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Esquadra de polícia
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E-book126 páginas1 hora

Esquadra de polícia

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Sobre este e-book

Esquadra de polícia é um retrato de uma força de segurança urbana mas é, também, a ilustração de um país onde, no que diz respeito ao policiamento, a democracia se foi instalando aos poucos. O livro traduz, nos aspetos mais sensíveis da vida quotidiana e das relações humanas, as estratégias e táticas desta instituição, dos polícias nos bastidores de uma esquadra e nas ruas e vidas dos agentes, passando pelas tramas do difícil policiamento de um crime público, como é o da violência doméstica. O livro termina com uma questão: “Que futuro estará reservado às esquadras?” Durante quinze anos Susana Durão dedicou a sua carreira académica a estudar os polícias e o policiamento em Portugal. Vários projetos a fizeram acompanhar de perto as rotinas de trabalho das esquadras portuguesas bem como os dilemas e os impasses organizacionais e sociais da aplicação da lei. Quem quiser saber o que é e o que se faz numa esquadra de polícia em Portugal terá forçosamente que mergulhar na leitura desta obra.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de mar. de 2016
ISBN9789898838131
Esquadra de polícia
Autor

Susana Durão

Susana Durão é doutorada em Antropologia e vive atualmente no Brasil. Leciona e desenvolve pesquisas na área da segurança pública e privada, crime e violência no Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas. Durante 15 anos o seu contexto de pesquisas foi a PSP e o policiamento urbano em Portugal.

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    Esquadra de polícia - Susana Durão

    Introdução

    Durante muitos anos acompanhei, conversando, rindo, enquanto refletia sobre a atividade de vários agentes, chefes e oficiais de polícia. Muitas vezes também os critiquei. No início do milénio, a polícia era um mundo desconhecido em Portugal. Sabíamos alguma coisa através dos jornais. Começavam a ser promovidas campanhas modestas de prevenção e um titubeante marketing institucional. Mas do seu funcionamento, nada. Decidi que, entre 2004 e 2005, permaneceria longamente numa única esquadra, a 24ª, situada em Campo de Ourique, circulando dali para outras, até conhecer de cor o vocabulário e os imaginários do policiamento, o que lhes dava sentido e o seu enraizamento nas ruas da cidade. Mergulhar nos ambientes profissionais e familiares destas pessoas foi meio caminho andado para vir a escrever literatura científica. Uma esquadra é, e será sempre, um projeto de policiamento urbano. Mas para mim, e seguramente para os agentes, ela é também um lugar de sequências de situações vividas. É na relação com a cidade e com as pessoas que ela faz sentido. Desde então, não mais cessou o meu interesse pelo policiamento e, com base nele, projetei múltiplas pesquisas sobre temas correlacionados: a história da polícia em Portugal, o estatuto das mulheres na polícia, o policiamento da violência doméstica e a cooperação portuguesa para a formação de oficiais de países lusófonos africanos e no Brasil. Visitei esquadras de norte a sul do país. Perdi já o número de entrevistas gravadas a agentes, chefes, oficiais, cadetes, aspirantes e outros técnicos deste mundo. A abertura e o apoio que recebi de várias pessoas na Polícia de Segurança Pública foram cruciais para a condução do meu trabalho, bem como a tolerância dos cidadãos que, quando eram avisados sobre as intenções da pesquisa, nunca se opuseram à minha presença no momento em que eram abordados pelos polícias.

    Em janeiro de 2013 abandonaria o meu país rumo a uma carreira académica em São Paulo, no Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O meu último adeus passou, também, pelo culminar de um percurso que me envolveu em trocas constantes com os mais diversos polícias. Foi preciso ritualizar o fim. Num almoço com oficiais da PSP, esses que fui conhecendo cada dia melhor desde 2001, receberia o master-símbolo da instituição. Seria presenteada com uma estatueta em cristal de S. Miguel Arcanjo, patrono da instituição, homólogo de S. Jorge, que tantos devotos tem no Brasil, e figura que, com maior ou menor solenidade, é lembrada nos comandos metropolitanos e distritais em Portugal no dia litúrgico de 29 de setembro. Alguns dias depois almoçaria com um amigo querido, um dos chefes que mais lutou pelo policiamento de proximidade em Portugal, e aquele com quem mais conversei sobre polícia ao longo dos anos. Nunca pude despedir-me, um a um, de todos os agentes que conheci. Felizmente sou amiga de vários deles no Facebook. Assim podemos continuar a trocar palavras encorajadoras e críticas à distância. O que eu não sabia era que o destino me reservava escrever uma reportagem sobre esse tempo passado nas esquadras.

    Por fim, lembro que as diversas pesquisas que estão na base deste livro foram suportadas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Partes do texto são retiradas do meu livro "Patrulha e Proximidade. Uma Etnografia da Polícia em Lisboa", publicado pela Almedina em 2008. Esta reportagem não teria sido concebida sem o incentivo e apoio do António Araújo, de uma compreensão e profissionalismo a toda a prova. Num país pequeno onde todos se conhecem, recorro a pseudónimos de modo a preservar a identidade dos envolvidos, não por não merecerem ser nomeados, mas porque a intimidade e a força das palavras que trocámos poderiam comprometê-los.

    Esquadra de polícia

    Uma esquadra é…

    A primeira vez que pisei uma esquadra de polícia foi na condição de pesquisadora em antropologia e estudante de doutoramento no ISCTE-IUL. Ali entrei para entrevistar um comandante, com hora previamente marcada pelo pessoal do então incipiente Gabinete de Comunicação e Relações Públicas da Direção Nacional (DN) da Polícia de Segurança Pública (PSP). Corria o mês de maio no ano de 2001 e, desde então, interesso-me por estes homens e mulheres que fardam de azul. Passei por um estreito e soturno corredor até chegar à sala onde me aguardava esta autoridade local na esquadra da Praça da Alegria, também em pleno coração de Lisboa. Guardo na memória a face do subcomissário Borges, um homem encorpado de cabelos grisalhos, perto dos 60 anos e com acentuado sotaque nortenho. Como muitos dos que viria a conhecer, era da região de Viseu. Falámos fundamentalmente do policiamento diurno e noturno, da gestão e vidas dos agentes e chefes. Não recordo detalhes do espaço de receção e atendimento aos cidadãos, mas sei hoje que, como a maioria das esquadras, mesmo as mais antigas integradas no tecido urbano existente, também esta sofreu importantes remodelações no sentido de se fazer parecer mais transparente e acessível ao comum dos cidadãos.

    Segundo os agentes, embora estas unidades policiais de bairro raramente atinjam as condições materiais desejáveis do ponto de vista operacional e do bem-estar no trabalho, os anos 1990 marcariam uma viragem, encontrando-nos já muito longe das descrições insalubres dos anos 30. Numa rara e rica monografia sobre as esquadras de Lisboa, intitulada Subsídios para a História da Localização das Esquadras da Polícia de Lisboa, pode ler-se num trecho referente a 1932: "As instalações da Esquadra da Rua dos Capelistas eram no seu todo apenas um pequeno e único compartimento, mesquinhamente dividido por um sórdido tabique de madeira, e onde uma afamada e destemida legião de vorazes ratazanas campeava impune, fazendo verdadeiras sortidas a todas as pequenas dependências, indiferentes em absoluto à presença do pessoal e procurando afoitamente qualquer resto de comida".

    As esquadras eram na altura, se é que não vêm sendo desde a transição do último quartel do século XIX com a institucionalização desta corporação, as unidades mais conhecidas de toda a PSP. É difícil dizer ao certo quantas destas unidades de policiamento genérico funcionam hoje no país. Se algumas fecham por falta de condições, ou razão de existência, outras são criadas em áreas que entretanto foram sendo urbanizadas. O policiamento tende a acompanhar a demografia e as políticas de governo e de cidade, mas os critérios para a criação destas unidades de polícia nunca foram uniformes. Para fazer uma proposta ao Ministério da Administração Interna (MAI), a DN da PSP tem de conhecer, antes de mais, o património imobiliário da corporação, ou a ela cedido por organizações públicas, privadas ou mecenas. A decisão de criar uma esquadra ou uma divisão nas regiões urbanas requer um estudo aprofundado. Mas a verdade é que este pesará tanto na decisão do ministro como as pressões locais, a receção e a motivação política para responder a tais pressões e, evidentemente, os calendários eleitorais e a avaliação de popularidade do governo. Em bairros no centro da cidade, a população começa a escassear e a envelhecer. Torna-se, assim, mais improvável encontrar nesses lugares esquadras criadas de raiz.

    Ao contrário do que acontece com um hospital, um centro de saúde, uma repartição de finanças ou uma loja do cidadão, é natural que pessoas que viveram quase toda a sua existência no período democrático, desconheçam estes espaços, seja por falta de necessidade ou de contato direto. Pessoalmente, nunca tive queixas nem concretizei uma denúncia, não conheci razões objetivas para chamar a polícia nem tive problemas com a autoridade. É possível que se reveja nesta descrição, leitora ou leitor deste livro, pois é comum para muitos residentes dos bairros centrais da cidade de Lisboa (experiência seguramente diferente para quem vive em bairros pobres, periféricos ou de migrantes) e com rotinas marcadas entre a casa e o trabalho, interagir com a polícia apenas em situações pontuais: com agentes no trânsito, numa operação stop ou em situação de estacionamento irregular. Mais do que isso, significaria entrar em zonas de conflito, onde pessoas e bens se confundem. Podemos passar muitos anos em contato visual com os agentes que povoam os universos das esquadras, mas sem precisar de entrar numa

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