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Direito, Política e Emancipação: Estudo sobre biopoder e insurreição no Brasil
Direito, Política e Emancipação: Estudo sobre biopoder e insurreição no Brasil
Direito, Política e Emancipação: Estudo sobre biopoder e insurreição no Brasil
E-book508 páginas8 horas

Direito, Política e Emancipação: Estudo sobre biopoder e insurreição no Brasil

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Sobre este e-book

A obra reúne textos de Mestres, Mestrandos, Doutores e Doutorandos em Direito e em diversas outras áreas das Ciências Humanas e Sociais, procurando desvelar as relações entre Direito, Política e as possibilidade de Emancipação, com base na teoria e Michel Foucault, que nos legou uma gramática importante para compreendermos a realidade da Modernidade e agirmos, com vistas à Emancipação e Insurreição no Brasil. Os autores abordam temas como: Mineração corporativa; Comunidades quilombolas; Democracias capitalistas; Direito, gênero e lutas sociais; Integridade e estática da existência; Novos usos do Direito para o mundo pós-pandêmico; Bio política e a ética como Rapport à soi; Psicologia como mecanismo; Hegemonia neoliberal; Segregação no espaço urbano; Cidade Biopolítica; Geografia Urbana; entre outros.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de nov. de 2022
ISBN9786553870994
Direito, Política e Emancipação: Estudo sobre biopoder e insurreição no Brasil

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    Direito, Política e Emancipação - Conhecimento Livraria e Distribuidora

    Direito, Política e Emancipação: Estudos sobre Biopoder e Insurreição no Brasil.Coleção Teoria Crítica do Direito, Volume 1. Coordenadores: José Emílio Medauar Ommati, José Luiz Quadros de Magalhães, Lucas de Alvarenga Gontijo. Conhecimento Editora.

    José Emílio Medauar Ommati

    José Luiz Quadros de Magalhães

    Lucas de Alvarenga Gontijo

    (Coordenadores)

    Direito, Política e Emancipação:

    estudos sobre biopoder e insurreição no brasil

    2ª edição

    coleção teoria crítica do direito

    volume 1

    Conhecimento Editora

    Belo Horizonte

    2022

    Copyright © 2022 by Conhecimento Editora

    Impresso no Brasil | Printed in Brazil

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos ou via cópia xerográfica, sem autorização expressa e prévia da Editora.


    Conhecimento

    www.conhecimentolivraria.com.br

    Editores: Marcos Almeida e Waneska Diniz

    Revisão: Responsabilidade dos autores

    Diagramação: Lucila Pangracio Azevedo

    Capa: Waneska Diniz

    Imagem capa: Felipe Correia em Unsplash.com

    Livro Digital: Lucas Camargo e Gabriela Fazoli

    Conselho Editorial:

    Fernando Gonzaga Jayme

    Ives Gandra da Silva Martins

    José Emílio Medauar Ommati

    Márcio Eduardo Senra Nogueira Pedrosa Morais

    Maria de Fátima Freire de Sá

    Raphael Silva Rodrigues

    Régis Fernandes de Oliveira

    Ricardo Henrique Carvalho Salgado

    Sérgio Henriques Zandona Freitas


    Conhecimento Livraria e Distribuidora

    Rua Maria de Carvalho, 16

    31160-420 – Ipiranga – Belo Horizonte/MG

    Tel.: (31) 3273-2340

    WhatsApp: (31) 98309-7688

    Vendas: comercial@conhecimentolivraria.com.br

    Editorial: conhecimentojuridica@gmail.com

    www.conhecimentolivraria.com.br

    Elaborada por Fátima Falci – CRB/6-nº700

    Apresentação dos Coautores

    Adalberto Antonio Batista Arcelo

    Professor da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas; Doutor em Direito; adalbertoarcelo@gmail.com

    André Luís Vieira Elói

    Professor da Universidade do Estado de Minas Gerais (Unidade Diamantina) e da Faculdade Arquidiocesana de Curvelo. Advogado. Doutorando e Mestre em Teoria do Direito no Programa de Pós-graduação em Direito da PUC Minas. Especialista em Direito Processual pelo Instituto de Educação Continuada da PUC Minas. Bacharel em Direito pela PUC Minas. E-mail: eloi.andreluis@gmail.com

    Audrey de Castro

    Mestre e Doutoranda em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

    David F. L. Gomes

    Professor adjunto da Faculdade de Direito da UFMG. Líder nacional do Grupo de Pesquisa CNPq Constitucionalismo e Aprendizagem Social (CONAPRES). Presidente da Associação Serras de Minas de Teoria da Justiça e do Direito. E-mail: davidflg@ufmg.br

    Efigênia Carine Martins Pereira

    Discente do Curso de Direito da PUC Minas Campus Serro. Pesquisadora e participante do grupo de pesquisas em Sociologia Jurídica na mesma Instituição.

    Flávio Quinaud Pedron

    Doutor e Mestre em Direito pela UFMG. Professor Adjunto do Mestrado em Direito da UniFG (Bahia). Professor Adjunto da PUC Minas (Gradua­ção e Pós-graduação). Professor Titular do IBMEC. Advogado. E-mail: flavio@pedronadvogados.com.br

    Gil Ricardo Caldeira Hermenegildo

    Mestre em Teoria do Direito e professor de Sociologia Jurídica na PUC Minas Campus Serro. Atualmente coordena o grupo de pesquisas em Sociologia Jurídica na mesma Instituição.

    Giordano Leonardo Alves

    Advogado. Bacharel no curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Unidade Campus Serro. Pesquisador na área da Sociologia Jurídica e da Filosofia Política. Autor da obra As Pedras me Chamam: as cracolândias como espaços de exceção permanente nas capitais brasileiras (2021).

    Henrique Garbellini Carnio

    Doutor e Mestre em Filosofia do Direito e Teoria do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Pós-doutorando em Filosofia pela UNICAMP. Professor Titular Permanente dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP.

    Hugo Baracho de Magalhães

    Advogado, Graduando em Psicologia e Pesquisador.

    Ian Santos Araújo

    Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Unidade Campus Serro (2022). E-mail: iansaraujo360@gmail.com

    José Emílio Medauar Ommati

    Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFMG; Professor do Curso de Graduação em Direito da PUC Minas – Campus Serro; Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itáuna – MG.

    José Luiz Quadros de Magalhães

    Professor da PUC MG, UFMG e Faculdades Santo Agostinho de Montes Claros. Mestre e Doutor em Direito pela UFMG. Um dos organizadores desse primeiro volume da Coleção Teoria Crítica do Direito publicada pela Lumen Juris.

    Laura Alves de Oliveira

    Mestranda em Teoria do Direito pela PUC Minas. Graduada em Direito pela PUC Minas. Advogada. laura.direito@hotmail.com

    Lorena Martoni de Freitas

    Mestranda em Filosofia do Direito na UFMG; Bacharela em Direito pela UFMG.

    Lucas de Alvarenga Gontijo

    Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC Minas e Professor Titular de Filosofia do Direito da Faculdade de Direito Milton Campos. Doutor e Mestre em Filosofia do Direito pela UFMG. Um dos organizadores desse primeiro volume da Coleção Teoria Crítica do Direito publicada pela Lumen Juris.

    Marco Antônio Sousa Alves

    Pesquisador de Pós-Doutorado (PNPD/CAPES) em Filosofia na UFMG; Doutor e Mestre em Filosofia (UFMG). Bacharel em Direito (UFMG).

    Maria Carolina Fernandes Oliveira

    Doutoranda e Mestra em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). Membra do Grupo de Pesquisa Constitucionalismo e Aprendizagem Social (CONAPRES). Advogada na Clínica de combate ao Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas (CTETP - UFMG). E-mail: mariaacarolinaf@gmail.com

    Rayann Kettuly Massahud de Carvalho

    Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). Membro do Grupo de Pesquisa Constitucionalismo e Aprendizagem Social (CONAPRES) e do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (GPTC). Assistente do Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais (AGE-MG). E-mail: rayannkmassahud@gmail.com

    Ricardo Manoel de Oliveira Morais

    Doutorando em Direito pela UFMG. Mestre em Filosofia Política pela UFMG. Bacharel em Direito pela Faculdade Milton Campos. Bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Advogado.

    Sumário

    Nota dos coordenadores sobre a coleção teoria crítica do direito

    NOTA À SEGUNDA EDIÇÃO

    APRESENTAÇÃO

    A MINERAÇÃO CORPORATIVA NO ESTADO DE MINAS GERAIS: necropolíticas de mercado e pena de morte existencial

    Adalberto Antonio Batista Arcelo

    Comunidades quilombolas e monismo jurídico: realidade e normatividade

    André Luís Vieira Elói

    PERMISSõES OU DIREITOS? DAS SUPOSTAS DEMOCRACIAS CAPITALISTAS À POSSIBILIDADE DE PACTOS DEMOCRÁTICOS NÃO HEGEMôNICOS

    Audrey de Castro

    José Luiz Quadros de Magalhães

    O possível caráter contra-hegemônico do direito: direito, gênero e lutas sociais

    David F. L. Gomes

    Maria Carolina Fernandes Oliveira

    Rayann Kettuly Massahud de Carvalho

    O Direito é masculino: por uma analítica do fenômeno jurídico na perspectiva sociológica dos estudos feministas

    Efigênia Carine Martins Pereira

    Gil Ricardo Caldeira Hermenegildo

    INTEGRIDADE E ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO ENTRE RONALD DWORKIN E MICHEL FOUCAULT

    Flávio Quinaud Pedron

    José Emílio Medauar Ommati

    A PROFANAÇÃO COMO PRÁTICA POLÍTICA DA COMUNIDADE QUE VEM: é possível pensar novos usos do direito para o mundo pós-pandêmico?

    Giordano Leonardo Alves

    Michel Foucault e a perspectiva de uma crítica aos direitos humanos: a bio-política e a ética como rapport à soi

    Henrique Garbellini Carnio

    A PSICOLOGIA COMO MECANISMO DE MANUTENÇÃO DO ESTADO MODERNO

    Hugo Baracho de Magalhães

    José Luiz Quadros de Magalhães

    HEGEMONIA NEOLIBERAL E EMPRESARIAMENTO DOS SABERES: a onipresença da lógica tecnomercadológica e suas implicações no Direito

    Ian Santos Araújo

    CIDADE PARA QUEM: Breve análise dos mecanismos de segregação no espaço urbano

    Laura Alves de Oliveira

    FOUCAULT E LEFEBVRE: Espaços de poder e espaços de resistência na cidade biopolítica

    Lorena Martoni de Freitas

    INSURREIÇÃO POPULAR E TEORIA DO RECONHECIMENTO: geografia urbana da democracia e luta por moradia na Região Izidora de Belo Horizonte

    Lucas de Alvarenga Gontijo

    Direito, Poder e Resistência: considerações a partir das análises de Michel Foucault

    Marco Antônio Sousa Alves

    DIREITO, NORMA E INSURGÊNCIA EM FOUCAULT

    Ricardo Manoel de Oliveira Morais

    Nota dos coordenadores

    sobre a coleção teoria crítica do direito

    A Livraria e Editora Lumen Juris inova mais uma vez ao apresentar aos meios jurídico, sociológico e filosófico nacionais a Coleção Teoria Crítica do Direito.

    A presente Coleção pretende não apenas problematizar, a partir das diversas vertentes da Teoria Crítica, a teoria e a prática do Direito no Brasil, mas também discutir a prática jurídica nacional correlacionando-a com questões sociais e filosóficas.

    Nesse sentido, a Coleção Teoria Crítica do Direito lançada a partir desse momento pela Livraria e Editora Lumen Juris vem apresentar o que de melhor se produz em Minas Gerais, no Brasil e no exterior em termos de Teoria Crítica, de modo a iluminar nossa prática jurídica cotidiana.

    Se é verdade que o Direito Brasileiro muito evoluiu desde a promulgação da Constituição de 1988, também é verdade que os profissionais do Direito em todos os setores e segmentos ainda, em geral, não acompanharam os avanços textuais produzidos em nosso Brasil.

    A presente Coleção pretende exatamente desvelar os elementos que impedem a consecução e realização de todos os potenciais democráticos e emancipadores dos nossos textos jurídicos, sabendo que o Direito não é, mas se torna.

    Nesse sentido, a Coleção Teoria Crítica do Direito trará ao público brasileiro obras coordenadas por diversos autores de renome nacional e internacional versando sobre algum tema caro à Teoria Crítica, como também dissertações e teses de Doutorado defendidas por alunos do Mestrado e Doutorado da Linha de Pesquisa de Teoria do Direito do Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas relacionadas à Crítica do Direito Brasileiro e que obtiveram reconhecimento de sua excelência durante sua defesa, de modo a divulgar ainda mais a referida linha de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC Minas que há muito vem produzindo trabalhos de qualidade.

    NOTA À SEGUNDA EDIÇÃO

    Desde o seu volume 7, dedicado ao Direito Privado, a Coleção Teoria Crítica do Direito passou a ser editada pela Livraria e Editora Conhecimento.

    Após vários anos de sua primeira edição, recebemos da Livraria e Editora Conhecimento a informação que a edição desse primeiro volume da Coleção Teoria Crítica do Direito havia se esgotado e que era preciso fazer uma segunda edição.

    Se, na primeira edição, vivíamos um contexto de crise das instituições democráticas no Brasil, o que nos impulsionava a questionar os próprios fundamentos do Direito e sua relação com a Política e as possíveis vias de emancipação, agora, ao escrevermos essa nota à segunda edição, vivemos um contexto social, político e jurídico muito mais grave do que outrora.

    Elegemos um Presidente da República de extrema-direita que aposta no golpismo e no ataque às instituições; que, a todo mundo, coloca uma desconfiança no processo eleitoral que se aproxima e que pode tirar dele um segundo mandato; ao mesmo tempo, o Brasil passou a ser governado de fato pelo que de pior existe na política nacional: o denominado Centrão. A partir de um orçamento secreto, o Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, faz a repartição desse orçamento para seus correligionários, comprando apoios e calando a oposição. Por outro lado, a inflação retornou, nossa moeda se desvalorizou, a fome tem atingido parcelas cada vez maiores da população brasileira e o então teto de gastos foi completamente desmontado, de modo que os controles sobre os gastos públicos praticamente se desfez, pois, a qualquer sinal de uma possível investigação contra o Presidente da República e seus amigos mais próximos, decreta-se sigilo de 100 anos sobre o fato.

    É nesse cenário disruptivo, de permanente ataque às instituições democráticas, que a presente segunda edição vem a público. Além dos textos originais da primeira edição, que não perderam em nada em sua atualidade e importância, agregamos aqui textos novos de diversos pesquisadores, que discutem os potenciais emancipatórios do nosso Direito em um cenário de ataque à democracia e ao nosso frágil Estado de Direito.

    Uma boa leitura a todos!

    APRESENTAÇÃO

    Temos a honra e a alegria de apresentar ao público brasileiro o primeiro volume da Coleção Teoria Crítica do Direito, lançada corajosamente pela Livraria e Editora Lumen Juris.

    A iniciativa dessa Coleção partiu da inquietação dos Coordenadores desse presente volume no que respeita à teoria e prática do Direito no Brasil. Os Coordenadores desse presente volume têm percebido a enorme distância que tem separado a produção normativa do Direito e sua prática no Brasil. Em outras palavras: se é verdade que os textos normativos, desde a promulgação da Constituição de 1988, têm se apresentado, enquanto textos, com um enorme potencial emancipatório e de realização da cidadania, com vistas à redução das desigualdades entre as pessoas, possibilitando-se a crença de que somos regidos por um Direito que nós mesmos produzimos enquanto uma comunidade de pessoas livres e iguais, paradoxalmente, por outro lado, a realização ou aplicação desses textos em nossa realidade tem se revelado seletiva, excludente, mantenedora dos privilégios imemoriais gozados por uma elite ou casta social, em tudo contrária às aspirações constantes em nossos textos constitucionais e legais.

    É preciso, portanto, repensar a teoria e a prática do Direito entre nós. Afinal, por que após mais de 26 anos de Constituição democrática e republicana ainda não conseguimos enquanto comunidade realizar minimamente as promessas constantes em nossa Constituição? Por que nossas Instituições(Judiciário, Ministério Público, Polícia, Legislativo e Executivo, para ficarmos só nessas) ainda não se renderam às proclamações democrático-republicanas de nossa Constituição? Será que estaremos condenados a repetir nossos erros, a não implementar o mínimo de democracia que é exigido em uma comunidade fraterna, de modo a ainda mantermos o erro secular da exclusão e da desigualdade? O que ocorrem com nossas Instituições que não conseguem implementar todos os avanços produzidos pelo Texto Constitucional de 1988?

    Os Coordenadores desse primeiro volume da Coleção Teoria Crítica do Direito intitulado Direito, Política e Emancipação: Estudos sobre Biopoder e Insurreição no Brasil não são fatalistas e não acreditam em uma história que se repete de modo a justificar nossa cultura excludente e de castas até hoje.

    Pelo contrário. Ao ousarem pensar, ao tentarem cuidar de si mesmos, convidam todos aqueles interessados na real transformação da nossa realidade também a pensarem, a cuidarem de si mesmos, para, exercitando o direito de dizer a verdade, de falar de modo franco e aberto, cuidarem dos outros e desenvolverem um saber ético transformador que permita a transformação de nossa dura realidade.

    Sim, porque, ao contrário do que muitos dizem por aí, a nossa realidade não é um fato bruto que se impôs a nós, mas algo que nós mesmos, enquanto comunidade, construímos cotidianamente. E, essa construção, até agora, apresenta muitos pontos negativos, apesar de inegáveis pontos positivos!

    Daí o sugestivo título desse primeiro volume que o leitor tem em mãos: Direito, Política e Emancipação: Estudos sobre Biopoder e Insurreição no Brasil.

    Formado por textos de Mestres, Mestrandos, Doutores e Doutorandos em Direito e em diversas outras áreas das Ciências Humanas e Sociais, o presente livro pretende exatamente desvelar as relações entre Direito, Política e as possibilidade de Emancipação, com base na teoria de Michel Foucault, que nos legou uma gramática importante para compreendermos a realidade da Modernidade e agirmos, com vistas à Emancipação e Insurreição no Brasil.

    Se Michel Foucault foi a base para que os diversos autores pudessem pensar e problematizar os diversos problemas enfrentados na efetivação dos direitos fundamentais de todas aquelas categorias de pessoas no Brasil que são estigmatizadas e controladas em suas vidas pelas diversas Instituições, os trabalhos não se limitam ao autor francês. E isso é compreensível exatamente porque o próprio Michel Foucault influenciou e muito diversos outros autores contemporâneos que também se propuseram a problematizar a vida normalizada e disciplinada que acabamos por levar.

    O leitor fará, então, nos diversos trabalhos aqui reunidos, incursão não apenas no pensamento de Michel Foucault, mas também de autores tão díspares quanto interessantes e complementares, tais como Hannah Arendt, Giorgio Agamben, Pierre Boudieu, Judith Butler e tantos outros. E tais autores não se encontram descontextualizados. Ao contrário. São trazidos exatamente para iluminar nossa permanente realidade de exclusão e as possibilidades emancipatórias a partir de uma prática política transformadora.

    Sim, e terminamos nossa breve apresentação por aqui, para não tomarmos mais tempo do nosso caro leitor, porque os Coordenadores desse volume como também seus autores acreditam que há uma relação indissociável entre Direito e Política, de modo que, e nossa realidade assim demonstra, de nada adianta textos jurídicos tremendamente avançados se os cidadãos não se comprometerem politicamente na realização e efetivação dos textos jurídicos aprovados. Há, portanto, um fundamento político para o Direito. A própria escolha desse fundamento político para o Direito não pode ser aleatória e os próprios textos jurídicos nos dão pistas de qual seja. De acordo com a Constituição de 1988, esse fundamento político do Direito é a realização da ideia de que, apesar de nossas diferenças, devemos nos ver e nos tratar como pessoas livres e iguais. Ou, como refere o Texto Constitucional de 1988, um dos objetivos da República Federativa do Brasil é o de exatamente fundar uma sociedade livre, justa e solidária!

    Boa leitura a todos!

    E que da leitura, venha a inquietação, da inquietação, a ação, e da ação, a transformação de nossa realidade!

    E que sejamos capazes, a partir desse momento, de transformar nossas práticas e ações cotidianas, para, pelo menos, reduzirmos a dor que temos infligido a tantos parceiros de nossa comunidade!

    Essa será a grande Insurreição que o presente volume propõe!

    OS COORDENADORES.

    A MINERAÇÃO CORPORATIVA NO ESTADO DE MINAS GERAIS: NECROPOLÍTICAS DE MERCADO E PENA DE MORTE EXISTENCIAL

    Adalberto Antonio Batista Arcelo

    Professor da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas; Doutor em Direito; adalbertoarcelo@gmail.com


    Introdução

    Propõe-se uma problematização crítica e decolonial do empreendimento industrial-minerário no Estado de Minas Gerais, tendo como referência analítica a governamentalidade bio-necro-política.

    Adotando-se pressupostos da filosofia social crítica e decolonial, esta abordagem teórico-metodológica sustenta que a atividade minerária de viés corporativo-industrial tem sido recepcionada e assegurada pelos poderes soberanos instituídos (legislativo, executivo e judiciário). É neste cenário que se faz explícito o conceito de necropolítica (MBEMBE, 2018), ou seja, há um exercício do poder soberano cujo projeto central é a instrumentalização generalizada da existência humana e a destruição material de corpos humanos e populações, mas também de culturas e de ecossistemas.

    Mbembe (2018) relaciona os conceitos de biopoder (FOUCAULT, 2008a; 2008b) e de Estado de exceção (AGAMBEN, 2004) para projetar ainda mais visibilidade ao que o pensamento decolonial latino-americano contemporâneo (QUIJANO, 2020) chama de colonialidade do saber-poder: um processo histórico de subalternização e de eliminação das diferenças a partir da mortificação da alteridade/diversidade.

    Objetiva-se, assim, denunciar a especificidade das relações entre poder político-jurídico, poder econômico e a recorrência da morte no Estado de Minas Gerais, no contexto da indústria minerária, tendo como referência os conceitos de racismo de Estado, de biopolítica, de Estado de exceção e de necropolítica.

    Pretende-se, ainda, contribuir para a promoção de uma concepção decolonial e pluriversal de natureza, de meio ambiente, de cultura e de Direito, de modo a projetar visibilidade e reconhecimento às subjetividades, aos saberes, fazeres e poderes locais, historicamente subalternizados e invisibilizados.

    Percebe-se, à guisa de conclusão provisória, que a mineração corporativa materializa o paradoxo de um projeto de vida boa para subjetividades individuais e coletivas – corpos, coletividades, culturas e ecossistemas compatíveis com um padrão de racionalidade moderno-colonial, mas também de um projeto de morte – física, social e existencial – para aqueles que resistem e transgridem a lógica obsessiva do desenvolvimento pautado na utilidade econômica dos corpos, coletividades, culturas e Ecossistemas.

    2. Desenvolvimento

    Nesta seção vamos realizar uma brevíssima reconstrução do empreendimento e da dinâmica da mineração no Brasil, demonstrando uma verdadeira explosão da atividade minerária em escala industrial nas últimas décadas. Em seguida explicitaremos a amarração teórico-conceitual que conforma o que temos chamado de filosofia social crítica e decolonial, visando à confirmação de nossas hipóteses.

    2.1 A mineração em Minas Gerais

    Rezende (2016), analisando a expansão e os impactos ambientais e sociais da exploração minerária em Minas Gerais, aponta que a mineração neste Estado teve início em princípios do século XVII, e ainda hoje Minas Gerais é o Estado que mais produz minério no Brasil.

    A autora indica que, das reservas de minério medidas e indicadas no Brasil, 67% está localizado em Minas Gerais (REZENDE, 2016). O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), prossegue Rezende (2016), trouxe a estatística de que Minas Gerais, em 2014, produziu 47,01% da produção de minério nacional. Contudo, as limitações do sistema de coleta de informações do DNPM e o significativo volume de lavras informais no Estado sugerem que o volume da mineração no Estado seja ainda maior.

    Tratando da expansão da mineração durante os últimos períodos de 10 anos em Minas Gerais, Rezende (2016) mostra que, no período de 2010 a 2014, foram requeridos 149.946,9 Km² para a mineração, sendo que 32.411,32 Km² foram liberados. No período de 2000 a 2009, foram requeridos 84.992,81 Km², sendo liberados 22.815,05 Km². Rezende (2016) expõe que, de 1935 a 1999, foram requeridos 23.669,99 Km², e 9.140,13 Km² foram disponibilizados para a mineração no Estado. Evidencia-se, assim, uma explosão em termos de acentuação da mineração em Minas Gerais nos últimos 20 anos.

    Rezende (2016) indica que, de acordo com o DNPM, havia em 2014, em Minas Gerais, 258.610,7 Km² (44,09 % do Estado) em alguma fase de concessão para mineradoras, sendo que deste volume, 64.530,62 Km² (11,00 % do Estado) já tinham sido concedidas ou liberadas. As estatísticas oficiais apontavam 40.614 empreendimentos, sendo a maior parte (12,08 %) de minério de ferro.

    A autora considera que o grande aumento da mineração nas últimas décadas decorre, em parte, da estagnação da mineração nas décadas finais do século XX (REZENDE, 2016). Tal estagnação teria refletido, em alguma medida, a incorporação de princípios de sustentabilidade ambiental no aproveitamento dos recursos minerais.

    Araujo e Fernandes (2016) consideram que, com a intensificação da globalização e o aquecimento da indústria mineral em fins dos anos 1990, houve um amplo recrudescimento dos conflitos relacionados à mega-mineração no continente latino-americano. Segundo os autores, a indústria da mineração tem crescido a ritmo acelerado – tanto em volumes extraídos, quanto pela abertura de novas minas, que, em geral, são autorizadas apenas pelo poder central, excluindo-se os moradores locais. (ARAUJO; FERNANDES, 2016).

    A explosão da mega mineração na América Latina, nas últimas 3 décadas, fica ainda mais evidente: Entre 1990 e 1997, os investimentos no setor de mineração no Mundo cresceram 90%, enquanto na América Latina o incremento foi de 400% (BEBBINGTON, 2007 ARAUJO; FERNANDES, 2016). Os autores indicam que a estratégia empresarial dos grandes grupos econômicos se dá em escala global, com a concentração de projetos extrativos no sul global, ou seja, nas periferias da modernidade.

    Neste contexto, a mineração é implantada e consequentemente operada num cenário de precariedade e até de inexistência de normas internacionais com especificações claras, sempre favorecendo os agentes empresariais da indústria da mineração (ARAUJO; FERNANDES, 2016):

    (…) os quase 500 anos de mineração no território brasileiro deixaram grandes passivos ambientais, envolvendo milhares de minas e garimpos. Há também diversos tipos de conflitos socioambientais no território, envolvendo populações tradicionais como índios, quilombolas e populações ribeirinhas; populações atingidas pela instalação de megaprojetos de mineração, populações afetadas pela contaminação decorrente da extração mineral, além de conflitos decorrentes da oposição de interesses e da visão divergente sobre o que é desenvolvimento, especialmente em áreas de grande riqueza natural e com potencial turístico e áreas de concentração populacional. (ARAUJO; FERNANDES, 2016)

    Milanez (2017) denuncia que atualmente tem se mostrado estrategicamente vantajoso, para a construção social da imagem do setor mineral, a adoção de um discurso de atenuação dos impactos ambientais. Trata-se do discurso que sugere a ideia da mina como uma fábrica, uma fonte pontual de poluição cujos impactos poderiam ser mitigados por uma gestão mais eficiente. Contudo, o autor afirma que os impactos socioambientais da mineração não são simples, nem espacialmente limitados ou temporalmente restritos (MILANEZ, 2017).

    Mas apesar dos impactos socioambientais se evidenciarem ecologicamente complexos, espacialmente amplos e temporalmente permanentes, a atuação dos poderes instituídos tem se mostrado amplamente receptiva à intensificação da indústria minerária, o que tem acentuado vulnerabilidades de subjetividades individuais e coletivas, inclusive levando ao quadro de uma necropolítica, considerando-se parcelas da sociedade brasileira atual.

    2.2 A filosofia social crítica e decolonial

    A referência analítica aqui adotada é demasiadamente ampla, daí a expressão filosofia social crítica e decolonial. Remonta-se à base da tradição de análise crítica da sociedade, com o materialismo dialético marxiano (MARX, 1978), passando-se pela analítica do poder foucaultiana (FOUCAULT, 2014) e suas repercussões nos conceitos de Estado de Exceção (AGAMBEM, 2004) e de necropolítica (MBEMBE, 2018), para nos situarmos no Brasil contemporâneo sob o filtro analítico da diferença colonial (MIGNOLO, 2007) e da transmodernidade (DUSSEL, 1993; 2016).

    A percepção do paradoxo e do conflito como estruturantes da dinâmica social levou Marx (1978) à denúncia de todo um estilo de vida e de visão de mundo, que se pretendiam modernos, como meramente burgueses. À medida que uma certa classe social se afirma como hegemônica, tal classe repercute suas demandas e convicções como se fossem universais. E é assim que o norte global, sob o impacto da revolução industrial, reproduz e amplifica um certo jeito de ser que atinge proporções tão grandes a ponto de inviabilizar outras possibilidades. Trata-se de uma relação de dominação que, para muito além da exploração econômica, se desdobra em alienações múltiplas, em processos de objetificação de subjetividades individuais e coletivas.

    Há, em tal crítica, uma poderosa desestabilização daquela concepção da História como um processo civilizatório estruturado por uma evolução linear, um permanente aperfeiçoamento. As bases analíticas do materialismo dialético indicam que a História é, antes, um processo de apropriação, de ressignificação e de imposição de narrativas por grupos e classes sociais hegemônicas. Assim alguns (poucos) contam a história, enquanto outros (muitos) sofrem essa mesma história.

    É a partir desta concepção crítica e conflitivista da História que se estabelece uma conexão entre as bases marxianas da filosofia social crítica e a análise microfísica do poder, desenvolvida por Foucault (2014). Neste arranjo, os rudimentos de uma matriz crítica e interdisciplinar de análise social são atualizados de acordo com a hipercomplexidade das dinâmicas sociais contemporâneas. É neste panorama que Foucault (2010) aponta a sobreposição entre o poder disciplinar e a biopolítica, que culmina em uma sociedade de normalização, ou seja, em um arranjo social em que os parâmetros do normal e do anormal são impostos a partir da convergência entre um padrão microfísico de normalidade e um padrão institucional de normatividade jurídica.

    Pela perspectiva foucaultiana (FOUCAULT, 2010; 2008a), as sociedades de normalização são constituídas pela imposição de um saber-poder que forja verdades e subjetividades, a partir da categorização do normal e do anormal: assim se estabelecem e se legitimam estilos de vida e visões de mundo que funcionam como dispositivos de normalização, objetificando subjetividades – o sujeito normal e o sujeito anormal – pela afirmação de um certo saber-poder.

    Para Foucault (2010) as sociedades de normalização se materializam sob o impacto da revolução industrial, num contexto em que há uma convergência entre o poder disciplinar, que se exerce sobre os corpos individuais, e o biopoder que se aplica sobre as populações.

    O poder disciplinar, segundo Foucault (2010; 2008b), se materializa por dispositivos de vigilância e controle permanentes, que têm a função de adestramento dos corpos individuais pelo parâmetro da utilidade econômica: corpos normais, saudáveis e virtuosos seriam aqueles que reproduzem um certo padrão de utilidade econômica, convergente com categorias caras ao indivíduo masculino, branco, proprietário e detentor de renda, que neste contexto se afirma como padrão de subjetividade hegemônico. O biopoder se materializa nas políticas da vida e da morte, dinamizadas por uma razão de Estado pautada na utilidade econômica das coletividades: os Estados pretensamente modernos e tendencialmente totalitários elegem parâmetros de racionalidade e de normalidade condizentes com interesses específicos de parcelas específicas das populações.

    Assim esses Estados forjam uma política da vida e da morte das populações, determinando aqueles que têm no Direito um dispositivo de emancipação – sujeitos de direitos e garantias, ou seja, cidadãos – e aqueles que têm no mesmo Direito um dispositivo de subalternização – subcidadãos, punidos e mantidos à margem dos direitos e garantias fundamentais e humanos pelo próprio aparato político-jurídico-estatal.

    Segundo Foucault (2010; 2008b), há um acúmulo, uma sobreposição entre os dispositivos disciplinares e biopolíticos nas sociedades contemporâneas. Trata-se da emergência de uma sociedade de normalização, caracterizada pela maior expressão e impacto social de um padrão microfísico de norma que determina as parcelas da população que vão florescer e aquelas que vão perecer.

    Isso porque o padrão normalizador microfisicamente forjado se estrutura no racismo de Estado (FOUCAULT, 2010), ou seja, em um arranjo social rompido pela cisão entre a parcela de normais, a sociedade dos homens racionais, saudáveis e virtuosos, e a parcela de anormais, o contingente de pessoas que, por não se encaixarem na lógica da utilidade econômica dos corpos individuais e coletivos, são inferiorizadas, silenciadas e até eliminadas, para o bem da melhor sociedade.

    Eis o racismo de Estado: um Estado que, ainda que de forma insinuante, ou seja, microfisicamente, elege uma parcela da população como os cidadãos que terão seus direitos garantidos pelo Estado, mas elege também outras parcelas da mesma população como aqueles que precisam ser contidos pela normalização.

    É importante, no âmbito de nossas reflexões, deixar clara a conexão entre as chaves foucaultianas do racismo de Estado e das sociedades de normalização (FOUCAULT, 2010; 2008a) e os conceitos de Estado de exceção (AGAMBEM, 2004), e de necropolítica (MBEMBE, 2018).

    As considerações de Agamben podem ser tidas como um bom exemplo dos desdobramentos contemporâneos da matriz crítica de análise social. Agamben (2004) demonstra como, no seio de uma sociedade de normalização, emerge um Estado de exceção permanente, alimentado pela imposição de um padrão microfísico de norma que neutraliza a performatividade do discurso dos direitos. À medida que a norma jurídica é neutralizada pela normalidade microfísica, o Estado de exceção se impõe ao garantir de forma seletiva direitos, promovendo assim o paradoxo da cidadania: para a garantia dos direitos de alguns, a necessidade de se suprimir direitos de outros.

    Percebe-se que o Estado de exceção é uma mera consequência do racismo de Estado, e neste cenário os dispositivos microfísicos de normalização, que forjam verdades e subjetividades, viabilizam a normalização/naturalização das desigualdades e das vulnerabilidades que discriminam subjetividades individuais e coletivas.

    Esse processo culmina na extrema acentuação das vulnerabilidades e fragilidades: um quadro de pena de morte generalizada – morte física, social e existencial – que tende a abranger parcelas cada vez mais significativas das sociedades contemporâneas, materializado na figura do homo sacer (AGAMBEN, 2002), ou seja, no indivíduo que tem sua condição humana e seu status de sujeito de direitos negados pelo Estado e por expressiva parcela da sociedade.

    Este indivíduo é o outro, aquele que está e precisa continuar à margem da melhor sociedade, que precisa ser silenciado e, até, eliminado, para o bem estar da sociedade normal-normalizada-normalizadora.

    Mbembe (2018) é um filósofo social contemporâneo que tem ganhado muita visibilidade a partir do conceito de necropolítica. Tal conceito se faz relevante nestas reflexões porque indica mais uma atualização da tradição crítica e, principalmente, pelo lugar de fala do analista, que possibilita um filtro analítico marcado pela diferença colonial (MIGNOLO, 2007).

    Mais uma vez explicita-se o propósito de apontar continuidades, apesar das claras rupturas, no âmbito da matriz crítica de análise social. A estrutura argumentativa deste trabalho, ao amarrar as contribuições de Foucault, Agamben, Mbembe, bem como as contribuições do pensamento decolonial latino-americano, se respalda no desafio básico para qualquer reflexão crítica na contemporaneidade: a interculturalidade como conceito de resistência e de insurgência contra a colonialidade do saber-poder materializada nos autoritarismos totalitários.

    Mbembe (2018), falando da África, deixa claro que a estrutura do racismo de Estado, denunciada por Foucault no contexto da Alemanha nazista e da Rússia soviética, é a estrutura fundante das histórias coloniais, tão fortemente enraizadas na África e na América Latina. O analista indica que o colapso da razão moderna decorre da própria base da modernidade.

    É neste ponto que trazemos à tona o pensamento decolonial latino-americano, tendo como referências expressas as chaves ‘sistema-mundo-moderno-colonial-decolonial’ (QUIJANO, 2020; MIGNOLO, 2005) e ‘transmodernidade’ (DUSSEL, 1993).

    O pensamento decolonial latino-americano indica uma ampla convergência entre analistas e análises interdisciplinares, de viés crítico e emancipatório, que se estrutura pela diferença colonial (MIGNOLO, 2007). Quer dizer que, sob o filtro analítico da decolonialidade, modernidade e colonialidade são duas faces de um mesmo fenômeno histórico, que se constitui pela lógica da superioridade e da inferioridade, ecoando contemporaneamente como uma engrenagem que assegura a cidadania para alguns, em tese as subjetividades racionais ou normais, mantendo a imensa vulnerabilidade de subjetividades individuais e coletivas que destoam do padrão normalizado-normalizador da modernidade eurocentrada, o que no contexto do Brasil atual continua sendo a utilidade econômica dos corpos, o racismo e o patriarcado.

    Toda essa constelação analítica possibilita um consistente suporte teórico-metodológico para que possamos analisar a indústria da mineração, em atuação no Estado de Minas Gerais, como um caso concreto e atual da velha lógica moderno-colonial.

    Neste contexto os ainda recentes crimes ambientais de Mariana e de Brumadinho exemplificam a atualidade da nossa história colonial, do racismo de Estado e do Estado de exceção. A subserviência do Estado, via poderes executivo, legislativo e judiciário, às demandas em torno da globalização dos mercados, indica uma receptividade ao padrão microfísico de normalidade, que atrela a dignidade humana ao poder de consumo e à utilidade econômica dos corpos. Consequentemente, o Estado brasileiro se mostra hostil a diversas outras possibilidades de se existir no mundo.

    A indústria da mineração, sob o respaldo dos poderes estatais, se faz uma clara amostra da necropolítica no Estado de Minas Gerais: um processo histórico de subalternização e de supressão das diferenças a partir eliminação da alteridade/diversidade.

    Assim, a mineração corporativa materializa o paradoxo de um projeto de vida boa para subjetividades individuais e coletivas – corpos, coletividades, culturas e ecossistemas compatíveis com um padrão de racionalidade moderno-colonial, mas também de um projeto de morte para aqueles que transgridem a lógica obsessiva do desenvolvimento pautado na utilidade econômica dos corpos, coletividades, culturas e ecossistemas.

    3. Conclusão

    As necropolíticas decorrentes do sistema-mundo moderno colonial, como a expressão evidencia, culminam na imposição da morte generalizada – física, social e existencial – de subjetividades individuais e coletivas, mas também de culturas e de ecossistemas.

    A singularidade da dinâmica social brasileira, intrinsecamente marcada pela colonialidade do saber-poder, ou seja, pela inferiorização e eliminação de posturas e visões de mundo – modos de existir – discrepantes de um certo padrão de racionalidade, demonstra que a dinâmica de atuação da indústria da mineração no Brasil atual é uma clara reverberação do racismo de Estado e, consequentemente, de um Estado de exceção permanente.

    A necropolítica atinge, assim, o paroxismo de uma política discriminatória, deteriorada por uma razão de Estado utilitarista e extremamente simplista ao identificar cidadania com poder de consumo. Daí o paradoxo de um pretenso Estado Democrático de Direito que inviabiliza a existência de subjetividades individuais e coletivas, bem como de culturas e ecossistemas que, de alguma maneira, resistem às imposições do mercado, do racismo e do patriarcado.

    O pensamento decolonial indica, com os conceitos de interculturalidade (WALSH, 2009; DUSSEL, 2016) e de transmodernidade (DUSSEL, 2016), que é amplamente possível redimensionar e adaptar os empreendimentos minerários às necessidades existenciais de subjetividades, culturas e ecossistemas. Mas o Estado brasileiro, e Minas Gerais particularmente, têm dado mostras de que permanece a escolha por uma governamentalidade bio-necro-política, ou seja, pelo crescimento econômico subsidiado pela generalização da morte – física, social e existencial.

    Referências

    AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Tradução Henrique Burigo. – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

    AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. – São Paulo: Boitempo, 2004.

    ARAUJO, Eliane; FERNANDES, Francisco Chaves. Mineração no Brasil: crescimento econômico e conflitos ambientais. In: Grupo de estudos sobre conflitos ambientais. Conflitos ambientais na indústria mineira e metalúrgica: o passado e o presente. – Rio de Janeiro: Editores Paulo Eduardo Guimarães e Juan Diego Pérez Cebada, 2016.

    DUSSEL, Enrique. O encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1993.

    DUSSEL, Enrique. Transmodernidade e interculturalidade: interpretação a partir da filosofia da libertação. In: Revista Sociedade e Estado. V. 31. N. 1. Jan./Abr. 2016. – Brasília, 2016.

    FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população: curso no Collège de France (1977-1978). Trad. Eduardo Brandão. – São Paulo: 2008a.

    FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica:

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