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Ambivalências em Pasárgada: Pensando Manuel Bandeira a partir de suas tensões
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Ambivalências em Pasárgada: Pensando Manuel Bandeira a partir de suas tensões
E-book296 páginas3 horas

Ambivalências em Pasárgada: Pensando Manuel Bandeira a partir de suas tensões

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Sobre este e-book

A lira de Manuel Bandeira tem muitas cordas de que inúmeras notas foram extraídas, em diferentes timbres, resultando nas mais distintas ordenações. O poeta explora um conjunto amplo de temas, procedimentos, técnicas e formas com grande mestria, construindo uma obra diversificada e de primeira grandeza que, reconhecidamente, figura entre as mais importantes de toda a literatura em língua portuguesa.

O objetivo principal deste livro é enfatizar os impasses, os becos, as tensões, a negatividade, essenciais à constituição da lírica de Bandeira sem, para isso, deixar de considerar os momentos de alumbramento e de descoberta do sublime em meio ao cotidiano amorfo, numa tentativa de não fugir às ambivalências pela tentação de afirmar alguma unidade profunda, sempre problemática e fraturada, expressa mais nas tensões e contradições do que em algum princípio totalizador.

Explorar as tensões da produção bandeiriana não é, de qualquer forma, algo novo; os leitores de Bandeira não cessaram de apontar para elas desde cedo. O que se pretende, portanto, não é a defesa de uma perspectiva pretensamente nova, mas a discussão de um aspecto da obra de Bandeira que tem sido pouco explorado, bem como a busca da confrontação de perspectivas que se encontram em textos que estão, atualmente, esparsos e que, por isso, ficaram relativamente relegados a um segundo plano não ordenador dos estudos que se têm dedicado à poesia de Manuel Bandeira.

Tais ênfases não visam à construção de um sistema explicativo: não é a sistematização o que se procura, mas o reconhecimento das arestas de uma obra que, a partir de certo momento de sua recepção, tornou-se excessivamente afável, delicada e conciliada. Daí, inclusive, a feição ensaística dos capítulos deste livro, que podem ser lidos em sequência, o que permite observar o arco de discussões que acabamos de mencionar, ou separadamente, na medida em que se dedicam a análises de poemas específicos ou a um aspecto do conjunto.
IdiomaPortuguês
Editora7Letras
Data de lançamento28 de out. de 2022
ISBN9786559055234
Ambivalências em Pasárgada: Pensando Manuel Bandeira a partir de suas tensões

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    Ambivalências em Pasárgada - Wilson José Flores Jr.

    Ambivalencias_em_pasargada_CAPA_epub.jpg

    Sumário

    Apresentação

    1. Revisitando grandes leitores do poeta

    2. Bandeira, leitor de si mesmo: construção de uma persona e formação do público

    3. A mitologia pessoal de Manuel Bandeira

    4. Cotidiano e história na lírica bandeiriana

    5. Teresa

    6. Noturno da Mosela, Noite morta e A estrada

    7. Boi morto

    8. Os sonetos ingleses

    9. O cacto

    10. Devaneio e processo social:Vou-me embora pra Pasárgada

    Considerações finais

    Referências bibliográficas

    Sobre o autor

    Texto de orelha

    Em memória de meus avós, César Neves Castanheira e Odila (Dilha)Flores

    Apresentação

    A lira de Manuel Bandeira tem muitas cordas de que inúmeras notas foram extraídas, de diferentes timbres, resultando nas mais distintas ordenações. O poeta explora um conjunto amplo de temas, procedimentos, técnicas e formas com grande mestria, construindo uma obra diversificada e de primeira grandeza que, reconhecidamente, figura entre as mais importantes de toda a literatura em língua portuguesa.

    Antonio Candido, por exemplo, ressalta não apenas a alta qualidade da obra de Bandeira, como o fato de ela ser provavelmente a única em nossa literatura em que se pode encontrar todas as modalidades de verso, desde os rigorosamente fixos até os mais livremente experimentais (CANDIDO, 2006, p. 11). Ribeiro Couto considera que, em Bandeira, a matéria se apresenta com as mais diversas variações prismáticas e que a obra do amigo recobre uma infinidade de aspectos: folclore, filologia, história do movimento moderno, lirismo, poesia pura, técnica dos poemas de forma fixa, técnica dos poemas de forma livre, influência da música, influência primitiva da poesia portuguesa, suprarrealismo, realismo, angústia filosófica e a-religiosa (COUTO, 2004, pp. 5-6). Já Adolfo Casais Monteiro vê na produção bandeiriana uma multiplicidade de planos poéticos, bem como a persistência de cada uma das cordas que se foram acrescentando a essa lira (MONTEIRO, 1958, pp. 47-48) num processo contínuo que vai dos primeiros aos últimos poemas. Apenas por essas poucas referências (das inúmeras possíveis), que compreendem o mais importante crítico brasileiro, um escritor e amigo próximo do poeta e um crítico português, tem-se uma ideia bastante clara da profícua diversidade que caracteriza essa poesia.

    Apesar disso, acostumamo-nos a pensar a produção de Bandeira como que dividida, digamos, em três momentos mais ou menos estanques: o primeiro, que compreenderia A cinza das horas (1917), Carnaval (1919) e O ritmo dissoluto (1924), seria caracterizado pela presença marcante de elementos da tradição parnaso-simbolista ou penumbrista sendo, por isso, ainda um tanto convencional ou, para alguns pré-modernista; o segundo, que abrangeria Libertinagem (1930) e Estrela da manhã (1936) principalmente, apresentaria o poeta maduro, não apenas por ter dominado sua técnica e cristalizado seu estilo (que seria caracterizado, sobretudo, por certo modo despojado, humilde, delicado de falar das coisas e de desentranhar o sublime poético das coisas mais banais), como também por dar expressão à poesia propriamente moderna (ou modernista, como alguns leitores gostam de enfatizar desnecessária e tediosamente); o terceiro, do qual fariam parte Lira dos cinquent’anos (1940), Belo belo (1948), Mafuá do malungo (1948), Poemas traduzidos (1948), Opus 10 (1952) e Estrela da tarde (1963), seria expressão da continuação das conquistas já amadurecidas e cristalizadas, combinadas com pontuais inspirações medievais e outras clássicas, por um lado, e por experimentos esparsos, por outro. Vista assim, embora se reconheça na produção desse longo período (vinte e três anos) alguns grandes poemas, não se costuma destacar nenhum grande desdobramento. No centro dessa divisão, portanto, figuraria Libertinagem, livro que condensaria o núcleo fundamental da expressão do poeta e ofereceria as chaves-mestras de sua obra.

    Como todo esquema, essa divisão encerra certa validade genérica que, como qualquer outra simplificação, resiste mal à leitura pontual dos livros e dos poemas, a qual permite reconhecer as nuances e os meandros da produção bandeiriana, o que acaba por desestabilizar o esquema confortável que provoca em alguns a sensação de que Bandeira é um assunto resolvido.

    Aliás, não é difícil encontrar quem concorde com Ivan Junqueira que, em Testamento de Pasárgada, chega a sugerir um tanto enfaticamente que seria difícil, senão mesmo ocioso ou impossível, dizer algo novo sobre a poesia de Manuel Bandeira. Isso porque, considera o crítico, ensaístas e exegetas da mais alta linhagem nos precederam nessa empreitada e, a rigor, praticamente esgotaram o assunto. A isso se somaria o fato de que, em sua visão, a poesia de Bandeira não abriga enigmas conteudísticos ou inflorescências herméticas que a situem enquanto permanente desafio à argúcia das interpretações críticas, uma vez que quase nenhuma dificuldade nos oferece no nível da leitura (JUNQUEIRA, 2003, p. 13).

    A sensação é compreensível, porém enganosa. A começar pelo fato de que a grande fortuna crítica de Bandeira, quando observada com atenção, reconhecida em suas linhas de força e em sua diversidade, coloca mais questões do que as responde, levanta mais problemas do que os soluciona. Além disso, apesar de sua grande variedade, os leitores do poeta tocaram pouco e superficialmente na análise das condições históricas e sociais em que Bandeira se inseria. De forma geral, a crítica tende a nem mesmo cogitar tais considerações, quando não as evita a título de tema inadequado ou tabu. Isso, aliás, não é privilégio de Bandeira nem da crítica literária brasileira. Mas, no caso específico do autor de Estrela da manhã, há alguns elementos em sua poesia que parecem corroborar tal opção: trata-se de uma obra lírica, de tom elegíaco e privado; de um poeta do sublime que se desvenda a partir do banal e, portanto, poeta da sublimação e da delicadeza, o que tenderia a alçar sua expressão e suas vivências pessoais a um tipo abstrato de universalismo humanista, ao qual se deveria apenas reverenciar. Por certo, a poesia de Bandeira deve mesmo continuar sendo reverenciada, mas isso não implica, de forma alguma, que perguntas não possam ser levantadas e que o poeta não possa ser pensado em face das condições sociais e históricas que o formaram e nas quais produziu sua obra.¹

    Cabe ressaltar também que apenas parte do conjunto mais conhecido de poemas de Bandeira se aproximaria da visão de Ivan Junqueira de uma poesia sem enigmas. Se for considerado o conjunto da obra bandeiriana, não se terá dificuldade de encontrar enigmas conteudísticos quase inexplorados pela crítica, bem como evidentes inflorescências herméticas que convivem lado a lado com o lirismo mais despojado, às vezes compondo com eles tensões que colaboram muito para outra visada dessa obra que parece a alguns tão resolvida. O núcleo dos poemas mais conhecidos e imediatamente identificáveis de Bandeira compreende um grupo relativamente pequeno de poemas extraídos, sobretudo, de Libertinagem e de Estrela da manhã, aqueles que oferecem as relações mais claras com certa ideia do que representou o Modernismo e com a visão de um poeta dedicado a extrair poesia de tudo, tanto dos amores quanto dos chinelos (BANDEIRA, 1966, p. 11), fraternalmente inserido no mais humilde cotidiano (BANDEIRA, 1966, p. 63).

    No entanto, a obra de Bandeira continua repondo, em cada época histórica e para cada geração de leitores e críticos, versões diferentes das questões e dos enigmas que carrega, permanecendo atual e exigindo constantemente novas indagações.

    * * *

    O objetivo principal deste livro é enfatizar os impasses, os becos, as tensões, a negatividade, essenciais à constituição da lírica de Bandeira sem, para isso, deixar de considerar os momentos de alumbramento e de descoberta do sublime em meio ao cotidiano amorfo, numa tentativa de não fugir às ambivalências pela tentação de afirmar alguma unidade profunda, sempre problemática e fraturada, expressa mais nas tensões e contradições do que em algum princípio totalizador.

    Explorar as tensões da produção bandeiriana não é, de qualquer forma, algo novo; os leitores de Bandeira não cessaram de apontar para elas desde cedo, como se procurará discutir ao longo das discussões e análises aqui realizadas. O que se pretende, portanto, não é a defesa de uma perspectiva pretensamente nova, mas a discussão de um aspecto da obra de Bandeira que tem sido pouco explorado, bem como a busca da confrontação de perspectivas que se encontram em textos que estão, atualmente, esparsos e que, por isso, ficaram relativamente relegados a um segundo plano não ordenador dos estudos que têm sido dedicados à poesia de Manuel Bandeira.

    Tais ênfases não visam à construção de um sistema explicativo: não é a sistematização o que se procura, mas o reconhecimento das arestas de uma obra que, a partir de certo momento de sua recepção, tornou-se excessivamente afável, delicada e conciliada. Daí, inclusive, a feição ensaística dos capítulos deste livro, que podem ser lidos em sequência, o que permite observar o arco de discussões que acabamos de mencionar, ou separadamente, na medida em que se dedicam a análises de poemas específicos ou a um aspecto do conjunto.

    * * *

    Este livro é uma versão modificada e reestruturada de minha Tese de Doutorado ao Departamento de Ciência da Literatura, da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, defendida em agosto de 2013, sob orientação do Prof. André Bueno.

    Além das modificações e da reorganização dos capítulos, há trechos que foram suprimidos e outros, acrescentados. Também cabe mencionar que algumas análises foram desenvolvidas, como é o caso da que se encontra no último capítulo deste livro sobre Vou-me embora pra Pasárgada, e outras incorporadas, como é o caso da leitura de O cacto e da discussão realizada no capítulo 2.

    Cabe ainda mencionar, para fins de registro, que os capítulos 8, 9 e 10 foram publicados como artigos, recebendo aqui alguns desenvolvimentos, além das adaptações necessárias para a composição do livro:

    Noturnas águas melancólicas: sobre ‘Noturno da Mosela’, de Manuel Bandeira. Texto poético [on-line], v. 8, n. 13, pp. 69-81, 2013.

    Vou-me embora pra Pasárgada: devaneio e processo social. Cerrados [on-line], v. 24, n. 39, pp. 311-325, 2015.

    Natureza e modernização em ‘O cacto’, de Manuel Bandeira. Cerrados [on-line], v. 27, n. 47, pp. 234-244, 2018.

    1. Revisitando grandes leitores do poeta

    Muitos dos principais poetas e intelectuais brasileiros do século XX discutiram a poesia de Manuel Bandeira. Autores das mais variadas linhagens debruçaram-se sobre a obra do autor de alguns dos poemas mais importantes e conhecidos da língua portuguesa. Talvez por isso mesmo, as análises a ele dedicadas são, no conjunto, bastante díspares. No Itinerário de Pasárgada, por exemplo, o poeta faz menção à discordância de opiniões despertadas por O ritmo dissoluto:

    Para Adolfo Casais Monteiro, [...] nesse livro o parnasiano quebrou definitivamente o seu instrumento de bronze; mas o que lhe ficou nas mãos não é um instrumento: são os pedaços com que o há de construir. [...] Há neste livro não sei o quê de morno, de abatido e indiferente [...].

    Para Octávio de Faria [...], ao contrário, O Ritmo Dissoluto era [...] o momento em que o poeta vencendo as últimas barreiras da sujeição a regras que o tolhem demais, atinge a sua forma mais agradável. Diz ainda que [...] Libertinagem [...] decepciona um pouco; que depois de poesias como Quando perderes o gosto humilde da tristeza, Sob o céu todo estrelado, Carinho triste, até Evocação do Recife, Noturno da Rua da Lapa ou O impossível carinho, não deixam de dar uma impressão de tenuidade, de diminuição de forças, de menor capacidade criadora. (BANDEIRA, 1966, p. 74-75)

    Apesar dessa reconhecida – e produtiva – diversidade de perspectivas, é possível reconhecer algumas linhas mestras em meio à recepção crítica da poesia de Bandeira, como forma de identificar as orientações mais recorrentes, as linhas de força principais em torno das quais as diferentes avaliações críticas tendem a gravitar.

    Uma primeira orientação tende a considerar a obra de Bandeira como índice da vitória da vida sobre as adversidades. Pautadas numa visão essencialmente edificante da literatura e das realizações do Homem, as análises vinculadas a essa orientação tendem a ver dois momentos bem definidos na produção do poeta que teria transitado da melancolia, fruto do sofrimento e da quase clausura a que a tuberculose o condenara, a uma atitude aberta diante da vida e do cotidiano. Entre os comentadores que se incluem nessa linha conta-se Ribeiro Couto, cujo texto De menino doente a rei de Pasárgada, publicado originalmente em 1936 e posteriormente, em edição fac-similiar em 1986, no volume Homenagem a Manuel Bandeira, vale como uma síntese dos principais pontos de vista que poderiam ser identificados como característicos dessa tendência interpretativa.²

    Essa tendência costuma se sustentar em algumas declarações que Bandeira fizera sobre sua própria poesia (apesar disso não ser privilégio dessa orientação, já que na obra de Bandeira, sabidamente, articulam-se muitos elementos biográficos – com intensidade particular –, o que tende a facilitar aproximações pouco mediadas com suas declarações ou com aquilo que sabemos de sua vida). Como uma referência, considere-se um trecho da crônica Homenagem a MB, publicada em ١٩٣٦, e posteriormente reunida em Andorinha andorinha:

    [é profundamente reconfortante] verificar que a minha poesia, de uma tristeza às vezes sentimentalona, às vezes irônica, de uma amargura às vezes recôndita, às vezes cínica, é capaz de suscitar conforto, coragem, não depressão e medo de viver. Quantas vezes não tenho deixado de pôr o preto no branco por imaginar que o poema em gestação, catálise restauradora do meu equilíbrio interior, pode levar a outrem a sugestão daninha, o ciclo da serpente. Toda palavra de desânimo é uma ação má, sobretudo nesta hora dilucular. (BANDEIRA, 1966, pp. 32-33)

    Há vários elementos interessantes nessa declaração, a que voltaremos no capítulo IV. Trata-se do tipo de declaração que abre certo campo de conforto, no qual muitos críticos sentem-se à vontade, como se estivessem construindo seus comentários e análises sobre fundações inquestionavelmente sólidas.

    Já outra linha de força tende a ver a obra de Bandeira como principalmente marcada pela presença da morte, da desilusão, do sofrimento e do sentimento de fracasso vistos, em geral, como resultados do convívio estreito, longo e quase fatal com a tuberculose. Antonio Olinto³ e Annibal Machado⁴ escreveram artigos que vão nessa direção. Apesar de, atualmente, a primeira tendência ser mais imediatamente vinculada a Bandeira, havia um conjunto significativo de autores e textos com essa orientação, tanto que Emmanuel de Moraes, na introdução a Vou-me embora pra Pasárgada, antologia por ele organizada e publicada pela José Olympio em 1986, sentiu-se inclinado a afirmar:

    Nos estudos que têm consagrado Manuel Bandeira como uma das figuras mais representativas da literatura brasileira neste século, é ele principalmente referido como o poeta do desencanto e da morte, devido à inescusável importância, em sua obra, dessas duas linhas temáticas. (MORAES, 2009, p. 15)

    Há certo exagero nessa afirmação. A rigor, sempre houve um predomínio da primeira tendência sobre a segunda, mas esta era suficientemente forte para motivar um comentário como esse. De qualquer modo, essas tendências, tomadas em si mesmas, costumam se revelar um tanto forçadas. Considere-se, como referência, outro trecho do mesmo texto de Emmanuel de Moraes:

    [Bandeira] chega mesmo a construir uma autêntica arte de amar, não do amor inconsubstanciado e frustrante, mas daquele que se realiza no delírio do encontro físico dos amantes. (MORAES, 2009, p. 16)

    Tanto o amor inconsubstanciado quanto o delírio do encontro físico podem ser identificados em poemas ao longo de toda a produção de Bandeira, ainda que esses extremos sejam raros, pois costumam aparecer combinados das formas mais variadas. Identifica-se a ênfase em um ou outro, mas é difícil observar momentos claramente definidos em que impere sozinha uma ou outra visão. Além disso, pelo modo como Emmanuel de Moraes constrói a oposição, fica sugerido que o amor inconsubstanciado é sempre frustrante e que o encontro físico é sempre um delírio. Isso não é, por suposto, apenas uma idiossincrasia do crítico, mas uma atitude recorrente: o desejo de chegar a uma suposta verdade frequentemente trai o intérprete ao obrigá-lo a distinções categóricas que não apenas simplificam o assunto, como redundam em equívoco, tanto maior quanto mais enfática for a afirmação que, a princípio, pretendia-se verdadeira.

    Isso porque, como se poderia esperar, mais do que a defesa de certos valores rígidos e pré-definidos, a percepção aguda das flutuações incessantes (e tão comuns) entre frustração, confiança, satisfação, desilusão, angústia, alegria ou desespero expressa-se nos poemas. Em Bandeira, isso ocorre com razoável frequência em expressões diametralmente opostas, bem como em poemas fraturados internamente, tensionados pelas forças ambivalentes em luta. Teremos oportunidade de discutir tais observações a partir da análise de poemas nos próximos capítulos. Neste momento, convém reforçar apenas que, tal como acontece com as duas versões de Belo belo (que nesse sentido funcionam como uma espécie de referência modelar), encontramos em Bandeira o direito e o avesso, o positivo e o negativo dos mesmos temas.

    Outra linha de força importante da recepção crítica de Bandeira, associada ora a uma ora a outra das duas tendências apresentadas acima, busca enfatizar o diálogo de Bandeira com o Modernismo, principalmente os pontos de proximidade e de adesão do poeta ao ideário estético do movimento. Sem dúvida, Poesia em 1930, de Mário de Andrade, é o texto que, nesse e em outros aspectos, exerceu a maior influência crítica. Outro exemplo importante é o de Adolfo Casais Monteiro que ratifica (e mesmo radicaliza) a posição de Mário de Andrade ao considerar Bandeira como iniciador do modernismo brasileiro. O crítico considera Libertinagem como a autêntica e completa mensagem de Bandeira modernista, além de ser o mais rico de todos os livros modernistas, pois há nele, pode-se dizer, tudo o que de mais rico essa fase da literatura brasileira nos deu (MONTEIRO, 1958, p. 32). Mas, apesar dessa ênfase tão incisiva, Casais Monteiro não deixa de reconhecer e destacar, ao mesmo tempo, a continuidade de fundo que perfaz o conjunto da obra do poeta (MONTEIRO, 1958, p. 48).

    Mesmo autores que apontam certa independência de Bandeira em relação às escolas (BARBOSA, 1988, p. 56),⁵ acabaram por vaticinar que ele teria sido o maior poeta do Modernismo. O texto de Francisco de Assis Barbosa, Milagre de uma vida, publicado originalmente na edição de 1958 de Poesia e prosa, da Editora Aguilar (primeira a reunir as obras completas de Bandeira até aquele momento), é um dos exemplos mais importantes.

    Um contraponto interessante a essa tendência é oferecido por Onestaldo Pennafort (PENNAFORT, 1986, p. 151-167) que destaca duas influências decisivas para a poética bandeiriana: o lirismo português, em particular o do séc. XVI, e o simbolismo francês. O crítico destaca, como umas das principais contribuições de Bandeira à poesia brasileira, a incorporação do mistério como elemento estético, cuja fonte o crítico identifica em Baudelaire.

    Além dessas tendências, alguns poucos propuseram uma visada dialética da obra de Bandeira. Esses autores enfatizam não uma cisão bem definida entre os primeiros poemas (que alguns chegam

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