmente para exibir pessoas, atribuindo corporalidade aos personagens da ficção realista, não sem introduzir um olhar crítico ou denunciador das mazelas da vida moderna e do mundo das celebridades, por vezes acentuado por um tom paródico. É o caso de La Curée e Nana de Émile Zola, Chérie de Edmond de Goncourt e L’Éducation sentimentale de Gustave Flaubert, romances examinados pela autora, que analisa argutamente o texto considerando as mudanças de suporte, as apropriações e a criação literária. O capítulo conclui mostrando o movimento inverso – do texto literário ao jornal –, tendo como exemplo a cena do funeral do Barão Dambreuse de L’Éducation sentimentale. Gustave Flaubert subverte a lista mundana oriunda do jornal, privilegiado obliquamente a crítica e a ironia, compreendidas na estética realista. A autora aponta para o trabalho de composição que deverá ser efetuado pelo personagem-jornalista em sua crônica mundana, desvelando desse modo, por contraste, o paradigma prostitucional da escrita jornalística.

    Silvia Maria Azevedo e Tania Regina de Luca, também se apoiando nos trabalhos sobre a chamada Civilização do Jornal (THÉRENTY, 2007; PINSON, THÉRENTY, 2008), discutem, em "O momento literário e Portugal d’agora, de João do Rio: do jornal ao livro", os processos de produção de dois livros do repórter-cronista carioca João do Rio (pseudônimo de Paulo Barreto), durante a nossa Belle Époque; demonstram igualmente seu amadurecimento paulatino em uma trajetória de jornalista a escritor, até ser eleito para a Academia Brasileira de Letras. Assim, ao considerar as coerções impostas pelas formas jornalísticas, o ritmo de produção exigido dos escritores-jornalistas e as instâncias que os legitimam, no início do século XX, as autoras examinam as produções literárias de João do Rio que, sendo originariamente publicadas nos jornais, passam ao formato livro, lançando luz sobre as estratégias mobilizadas pelo autor, que lhe permitiram circular entre diferentes mídias e gêneros editoriais. A despeito de os livros terem sido publicados em curto intervalo de tempo, a passagem do jornal ao livro efetuou-se de maneira diversa. No primeiro caso, tratou-se de inovadoras entrevistas publicadas na Gazeta de Notícias, em 1905, reunidas em volume em 1909, que visavam fornecer um instantâneo do campo literário; o material sobre Portugal, por sua vez, era resultado de visitas do escritor ao país em 1909 e 1910 e veio a público no ano seguinte. Ambas as obras foram editadas pela editora Garnier, casa que ainda desfrutava de certo prestígio à época. As pesquisadoras traçam o lugar ocupado por João do Rio no campo literário brasileiro no momento da publicação dos volumes e discutem a passagem de um suporte a outro, considerando acréscimos, supressões, paratextos, para, enfim, comparar seu conteúdo. O capítulo mostra a consciência do escritor sobre o funcionamento tanto do campo jornalístico quanto do campo literário, extremamente imbricados naquele momento, por meio, por exemplo, da relação entre o escritor e seu(s) editor(es) e sua crescente capacidade de negociação, com o acúmulo de capital simbólico.

    O livro se encerra com o capítulo de Celina Maria Moreira de Mello, intitulado "Le Père Goriot; a construção espacial de um novo gênero narrativo, suportes e edições", que propõe novas questões de leitura para o romance Le Père Goriot, de Balzac. A análise é voltada para os processos literários de construção de um imaginário da cidade de Paris, no século XIX, e para a apreensão do tempo em sua configuração espacial, o que se articula com um processo de escrita em busca de inovação do gênero. No espaço-histórico desenhado, inscreve-se a complexa ambientação parisiense do romance, compondo uma Paris formada por camadas sociais pertencentes a diferentes épocas, em um mapa multidimensional, revelado pela natureza particular da forma literária. A veia descritiva do narrador esboça diversos cenários, aos quais vêm se somar os itinerários do protagonista do romance, Eugène de Rastignac, estabelecendo uma cartografia social da cidade. Lemos uma relação simbiótica entre um novo tipo de romance e a escrita de uma visão renovada de Paris. O capítulo, atento às relações entre escrita literária e escrita jornalística, dá especial atenção às mudanças de suporte do texto, às suas diferentes edições e suas escolhas editoriais, quando são comparadas as primeiras versões do romance com a edição Charpentier, de 1839, e a edição Furne, de 1843. Ressalta-se, nas duas primeiras publicações do romance, o frescor inaugural da estruturação da narrativa, que estabelecerá um padrão para um novo tipo de romance, situado entre os modelos do drama moderno e de uma epopeia burguesa. Uma nova epígrafe entre as edições, em forma de dedicatória ao grande e ilustre Geoffroy Saint-Hilaire – que substitui uma citação de Shakespeare – contemplará o projeto de Balzac de conferir à sua obra um valor científico. Le Père Goriot oferece, assim, novas imagens de Paris; e o gênero do romance à Balzac mantém ainda hoje padrões narrativos que são imitados, contornados ou subvertidos.

    Este livro pretende convocar olhares renovados sobre o fato literário, expandir os horizontes metodológico e crítico, promover a transdisciplinaridade. Busca, de certo modo, ser uma (ou várias) resposta(s) à pergunta Onde está o texto (literário)?, mostrando que, metodologicamente, vários caminhos são possíveis dentro dos Estudos Literários – neolatinos ou outros. Agradecemos a nossos colegas que aceitaram embarcar nessa empreitada e com os quais temos o prazer sempre renovado de trabalhar e partilhar nossos impasses e descobertas. Agradecemos também aos doutorandos do PPGLEN – Eduarda Araújo da Silva Martins, Rubens Vinícius Marinho Pedrosa e Zadig Mariano Figueira Gama – que colaboraram conosco, aceitando traduzir capítulos dos colegas estrangeiros.

    Os organizadores

    referências bibliográficas

    ABREU, Márcia (org.). Romances em movimento. A circulação transatlântica dos impressos (1789-1914). São Paulo: Ed. UNICAMP, 2016.

    BOURDIEU, Pierre. Les Règles de l’art. Paris: Seuil, 1992.

    CASANOVA, Pascale. La République mondiale des Lettres. Paris: Seuil, 1999.

    CATHARINA, Pedro Paulo Garcia Ferreira. Quadros Literários fin-de-siècle; um estudo de Às avessas, de Joris-Karl Huysmans. Rio de Janeiro, 7Letras, 2005.

    CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. [Trad.: Mary del Priore]. Brasilía: UNB, 1994.

    CHARTIER, Roger. Formas e sentido. Cultura escrita: entre distinção e apropriação. [Trad.: Maria de Lourdes Meirelles Matencio]. Campinas: Mercado de Letras, 2003 [1995].

    CHARTIER, Roger; MARTIN, Henri-Jean (orgs.). Histoire de l’édition française; le temps des éditeurs. Du romantisme à la Belle Époque. Paris: Fayard/Cercle de la Librairie, 1990 [1985].

    DUBOIS, Jacques. L’Institution de la littérature; essai. Préface de Jean-Pierre Bertrand; postface de Jacques Dubois. Fédération Wallonie-Bruxelles, 2019 [1978].

    ESCARPIT, Robert. Sociologie de la littérature. Paris: PUF, 1958.

    ESPAGNE, Michel. La Notion de transfert culturel. Revue Sciences/Lettres, n. 1, 2013.

    ESPAGNE, Michel; WERNER, Michael. La construction d’une référence

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